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zorion

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arco. Ele não devia saber, para ter usado esse<br />

termo de comparação.<br />

Desta vez fui eu que o encontrei, num lugar<br />

a que chamavam ginásio, onde estavam muitos<br />

homens a trabalhar com máquinas. Máquinas<br />

pesadas, suavam e faziam caretas enquanto os<br />

músculos do corpo protestavam com aquele<br />

esforço anormal. Porque faziam eles aquilo?<br />

Raul era um deles, deitado numa maca, mãos<br />

elevavam e baixavam uma barra com pesos nas<br />

pontas. Levantou a barra e eu peguei nela e<br />

pousei-a no descanso. Raul olhou para as mão<br />

vazias , voltou-se e viu-me. Confusão, surpresa.<br />

- Natal! Não te disseram para não saíres do<br />

barco?<br />

- Tu disseste. – Corrigi.<br />

- Não voltes a fazer isso!<br />

Limpou o suor da testa com uma toalha,<br />

peguei outra vez nos pesos, para os sentir. Não<br />

eram muito pesados, em alta aceleração<br />

suportava pesos maiores sem grande esforço.<br />

Voltei a coloca-lo no descanso.<br />

- Pensei que fosse mais pesado. – Disse.<br />

- Para ti pode não ser, para mim é.<br />

- Porquê?<br />

- És uma nascida no espaço, foste gerada e<br />

criada em alta gravidade. Por isso, és mais<br />

forte.<br />

- O que é ser mais forte?<br />

- Para nascida no espaço falas muito! –<br />

Exclamou.<br />

- Se eu não falar, não me compreende. É<br />

por isso que são tão barulhentos.<br />

- Barulhentos? Nós?<br />

- Ch... – fiz encostando um dedo aos lábios.<br />

– Ouve!<br />

Durante alguns segundos ele calou-se e<br />

ouviu com atenção. O som das máquinas, uma<br />

enchente a falar ao mesmo tempo, palavras<br />

soltas aqui e ali, ruído de fundo. Era isso,<br />

estática de um rádio mal sintonizado. Era isso<br />

o que eu ouvia.<br />

- Natal, não é ruído, é a maneira de nós<br />

comunicar-mos.<br />

- Se tens dor, precisas de dizer que sofres. -<br />

Lamentou<br />

- É verdade. Nós somos diferentes, por isso<br />

não nos misturarmos, por isso não podes sair<br />

do barco. Este mundo é mau para ti. Podes<br />

ficar doente.<br />

- Levas-me ao colo?<br />

- Levo.<br />

Lá voltei eu outra vez para o barco ao colo.<br />

Raul não foi logo embora, mostrei-lhe o meu<br />

mundo e dancei para ele como minha mãe<br />

dançava para o meu pai. Raul ria, os olhos dele<br />

riam, o seu riso era a minha música.<br />

Não voltei a sair do barco. Raul voltou para<br />

me ver dançar . No barco não precisávamos de<br />

falar, eu compreendia-o e ele compreendia-me.<br />

Às vezes pegava-me ao colo e rodopiava<br />

comigo, era feliz e eu era feliz com ele. Mas o<br />

dia da partida estava próximo , meus pais<br />

acabavam os últimos mapas, Raul veio para se<br />

despedir mas eu não estava lá para ele.<br />

Tinha doze anos e vivia o meu primeiro<br />

amor. Meu coração chorava e minha mãe, no<br />

meu quarto, embalava-me ternamente,<br />

beijava-me o rosto molhado pelas lágrimas ,<br />

num silêncio que nunca poderia compartilhar<br />

com Raul.<br />

Os anos passaram, com o tempo, voltei a<br />

dançar, encontramos-nos com outros como<br />

nós, meus irmãos mudaram para outros<br />

mundos, só deles, com as suas mulheres e às<br />

vezes vinham visitar-nos, com os filhos, meus<br />

sobrinhos, doces presentes em todos os meus<br />

aniversários.<br />

No silêncio, os outros voltaram.<br />

Um gigante fechado. Grandes buracos no<br />

casco, faltava-lhe a proa, como uma ferida<br />

enorme, e o gigante estava parado no vazio,

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