044001 TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO LEON MORRIS ED VIDA NOVA

mento a idéia do cânon se coloca sob a autoridade dos bispos e teólogos daqueles séculos”.11
Isso, porém, é simplificar demais as coisas. Para sermos específicos devemos dizer que ele
deixa de ver o fato de que nenhum bispo ou teólogo (nem mesmo um concílio) parece ja ­
mais ter presumido o direito de tornar algum livro canônico ou, é claro, não canônico.
O que parece ter acontecido foi mais ou menos o seguinte: alguns dos fiéis estão perplexos.
Estão descobrindo que, em algumas igrejas, livros como 2 e 3João não são lidos
como Escrituras sagradas, ao contrário do que acontece em outras igrejas. Algumas estão
lendo livros como lClemente, Qual é o rumo certo a tomar? O que devem fazer? A pergunta
é remetida a uma autoridade, um bispo, um teólogo ou um concílio. Quando uma decisão
é anunciada, ela diz mais ou menos o seguinte: “Estes são os livros reconhecidos na
igreja”. Quando Atanásio, por exemplo, apresentou sua conhecida lista dos livros do Novo
Testamento (a primeira lista oficial com os 27 livros, nem mais nem menos), ele descreveu
os livros autênticos como os que tinham sido “entregues aos pais”, e passou a alistá-los
como “transmitidos e aceitos como procedentes de Deus”.12 Ele não decretou que dali em
diante eles seriam canônicos; ele disse que eles tinham sido recebidos como tais, e a fórmula
sempre foi parecida com isso. Nenhum cristão ou grupo de cristãos parece alguma vez ter
assumido a posição de autoridade para acrescentar algum livro à lista aceita ou tirar algum
dela.13 Se levarmos a sério a idéia de que Deus guia a sua igreja, temos de ver nisso um indício
de que estes são os livros que ele quer que seu povo tenha. E um fato surpreendente que,
numa época em que não havia uma estrutura para impor uma decisão à igreja no mundo
UMorgan, Nature o f New Testament theology, 70-71. A idéia de que nenhum texto do Novo Testam ento foi
escrito como canônico talvez não seja tão exata como W rede afirma. Apocalipse começa com uma bênção
para quem o lê e ouve (Ap 1.3). Onde ouviriam a leitura senão na reunião de adoração dos cristãos? E possível
que se pretendia que esse livro fosse lido na igreja como canônico desde o começo. H . B. Swete afirma que o
autor “reivindica para seu livro a equiparação com os livros proféticos do A T " (The Apocalypse o f st. John. London,
1906, p. 1). Essa também é a posição de Robert H . Mounce, The book o f Revelation (Grand Rapids, 1977,
p. 66).
UNicene andpost-Nicene fathers, segunda série, iv. Grand Rapids, 1957, p. 551-552.
13Com isso não estou negando que alguns líderes da igreja (Ireneu, por exemplo) tiveram um papel importante
nas discussões sobre o cânon, nem que, com o tempo, critérios como “apostolicidade” foram aplicados a
título de teste. N o entanto, todas as evidências apontam não para uma “formação do cânon” deliberada, mas
para toda a igreja chegando, em velocidades variadas e épocas diferentes, a conclusões semelhantes. Denis M.
Farkasfalvy responde a uma pergunta sobre a canonicidade de Apocalipse com esta declaração: “Parece que a
igreja sabia como identificar como livros apostólicos' os que ela necessitava. E, é claro, ela fazia tudo isso com
base em sua convicção de que tinha em seu fundamento apostólico tudo o que precisava como ponto de partida”
(W illiam R. Farmer e Denis M . Farkasfalvy, The formation o f the New Testament canon. New York, 1983, p.
156). Eu chamo isso de processo mais ou menos inconsciente.