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Revista Curinga Edição 12

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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O Alzheimer é uma doença degenerativa e<br />

se apresenta como demência, ou perda de funções cognitivas<br />

como memória, orientação, atenção e linguagem.<br />

Não se sabe por que ocorre, mas são conhecidas algumas<br />

lesões cerebrais características dessa doença. As duas<br />

principais alterações que se apresentam são o surgimento<br />

de placas senis decorrentes do depósito de proteína<br />

beta-amiloide, anormalmente produzida, e os emaranhados<br />

neurofibrilares, frutos da hiperfosforilação da proteína<br />

tau. Outra alteração observada é a redução do número<br />

das células nervosas (neurônios) e das ligações entre elas<br />

(sinapses), com redução progressiva do volume cerebral.<br />

O neurologista Leonardo Brandão afirma que uma forma<br />

de prevenção é se manter mentalmente ativo. Segundo<br />

ele, é sabido que a pessoa que lê mais, que executa mais<br />

atividades que envolvam o cérebro tem uma probabilidade<br />

menor de desenvolver a doença. Mas ressalta que é fundamental<br />

que seja uma leitura da qual se possa emitir algum<br />

tipo de juízo crítico, “não é simplesmente ler; é ler, processar<br />

o que está acontecendo e ter uma opinião sobre o assunto.<br />

É preciso que esta leitura estimule o cérebro”. Ainda assim,<br />

ele destaca que 50% das pessoas com mais de 80 anos<br />

de idade terão Alzheimer, isto porque um fator de risco, não<br />

modificável, para a ocorrência da doença é envelhecer.<br />

A doença não se caracteriza pura e simplesmente pela<br />

perda de memória, mas esta é a principal alteração notada<br />

pelas pessoas que convivem com portadores do Alzheimer.<br />

Geralmente eles se esquecem de coisas recentes, mas<br />

lembram com perfeição de fatos que aconteceram há vários<br />

anos. E muitas vezes passam a agir como se vivessem no<br />

passado. É muito comum também que não reconheçam os<br />

membros mais jovens da família, mas em casos mais graves,<br />

até mesmo pessoas mais velhas, com as quais convivem<br />

diariamente, são esquecidas.<br />

Em meio a tudo isto, a figura do cuidador é fundamental,<br />

porque na grande maioria das vezes a pessoa que desenvolve<br />

a doença não percebe o que está acontecendo, ela é<br />

geralmente levada ao consultório médico por familiares que<br />

percebem alterações no comportamento. A partir do diagnóstico<br />

inicia-se uma nova fase, principalmente para quem<br />

vai acompanhar o paciente. O cuidador tem que se adaptar<br />

a esta nova realidade e passa também a habitar o mundo<br />

particular de quem convive com o Alzheimer. Para alguns,<br />

apenas um desafio, para outros, uma lição de vida.<br />

perde<br />

Uma fantástica prova de amor<br />

Como você reagiria se corpo e mente não acompanhassem<br />

o mesmo relógio? O corpo vai aos poucos envelhecendo,<br />

perdendo suas habilidades, enquanto a mente está<br />

presa num passado distante. Como seria se a cada dia você<br />

se afastasse um pouco mais da realidade e passasse a habitar<br />

um mundo só seu, onde o presente está sempre no<br />

passado? É assim que vive grande parte dos portadores da<br />

doença de Alzheimer.<br />

Júlia de Macedo Neves, 94 anos, foi diagnosticada<br />

com a doença há oito anos. Tudo começou um pouco antes,<br />

quando ela perdeu a visão por causa de um glaucoma.<br />

Obrigada a abandonar sua rotina agitada, Jú, como é<br />

carinhosamente chamada pela família e amigos, começou<br />

a passar seus dias no quarto, ouvindo música e tendo as<br />

lembranças como companhia, até que este recolhimento<br />

se transformou em doença.<br />

Em meio a tudo isso, Maria Aparecida Barbosa da<br />

Silva, 71, é figura fundamental. Sobrinha e cuidadora de<br />

dona Júlia, também teve que se adaptar a essa nova realidade.<br />

Elas sempre viveram juntas e cultivaram uma grande<br />

amizade, e isso fez toda diferença na hora de lidar com<br />

a doença. Jú teve redobrada toda atenção e carinho que<br />

sempre recebeu da sobrinha. “No início foi difícil, às vezes<br />

ela ficava duas noites e dois dias seguidos sem dormir, a<br />

gente olhava e parecia que tinha dormido a noite inteira.<br />

Mas ela foi minha segunda mãe. Sempre tivemos uma ótima<br />

relação, e isso continua até hoje,” conta Maria.<br />

E se engana quem pensa que o portador de Alzheimer<br />

se torna um fardo, pelo menos não para Maria Aparecida.<br />

Ela diz que a aceitação e a adaptação à doença aconteceram<br />

de uma maneira muito natural, que não saía muito e<br />

que já havia viajado bastante, então decidiu que não lutaria<br />

contra algo que não tinha solução. “A vida aqui sempre<br />

foi muito tranquila, acho que isso tudo passa, e agora<br />

estamos vendo as consequências, porque está sendo tudo<br />

muito fácil. Jú não é um peso, eu me sinto bem de saber<br />

que estou ajudando ela, que nos ajudou muito.”<br />

Mesmo com a doença, dona Júlia tem uma vida tranquila.<br />

Maria Aparecida faz questão de controlar seus horários,<br />

cuida pra que a tia se exercite, caminhando pelo<br />

quintal, ou mesmo dentro de casa, em dias chuvosos, e<br />

também não deixa de conversar, para que ela não perca<br />

totalmente a lucidez, e lembra com entusiasmo da rotina<br />

agitada que dona Júlia mantinha: “Jú foi secretária, era<br />

muito dinâmica, alegre e muito boa, gostava de ajudar as<br />

pessoas. Era ótima em tudo que fazia: crochê, tricô, cozinhava,<br />

era uma verdadeira líder”.<br />

Todo carinho dispensado à tia tem amenizado os sintomas<br />

da doença, mas a perda de memória é algo sobre o<br />

qual não se tem controle: às vezes dona Júlia acorda no<br />

meio da noite e pede para que preparem a mamadeira do<br />

sobrinho, que há muitos anos deixou de ser criança. Apesar<br />

de tudo, Maria Aparecida acredita que a falta de memória<br />

causada pelo Alzheimer tenha um lado bom: “com<br />

a doença ela não tem dimensão do que ela foi, do que ela<br />

fazia, ela não tem essa percepção. E isso é bom porque ela<br />

em fantasianão sofre. E eu também não”.<br />

CURINGA | EDIÇÃO <strong>12</strong><br />

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