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A Princesa Adivinhona

De Aderaldo Luciano, livremente inspirado na obra de Luís da Câmara Cascudo. A publicação faz parte do projeto "Urucuia Grande Sertão", espetáculo da Peneira, com direção de Marcia do Valle e dramaturgia de Eridiana Rosa e Luiz Fernando Pinto

De Aderaldo Luciano, livremente inspirado na obra de Luís da Câmara Cascudo. A publicação faz parte do projeto "Urucuia Grande Sertão", espetáculo da Peneira, com direção de Marcia do Valle e dramaturgia de Eridiana Rosa e Luiz Fernando Pinto

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Aderaldo Luciano<br />

Obra inspirada no conto A <strong>Princesa</strong> <strong>Adivinhona</strong>,<br />

recolhido por Câmara Cascudo.<br />

Especialmente produzida para o espetáculo<br />

Urucuia Grande Sertão, do Coletivo Peneira.<br />

Xilogravuras<br />

Erick Lima<br />

Rio de Janeiro<br />

2014<br />

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A princesa adivinhona<br />

Copyright 2013 Aderaldo Luciano dos Santos<br />

Todos os direitos reservados<br />

Capa e ilustrações<br />

Erick Lima<br />

Diagramação e artefinalização<br />

André Mantoano<br />

Ficha técnica do espetáculo:<br />

Urucuia Grande Sertão<br />

Inspirado na obra de Luís da Câmara Cascudo<br />

Texto: Eridiana Rosa e Luiz Fernando Pinto<br />

Direção: Marcia do Valle<br />

Direção musical: Raoni Costa<br />

Elenco: Alex Teixeira, Anderson Primo,<br />

Luiz Fernando Pinto, Michele Lima,<br />

Moisés Salazar, Pedro Yudi e Thaiane Leal<br />

Iluminação: Tamara Torres<br />

Cenografia e design gráfico: Karine Drumond<br />

Figurino: Camila Loren<br />

Produção: Pagu Produções Culturais e Taty<br />

Maria<br />

Assessoria de imprensa: Alex Teixeira<br />

Realização: Coletivo Peneira<br />

Prêmio Arlequim no Festival de Teatro<br />

Cidade do Rio de Janeiro<br />

* Melhor espetáculo<br />

* Melhor direção<br />

* Melhor ator<br />

* Melhor atriz coadjuvante<br />

* Melhor iluminação<br />

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Aderaldo Luciano<br />

A princesa adivinhona<br />

Um rei de um país distante<br />

Tinha uma filha somente<br />

Cuja beleza e argúcia<br />

Chamava atenção da gente.<br />

Além de observadora,<br />

Era alegre e envolvente.<br />

Andava pelo palácio<br />

Descobrindo os seus esquemas,<br />

Seus jardins, seus aposentos,<br />

Suas janelas, seus lemas.<br />

Seus livros, lia-os todos:<br />

Romances, contos, poemas.<br />

Relacionava os cômodos<br />

Do palácio em que vivia.<br />

Conhecia em pormenores<br />

Cada parte que havia.<br />

Ficou pequeno o castelo<br />

Para tudo que queria.<br />

Daí percorreu o reino:<br />

Cada casa e habitante,<br />

Cada rio, cada mata,<br />

Morador ou caminhante.<br />

Destrinchou cada recanto<br />

Com sua mente brilhante.<br />

Foi assim que a princesa<br />

Viu um dom no coração:<br />

Decifrava sabiamente<br />

Qualquer adivinhação.<br />

Respondia sem errar<br />

A toda e qualquer questão.<br />

O rei muito se orgulhava.<br />

Era o seu belo tesouro.<br />

Sua grande perspicácia<br />

Valia mais do que ouro.<br />

Transformou-se em talismã<br />

Para espantar mau agouro.<br />

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Quem tem a sabedoria<br />

Ninguém no mundo o destrona.<br />

Por conta desse talento<br />

Nossa pequena madona<br />

Ficou sendo conhecida<br />

“A <strong>Princesa</strong> <strong>Adivinhona</strong>”.<br />

Acorriam professores<br />

Desafiando a princesa.<br />

A todos ela vencia<br />

Vestindo sua certeza.<br />

Chamava a atenção dos súditos<br />

Sua elegância e fineza.<br />

O Rei decidiu um dia<br />

Desafiar qualquer um,<br />

Quer fosse da realeza,<br />

Quer fosse um civil comum.<br />

E quem vencesse a princesa<br />

Teria prêmio incomum.<br />

Aquele que conseguisse<br />

Vencer a princesa bela<br />

Receberia de prêmio<br />

O casamento com ela,<br />

Porém se não a vencesse:<br />

Chicotadas na costela.<br />

Foram muitos candidatos<br />

E todos chicoteados.<br />

Era surra todo dia<br />

Já estavam acostumados.<br />

Quando será que veriam<br />

Esses fatos encerrados?<br />

Acontece, meu leitor,<br />

Cada coisa tem o seu dia.<br />

Um sabido encontra outro,<br />

Servindo de companhia.<br />

A noite encontra no escuro<br />

Amigo, servente e guia.<br />

Numa casinha do vale,<br />

Afastada do castelo,<br />

Morava idosa senhora<br />

Com um rapaz amarelo.<br />

Sabendo do desafio,<br />

Preparou o seu cutelo.<br />

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Disse: — Mãe, tô destinado.<br />

Vou desposar a donzela!<br />

A mãe o persuadiu:<br />

— Cuidado na espinhela.<br />

O chicote tem dez línguas,<br />

As dez vão deixar sequela!<br />

Mas, o quê, nem escutou<br />

O que sua mãe lhe disse.<br />

Achava que tudo dela<br />

Era apenas caretice.<br />

Agarrou uma espingarda,<br />

Saiu com sua crendice.<br />

Caminhou por meio dia.<br />

Sentiu a fome chamando.<br />

Preparou a espingarda,<br />

Foi pelo bosque caçando,<br />

Quando avistou um veado<br />

Numa clareira, pastando.<br />

Passou-lhe um tiro certeiro.<br />

Viu o animal cair.<br />

Correu para prepará-lo,<br />

Tirar o couro e curtir,<br />

Mas encontrou outra coisa<br />

Que muito o fez refletir.<br />

Ao encontrá-lo, notou<br />

Algo que rubrou-lhe a cara.<br />

Porque não fora um veado<br />

Que com o tiro acertara.<br />

Fora uma fêmea grávida<br />

Que sua bala matara.<br />

Incomodado, mas firme,<br />

Tirou-lhe o couro e saiu,<br />

Levava um pouco da carne<br />

Que do animal extraiu.<br />

Precisava encontrar lenha<br />

E um pouco adiante viu.<br />

Dois carpinteiros estavam<br />

Uma igreja a reformar.<br />

Aqueles trabalhadores<br />

Jogavam fora o altar.<br />

O moço arrancou-lhe as tábuas<br />

E voltou a caminhar.<br />

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Parou à margem de um rio,<br />

Uma fogueira acendeu<br />

Com as tábuas do altar.<br />

Assou a carne e comeu.<br />

Foi quando avistou nas águas<br />

A cena que o comoveu.<br />

Boiava leve, arrastado,<br />

O cadáver de um jumento.<br />

Sobre ele, os urubus<br />

Bicavam seu alimento.<br />

Desistiu de tomar água<br />

Achando aquilo nojento.<br />

Em um pé de macambira<br />

Notou água do orvalho.<br />

Tomou, saciando a sede,<br />

Porém com muito trabalho.<br />

Encontrando outras bromélias,<br />

Repetiu o quebra-galho.<br />

Tocou o pé à cidade,<br />

Foi procurar pelo rei. Dizendo:<br />

— Eu trouxe um problema.<br />

Marque o dia que virei<br />

Desafiar a princesa<br />

E com ela casarei!<br />

Correu depressa a notícia<br />

Do amarelo coitado<br />

Que seria o próximo pobre<br />

A ter o lombo provado<br />

Pelas línguas do chicote<br />

Que já estava preparado.<br />

No dia da arguição<br />

Todo o povo reunido.<br />

O amarelo adentrou<br />

Aquele salão comprido.<br />

Pela boca da plateia<br />

Correu um breve alarido.<br />

— Amarelo como esse<br />

Não vai suportar lapada!<br />

— Vai se borrar pelas calças<br />

Com a poupança esfolada!<br />

Numa cadeira de ouro<br />

Viu a princesa sentada.<br />

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Olhou bem nos olhos dela,<br />

Percebeu-lhe a confiança.<br />

A face firme e serena,<br />

O cabelo feito em trança.<br />

O destino dele e dela<br />

Estava sobre a balança.<br />

O couro daquela caça,<br />

Daquele pobre animal,<br />

Ele jogou-o no chão<br />

Nele sentou-se banal,<br />

Mas com a voz decidida<br />

Fez a pergunta fatal:<br />

— Eu atirei no que vi,<br />

Fui matar o que não vi.<br />

E foi com madeira santa<br />

Que cozinhei e comi.<br />

Bebi água, não do céu.<br />

Um morto, vivos levava.<br />

O que me serve de assento?<br />

Acerte, pro seu tormento.<br />

Houve um silêncio total<br />

À espera da resposta.<br />

A princesa matutava<br />

Deixando sua dúvida exposta.<br />

Quem apostou numa surra<br />

Ia perder a aposta?<br />

O tempo foi se passando<br />

E a plateia inquieta.<br />

A princesa repensava:<br />

“Qual a resposta secreta?”<br />

Pediu três dias de prazo<br />

Com sua mente repleta.<br />

Todo o povo assustou-se<br />

Diante do inusitado.<br />

A pergunta sem resposta,<br />

Boatos de lado a lado,<br />

Enquanto o jovem amarelo<br />

Foi no palácio hospedado.<br />

Gozava os benefícios<br />

Do cômodo mais luxuoso.<br />

Das camas, a mais macia,<br />

Dos pratos, o mais gostoso.<br />

Banho quente, vinho ameno<br />

E travesseiro penoso.<br />

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Voltemos para a princesa<br />

Em situação sofrível.<br />

Procurou resposta em tudo,<br />

Mas tudo estava invisível.<br />

Pensou e bolou um plano<br />

Que parecia infalível.<br />

Mandou, no meio da noite,<br />

Uma bonita criada<br />

Enganar o amarelo<br />

Arranjando uma cilada.<br />

Porém o rapaz sabendo<br />

Também fez sua jogada.<br />

E disse: — Dê-me sua blusa<br />

E eu revelo o segredo!<br />

A moça caiu no truque<br />

Lhe deu a blusa, sem medo,<br />

Mas ele desconversou<br />

Sem revelar nem um dedo.<br />

Quando foi na outra noite<br />

Outra criada insistiu.<br />

Ele fez do mesmo modo,<br />

Pegou a blusa e dormiu.<br />

Nenhuma palavra certa<br />

De sua boca saiu.<br />

Na terceira e última noite,<br />

Chegou-lhe a própria princesa.<br />

Ele pediu sua blusa<br />

E a recebeu com certeza<br />

Revelou sua resposta<br />

Envolto em tanta beleza.<br />

Pela manhã, no salão,<br />

Tendo todos reunidos,<br />

A princesa desvendou-lhes<br />

Os fatos acontecidos,<br />

Respondendo os pormenores<br />

Da pergunta e seus sentidos:<br />

— Ele atirou num veado,<br />

Acertou a fêmea prenha.<br />

As tábuas de um altar<br />

As arrancou e fez lenha,<br />

Assou a carne e comeu.<br />

Estou revelando a senha!<br />

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— Depois olhou, no riacho,<br />

Um velho jumento morto.<br />

No lombo dele, urubus<br />

Comiam como num horto.<br />

Aquele é o couro da caça<br />

No qual se senta e faz porto!<br />

Aplauso veio do povo,<br />

Admirado que estava.<br />

<strong>Princesa</strong> como a que tinham<br />

Outro reino ignorava.<br />

Chicote ao desafiante<br />

Toda a plateia esperava.<br />

Para surrar o rapaz<br />

Foi pronunciada a pena.<br />

Já o iam conduzindo<br />

Para o centro da arena<br />

Quando ele quis lhes dizer<br />

Uma palavra pequena.<br />

O rei o autorizou.<br />

Ele silêncio pediu.<br />

Olhou bem para a princesa<br />

E levemente sorriu.<br />

Foram estas as palavras<br />

Que seu lábio proferiu:<br />

— Quando no Paço cheguei<br />

Três pombinhas encontrei<br />

Três penas já lhes tirei<br />

E agora mostrarei!<br />

E já foi mostrando as blusas<br />

Recebidas das criadas.<br />

Quando foi mostrando a última<br />

Com as letras dela bordadas,<br />

A princesa lhe abraçou,<br />

Fez as coisas reveladas.<br />

Contou tudo o que fizera.<br />

Ao seu pai pediu perdão.<br />

Disse que amava o rapaz<br />

Do fundo do coração.<br />

Casaram no mesmo dia,<br />

Foi grande a celebração.<br />

A vida tem seus mistérios<br />

É ditado de verdade.<br />

Não há um bom sem defeito,<br />

Se diz com propriedade.<br />

A panela encontra a tampa.<br />

Um amor, sua metade.<br />

A princesa e o amarelo<br />

Encontraram seu escudo.<br />

Viveram muito felizes<br />

Mais focados no estudo.<br />

Quem quiser saber detalhes<br />

Procure ler em Cascudo.<br />

FIM<br />

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