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ESTREMECE O CONVENTO,<br />
COM VENTO NAS ENTRANHAS<br />
José de Matos-Cruz<br />
19 de Fevereiro de 1918<br />
A um canto do compartimento austero,<br />
ténue, Grael estava com o corpo<br />
estendido sobre o catre. Dorido, a tiritar,<br />
desfeito. Sem o aperceber. Num plano<br />
latente ao sofrimento, a sua mente<br />
flutuava, porém transida ao tormento<br />
carnal. Afinal, o padecer etéreo<br />
transcendia-o.<br />
O martírio físico de Grael, as partes que<br />
o supliciavam, eram as incompletas. As<br />
suas costas, com dois buracos, negros<br />
coágulos encobertos por um lençol de<br />
linho, ensanguentado e descomposto.<br />
Grael tentava não se mexer, fazer<br />
esforço, com receio de abrir de novo as<br />
feridas. Há pouco ainda na condição<br />
humana, porém sabia muito bem como<br />
esta era débil e vulnerável. Como<br />
poderia, mesmo, sucumbir. O olhar<br />
vítreo de Grael permitia-lhe enxergar,<br />
vagamente, as pontas dos pés sujos,<br />
macerados, e as unhas desfeitas de<br />
tanto se arrastar até àquele lugar.<br />
Quando os braços<br />
haviam já desfalecido, em flacidez, num<br />
inútil e defraudado anseio alado. Fora a<br />
última, desesperada tentativa de Grael <br />
ao menos, para se manter erguido.<br />
Ele que estava habituado a pairar,<br />
gracioso. Num ritmo harmónico das suas<br />
asas, que lhe<br />
tinham sido extraídas. E Grael sentira,<br />
em cada instante, o ímpeto dos<br />
músculos, dos tendões, das veias a<br />
desenraizar-se, de dentro dele cá para<br />
fora, até ter diante de si um despojo