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O MENINO DA LUA<br />
Sofia Guilherme Lobo<br />
Adriano era uma criança da Lua. Vivia<br />
numa pequena casa cinzenta entre<br />
muitas outras casas cinzentas, no mar<br />
da serenidade, ligadas umas às outras<br />
por tubos octogonais também cinzentos.<br />
Era uma casa sem janelas, totalmente<br />
fechada, com uma temperatura<br />
constante, sempre esterilizada, tudo<br />
sempre limpo, com um leve cheiro de<br />
hospital que já ninguem notava. E, como<br />
todas as crianças da Lua, Adriano nunca<br />
saía para o exterior, era um prisioneiro<br />
sem saber, daquela casa e daqueles<br />
tubos, como ruas cobertas estreitas, que<br />
o levavam ao centro comercial ou à<br />
escola.<br />
Um dia Adriano saíu daqueles tubos. Foi<br />
numa visita de estudo, mas preparada<br />
com pompa e circunstância, como um<br />
grante evento, já era crescidinho, já<br />
podia usar um escafandro, por isso, já<br />
podia dar o primeiro passeio na<br />
paisagem lunar. Muito excitado, ansioso,<br />
Adriano, como todas as outras crianças,<br />
passaram pelas portas de<br />
descompressão, e entrou no deserto<br />
sem fim do mar da serenidade.<br />
Assustou-se com o espaço, era muito<br />
espaço, vazio até ao infinito. O máximo<br />
de espaço livre a que estava habituado<br />
era às salas de recreio da escola. As<br />
casas cinzentas vistas do exterior, ao<br />
longe, pareciam um pequeno brinquedo<br />
escuro, frio e feio naquela paisagem<br />
parada, como um erro natural, que<br />
estragava o seu encantamento. E, lá no<br />
alto, naquele céu estrelado e negro, uma<br />
forma branca e azul sorria para ele,<br />
maravilhosa, ao lado de um Sol<br />
ofuscante, ainda mais distante. Sabia o<br />
que era, a Terra, a mãe já lhe falara<br />
nela, de como os seus avós, ainda muito<br />
jovens, tinham fugido dela, praticamente<br />
apenas com a roupa que tinham no<br />
corpo e em pouco tempo conseguiram o<br />
direito a uma vida próspera e lucrativa na<br />
Lua. Adriano observava a Terra distante,<br />
como um bela canção envolvente,<br />
transmitindo sonhos cor-de-rosa à sua<br />
mente de menino de cinco anos e,<br />
quando voltaram para o cinzento,<br />
Adriano continuava a ouvir a mesma<br />
canção, como o canto das sereias,<br />
atraindo os marinheiros, e no seu<br />
coração crescia a ânsia e a dúvida. Já<br />
não era uma criança da Lua como todas<br />
as outras, era uma criança que olhava<br />
para a Terra e o Sol suspirando de<br />
saudades de algo que não conhecia. Ao<br />
fim de alguns dias, logo esqueceu o seu<br />
sonho dourado e as fantasias deixaramno<br />
com uma leve sensação de vazio, até<br />
que um dia, a brincar na casa do avô,<br />
encontrou um velho baú de madeira.<br />
Tinha um toque estranho, ligeiramente<br />
áspero mas agradável ao mesmo tempo.<br />
- O que é isto avô? – Perguntou<br />
transbordando de curiosidade.<br />
- É uma arca de madeira, uma<br />
antiguidade, já não existem muitas.<br />
- Para que serve?<br />
- Guarda coisas, olha...<br />
O avô levantou a tampa do baú expondo<br />
o seu conteúdo. Adriano nunca tinha<br />
visto uma revista, ou papel sequer, e ali,<br />
à sua frente, estavam centenas de<br />
revistas, revistas feitas de papel já muito<br />
velho, de cores esbatidas, enrugado pelo<br />
uso, e naquele papel estava a Terra,<br />
como recordações paradas num dado<br />
momento para mais tarde recordar.<br />
Maravilhado, Adriano não voltou a<br />
afastar-se daquelas revistas e daquelas<br />
recordações que não eram suas e<br />
aprendeu a conhecer animais e plantas,<br />
e onde viviam, no mar, nas montanhas