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Revista LiteraLivre 9ª edição

9ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 9nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

9ª Edição da Revista LiteraLivre, uma revista virtual e ecológica, criada para unir autores que escrevem em Língua Portuguesa em todo o mundo. 9nd Edition of LiteraLivre Magazine, a virtual and ecological magazine, created to bring together authors who write in Portuguese throughout the world. Http://cultissimo.wixsite.com/revistaliteralivre/comoparticipar

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<strong>LiteraLivre</strong> nº 9 – Maio/Jun de 2018<br />

Sara Timóteo<br />

Póvoa de Santa Iria/Lisboa - Portugal<br />

Masil 101<br />

Maria Silva, conhecida por Masil no seio de uma reduzida esfera social<br />

composta por colegas e subordinados, deteve-se a olhar para o panegírico<br />

começa aqui. Debalde tentou cogitar sobre a utilidade e implicação de uma tal<br />

proposição inscrita na vitrina de uma livraria em pleno Chiado. Desalojou os<br />

vestígios de chuva acumulados sobre a gabardina verde-escura que envergava e<br />

desceu os degraus anfitriões de livros antigos. Procurava, nesse dia, um livro que<br />

rareava nas grandes cadeias comerciais.<br />

A época natalícia parca alegria implicava para a inspetora da Polícia<br />

Judiciária pois, tal como todos os solitários, encontrava-se à mercê dos<br />

fantasmas dickensianos emergentes do seu quotidiano.<br />

Numa rusga anterior no Bairro da Serafina, havia sido desvendado o<br />

desfecho da vida de Catarina, e Masil experimentara um desalento a que subjazia<br />

o alívio pois, por fim, poderia dar descanso às congeminações sobre o destino da<br />

menina. A inspetora não cedera a qualquer ilusão aquando do rapto: sabia o que<br />

acontecia aos desaparecidos pertencentes a esta faixa etária. Não imaginara,<br />

porém, que o corpo pudesse estar tão perto de si – apenas dez minutos de<br />

percurso sobre estrada alcatroada separavam a mãe da criança.<br />

Regressou ao presente e forçou-se a alhear-se dos resultados da autópsia e<br />

dos restos mortais entrevistos na arca velha para onde alguém atirara Catarina,<br />

como coisa sem préstimo, avariada após algumas utilizações. A imagem forjara<br />

contornos insalubres nos pensamentos de Masil, mas dois meses era o prazo<br />

auto-imposto para abandonar as contendas internas, desapegar-se da fase de<br />

negação e aceitar, por fim, o sucedido.<br />

Libertou o telemóvel do bolso, afastou-se das luzes festivas dotadas de coros<br />

automatizados que a irritavam sobremaneira e ligou para João Correia, também<br />

inspetor da Polícia Judiciária. O colega atendeu a chamada, e logo indagou:<br />

- Sempre conseguiste folga para hoje e amanhã? – Procurou sorrir enquanto<br />

falava. João não deveria aperceber-se das lágrimas acumuladas em cornucópia<br />

nos canais lacrimais e do grito retido sob as cordas vocais.<br />

-Olá, Má da Silva… Sim, estou aqui com a Sílvia e com os miúdos, mas<br />

dentro de dez minutos sairei de casa. Onde estás? – João Correia esboçou um<br />

sorriso cúmplice enquanto pronunciava as sílabas. A língua, por vezes,<br />

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