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Ano 01 | Edição <strong>004</strong> | Maringá, abril de <strong>2018</strong> | Jornal Comunitário de Maringá<br />
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA! | Pág. 9<br />
ITÁLIA: UMA GERAÇÃO DE TRABALHADORES<br />
PRECÁRIOS, EXPLORADOS E MAL PAGOS<br />
“Valemos menos do que a carne que cozinhamos... Eis o que poderá acontecer também com vocês brasileiros se não<br />
reagirem agora... Reajam rápido ou terminarão muito pior do que nós italianos”. (Marco Alfarano)<br />
Ora e labora - Caros amigos brasileiros, no curso dos<br />
séculos brasileiros e italianos se revezaram num migrar<br />
contínuo do Brasil para a Itália e da Itália para o Brasil,<br />
mas hoje percebe-se que tanto aqui como aí, não há<br />
futuro sereno para o trabalhador.<br />
Marco Alfarano<br />
LECCE / ITÁLIA • Soube através<br />
de amigos que vossos representantes<br />
no congresso eliminaram direitos<br />
importantes relativos à relação patrão<br />
e empregado. Poucos anos atrás, nós<br />
italianos também assistimos calados o<br />
desmontar da lei que reservava<br />
g a r a n t i a s a o s t r a b a l h a d o r e s ,<br />
especialmente a eliminação do artigo<br />
18, pilar mestre da lei trabalhista.<br />
A última crise econômica na Europa<br />
levou a maioria dos países a perderem<br />
a soberania perante a União Europeia<br />
e a colossal nação alemã, que não<br />
perde o vício de conduzir o continente<br />
a estradas perigosas.<br />
A austeridade imposta destruiu as<br />
relações de trabalho e os países ricos,<br />
jogaram os países pobres no precipício.<br />
A regra é essa em toda a Europa,<br />
mas agora quero descrever o quadro<br />
do trabalho precário e dos contratos<br />
intermitentes que vigem na Itália, país<br />
de onde lhes escrevo. Ora et labora,<br />
trabalha e reza. Quando digo essa<br />
frase, creio que num primeiro momento<br />
vocês pensarão que estou falando<br />
de rezar para Deus como determina a<br />
regra da ordem dos padres Beneditinos,<br />
mas lhes garanto que não tem<br />
nada a ver.<br />
Com o fim das garantias dos trabalhadores,<br />
nós italianos ouvimos<br />
promessas como: “A flexibilidade vos<br />
fará ganhar mais trabalhando<br />
menos”; mas na verdade é que para<br />
podermos trabalhar, somos obrigados<br />
a ajoelhar-nos aos pés do patrão e<br />
rezar para que nos mantenha. Há poucos<br />
dias, Mario Draghi, presidente do<br />
BCE - Banco Central Europeu, afirmou:<br />
“Recuperados todos os empregos<br />
perdidos durante a crise”. Certamente<br />
ele não vive no sul da Itália<br />
onde a situação é mais grave.<br />
Após a reforma da lei trabalhista<br />
completada pelo governo do primeiro<br />
ministro Matteo Renzi que, passandose<br />
por homem de esquerda nos vendeu<br />
um pacote que na verdade agrada<br />
somente a partidos, políticos, bancos e<br />
bolsas de valores. Com o fim da estabilidade<br />
no trabalho e com os novos<br />
contratos precários, o mercado do<br />
trabalho efetivamente se movimentou.<br />
Mas em que modo? Contatos sem<br />
algum valor efetivo e que facilitam as<br />
demissões. Quero citar alguns exemplos<br />
que creio já acontecem no Brasil<br />
ou que certamente acontecerão, já que<br />
a vossa lei trabalhista também perdeu<br />
peças importantes.<br />
Jovens - Um jovem que acaba de<br />
sair da escola média ou até mesmo um<br />
recém-formado pode em modo mais<br />
rápido e fácil encontrar o Santo Graal.<br />
Mas o que acontece quando finalmente<br />
encontra algo? No sul da Itália,<br />
muitas empresas pararam na idademédia<br />
e o novo empregado encontrará<br />
computadores lentos e velhos, equipamentos<br />
ultrapassados, ausência de<br />
qualquer período de formação e locais<br />
de trabalho que não são idôneos para<br />
garantir a integridade física e mental<br />
do subordinado.<br />
Com esse cartão de visita, muitos<br />
pseudos empreendedores pretendem<br />
obter candidatos o máximo de formação,<br />
a máxima disponibilidade de<br />
tempo, conhecimento de pelo menos 3<br />
línguas, solteiras e sem filhos se forem<br />
mulheres, que aceitem ganhar salário<br />
mínimo depois de estagiar por meses e<br />
meses sem receber nada.<br />
Sem estudo, podem-se fazer<br />
somente duas coisas: abrir uma<br />
empresa individual, sei que por aí<br />
chamam de MEI, aqui são as “partita<br />
iva”, ou aceitar qualquer oferta que<br />
lhes façam sem registro, sem direito a<br />
previdência, férias, 13° e direitos que<br />
não deveriam ser negociáveis.<br />
Over 40 - Nestes casos as empresas<br />
agem em modo mitológico. Em se<br />
tratando de pessoas com boa experiência<br />
de vida e trabalho, se poderia<br />
imaginar que o tratamento seria mais<br />
decente. Não. Hoje em dia na Itália, a<br />
experiência de um trabalhador é considerada<br />
um grande problema. Mas<br />
por que isso? Não querem ser confrontados<br />
por quem conhece os próprios<br />
direitos e a profissão melhor do<br />
que eles. O trabalhador acima dos 40<br />
costuma ouvir daquele que pode lhe<br />
dar uma chance, as seguintes frases:<br />
“Sei brucciato, você está queimado.<br />
Tem muita experiência para aquilo<br />
que nos serve. Teu perfil e teu currículo<br />
tem um nível muito alto para nós”.<br />
Procuram por quem possam explorar<br />
sem provocar reações. Ora et labora.<br />
Quem está acima dos 40 deve esconder<br />
um pouco do que sabe e excluir do currículo<br />
coisas que metem medo.<br />
A maioria dessas empresas que<br />
brindam a chegada desse tipo de relação<br />
com o trabalhador, são guiadas<br />
por famílias que enriqueceram explorando<br />
seus empregados mesmo antes<br />
da abolição da nossa CLT.<br />
Mulheres - Devem ser jovens,<br />
belas e aceitarem salários menores<br />
que os dos homens, mesmo quando<br />
isso parece impossível. Mas o calvário<br />
das mulheres não termina aí. Devem<br />
submeter-se às piadas deselegantes<br />
dos colegas e do patrão e, naturalmente<br />
sofrer contínuos assédios do tipo<br />
sexual e ainda, fingirem que se trata de<br />
brincadeiras, devem rir de tudo, até<br />
não suportarem e se demitirem sem<br />
direito a nada, deixando espaço para<br />
novas vítimas.<br />
São operárias, atendentes nos<br />
cafés, lojas, escritórios, restaurantes,<br />
hotéis, enfim, as encontre em todos os<br />
lugares, mas nunca são as mesmas.<br />
Valemos menos do que a carne que<br />
cozinhamos. No sul da Itália as coisas<br />
pioram, pois nos pagam no máximo<br />
500 euros por meio período de trabalho,<br />
mas nos fazem trabalhar o dia<br />
inteiro e até, a fazer horas extras que<br />
não nos pagarão jamais.<br />
Permanecemos todos calados.<br />
Queria falar coisas boas mas não há<br />
nada de bom para dizer. Não acontecerá<br />
jamais uma mudança no mercado<br />
do trabalho, pois nos fazem lutar pelas<br />
migalhas que nos jogam e que como<br />
loucos disputamos. Eis o que poderá<br />
acontecer também com vocês brasileiros<br />
se não reagirem agora.<br />
Não há futuro sem uma lei que<br />
garanta pelo menos a dignidade. Isso<br />
todo trabalhador merece.■