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zorion

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nossa nave entrou no seu interior, o<br />

encontro estava marcado.<br />

- Vamos entregar os novos mapas e<br />

reabastecer. – explicou o meu pai. – Não<br />

te preocupes Natal, nós não vamos sair e<br />

eles não vão entrar.<br />

Não compreendi porque não podíamos<br />

entrar naquele mundo diferente do nosso.<br />

Aquele mundo não era assim tão grande<br />

tendo em conta o número de pessoas que ali<br />

viviam, compartilhando o mesmo espaço.<br />

Centenas delas, muito barulhentas, falavam<br />

muito, palavras sem sentido, frases inúteis,<br />

sem explicação. Porque precisavam de falar<br />

tanto? Eu não precisava de explicar a minha<br />

mãe o que precisava, ela sabia sempre o que<br />

e quando. Quando estava triste, quando<br />

estava contente, quando tinha fome, quando<br />

tinha sede, quando queria saber alguma<br />

coisa. No nosso mundo não precisávamos de<br />

todas aquelas palavras, sabíamos sempre o<br />

que fazer, quando, onde e como, bastava um<br />

olhar, um gesto, um sorriso, um toque, um<br />

rodopio nos corredores, uma festa entre os<br />

mastros, onde o único som era o nosso<br />

próprio riso de tanta felicidade. Aqueles<br />

sons todos eram uma novidade, uma<br />

tentação que desconhecia, como quando<br />

descobríamos uma nova estrela ou uma nova<br />

galáxia e era atraída por ela, para o<br />

desconhecido ainda para descobrir, e como<br />

uma nova descoberta qualquer, parti em<br />

busca dela, afundei-me naquele movimento<br />

frenético de gentes de falas rápidas, sempre<br />

a correr, tudo a mim me espantava. Então,<br />

algo quebrou o encanto, entre aquela cortina<br />

de corpos gritando, correndo, apanharamme,<br />

pegaram-me ao colo. Erguendo-me<br />

até aos seus olhos. Tinha uns olhos lindos,<br />

castanho-avelã, um rosto moreno, tão<br />

escuro, comparado com a cor da minha<br />

pele, muito rosada, limpa e imaculada.<br />

Sorria encantador.<br />

- Olá Natal! – Disse ele. – Que fazes<br />

aqui? Não devias ter saído do barco, este<br />

lugar não é muito bom para ti. Vamos<br />

voltar? A tua família deve estar preocupada.<br />

- Como te chamas? – Perguntei curiosa.<br />

- Raul.<br />

- Raul...-saboreia o nome. Um nome, não<br />

um número. No meu mundo tínhamos<br />

números, inventávamos os nomes quando<br />

queríamos uns dias chamava-me Ana,<br />

outros Diana, outros, Maria; naqueles dias,<br />

era Natal, porque diziam que era Dezembro<br />

e em Dezembro havia um dia chamado<br />

Natal.<br />

O meu mundo era um barco, fôra o que<br />

ele chamara. Mas não é um barco, é a<br />

Viper! O que é um barco?<br />

Enquanto me levava para a Viper, ele<br />

não explicava o que era um barco, porque é<br />

que não dizia? Não entendia a minha<br />

dúvida? Então compreendi, eles falavam<br />

muito porque tinham necessidade de<br />

comunicar, eram muitos cada um no seu<br />

próprio mundo. Interagiam como autómatos.<br />

- Lamento muito. – Disse triste.<br />

- O que lamentas?<br />

- Estares sozinho.<br />

-Eu não estou sozinho. Estou bem<br />

acompanhado, neste momento por ti. Olha,<br />

estamos a chegar!<br />

O barco. Minha mãe sabia o que era um<br />

barco, um mundo antigo construído pelos<br />

primeiros cartógrafos, navegadores de outro<br />

universo a que chamavam de mares e ela<br />

mostrou-me esses mares, um átomo<br />

comparado com o nosso. A Viper não era<br />

uma barco, assim que pude procurei outra<br />

vez Raul para lhe explicar o que era um

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