...para quem? Transitar sem empecilhos, conversar, escrever. Essas são algumas ações que muitos cidadãos fazem todos os dias, mas que as pessoas com deficiência enfrentam grandes dificuldades para realizar. Em 2010, segundo o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, havia 45 milhões de pessoas que declararam ter algum tipo de deficiência, ou seja, 23,9% da população brasileira. A lei nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015), no artigo 53, diz que “a acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de cidadania e de participação social”, porém isso ainda é bastante negligenciado. Numa tentativa de promovê-la, aliando-se com as tecnologias assistivas, surgiram vários aplicativos para celular, mesas gráficas, tradutor de libras, audiobooks, entre outras ferramentas, que tentam deixar o mundo mais inclusivo. O universo da tecnologia assistiva, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (Abimo), já movimenta cerca de US$1,35 bilhões por ano, porém, o acesso a elas ainda é restrito. Estela Saleh, especialista em políticas públicas, afirma que apesar de contribuir para uma maior acessibilidade, as tecnologias assistivas, por si só, não rompem com o preconceito, a exclusão e a falta de espaço que as pessoas com deficiência tem dentro da sociedade. “Essas tecnologias promovem possibilidades? Não tenho dúvidas que sim, mas não rompem com o que é estrutural. Temos dificuldade de falar em acessibilidade em uma sociedade de exclusão”, defende. Inclusão ou exclusão? Adriana Machado Laje, 44 anos, mãe de Raquel Machado Menezes, 26, e com deficiência auditiva, conta que, apesar de achar que a tecnologia possui seus prós, o grande problema é que as pessoas mais afetadas são as mais pobres. Natural da cidade histórica de Mariana, Minas Gerais, a mãe diz que “é preciso ter internet para você ter acesso aos aplicativos. Penso na questão das pessoas com deficiência que são empobrecidas. Como elas terão acesso a isso, sendo que só a internet custa em torno de 50 reais por mês?” Além da questão econômica ser um problema, há também dificuldades comunicacionais. Adriana evidencia que crianças com deficiência auditiva não aprendem Libras e se comunicam através de gestos. É praticamente uma linguagem à parte e que só conhece quem convive com a pessoa. Isso acontece porque a maior parte das pessoas com deficiência auditiva são “medicadas”. Isso significa o aprendizado da língua oral através de processos que vão de encontro a realidade das pessoas com deficiência, como a implantação do aparelho auditivo. Também pela maior parte das pessoas com deficiência auditiva nascerem em famílias ouvintes. Para Adriana, a Libras deveria ser ensinada nas escolas como linguagem obrigatória, da mesma forma como acontece com o Inglês. Nesse ponto, “a tecnologia ajudaria muito”, afirma. Christian Catão, jornalista e mestrando em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), enxerga as novas tecnologias como uma potencial ajuda para o desenvolvimento da aprendizagem da população. “Os dispositivos móveis podem ajudar a manter e melhorar as competências na alfabetização. Ao contrário do que muitos pensam, as pessoas estão lendo mais agora. Basta pensar no ‘Growing Communities of Readers’, um projeto da organização de fins não-lucrativos, focado no desenvolvimento de jovens leitores na África do Sul. O conteúdo é disponibilizado pelos celulares dos estudantes, como uma biblioteca no celular.” Porém, ele entende que as tecnologias não funcionam sozinhas e são necessárias ações paralelas para que não se tornem excludentes. “A desigualdade social no campo das comunicações não se expressa somente no acesso ao bem material, mas também na capacidade do usuário de retirar, a partir de sua capacitação intelectual ou profissional, o máximo proveito das potencialidades oferecidas por cada instrumento de comunicação e informação.” Catão lembra que as taxas mais altas de exclusão se encontram nos setores de baixa renda. Adriana levanta a questão da necessidade da mudança de alguns aplicativos. Por que, ao invés de nós aprendermos Libras para que seja possível nos comunicar com as pessoas com deficiência auditiva, dependemos de aplicativos que façam essa tradução? Ao invés da acessibilidade se originar para quem precisa, ela é criada para facilitar a comunicação das pessoas que não possuem deficiência. Ela conta que sua filha tem alguns aplicativos instalados em seu celular, mas diz que grande parte deles não é eficaz por ela não ter aprendido Libras. “Quando Raquel era criança, não existia nenhum professor de Libras na cidade de Mariana.” Como lembra, “isso dificultou ainda mais o aprendizado das pessoas com deficiência auditiva. Ao final, fica a dúvida: para quem esses aplicativos são desenvolvidos e até que ponto são inclusivos?
Língua que cala Texto: Priscila Santos Foto: Ana Paula Bitencourt Arte: Mariana Viana Casting: Julia Carvalho CURINGA | EDIÇÃO 17 <strong>21</strong> 27 13