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1999_Luzes-ApostoloPulchrum

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LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ<br />

Ele é ele, envolto por elementos rasos,<br />

dominando-os só por si. Muito<br />

mais do que sua altura, vale sua unicidade.<br />

A esta característica do Mont<br />

Saint Michel correspondem também<br />

algumas disposições da alma humana.<br />

De fato, há coisas que ela admira<br />

quando são únicas e não vêm<br />

acompanhadas de outras igualmente<br />

belas. Por exemplo, uma jóia constituída<br />

apenas de uma fina corrente<br />

de platina, da qual pende um brilhante<br />

grande e claríssimo, posta<br />

sobre um fundo de veludo negro,<br />

pode ser mais esplêndida do que<br />

uma outra emoldurada por cem pedras<br />

preciosas. Às vezes é mais<br />

bonito ostentar essa valiosa companhia,<br />

outras vezes é apresentando-se<br />

como único. São estados do<br />

belo, que equivalem a estados do<br />

espírito humano: ora cada um de<br />

nós lucra sendo visto no seu contexto,<br />

ora considerado na sua unicidade.<br />

E para alçarmos logo o supremo<br />

vôo dessas comparações, digamos<br />

que esse aspecto do Mont Saint Michel<br />

é uma pequena imagem do por<br />

onde o próprio Deus é único. Essa<br />

é uma rocha firme e alta, no meio<br />

de areias e praias movediças, como<br />

Deus é eterno e supremo no meio<br />

do movediço das coisas que Ele<br />

criou.<br />

* * *<br />

O rochedo e a vegetação. Destruamos<br />

esta e veremos como a<br />

aparência daquele fica prejudicada.<br />

Porque é agradável vislumbrar algum<br />

aspecto do mosteiro a perderse<br />

na mata cerrada, a qual imaginamos<br />

fresca, coberta de sombras, e<br />

talvez umedecida por duas ou três<br />

fontes que, nascidas do alto, por ela<br />

correm num suave e apaziguante<br />

murmúrio...<br />

Sem dúvida, é interessante ver o<br />

edifício como que se desfazendo em<br />

sombras e mistérios. Tanto ou mais<br />

bonito é vê-lo claro, altivo, agarrando-se<br />

ao rochedo que lhe serve de<br />

alicerce e dominando-o; é contemplá-lo<br />

na elegância de suas linhas<br />

que avançam para o céu, e na<br />

solidez de suas pedras que resistem<br />

e se afirmam diante dos elementos<br />

adversos.<br />

É bela a alma humana quando,<br />

com franqueza, proclama sua personalidade,<br />

se exprime e se define. É<br />

igualmente bela quando, com discrição,<br />

conserva alguma coisa consigo,<br />

exclusivamente sua. Ter seus<br />

mistérios e suas explicações, ter suas<br />

proclamações mas também suas intimidades,<br />

constitui um jogo de aspectos<br />

muito nobre para o espírito<br />

humano. Então, não será algo em<br />

nós que aprecia sua própria penumbra,<br />

e se deleita em olhar para o<br />

Mont Saint Michel? E não será algo<br />

em nós, sedento de proclamar-se, de<br />

afirmar-se e de ser uma fortaleza,<br />

que se identifica com esse monte<br />

que assim se declara à luz do sol?<br />

Sim, em todo homem se encontram<br />

essas várias disposições. Temos,<br />

em nossa alma, facetas que<br />

gostariam de se mostrar inteiras,<br />

sem véus; temos zonas delicadas<br />

que confiamos a poucos; e outras<br />

que, embora façam parte de nossa<br />

riqueza, nem nós conhecemos e<br />

tão-só as pressentimos, pois são vistas<br />

apenas por Deus.<br />

Resultado, a alma humana encontra<br />

na variedade do Mont Saint<br />

Michel uma expressão de si mesma,<br />

uma semelhança e uma alegria.<br />

* * *<br />

O mosteiro, mais bem um conglomerado<br />

de prédios distintos, tem<br />

algo de fortaleza, algo de residência<br />

e algo de igreja.<br />

Ombreando-se por entre as irregularidades<br />

do morro, as casas de<br />

uma pequena aldeia se eclipsam à<br />

sombra do grande e proeminente<br />

edifício religioso. No interior deste,<br />

um claustro que exprime ordenação<br />

e sabedoria extraordinárias, nascidas<br />

da piedade medieval, filha ela<br />

mesma da ordem e da sapiência da<br />

Igreja Católica. Imaginemos a vida<br />

entre essas paredes sagradas: monges<br />

estudando em magníficas bibliotecas<br />

ou cantando o Ofício na<br />

igreja; um que se acha recolhido em<br />

sua cela, desenhando lindas iluminuras<br />

num pergaminho, enquanto<br />

outro na oficina entalha um bonito<br />

capitel para uma coluna ainda desprovida<br />

de ornatos.<br />

Depois, na periferia das construções,<br />

há espaços para a luta e a<br />

guerra. Confundindo- se com as rochas,<br />

erguem-se como que muralhas<br />

nas quais podemos figurar mongescruzados<br />

resistindo e expulsando,<br />

passo a passo, os invasores que debalde<br />

intentam conquistar a fortaleza<br />

inexpugnável.<br />

Como tudo se encaixa bem no<br />

Mont Saint Michel! Síntese de oração,<br />

de estudo, de recolhimento, de<br />

arte e de luta. Unicidade que encontra<br />

sua máxima expressão na torre<br />

do campanário, forte, desafiante, inamovível,<br />

como se fora um pesa-papéis<br />

colocado sobre papéis diferentes,<br />

como quem diz: “O vento não os<br />

faz esvoaçar nem os tira daqui!”<br />

No alto dessa torre, uma flecha.<br />

No cimo da flecha, a estátua do Arcanjo,<br />

que parece proclamar: “A síntese,<br />

a correlação de todos esses aspectos<br />

é tão vária e tão imensa que<br />

se perde nas nuvens, abisma-se no<br />

céu!”<br />

E então poderíamos dizer que,<br />

no seu conjunto, o Mont Saint Michel<br />

é um magnífico símbolo do Sapiencial<br />

e Imaculado Coração de<br />

Maria, Rainha dos Doutores, Rainha<br />

dos Profetas, Rainha dos Mártires<br />

e dos Guerreiros, Rainha de<br />

todos os Santos.<br />

Mais. Símbolo d’Aquele que veremos<br />

face a face na bem-aventurança<br />

eterna, no seu vulto inteiro,<br />

embora não na totalidade de cada<br />

uma das suas perfeições: Deus Nosso<br />

Senhor, infinitamente claro e infinitamente<br />

misterioso, pelos séculos<br />

dos séculos. Amém! <br />

Sudres/Maison de la France<br />

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