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caótico de penas murchas e filamentos<br />

rasgados. Grael era, até então, um ser<br />

por essência ­ sem projecto ou impacto,<br />

e que portanto não oferecia resistência.<br />

Infortunado em destino. Assim.<br />

Inconformado à existência? Não<br />

nascido,virtual, imaturo àquele turbilhão<br />

de inclemência e desagregação, sobre o<br />

qual não possuía matriz, tudo para ele<br />

pareceria virgem e final, horrendo e<br />

terreno. Ninguém e a alternidade. O seu<br />

invólucro frágil, espírito apenas, ali jazia<br />

­ devastado, entretanto, pelas<br />

crescentes emoções primordiais. Por tal<br />

fenómeno extraordinário, também Grael<br />

só ia agora adquirindo consciência de<br />

haver chegado a um edifício imponente,<br />

recôndito. Pedras em ruínas, de um<br />

tempo e de um templo ao abandono.<br />

Algo de um culto que se lhe<br />

assemelhava ­ destruído e espoliado.<br />

Refúgio? Sepulcro? No seu interior,<br />

como tudo o que era obscuro, Grael<br />

lograra o último albergue para o íntimo<br />

recolhimento. E um leito de agonia...<br />

Então, Grael optou por uma atitude de<br />

recuperação. Como aquelas viagens que<br />

nós fazemos imóveis, entre o sono e o<br />

sonho, com o corpo, mutante, a<br />

restabelecer­se ­ febril, sob o seu<br />

próprio rumo e ritmo. Desprovido já da<br />

utopia intrínseca, restava a Grael uma<br />

autopurificação. Células, órgãos, nervos,<br />

ossos, tecidos, cartilagens ­ tudo a<br />

regenerar-se, num consolo primário, até<br />

que pudesse porventura atingir o limiar<br />

da ascese. Quantos o almejam? É<br />

precário, porém, o apogeu. As muralhas<br />

tolhem aos que não se elevam. Quem<br />

Grael foi, irradiava candura, ciente<br />

embora da perversão nas trevas. Ora,<br />

não<br />

há limites infinitos. Aquela mesma<br />

construção em que se acolhia, agora e<br />

em escombros,<br />

bradara outrora aos céus, até soçobrar à<br />

instalação dos desígnios marciais.<br />

Conventos por quartéis. Aqui, em<br />

Portugal, na opção inversa aos<br />

guerreiros que se converteram em<br />

sagrados. A espada de fogo em<br />

contraste ao espectáculo da morte.<br />

Forjando o afã de liberdade, num mundo<br />

consumido pelas labaredas do<br />

aniquilamento. Exércitos que um dia,<br />

ainda ontem, fenderam o vão entre as<br />

alturas e as profundezas. Preenchendo<br />

tal vazio com o urro da animalidade, o<br />

pavor avulso, os combatentes<br />

estropiados, os cadáveres em<br />

putrefacção, os esqueletos ávidos da<br />

sua argamassa palpitante. Agora, tudo<br />

em Grael se confundia e distinguia, se<br />

definia e deprimia. Com um gemido,<br />

ampliava o silêncio coral que ia<br />

assombrando este país em<br />

decomposição ­ petrificado quanto ao<br />

signo astral e ancestral, exacerbado pelo<br />

ritual necrofílico. Gerando monstros,<br />

despovoado, exultando com a mutilação,<br />

exaltando ao precipício a sua própria<br />

mística. Um cálice sublimado, corrupto<br />

pela sede da ressurreição. Atraído e<br />

dissecado, eis Grael perante a<br />

normalidade. Despedaçado. Implícito. O<br />

fluido da vida era o sopro que o<br />

transformara. O homem, entre anjo e<br />

besta.<br />

Os SobreNaturais

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