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Shakespeare faleceu em sua cidade natal, Stratford-upon-Avon, no dia 23 – isso segun<strong>do</strong> o calendário<br />

juliano então vigente na Inglaterra, que tinha onze dias de diferença em relação ao hoje universal padrão<br />

gregoriano (a data corrigida seria 3 de maio). A coincidência é, portanto, falsa, mas talvez guarde aquela<br />

verdade íntima própria da arte da ficção, na qual <strong>os</strong> <strong>do</strong>is escritores foram mestres. Era preciso de alguma<br />

forma marcar na folhinha das grandes efemérides o fato de <strong>do</strong>is desbrava<strong>do</strong>res da imaginação terem si<strong>do</strong><br />

contemporâne<strong>os</strong>. Eis Shakespeare, que devassou a consciência humana em peças como HAMLET e REI<br />

LEAR, e eis Cervantes, que pr<strong>os</strong>pectou o abismo entre n<strong>os</strong>sas idealizações e a realidade por meio da<br />

loucura de seu popular herói DOM QUIXOTE, o CAVALEIRO DA TRISTE FIGURA: por que não inventar<br />

uma data única para homenageá-l<strong>os</strong>? VEJA lembra <strong>os</strong> 400 an<strong>os</strong> da morte desses <strong>do</strong>is inigualáveis<br />

cria<strong>do</strong>res nas páginas que se seguem, em artig<strong>os</strong> e entrevistas que esmiúçam o tempo, a vida e o lega<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> dramaturgo inglês e <strong>do</strong> romancista espanhol. É um convite para que o leitor volte às páginas mais<br />

numer<strong>os</strong>as e ricas deixadas por Shakespeare e Cervantes.<br />

ALMANAQUE LITERÁRIO<br />

UM EXPLORADOR DA ALMA<br />

Com sua ousada mistura <strong>do</strong> baixo e <strong>do</strong> sublime, o teatro <strong>do</strong> inglês William Shakespeare abriu novas<br />

sendas para a exploração da psicologia d<strong>os</strong> personagens. Mas o bar<strong>do</strong>, ainda um enigma, não deixou<br />

nenhum vislumbre de sua própria personalidade. Por Jerônimo Teixeira.<br />

Atrasa<strong>do</strong> para um banquete que sua família de nobre linhagem oferece à rainha, o a<strong>do</strong>lescente corre pelas<br />

vastas dependências da casa em direção ao salão de refeições – mas estanca diante da porta aberta da sala da<br />

criadagem. À mesa, um homem de cabelo desgrenha<strong>do</strong> e colarinho sujo está absorto em pensament<strong>os</strong>, a pena<br />

suspensa sobre o papel. “Será um poeta?”, pergunta-se o jovem aristocrata. O estranho leva a pena ao papel e<br />

escreve uma dúzia de linhas. O a<strong>do</strong>lescente então sai de seu transe e retoma o caminho para o banquete<br />

(chegará a tempo de oferecer uma bacia de água de r<strong>os</strong>as para a rainha lavar as mã<strong>os</strong>). O rapaz viveria ainda<br />

por mais 300 an<strong>os</strong> – e a longevidade não seria seu único <strong>do</strong>m sobrenatural: a certa altura da vida, ele se<br />

converterá inexplicavelmente em mulher, mas aquele breve instante em que viu um desalinha<strong>do</strong> poeta<br />

escreven<strong>do</strong> nas dependências d<strong>os</strong> criad<strong>os</strong> terá si<strong>do</strong> decisivo. Pois ele se convence de que viu não apenas um<br />

poeta, mas o poeta William Shakespeare. No momento em que é flagra<strong>do</strong> por Orlan<strong>do</strong> (tal é o nome <strong>do</strong> n<strong>os</strong>so<br />

rapaz/mulher), ele seria ainda um dramaturgo emergente na Inglaterra sob o reina<strong>do</strong> de Elizabeth I. Nas<br />

gerações seguintes, Shakespeare se converteria em pilar monumental da língua e da cultura inglesas. Mais:<br />

ultrapassaria <strong>os</strong> limites insulares de seu país para ser reconheci<strong>do</strong> universalmente como um gigante da literatura<br />

e um portento <strong>do</strong> palco. Virginia Woolf, em ORLANDO, romance publica<strong>do</strong> em 1928, m<strong>os</strong>trou sensibilidade<br />

irretocável nesse retrato: em plena atividade criativa, Shakespeare apresenta-se como uma figura modesta e<br />

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