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zorion

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um cadáver em decomposição, uma nave<br />

abandonada. Não. Uma nave assassinada.<br />

Restos de uma supernova nas redondezas,<br />

foram apanhados pela onda e ali ficaram.<br />

Através da janela, imaginei todos aqueles sons<br />

a desintegrarem-se num micro segundo. As<br />

idas e vindas, as pressas em chegar a lado<br />

algum, a terrível solidão por detrás de todo<br />

aquele ruído de fundo, estática de um rádio<br />

mal sintonizado. Como eu tinha pena deles,<br />

tão fechados dentro do seu próprio mundo que<br />

já não conseguiam entrar no mundo dos<br />

outros.<br />

- Mãe, pode haver sobreviventes?<br />

Ela não respondeu, não era preciso, um<br />

gesto e já estava. O escafandro, como uma boa<br />

filha, abandonou o interior da progenitora<br />

connosco no interior. De perto, a devastação<br />

era ainda maior. Parte do casco estava<br />

literalmente derretido, todo o seu interior fora<br />

exposto às mais altas temperaturas e à fúria<br />

tremenda de uma supernova. Procurávamos o<br />

frigorífico. Todas as naves tinham um lugar<br />

mais protegido do que os outros, albergando<br />

uma grande quantidade de casulos de<br />

hibersono. Um seguro de precaução em caso de<br />

acidente.<br />

Chegámos. Centenas de casulos expostos na<br />

vertical em gravidade zero. Alguns tinham-se<br />

avariado e transformaram-se em caixões onde<br />

os restos mortais repousavam já no seu sono<br />

eterno. Homens, mulheres e crianças. Chorei ao<br />

imaginar todas aquelas vidas, que não eram<br />

números , aterrorizadas, com medo, com dor,<br />

procurando a salvação do hibersono , correndo<br />

para a morte. Havia sobreviventes, oito, entre<br />

centenas, que rebocámos para o barco. Entre<br />

eles, através da tampa de vidro, reconheci Raul,<br />

exactamente como o tinha deixado. Um jovem<br />

de dezoito anos ainda em fase de crescimento.<br />

Não se tinham afastado muito, apenas dois<br />

dias do ponto do nosso encontro, onde nos<br />

tínhamos separado, muito tempo atrás. Pensei<br />

no tempo, algo que não fazia uso. Tinha<br />

sobrinhos já homens. Trinta anos? Talvez, mais<br />

um menos um.<br />

Nós sabíamos, vigiávamos aquela estrela<br />

quando a aproximação, depois disso,<br />

fotografámos e estudamos o acontecimento<br />

durante muito tempo, foi tudo registado, mas,<br />

no nosso silêncio, não nos lembrámos que os<br />

outros não tinham como saber, não estavam ali<br />

para estudar o comportamento das estrelas,<br />

apenas para morrer por causa de uma delas.<br />

Sofia Guilherme Lobo

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