1999_Luzes-ApostoloPulchrum

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LUZES DA CIVILIZAÇÃO CRISTÃ Revista Dr Plinio 18, Setembro 1999 e me fosse dado passar uma tarde diante do Mont Saint Michel, ditosos e abençoados seriam para mim esses momentos. Ali me agradaria estar, ora contemplando e analisando o mosteiro, ora pensando em temas elevados que teriam com ele uma certa afinidade, sentindo sempre o calor de sua presença como ponto de referência para o vôo variegado da cogitação de alguém que descansa. Por onde enveredariam essas análises e reflexões? * * * O Mont Saint Michel é um conjunto de aspectos, uma unidade na variedade, que simboliza de modo muito eloqüente determinados valores sobrenaturais, bem como certos movimentos e qualidades da alma humana. Esse simbolismo é mais bem compreendido se considerada a relação entre os diversos elementos que compõem o cenário. Primeiro, o mar e a elevação rochosa. Para se medir a importância do mar nesse panorama, basta imaginarmos que, depois da praia, não houvesse mais o oceano, mas começasse a se alastrar ali uma megalópole contem- porânea. Como tudo mudaria e perderia sua beleza tão singular! Pelo contrário, como esse conjunto lucra e se enriquece com a presença do mar e seus diversos movimentos! Ora ele vem meio caprichoso, boudeur, fazendo um pouco de fronda, inunda a praia, enche todos os espaços em volta do monte e acaba por se chocar contra os rochedos que ele mesmo talhou, e com os quais construiu uma espécie de muralha natural para conter seu próprio ímpeto. Ora ele se aproxima manso e se retira, deixando seu cartão de visitas nas franjas da areia. Ora são ondas que vêm e vão, lambendo a praia em todas as direções, como se o mar inteiro estivesse se espreguiçando e

olhando para o mosteiro que, sobranceiro, do alto o observa. E nisso temos a expressão de um estado de alma. Pois uma das formas de admirar o Mont Saint Michel seria a de alguém que, morando em frente a ele, ao acordar de manhã, e enquanto se espreguiça, de sua janela o contempla. A admiração comporta essa atitude de espírito. Considerando o mar, poderíamos ainda ver seus diferentes movimentos se acercando ou não do mosteiro, admirálo a distâncias diversas, como um símbolo dos movimentos — legitimamente vários — da apetência humana. * * * Há, depois, a extensa faixa de solo arenoso que aparece junto ao monte, quando as águas refluem e dele se afastam. A pergunta que nos vem à mente é esta: seria mais bonito que o mar tocasse continuamente no mosteiro, e nunca deixasse à vista esse pedaço de terreno? Certamente, não. Porque, nesse conjunto, a grande praia tem seu papel. Em determinados momentos, ela permite ao mosteiro conter o mar à distância, e como que dominar em torno de si uma periferia, tendo a seus pés areias submissas e rasas. E nesse aspecto do Mont Saint Michel encontramos também analogia com outro estado de alma do homem, quando este exerce alguma função de mando e senhorio. Por sua vez, o rochedo lucra bastante em ser único dentro de uma praia lisa e imensa. Parece-me inegável que sua beleza ficaria diminuída se houvesse quinze morros como ele, encostados uns nos outros, formando uma espécie de cordilheira que avançaria para o mar. O fato de ser único quase nos faz esquecer de sua altura. Pois quem está cercado de areia por todos os lados, tem todas as alturas. Ele, nessa planície, não é um anônimo: é supremo. Maison de la France

olhando para o mosteiro que, sobranceiro, do<br />

alto o observa.<br />

E nisso temos a expressão de um estado de<br />

alma. Pois uma das formas de admirar o Mont<br />

Saint Michel seria a de alguém que, morando<br />

em frente a ele, ao acordar de manhã, e enquanto<br />

se espreguiça, de sua janela o contempla.<br />

A admiração comporta essa atitude<br />

de espírito.<br />

Considerando o mar, poderíamos<br />

ainda ver seus diferentes<br />

movimentos se acercando ou<br />

não do mosteiro, admirálo<br />

a distâncias diversas,<br />

como um símbolo dos<br />

movimentos — legitimamente<br />

vários<br />

— da apetência<br />

humana.<br />

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Há, depois, a extensa faixa de solo arenoso<br />

que aparece junto ao monte, quando as águas<br />

refluem e dele se afastam. A pergunta que nos<br />

vem à mente é esta: seria mais bonito que o<br />

mar tocasse continuamente no mosteiro, e<br />

nunca deixasse à vista esse pedaço de terreno?<br />

Certamente, não. Porque, nesse conjunto, a<br />

grande praia tem seu papel. Em determinados<br />

momentos, ela permite ao mosteiro conter o<br />

mar à distância, e como que dominar em torno<br />

de si uma periferia, tendo a seus pés areias<br />

submissas e rasas.<br />

E nesse aspecto do Mont Saint Michel encontramos<br />

também analogia com outro estado<br />

de alma do homem, quando este exerce alguma<br />

função de mando e senhorio.<br />

Por sua vez, o rochedo lucra bastante em ser<br />

único dentro de uma praia lisa e imensa. Parece-me<br />

inegável que sua beleza ficaria diminuída<br />

se houvesse quinze morros como ele, encostados<br />

uns nos outros, formando uma espécie<br />

de cordilheira que avançaria para o mar.<br />

O fato de ser único quase nos faz esquecer<br />

de sua altura. Pois quem está cercado de<br />

areia por todos os lados, tem todas as<br />

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é um anônimo: é supremo.<br />

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