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Revista Curinga Edição 08

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

Revista Laboratorial do Curso de Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto.

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<strong>Curinga</strong><br />

<strong>Revista</strong> laboratório | Jornalismo | UFOP | Dezembro de 2013 | Ano III | nº8<br />

A prosa descarrilhada do minério


<strong>Curinga</strong><br />

Expediente<br />

<strong>Curinga</strong> é uma publicação da disciplina Laboratório Impresso II<br />

<strong>Revista</strong> produzida pelos alunos do curso de Jornalismo da Ufop.<br />

Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA)<br />

Departamento de Ciências Sociais, Jornalismo e Serviço Social (DECSO)<br />

Universidade Federal de Ouro Preto.<br />

Professores Responsáveis:<br />

Frederico Tavares - 11311/MG (Reportagem)<br />

Lucília Borges (Planejamento Visual)<br />

André Luis Carvalho (Fotografia)<br />

Editora geral<br />

Mariana Borba<br />

Subeditora<br />

Laura Ralola<br />

Editora fotográfica<br />

Lídia Ferreira<br />

Editora de arte<br />

Tamires Duarte<br />

Subeditora de Arte<br />

Gustavo Kirchner<br />

Editora digital<br />

Bruna Sudário<br />

Repórteres<br />

Adriel Campos, Cibele Luma, Felipe Sales, Gabriela Ribeiro, Gerliane<br />

Mendes, Kíria Ribeiro, Lorena Costa, Luma Oliveira, Marcelo Nahime,<br />

Tuanny Ferreira<br />

Diagramadores<br />

Adriano Soares, Aline Rosa de Sá, Arthur Medrado, Cinthya Meneguin, Davi<br />

Machado, Edan André, Flávia Silva, Flávio Ernani, Neto Medeiros<br />

Fotógrafos<br />

Bruna Mattos, Íris Zanetti, Juliana Melo, Marina Ibba, Nathália Nunes,<br />

Paulo Victor Fanaia, Pedro Ferreira, Thainá Cunha, Thamira Bastos, Yara<br />

Diniz<br />

Foto capa<br />

Íris Zanetti e Lídia Ferreira<br />

Monitoras<br />

Janini Sanches e Maressa Nunes<br />

Endereço: Rua do Catete 166, Centro, CEP 35420-000, Mariana-MG<br />

Tiragem: 1.500 exemplares<br />

Dezembro 2013<br />

Cartas do leitor<br />

Para comentar as matérias ou sugerir pautas para nossa próxima edição,<br />

envie e-mail para<br />

revistacuringa@icsa.ufop.br


editorial<br />

Texto: Laura Ralola e Mariana Borba<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Gustavo Kirchner<br />

Do reflexo de um espelho d’água, vê-se um rosto. A <strong>Curinga</strong> propõe<br />

nessa edição um mergulho no Ribeirão do Carmo, berço da cidade<br />

de Mariana. Mas não é da água corrente que desembesta a deixar<br />

sua terra natal para trás. Estamos falando das pedras encurraladas<br />

que fincam e ficam.<br />

A extração que começa nas margens, perfura a montanha e mancha<br />

as pessoas com o pó do tão cobiçado minério de ferro. Drummond,<br />

itabirano talentoso, assiste a subida da água que destrói seu<br />

lar. Sua serra foge pelos trilhos do trem, desembarca no porto e se<br />

joga no mundo. É assim, sempre foi, seja no ciclo do ouro seja no do<br />

aço, “mas como dói”. “Pobre Alphonsus”, não pôde ver a igreja dos<br />

sinos fortes bater nos 300 anos de existência. A história das pessoas<br />

que cuidam dela, da Sé, se misturam com os vitrais enfeitados.<br />

A <strong>Curinga</strong> tentou refletir-se por toda a cidade. Mirar a revista é<br />

entender do outro lado, nesse reflexo cristalino, o marianense, o mineiro,<br />

a pessoa posta em frente. No espelho, uma luta antiga surge:<br />

os genêros misturados, expostos, presentes. Por outras igrejas vê-se<br />

cores marcadas, iluminando o que já foi dito. Rosa é mulher, azul<br />

é homem. Será? O espelho se quebra e a partir dele, uma série de<br />

fragmentos.<br />

Um caco da quebra, pequeno, se volta contra a maioria. Nas ruas<br />

e em algumas páginas são mais de um, são vários. Mostram-se em<br />

tintas inesgotáveis, em berros, e seguem a lutar por um espaço onde<br />

o muro seja mural e o chão, palco. Pelo direito de ocupar o que é<br />

público e, mais do que isso, pelo direito à voz e a liberdade. O grito<br />

ecoa pelos corredores de uma universidade e de repente é silenciado.<br />

A autonomia em forma de grupo de estudantes, de um projeto de<br />

extensão, é encurralada bem em nossos quintais.<br />

Outro reflexo estampado. A <strong>Curinga</strong> se mantém por dentro de<br />

uma discussão insistente no cenário nacional. Uma entrevista com<br />

o editor executivo da VEJA e biógrafo não autorizado de José Dirceu,<br />

mostra uma visão prática dos percalços de biografar.<br />

Agir com responsabilidade tratando de registrar uma vida. Transformar<br />

e estar do outro lado. Um que escreve, outro que é escrito e<br />

desenhado no papel. Estar “de frente”, como a figura elegante que<br />

desce as ladeiras do Pilar nas páginas da crônica.<br />

Os trilhos do trem nos levam para uma viagem no tempo, em<br />

locais que permanecem camuflados, como as ruínas abandonadas<br />

de um cemitério que poucos moradores afirmariam conhecer; um<br />

castelo de arquitetura exótica, incrustado em meio a casas novas,<br />

nos arredores de Ouro Preto. Quem o construiu? Como não havia reparado?<br />

São experimentações do local, revirar a cidade em busca de<br />

personagens. Pretende-se desnudar os blocos de concreto e contar o<br />

que se vê por detrás deles, por detrás de tatuagens e animais selvagens<br />

significativos no Rosário, bairro do mestre Roque dos Leões. É<br />

jeitoso com as mãos de artista, se fez forte por sua condição. Roque<br />

é o nosso perfilado.<br />

As águas correm lentas pelo Ribeirão do Carmo. Seguem revelando<br />

personagens que caminham rente à margem. A cidade, casas e<br />

janelas são modificadas diariamente pela ação do ser humano. Chove,<br />

passa o tempo e pedras no caminho sempre haverão de existir...


Sumário<br />

5 - 300 anos da sé<br />

6 - Ruínas inglesas<br />

8 - Um castelo em ouro preto<br />

9 - Infográfico<br />

22 - ensaio fotográfico<br />

28 - autonomia universitária<br />

30 - revelações do Esporte<br />

40 - cadela branquinha<br />

Baú<br />

5<br />

10<br />

Otávio<br />

Cabral<br />

Entrevista<br />

14<br />

Fragmentos<br />

Perfil 32<br />

Especial 16<br />

espelho<br />

36


BAÚ<br />

300 anos de fé<br />

Texto: Gabriela Ribeiro<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Flávia Silva<br />

Foto: Nathalia Viegas<br />

Séculos se passaram desde o início da construção da Catedral<br />

da Sé de Mariana-MG e badaladas soaram de suas torres<br />

convidando a cidade para conhecer a beleza desse templo e para<br />

viver experiências de fé. Muitos aceitaram esse convite e se deixaram<br />

envolver pelo grande encanto que essa Catedral inspira.<br />

Assim foi com dona Cici. De seus 86 anos, Juraci de Oliveira<br />

completa quase 70 com esse chamado ressoando em seu coração.<br />

Trabalhando em uma fábrica de tecidos em Mariana, dona<br />

Cici ajudava na catequese e até mesmo limpando a Catedral<br />

em seus horários vagos, na época em que a Igreja ainda tinha<br />

seus ritos em latim. “A gente não entendia nada o que o padre<br />

falava”, lembra-se.<br />

Em um cenário coberto pelo rococó e pelo imponente barroco,<br />

as celebrações e sacramentos realizados na Sé possuem<br />

um tom diferente, que envolve quem participa. Mesmo sem entender,<br />

despertaram em Juraci a vontade de conhecer cada vez<br />

mais a doutrina da Igreja. Olhando agora para o caminho que<br />

seguiu, dona Cici não tem dúvidas: “Foi aqui que eu escrevi a<br />

minha história de fé”, afirma.<br />

Na missa em comemoração aos 300 anos da igreja, Dom<br />

Geraldo Lyrio Rocha, Arcebispo de Mariana, falou da relação<br />

que esse templo tem com o povo. “Mariana é a primeira vila,<br />

primeira cidade, primeira capital e primeira diocese de Minas.<br />

Aqui nasceu Minas Gerais”. E Minas Gerais é feita de pessoas;<br />

e tantas delas tiveram momentos da sua vida escritos na Sé.<br />

Pessoas como Maria do Rosário Matos decidiram retribuir<br />

o zelo que a Sé teve ao receber suas histórias. Dona Bia, como<br />

é conhecida, transborda gratidão ao falar da igreja em que foi<br />

batizada e se casou. Aos 60 anos, ela começou a trabalhar na<br />

sacristia, onde ficou por quase sete se dedicando no cuidado<br />

com os paramentos e na arrumação dos altares.<br />

Hoje, aos 80, Maria do Rosário se sente honrada em perceber<br />

que a sua doação fez parte da história da Sé. “É muito bom<br />

ter em nosso íntimo que, de uma forma ou de outra, a gente<br />

ajudou em alguma coisa”. Ao longo desses 300 anos, Marias<br />

e Juracis encontraram sentido de fé e todos os dias histórias<br />

de vida continuam sendo construídas junto com a Sé, a cada<br />

badalada do sino.<br />

5


História<br />

para<br />

brasileiro<br />

ver<br />

Texto: Adriel Campos<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Flávia Silva<br />

Foto: Pedro Ferreira<br />

“Em memória da amada Annie. A que amava e<br />

era amada. Esposa de Henry J. Gifford que deixou<br />

esta vida. 17 de julho de 1901. 34 anos. Tua vontade<br />

será feita”. O epitáfio gravado na lápide em quartzito<br />

de Annie Gifford, guarda a memória do amor do<br />

casal inglês que vivia na antiga Vila de Passagem, no<br />

século 19. Os ingleses vieram para esta região trabalhar<br />

com a mineração do ouro.<br />

Como o catolicismo dominava na época, os ingleses<br />

que eram protestantes, realizavam seus cultos<br />

com uma série de restrições, pois ocorriam vários<br />

conflitos entre os fiéis das duas religiões. Um destes<br />

era a falta de cemitérios, já que todos ficavam nos<br />

adros das igrejas católicas. Era desonroso para os<br />

protestantes realizarem seus sepultamentos nesses<br />

cemitérios, pois tinham que pedir autorização ao<br />

Bispo, e mesmo quando concedida, tinham que usar<br />

um espaço à parte, destinado aos suicidas. Diante<br />

dessas dificuldades, eles construíram sua capela e<br />

seu próprio cemitério, no Morro de Santo Antônio,<br />

entre as cidades de Ouro Preto e Mariana, onde puderam<br />

exercer livremente a religião anglicana.<br />

A capela era simples e não tinha imagens. Os túmulos<br />

não possuíam alegorias, ornamentações, anjos,<br />

calvários, nem mausoléus suntuosos acima do<br />

chão como nos cemitérios católicos. Crianças eram<br />

enterradas no centro, cercadas pelos túmulos dos<br />

adultos. Segundo registros do cartório de Passagem,<br />

entre 1891 e 1927, quatorze pessoas foram sepultadas<br />

no local.<br />

Até hoje, o caminho que dá acesso à capela e ao<br />

cemitério é cercado por uma plantação de chá preto,<br />

erva cultivada pelos ingleses. Mas o que se vê<br />

no restante do lugar é o descaso. Apesar de ter sido<br />

tombado como patrimônio histórico, todos os túmulos<br />

estão violados e as lápides deslocadas. Os epitáfios<br />

gravados em metal e as placas de bronze foram<br />

subtraídos, o telhado da capela desabou e as paredes<br />

estão em processo de degradação, as estruturas do<br />

telhado e as telhas foram retiradas, possivelmente<br />

para reutilização. Segundo o professor e jornalista<br />

Leandro Henrique dos Santos, o local foi depredado<br />

por pessoas que estavam à procura de ouro e joias<br />

que teriam sido enterrados junto com os mortos.<br />

A Capela dos Ingleses é um marco cultural significativo<br />

na região, pois quebrou o exclusivismo<br />

arquitetônico do catolicismo em uma terra dominada<br />

pela igreja católica romana. Juntamente com<br />

o cemitério, a edificação religiosa simboliza ideias,<br />

concepções e atitudes dos ingleses protestantes que<br />

viveram em Minas Gerais.<br />

6<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Riqueza em Ruínas<br />

Na busca pelo ouro, os ingleses<br />

que viveram na Vila de Passagem<br />

também exploraram a mina que<br />

havia no entorno do Morro de<br />

Santo Antônio. No final do século<br />

19, construíram uma usina de<br />

cloretação, método inovador para<br />

o extrativismo na região. Hoje, o<br />

acesso às ruínas da usina é difícil<br />

e a área está fechada a visitação<br />

pública. Existe o risco de acidentes<br />

devido aos buracos de sarilho,<br />

muito comuns na superfície<br />

das áreas mineradoras.<br />

7


Texto: Gabriela Ribeiro<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Flávia Silva<br />

Foto: Nathalia Viegas<br />

Era uma vez uM castelo<br />

Nos arredores do centro histórico de Ouro Preto, desenhado<br />

pelos casarões e costurada pelas ladeiras, brotou há mais de 20<br />

anos uma construção no mínimo peculiar. Construído em uma<br />

quadra inteira, na cidade do Barroco, o “Castelinho da Bauxita”<br />

ocupa também o imaginário da população ouropretana.<br />

O apelido da casa do professor Luiz Roque Ferreira condiz com<br />

as criativas histórias sobre sua criação. Uma delas é a que o estudante<br />

Danilo Ferreira ouviu de uma antiga moradora de Ouro<br />

Preto. A senhora contava que o “Castelinho da Bauxita” foi construído<br />

por uma família de orientais que veio para a cidade. “Eles<br />

tentaram fazer um castelo, mas o projeto não deu certo e ele ficou<br />

do jeito que está, em ruínas”, conta Danilo.<br />

Há versões românticas que o transformam no Taj Mahal de<br />

Ouro Preto. Leidiane Vieira Simões, estudante, conhece uma em<br />

que um ex-professor da UFOP estaria noivo e começou a construir<br />

a casa como um castelo para sua amada. Mas tempos depois, a<br />

noiva o teria largado, levando-o a abandonar o Castelinho.<br />

Quem convive com a construção reforça essa mítica. Lucas<br />

Isaac, vive na rua do Castelinho desde os três anos, e ouviu que o<br />

dono ganhou na loteria, comprou uma pedreira e foi atrás de seu<br />

sonho de morar em um castelo. Carmem e Darci Pimenta são vizinhos<br />

da obra há 23 anos. Carmem escutou que a casa teria sido<br />

construída para ser uma pousada, já Darci trabalhou com Luiz e<br />

lembra-se da época em que o colega comprou os lotes, mas o casal<br />

não sabe o que ele pretende com a construção.<br />

Desvendando o Castelinho, a professora Lorene Dutra, que é<br />

casada há 15 anos com o proprietário, diz que na verdade eles não<br />

são uma família de orientais, nem a namorada japonesa (que existiu!)<br />

foi motivadora da obra. Luiz também não ganhou na loteria,<br />

nem queria construir um hotel. O nome “Castelinho” é fruto do<br />

imaginário das pessoas, que passaram a adotá-lo como ponto de<br />

referência na Bauxita, bairro recente de Ouro Preto. O casal mora<br />

no local – que não está abandonado – e pretende, com o fim das<br />

obras, transformá-lo em uma instituição beneficente.<br />

8<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Borboleta<br />

Origem: Grécia<br />

Significado: nascimento de uma nova<br />

alma; espírito livre<br />

Onde mais aparece: costas, ombro,<br />

perna e pés<br />

INFOGRÁFICO<br />

São campeões nos<br />

estúdios visitados. Seus<br />

significados, geralmente,<br />

remetem à forma de<br />

pensar de quem as<br />

escolhe e servem para<br />

lembrar de pessoas<br />

importantes<br />

Infinito<br />

Origem: Aparece na Inglaterra, vindo<br />

da matemática<br />

Significado: Infinito; algo sem início,<br />

meio e fim; amor entre duas pessoas<br />

Onde mais aparece: Antebraço,<br />

pulso e costas<br />

A linguagem da agulha<br />

Texto: Lorena Costa<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Davi Machado<br />

Foto: Thainá Cunha<br />

Ostentar tatuagens faz com que a pessoa pareça moderna. Entretanto, existem<br />

relatos de várias civilizações que tinham o costume de marcar a própria pele. No<br />

Egito, por exemplo, diversas múmias foram encontradas com desenhos por todo o<br />

corpo. Para descobrir o perfil das pessoas que se tatuam na cidade de Mariana, a<br />

CURINGA visitou os quatro principais estúdios da cidade. Neste infográfico você verá<br />

a origem e os significados das tattoos mais comuns no município. Revelamos em<br />

quais partes do corpo elas aparecem com mais frequência e ainda se são feitas por<br />

homens ou mulheres.<br />

Dragão<br />

Origem: Oriental<br />

Significado: Em algumas civilizações, é<br />

considerado um símbolo de força, sabedoria,<br />

coragem. Em outras, acredita-se ser um<br />

símbolo das trevas<br />

Onde mais aparece: costas<br />

Maori<br />

Origem: Nova Zelândia<br />

Significado: A Maori representa a<br />

força, a luta e a coragem dos povos<br />

nativos<br />

Onde mais aparece: pernas e<br />

braços<br />

9


Entrevista<br />

10<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8<br />

Foto: luiz maximiano


Bio<br />

Foto: Yara Diniz<br />

<strong>Edição</strong> gráfica: Arthur Medrado<br />

Gra<br />

far<br />

Contar a vida de alguém, suas histórias marcantes, não é uma<br />

tarefa fácil. No Brasil, além de todo o trabalho de pesquisa para<br />

se criar uma biografia, escritores esbarram na Legislação do<br />

país, que contém dois artigos que dificultam a publicação de<br />

trabalhos desse gênero. De acordo com o artigo 20 do Código<br />

Civil-Lei 10406/02, para se utilizar conteúdos ou a imagem de<br />

uma pessoa é necessário a sua autorização, cabendo a proibição<br />

se atingirem a honra, a boa fama, a respeitabilidade ou se tiverem<br />

fins comerciais. Já o artigo 21 da mesma lei determina que a vida<br />

privada de qualquer pessoa é inviolável.<br />

Em julho de 2012 a Associação Nacional dos Editores de<br />

Livros (ANEL) entrou com ação no Supremo Tribunal Federal<br />

(STF) pedindo revisão dos artigos 20 e 21 do Código Civil, com<br />

o objetivo de acabar com a necessidade de autorização para<br />

a publicação de biografias. A ANEL alega que essa lei censura<br />

a liberdade de expressão no país. O caso ganhou repercussão<br />

apenas esse ano, criando um debate entre biógrafos e pessoas<br />

públicas, que discutem a revogação ou não desses artigos.<br />

O jornalista, escritor e atual editor executivo da revista Veja,<br />

Otávio Cabral, lançou uma biografia sobre o politico José Dirceu<br />

em junho de 2013. O livro já vendeu cerca de 50 mil exemplares<br />

e está na sua quarta edição. “Dirceu – A biografia” foi publicado<br />

pela editora Record sem a autorização de seu personagem<br />

principal. A biografia ganhou atenção da mídia e recebeu críticas<br />

positivas e negativas. Nesta entrevista, Otávio Cabral opina sobre<br />

a produção de tal gênero no Brasil e fala como foi a experiência<br />

de se escrever um livro sobre um político de projeção no país.<br />

Texto: Fernanda de paula<br />

11


c: A legislação das biografias no Brasil hoje, que preserva a lei que proíbe<br />

biografias não autorizadas, coloca-nos ainda à margem da Ditadura?<br />

OC: A legislação como ela é atualmente, que uma biografia para ser publicada<br />

depende de autorização do biografado, é um absurdo, um atentado à liberdade<br />

de expressão e à capacidade de contar a própria história do país, pois limita<br />

muito o que vai ser publicado. Em outros países livres e democráticos não existe<br />

essa legislação semelhante à brasileira. Pode-se publicar o que quiser, o direito<br />

de expressão é amplo e ilimitado. Agora, se, por acaso, alguém cometer alguma<br />

injustiça e publicar uma inverdade, a justiça irá reparar isso. Mais ou menos o que<br />

acontece com o jornalismo. Jornalista tem liberdade para escrever o que quiser,<br />

sendo punido se difamar ou caluniar.<br />

c: O país enfrenta atualmente um grande debate sobre a mudança na<br />

legislação da publicação de biografias. Como a autorização e a não autorização<br />

influenciam a produção de tal gênero?<br />

OC: Eu não dou tanta importância às biografias autorizadas, porque acho que vira<br />

praticamente uma homenagem, o personagem pede aquilo que ele admite. E as<br />

não autorizadas, como a que fiz do José Dirceu, contam a história não amarrada aos<br />

interesses da pessoa e sim aos interesses do biógrafo que quer levar ao público a<br />

verdade dos fatos sem omitir ou mentir sobre os acontecimentos. Você tem mais<br />

liberdade e não fica tão preso à autorização. Acho que provavelmente o supremo<br />

vai revogar essa lei e autorizar a publicação de biografias não autorizadas.<br />

c: Até que ponto a biografia expõe a opinião de quem escreve?<br />

OC: Eu acho que é inevitável pesquisar e escrever sobre a vida de uma pessoa e<br />

não ter um pouco de opinião, um pouco da sua impressão sobre o biografado. Mas<br />

acho que na maior parte do tempo, você tem que tentar ser o mais isento possível.<br />

No meu livro pode ter alguma opinião, mas eu busquei ser muito mais narrador do<br />

que comentarista. Procurei deixar para o leitor criar juízo de valor. Ele (José Dirceu)<br />

pegou em armas contra a ditadura, militou num grupo de luta armada, exilou-se<br />

em Cuba, mas em nenhum momento, falo se acho essas coisas boas ou ruins.<br />

c: O que o entusiasmou na vida de José Dirceu que gerou o interesse pela<br />

criação dessa obra? Qual foi o seu objetivo ao escrever essa biografia?<br />

Caracterizar uma época ou uma politica?<br />

OC: Eu morei em Brasília, de 2000 a 2010, e trabalhei primeiro na sucursal da Folha<br />

de S. Paulo e depois pela Veja, sempre cobrindo política. No final do governo do<br />

Fernando Henrique, quando o PT era o principal partido de oposição, o José Dirceu<br />

era o líder do partido no congresso. Durante a campanha do Lula, até o final de seu<br />

governo, o José Dirceu sempre foi uma pessoa central em tudo que acontecia no<br />

país. Uma pessoa meio misteriosa e com uma história de vida muito interessante.<br />

Eu sempre pensei em escrever um livro sobre essa época que morei em Brasília<br />

e não sabia muito bem como e o que escrever. Então, há uns dois anos, conheci<br />

uma editora aqui em São Paulo. Ela veio de Portugal e achou muito estranho que<br />

no Brasil não se escrevesse sobre pessoas vivas. Isso me deu um estalo e comecei<br />

a preparar esse livro.<br />

c: Como foi a preparação e o trabalho para criar essa biografia?<br />

OC: Realizei muitas pesquisas em acervos de jornais, revistas, emissoras de tevê e<br />

arquivos públicos. Essa lei de acesso à informação facilitou muito minha pesquisa.<br />

Tive acesso a dados inéditos, no total são mais de 15 mil páginas de documentos.<br />

Além disso, eu entrevistei 63 pessoas que conviveram com ele e tem também a<br />

minha própria experiência como jornalista. Cobri de perto o caso do mensalão, as<br />

duas campanhas do Lula e quando ele foi Ministro da Casa Civil.<br />

12<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


c: Qual foi o entrevistado de maior relevância?<br />

OC: Uma pessoa que considero essencial foi o Paulo de Castro Wenceslau, que é um exmilitante<br />

do PT. Ele foi o maior amigo do José Dirceu no movimento estudantil, na época da<br />

ditadura, quando ele se exilou em Cuba e quando voltou foragido para o Brasil. O Paulo me<br />

ajudou com muitas histórias dessa época desconhecida, de sua vida clandestina no país e do<br />

movimento guerrilheiro. Quando ele voltou ao Brasil com a anistia, em 1979, foi o Paulo de Castro<br />

que deu abrigo a ele. Outra pessoa que me ajudou muito foi o Marcos Tomaz Bastos, que me<br />

deu muitas informações importantes do tempo de governo da Casa Civil.<br />

c: O senhor foi acusado de negligência ao escrever a biografia do José Dirceu, por omitir<br />

fatos e divulgar outros que sejam falsos. Como o senhor se posiciona diante de tal fato?<br />

OC: Eu acho que nós vivemos um momento político muito acirrado. Acho natural, por eu trabalhar<br />

na Veja, que é uma revista crítica aos governos em geral e, nesse momento, ao PT. Denunciamos<br />

o mensalão e boa parte das irregularidades. Teve muitas críticas negativas, principalmente, a<br />

da revista Piauí, que serviu de base para todos os ataques. Foi um texto do Marcelo Conte, que<br />

foi reproduzido nas redes sociais e em outros sites próximos ao PT. Nesse texto, o Marcelo<br />

Conte cita alguns erros, que de fato aconteceram. Quando ele publicou o texto, esses erros já<br />

tinham sido corrigidos. Eu acho que essas coisas acontecem e agradeço a quem apontou erros<br />

e equívocos que eu cometi. Isso faz parte do jogo, estava preparado para isso e ignorei, não me<br />

iludi com os elogios e nem me deixei abater com as criticas.<br />

c: Muitos o acusam também de ter escrito a biografia baseado no editorial da revista VEJA<br />

e sua suposta perseguição ao PT. Isso teve alguma influência na criação dessa biografia?<br />

OC: Meu livro não tem nenhuma relação com a Veja. Eu trabalho na revista, mas o livro foi um<br />

trabalho totalmente independente. A Veja não me pagou para fazer esse livro e não ajudou na<br />

divulgação. Eu discordo dessa tese, muito divulgada por petistas, que a Veja é contra o PT. A<br />

Veja cumpre a missão de todo órgão jornalista de fiscalizar o poder. Por acaso, o PT está no<br />

poder agora, mas quando foi o Fernando Henrique, teve uma série de escândalos, de compra<br />

de votos, de irregularidades na privatização, todas saíram na Veja. Ela também foi o principal<br />

órgão que denunciou as irregularidades do governo Collor. É a função da imprensa séria e<br />

independente. Como o PT está no governo, os petistas não gostam deste tipo de jornalismo,<br />

mas é o que deve ser feito.<br />

c: Como o senhor vê a manifestação do seu biografado sobre o trabalho que você realizou?<br />

OC: Eu não esperava que ele fosse gostar e aplaudir o meu livro, justamente por ter sido não<br />

autorizado. Eu falei de temas que ele gosta e de temas da vida dele que ele não queria que<br />

fossem revelados. Então me surpreenderia muito se ele fizesse elogios ao livro. Acho natural que<br />

ele não tenha gostado muito, mas imagino que ele não tenha visto problemas sérios ou erros,<br />

pois não foi feito nenhum reparo na justiça, não me processou, não fez nada, somente publicou<br />

um artigo na Folha.<br />

c: O seu livro teve uma grande venda, muita repercussão na mídia. Como o senhor vê essas<br />

manifestações? O senhor esperava tamanha repercussão?<br />

OC: O tema era interessante e imaginava que ele fosse fazer sucesso, mas o mercado editorial<br />

brasileiro é muito complexo. O Brasil é um país onde se lê pouco e os livros não têm muita<br />

divulgação. As livrarias estão restritas às principais cidades, não se encontram em cidades<br />

pequenas do país. Muitas vezes um livro que você acha que vai fazer um sucesso danado,<br />

encalha e, muitas vezes, quando você não imagina nada do livro, ele faz sucesso. É muito<br />

imprevisível. Eu fiquei satisfeito com os resultados dele.<br />

c: Como o senhor avalia a sua experiência na produção desse livro? Tem planos para<br />

escrever outro?<br />

OC: Achei muito interessante e gostei muito da experiência de escrever um livro, é um trabalho<br />

de mais fôlego. Trabalhei em jornal onde você tem que produzir todo dia, é uma loucura! Na<br />

revista você já consegue fazer um trabalho mais pensado, mais analítico. Agora eu fui para<br />

essa terceira experiência de escrever um livro, esse negócio de longo prazo, mais amplo, mais<br />

pensado e estruturado. Acho que é uma nova porta que se abriu pra mim e eu espero continuar<br />

explorando, pretendo fazer outros livros.<br />

13


FRAGMENTOS<br />

POR UM<br />

MUNDO MAIS<br />

COLORIDO<br />

14<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Texto: Gerliani Mendes<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Cinthya Meneghin<br />

Foto: Thamira Bastos<br />

o porquê do outubro rosa e novembro azul<br />

Se o novembro fosse azul pra tratar câncer de<br />

mama, ia vingar? Tem coisas que os homens explicam,<br />

mas só mulheres entendem. E vice versa.<br />

Uma delas é aquele caroço alojado num corpo que<br />

desmente todas as premissas de igualdade entre<br />

homens e mulheres. Eu tenho a perseguida, o útero,<br />

a mama. Ele tem a próstata, as bolas... Opa, mas<br />

“somos todos ciborgues”<br />

diz Donna Haraway. Cada dia mais os corpos<br />

são recriados com cirurgias e comportamentos.<br />

Sim, há que se pensar! Gostaria que transexuais<br />

não deixassem de fazer os devidos<br />

exames por não se identificarem com os estereótipos<br />

da Campanha. Aliás, são estereótipos de<br />

gênero ou de sexo? São mesmo<br />

apenas estereótipos? Baseados em especificidades<br />

corporais, está claro. Mas em que se baseia o rosa<br />

e o azul? Estas questões, mais do que para pensar<br />

criticamente as campanhas são questões para<br />

a vida: para a educação das nossas crianças, para<br />

um futuro menos repressivo e moralista: um<br />

mundo mais colorido!<br />

Mas vamos na boa fé... Essa Campanha<br />

nos deve unir! Cis e trans. Gay, hetero e<br />

bi. Casais acima dos 40 certamente se acompanharam<br />

para realizar os exames e isso é lindo! Minha<br />

mãe e seu marido são bons exemplos disso. “- Ô<br />

Geraldo, vai levar dedada, né!” Risos homofóbicos<br />

no ar, mas ele não perderia essa chance por nada.<br />

“- Claro Rose! Você tá com medo de me perder pro<br />

doutor né? Tá com medo de eu gostar!”... Ela sorri<br />

sem graça e não há mais apelo. Ele sabe que é<br />

o melhor a ser feito. Ambos vão até onde a boa<br />

saúde pede, e tudo vira uma brincadeira pra ser<br />

compartilhada entre outros quarentões. Mamografia<br />

certamente dói mais que uma dedadinha,<br />

ela pensa sempre certa de que sua dor de fêmea<br />

há de ser mais forte que a dedada. Acabou-se a<br />

guerra dos sexos na sala de espera do consultório.<br />

As mãos se juntam em devoção aos laços<br />

que simbolizam as Campanhas. E eles se olham<br />

cúmplices, como o fazem a passagem de<br />

Outubro para Novembro.<br />

15


ESPECIAL<br />

Da busca por ouro e pedras preciosas a escavações<br />

gigantescas. Por trás das montanhas cinzentas,<br />

profundas crateras de exploração de ferro. Se por um<br />

lado a extração mineral gera crescimento econômico<br />

nas cidades de Minas Gerais, por outro a atividade<br />

mineradora deixa marcas visíveis no meio ambiente e<br />

na vida de muitas pessoas.<br />

16<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


O sentimento imortalizador expressado<br />

por Carlos Drummond de Andrade sobre a<br />

sua terra natal, fica claro no seu poema Montanha<br />

Pulverizada. “Chego à sacada e vejo a minha<br />

serra, a serra de meu pai e de meu avô, de<br />

todos os Andrades que passaram e passarão,<br />

a serra que não passa. Era coisa dos índios e a<br />

tomamos para enfeitar e presidir a vida neste<br />

vale soturno, onde a riqueza maior é sua vista<br />

e contemplá-la, de longe, nos revela o perfil<br />

grave. A cada volta de caminho aponta uma<br />

forma de ser, em ferro, eterna, e sopra eternidade<br />

na fluência. Esta manhã acordo e não a<br />

encontro. Britada em bilhões de lascas deslizando<br />

em correia transportadora, entupindo<br />

150 vagões no trem-monstro de cinco locomotivas<br />

- o trem maior do mundo, tomem<br />

nota - foge minha serra, vai deixando no meu<br />

corpo e na paisagem mísero pó de ferro, e este<br />

não passa.”<br />

Terra do poeta, cidade do ferro, berço da<br />

Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale. Vista<br />

do alto, Itabira, localizada acerca de cem quilômetros<br />

de Belo Horizonte, encontra-se tomada<br />

de minas a céu aberto. Por trás de tantas<br />

casas, há nuvens de poeiras, rachaduras<br />

nas paredes e o sentimento de frustração da<br />

população. O maior trem do mundo carrega<br />

riquezas, leva histórias e causa dor.<br />

De um lado grandes máquinas se aproximando<br />

da antiga Vila Paciência, do outro,<br />

pessoas amedrontadas e temerosas<br />

à presença da mineradora<br />

na cidade. As expansões<br />

das áreas de mineração<br />

resultaram em impactos profundos<br />

sobre o meio ambiente<br />

da cidade, inclusive sobre<br />

os moradores que habitavam<br />

a Vila.<br />

Numa área particular, situada<br />

a noroeste do sítio urbano<br />

de Itabira, a Vila Paciência,<br />

surgida por volta de 1957,<br />

dividia-se pela linha férrea<br />

da Estrada de Ferro Vitória a<br />

Minas e pela Estrada Cento e<br />

Cinco, em duas partes: Vila<br />

Paciência de Cima e Vila Paciência<br />

de Baixo. Em virtude da<br />

exploração de minério de ferro,<br />

em 1980, a parte superior<br />

da vila foi extinta, permanecendo<br />

somente a parte inferior.<br />

“Na época, a empresa<br />

propôs negociação, e não tinha<br />

como negar, tudo iria ser<br />

tomado mesmo. Não dava era<br />

pra sair no prejuízo, o jeito foi<br />

aceitar a proposta oferecida”,<br />

relata uma ex-moradora da<br />

Vila Paciência de Cima.<br />

Desde a expansão da mineração na mina<br />

Chacrinha, a parte remanescente da Vila Paciência<br />

passou a ser uma área cada vez mais afetada.<br />

Segundo Marcone Andrade, assessor de<br />

imprensa da Vale, “A empresa mantém uma<br />

livre negociação para aquisição de parte dos<br />

imóveis da Vila Paciência, um processo iniciado<br />

a pedido da própria comunidade, com o<br />

objetivo de criar uma zona de amortecimento<br />

entre a área operacional e a população”.<br />

No entanto, como a Vila Paciência foi prejudicada<br />

pelos impactos da mineração, outras<br />

vilas ainda são alvos de risco ambiental. A<br />

Mina do Chacrinha, situada próxima a Vila<br />

Cisne, gera uma situação insuportável para os<br />

moradores. A atitude de “paciência” por parte<br />

deles não durou muito tempo. No dia 26 de<br />

julho de 2013, numa sexta feira, a comunidade<br />

bloqueou a linha férrea Vitória/Minas da<br />

Vale, impedindo a passagem da locomotiva<br />

por cerca de duas horas. Os manifestantes<br />

iniciaram o protesto para reivindicar uma decisão<br />

definitiva por parte da Vale, sobre as rachaduras<br />

em suas casas. Quatro meses depois<br />

a revolta dos residentes da Vila continuou a<br />

mesma. A população declara que outra manifestação<br />

está próxima para acontecer, já que<br />

as reivindicações não foram atendidas.<br />

Texto: Luma Oliveira<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Aline Rosa de Sá<br />

Fotos: Íris Zanetti<br />

17


Velhas cicatrizes<br />

Maria Aparecida Santos Soares, representante<br />

da comunidade, mostra as<br />

fissuras da sua casa, que, segundo ela,<br />

são efeitos da detonação de explosivos.<br />

A moradora explica que as explosões<br />

resultam em estrondos, ruídos e tremores.<br />

“Teve uma vez que todos os moradores<br />

saíram de suas casas, porque<br />

parecia que ia desmoronar. Foi assustador.<br />

É um terremoto que dura segundos,<br />

mas que gera medo.” De acordo<br />

com a líder da vila, as implosões acontecem<br />

todos os dias, por volta das 15h.<br />

A Vale desconhece qualquer estudo<br />

conclusivo que aponte a empresa como<br />

responsável pelas rachaduras nos imóveis.<br />

A empresa alega que as detonações<br />

só são feitas em períodos diurnos<br />

e em condições climáticas favoráveis.<br />

“As vibrações são monitoradas em tempo<br />

integral e se encontram dentro dos<br />

limites estabelecidos pela legislação”,<br />

explica o assessor Marcone.<br />

A poluição atmosférica, relacionada<br />

à atividade mineral, é outro problema<br />

vivenciado pela comunidade. Moradora<br />

há 53 anos da vila, Maria Piedade reclama<br />

da poeira gerada pelas explosões e<br />

dos danos causados à saúde humana.<br />

“Aqui é um lugar terrível pra se viver.<br />

O meu terraço fica infestado de poeira,<br />

com calor e vento então, fica insuportável.<br />

Você está vendo aquela área ali?<br />

aponta ela para um local a 100 metros,<br />

“era tudo verde, olha como está hoje!<br />

Várias casas já foram retiradas e por<br />

causa da detonação, até pedra já veio<br />

na minha casa.”<br />

Em resposta as reclamações da população,<br />

a Vale declara que a empresa<br />

adota uma série de medidas que reduzem<br />

os impactos em suas áreas operacionais,<br />

como irrigação permanente das<br />

vias internas, revegetação dos terrenos<br />

em declínio e mantém quatro estações<br />

de monitoramento da qualidade do ar<br />

em diferentes pontos da cidade.<br />

Entretanto, mesmo com essas medidas<br />

salientadas pela mineradora,<br />

constata-se que os itabiranos ainda se<br />

sentem incomodados com a situação<br />

que os aflige, pois os ventos que sopram<br />

em direção às minas e outros fatores<br />

concorrentes não são controláveis pela<br />

Vale, contribuindo para a dispersão da<br />

poeira em direção à cidade. Na década<br />

de 80, Carlos Drummond de Andrade<br />

já relatava esses problemas, “Hoje minha<br />

terra vive a sorte da região espoliada,<br />

com os intestinos à vista, sob o pó<br />

de minério que suja os corpos e torna<br />

as almas sombrias. Não adianta fechar<br />

as portas e janelas; meia hora depois<br />

de qualquer limpeza, pode-se escrever<br />

com o dedo sobre o pó depositado nos<br />

móveis.”<br />

18<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


19


Quadrilátero<br />

Ferrífero<br />

Belo Horizonte<br />

1. Tarcísio, exgarimpeiro:<br />

“Eu já<br />

ganhei muito dinheiro<br />

no garimpo, agora tenho<br />

pouca coisa.”<br />

2. Maria Aparecida,<br />

relembra, de sua casa,<br />

a manifestação que<br />

realizou junto com a<br />

comunidade nos trilhas<br />

do trem.<br />

20<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Nas trilhas dos garimpeiros<br />

Se em uma das pontas do quadrilátero ferrífero, região<br />

responsável pela maior extração de minério de Minas Gerais,<br />

temos Itabira, na outra encontramos Ouro Preto. A distância<br />

entre as duas cidades é de 90 km, mas os problemas vivenciados<br />

pela população são semelhantes.<br />

Nascida antes mesmo de 1700 com a descoberta do ouro,<br />

a cidade de Ouro Preto atraiu por muito tempo centenas de<br />

aventureiros em busca do metal precioso. Com as campanhas<br />

do metal e de diamante, Minas Gerais foi considerada a maior<br />

reserva de ouro do mundo.<br />

O garimpo foi durante anos uma das formas mais comuns<br />

de extração das riquezas minerais. Diferente da mineração que<br />

utiliza máquinas e move toneladas de terra por ano, a atividade<br />

garimpeira utiliza ferramentas simples e o trabalho é manual.<br />

Porém, assim como o trabalho minerador, a extração no<br />

garimpo afeta a infraestrutura e a natureza, gerando grandes<br />

impactos.<br />

Nas últimas décadas, garimpar tornou-se um ofício exercido<br />

na clandestinidade, alvo de operações da Polícia Ambiental<br />

e multas aplicadas pelo Ministério Público, por danos provocados<br />

ao meio ambiente. Além de ser um bom exemplo de precarização<br />

do trabalho na região.<br />

Localizado a 18 km de Ouro Preto, encontra-se o distrito<br />

de Antônio Pereira, região conhecida pela presença do garimpo<br />

de topázio imperial. Considerada uma gema rara no mundo e<br />

de alto valor econômico, a extração da pedra foi crescente e diversos<br />

depósitos foram explorados por trabalhadores dentro da<br />

região de Ouro Preto. Em um lugar de paisagem estranhamente<br />

desolada e em terras pouco firmes, encontramos três garimpeiros<br />

trabalhando. Debaixo do sol forte, eles desaparecem<br />

perto do imenso buraco aberto no meio da terra. “Cuidado!”<br />

Alerta Pedro, um garimpeiro de 60 anos, que nos direcionava<br />

até o centro da escavação. Sem proteção nenhuma, o trabalho<br />

é incessante e diário. Além do topázio imperial, outras pedras<br />

podem ser encontradas no local, mas é preciso contar com a<br />

sorte, não é todo dia que o “tesouro é localizado”. “Eu trabalho<br />

aqui desde 82, a gente tira a pedra e depois manda lapidar. É<br />

muito difícil achar alguma. Aqui é sorte, é igual jogar na Mega<br />

Sena”, conta Pedro ao nos mostrar o fruto do seu trabalho, as<br />

pedras lapidadas.<br />

O garimpo é propriedade particular, o trabalho é por conta<br />

própria, mas a cada mil reais de venda, uma porcentagem<br />

é passada a proprietária do terreno. No momento o garimpo<br />

encontra-se fechado por órgãos do meio ambiente, entretanto<br />

há aqueles que se arriscam. “Eu já trabalhei por muito tempo<br />

aqui. Tive que parar depois que o garimpo foi fechado, porque<br />

é arriscado”, relata Tarcisio.<br />

Os garimpeiros nesse nível de produção ganham muito<br />

pouco, a extração é primária e a técnica de lapidação é desconhecida<br />

por eles. O preço de produto de origem é distante do<br />

preço vendido nas lojas. A riqueza que a extração proporciona,<br />

passa apenas por suas mãos, deixando rastros sujos de poeira<br />

e mãos marrons.<br />

Mineirar, Maneirar!<br />

Hoje o Brasil abriga um dos maiores potenciais minerais do<br />

mundo, se tornando o segundo maior exportador de minério.<br />

De acordo com os dados da Secretaria de Comércio Exterior<br />

(Secex), a exportação de minério de ferro em outubro somou<br />

32,51 milhões de toneladas, o maior volume mensal do ano de<br />

2013, tendo como principal destino a China. Esse grande potencial<br />

resulta na contínua abertura de minas por todo o território<br />

nacional. Os maiores estados produtores de minérios em<br />

2012, de acordo com o recolhimento da Compensação Financeira<br />

pela Exploração de Recursos Minerais, são: Minas Gerais,<br />

(53,2%), Pará (28,6%), Goiás (4,1%), São Paulo (2,8%), Bahia<br />

(2,0%) e outros (9,3%). A demanda chinesa está em constante<br />

crescimento e a espera que o Brasil atenda esse mercado. Mas<br />

estaria o Brasil preparado? Segundo Carlos Melo, geógrafo com<br />

especialização em gestão ambiental, “O consumo de forma voraz<br />

por boa parte das corporações tem elevado os problemas<br />

ambientais a partir da extração de matéria prima”. Hoje fica<br />

clara a importância do setor extrativista de minerais para a<br />

economia de boa parte do Brasil. Mas quem são as vítimas?<br />

Enquanto a atividade econômica aumenta a balança comercial<br />

do país, o sofrimento das populações que têm suas vidas remexidas<br />

pela atividade mineradora permanece o mesmo.<br />

21


FOTOGRAMA<br />

yara diniz<br />

Texto: Íris Zanetti e Yara Diniz<br />

<strong>Edição</strong> gráfica: Edan André<br />

entr<br />

22<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


e um pingo<br />

e outro<br />

23


íris zanetti Marina Ibba<br />

íris zanetti<br />

24<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Mas o que quer dizer este<br />

poema? - perguntou-me<br />

alarmada a boa senhora.<br />

E o que quer dizer uma<br />

nuvem? - respondi triunfante.<br />

Uma nuvem - disse ela - umas<br />

vezes quer dizer chuva, outras<br />

vezes bom tempo...<br />

Mario Quintana<br />

Thamira Bastos<br />

Bruna Mattos íris zanetti<br />

25


thainá cunha<br />

yara diniz<br />

26<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Fotografar sujeitos que se apropriam do espaço público<br />

durante a chuva torna visível o invisível, dá espaço a cenas<br />

do dia-a-dia talvez não pensadas ou interpretadas pelas<br />

pessoas. Seja embaixo de um guarda-chuva, dentro do carro<br />

ou nas quinas de marquises, os olhares se recolhem.<br />

O jornal tem que sair, a feira não pára e a chuva também<br />

não.<br />

As pessoas tomam as ruas por algum motivo, específico,<br />

e uma história particular; cada qual com suas corres, pingo a<br />

pingo, construindo uma narrativa.<br />

íris zanetti<br />

27


RELICÁRIO<br />

Existia um grupo de prisioneiros que viviam acorrentados<br />

desde o seu nascimento em uma caverna escura, e nas suas<br />

paredes podiam-se ver sombras projetadas por um fino feixe<br />

de luz. Aquilo era a realidade. Um prisioneiro se libertou das<br />

correntes e conseguiu sair da caverna. Depois de acostumar-se<br />

com a luz, pode vislumbrar outro mundo com cores, pessoas e<br />

natureza. Aquilo era a verdade. Voltando para a caverna, tentou<br />

convencer os demais prisioneiros que existia um mundo lá<br />

fora. Sendo taxado de louco, acabou assassinado.<br />

A Alegoria da Caverna está nas páginas de “A República”,<br />

livro VII, escrito por Platão, o mesmo filósofo grego que, no<br />

ano de 387 a.C., fundou a primeira Academia. Em seu início,<br />

a Academia era um lugar de transmissão do pensamento, de<br />

lá pra cá percorreu um longo caminho e seu papel foi se modificando.<br />

O Patrono da Educação brasileira, Paulo Freire – falecido<br />

em 1997 – disse que “O conhecimento não se estende do que<br />

se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento<br />

se constitui nas relações homem-mundo, relações<br />

de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica<br />

destas relações”. As universidades, como conhecemos hoje,<br />

correspondem ao lugar de experimentação da relação homemmundo<br />

– que os prisioneiros da caverna não quiseram acreditar<br />

– e são lugar de formação e transformação do conhecimento.<br />

Por isso possuem o dever e o direito de cumprir esse papel,<br />

que se transpõe para além de seus próprios muros e se reflete<br />

na comunidade.<br />

No dia 13 de agosto de 2013, o Programa de Extensão:<br />

Centro de Difusão do Comunismo (CDC), da Universidade Federal<br />

de Ouro Preto (UFOP), foi suspenso por meio de uma<br />

liminar expedida pelo Juiz da 5° Vara da Justiça do Maranhão,<br />

José Carlos do Vale Madeira, após ação popular movida pelo<br />

advogado Pedro Leonel Pinto de Carvalho. A UFOP, além de<br />

tomar todas as providências cabíveis para a revisão da decisão<br />

judicial, se manifestou em uma carta-resposta aberta.<br />

de volt<br />

tempo<br />

cave n<br />

Texto: Tuanny Ferreira<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: neto medeiros<br />

r<br />

Proibido pensar diferente<br />

A ação popular e a decisão judicial obtiveram repercussão<br />

nacional, fato que gerou discussões nos espaços destinados<br />

aos comentários dos leitores em sites de notícias e um alvoroço<br />

na rede social Facebook. Nas matérias sobre o caso, o trecho<br />

mais citado da carta-resposta diz: “A Autonomia Universitária<br />

foi ‘ferida de morte’ e as instâncias que aprovaram e acompanharam<br />

o Programa CDC-UFOP (desde 2012), foram completamente<br />

ignoradas e achincalhadas”.<br />

O Prof. Dr. André Mayer, coordenador do Programa, ressalta<br />

que “Os objetivos do CDC-UFOP são claros, públicos e<br />

notórios: estudar, debater e realizar a critica à ordem do capital<br />

e lutar por uma sociedade para além desse sistema, envolvendo<br />

ações de ensino, pesquisa e extensão”. E completa: “A Ação<br />

é caluniosa e equivocada não tendo um suporte material que<br />

sustente a sua argumentação. O trabalho realizado é transparente<br />

para toda a sociedade”.<br />

O princípio da Autonomia Universitária é desconhecido e<br />

a sua importância para a educação também. A lei surgiu pela<br />

primeira vez na Constituição de 1988 e é uma dentre outras<br />

normas existentes sobre a Educação no país. Entre elas, a<br />

gratuidade do ensino público, o acesso universal, a garantia<br />

da qualidade de ensino e a indivisibilidade do tripé: ensino,<br />

pesquisa e extensão. Definida de forma plena pela Constituição,<br />

a Autonomia em sua formulação considera cinco itens:<br />

as autonomias didático-científica, administrativa, de gestão<br />

financeira e patrimonial e o regime jurídico.<br />

28<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


a aO<br />

das<br />

as?<br />

A Autonomia Universitária nos casos<br />

CDC-UFOP e Eleições da USP<br />

Bem vindos à ocupação!<br />

Em outubro de 2013, outro caso que lesou a Autonomia<br />

Universitária obteve visibilidade nacional e aconteceu na maior<br />

Universidade do país, a Universidade de São Paulo (USP). Até<br />

aquele momento, a eleição do reitor era feita pela escolha do<br />

Governador do Estado, atitude que ia contra as medidas conquistadas<br />

pela Lei da Autonomia Universitária.<br />

Um grupo de estudantes se organizou para protestar contra<br />

a medida e reivindicar eleições diretas e o voto igualitário. Após<br />

42 dias de ocupação da Reitoria e reiteração de posse pacifica,<br />

em uma reunião do Conselho Universitário, foi deliberado sobre<br />

o sistema eleitoral da Instituição. Ficou decidida a eleição<br />

em turno único no dia 19 de dezembro de 2013, com quatro<br />

chapas concorrendo à reitoria da USP. O direito de voto e a<br />

decisão passou a caber à Assembléia Universitária formada por<br />

2 mil representantes - entre professores, alunos, funcionários e<br />

técnicos administrativos.<br />

Segundo André Lana, advogado e assessor técnico do reitor<br />

da UFOP, “Tratar uma universidade como uma mera repartição<br />

pública, com todas as amarras burocráticas da nossa complexa<br />

estrutura jurídica, é o mesmo que limitar o desenvolvimento<br />

cultural, científico e tecnológico do país. Esses fatos são exemplos<br />

claros de tais limitações e demonstram interpretações restritivas<br />

que tentam limitar a atuação das universidades”.<br />

Lana ainda salienta: “É preciso que a sociedade entenda<br />

que são as universidades as responsáveis por amplos e imparciais<br />

debates sociais, técnicos e políticos. Qualquer limite à sua<br />

liberdade fará com que alguém ou algum grupo seja individualmente<br />

beneficiado”.<br />

A suspensão do CDC-UFOP e a escolha do reitor da USP<br />

pelo governador do Estado abrem precedentes contra a Autonomia<br />

Universitária e não devem ser ignoradas – como aquele<br />

prisioneiro liberto que conseguiu ver a luz da verdade, mas foi<br />

assassinado pelos companheiros que não ousaram conhecer o<br />

mundo.<br />

Mesmo com a suspensão do CDC-UFOP, alunos<br />

mantêm em seu cotidiano a perspectiva debatida<br />

pelo Programa de Extensão.<br />

29


Guerreiros<br />

Lutar para alcançar os objetivos. A frase parece clichê, mas para os nossos<br />

personagens não é. Eles [literalmente] lutam para chegar ao lugar onde almejam.<br />

Todos praticam Artes Marciais, filosofias de vida em que seus adeptos procuram<br />

o desenvolvimento físico e mental. Existem modalidades diferentes, porém,<br />

assim como essas pessoas, os estilos buscam o mesmo ideal: qualidade de<br />

vida, bem estar e controle emocional.<br />

O general e filósofo chinês Sun Tzu, em sua obra “A Arte da Guerra”, escrita há<br />

aproximadamente 500 anos antes de Cristo, revela suas estratégias de combate,<br />

onde o ponto fundamental para se vencer uma batalha é o autocontrole. Domínio<br />

próprio e disciplina é o que não falta aos nossos quatro guerreiros. “Triunfam<br />

aqueles que sabem quando lutar...”.<br />

Fernando Moraes– Jiu Jitsu<br />

“Sentir dor, mas não desistir, é preciso sofrer para ser o melhor”.<br />

Essa é a receita vitoriosa de Fernando Moraes, que aos 24<br />

anos de idade é campeão brasileiro, bicampeão mineiro, campeão<br />

da Copa Estrada Real, campeão da Copa Kimura, e possui outros<br />

títulos regionais. Lutando há dez anos, o Jiu Jitsu é o que mais dá<br />

prazer em sua vida, pois foi com a arte marcial que ele fez a maioria<br />

dos seus amigos, viajou para vários lugares e aprendeu coisas<br />

que guardará pelo resto da vida. “Aprendi a amar a mim mesmo e<br />

ao próximo, respeitar os mais fracos e nunca me tornar um deles”.<br />

O Jiu Jitsu é uma luta japonesa que significa “arte suave”. E é<br />

com muita suavidade e muitas horas de sono trocadas por horas<br />

de treino, que Fernando segue em busca do equilíbrio e em busca<br />

de seus objetivos.<br />

30<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Quando a arte da luta se confunde com a vida<br />

Aloísio Júnior – Kung Fu<br />

Os dragões tatuados em seus dois braços, à primeira vista, sugerem<br />

que ele é apaixonado pela cultura chinesa. Aloisio Júnior começou a<br />

treinar o Kung Fu aos 11 anos de idade, influenciado pelos filmes de<br />

luta que assistia na época. A ele fascinavam os belos movimentos e a<br />

filosofia da luta. Hoje, aos 33, é tricampeão brasileiro, pentacampeão<br />

mineiro e bicampeão interestadual, além de vários títulos regionais.<br />

Ele acredita que para se tornar um campeão a primeira coisa a se fazer<br />

é descobrir a sua direção, motivação e objetivos e depois se empenhar<br />

e ir em busca do sonho. O nome Kung Fu significa “trabalhar duro”, e<br />

é a este esforço que Júnior atribui as suas vitórias. “Só vencem na vida<br />

aquelas pessoas que estão dispostas a pagar algum preço”.<br />

Marciano Anderson – Kickboxing<br />

Com um nome que se refere a Marte (deus romano da guerra segundo<br />

a mitologia), o seu destino não poderia ser diferente. Aos 34 anos,<br />

Marciano, que iniciou nas artes marciais aos 9, tem em seu currículo de<br />

vitórias 11 títulos no Campeonato Mineiro, 3 no Brasileiro, 1 no Interestadual,<br />

3º lugar no Sulamericano, 3º lugar no Panamericano, 2 medalhas<br />

de Ouro no mundial, entre vários outros. Sempre sonhou em chegar ao<br />

topo, por isso considera as vitórias no mundial como suas maiores realizações.<br />

Para ele, a luta não é apenas um lazer. “Fui criado e educado em<br />

paralelo com as artes marciais, então pra mim é uma filosofia de vida”.<br />

Ele acredita que ser campeão não é apenas subir no ponto mais alto do<br />

pódio, e sim aprender a cada dia com as dificuldades do esporte. Kickboxing<br />

significa “chutes e socos”, porém para Marciano “um verdadeiro<br />

campeão é aquele que se posiciona com postura, respeito e caráter diante<br />

do seu oponente”.<br />

Maíra Assunção – Karatê<br />

A inocência em seus olhos castanhos esverdeados não revela o que Maíra, de apenas<br />

7 anos, mais gosta de fazer: lutar karatê. Treinando há apenas 1 ano, já foi campeã<br />

do Circuito Centro Mineiro, campeã interestadual, 3º lugar no Campeonato Mineiro<br />

e destaque esportivo feminino de artes marciais da cidade de Mariana. A paixão pela<br />

luta acabou incentivando seu pai, que hoje treina e compete ao lado dela. Segundo<br />

Wesley Woitila, sua filha era muito agitada, e mudou bastante seu comportamento<br />

depois que começou a treinar, principalmente na escola, onde sua postura e seus rendimentos<br />

melhoraram consideravelmente. O Karatê, que nasceu no Japão, significa<br />

“mãos vazias”, pois seus praticantes lutam sem o uso de armas. Para se cumprimentar,<br />

os lutadores dizem “oss”, que corresponde a “perseverança”. Esta palavra simboliza<br />

muito bem a vida da pequena Maíra, que por várias vezes já deixou de brincar ou<br />

ir a festas para treinar. Porém quando está nas competições ela tem a recompensa de<br />

seu esforço. “Às vezes é ruim perder as coisas, mas na hora que eu vejo o resultado,<br />

percebo que tudo vale a pena”.<br />

texto: adriel campos<br />

arte: neto medeiros<br />

foto: paulo victor fanaia<br />

31


PERFIL<br />

O rei das artes:<br />

Roque dos<br />

Leões<br />

Texto: Kíria Ribeiro<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Adriano Soares<br />

Foto: Bruna Mattos<br />

Uma das minhas maiores curiosidades desde quando<br />

vim morar em Mariana era saber quem era o dono das esculturas<br />

de leões localizadas na Rua Santa Efigênia, número<br />

148, em frente à Igreja do Rosário. De onde vieram? Por<br />

que estariam em uma rua tão movimentada como aquela?<br />

Até que tive finalmente a oportunidade de ir a “casa dos<br />

leões” numa manhã nublada de terça-feira. Quando chego,<br />

um sujeito jovem e simpático me recepciona. “Deseja algo,<br />

moça?”, perguntou intrigado. “Sim, estou à procura do Roque,<br />

o artista plástico aqui do bairro”, respondi. Entro na<br />

garagem da casa, e logo de cara, vejo quadros e esculturas<br />

dos mais variados formatos. A princípio, penso que estou<br />

em uma galeria, pela riqueza de detalhes nas obras de arte.<br />

Tento observar o ambiente e logo consigo me sentir em casa<br />

pelo clima sereno e conservador.<br />

Poucos segundos depois, escuto uma frase simples, sincera,<br />

que vinha do fundo da garagem-ateliê: “bom dia, minha<br />

filha”, disse o senhor de camisa esverdeada, olhos penetrantes<br />

e um aperto de mão forte. Depressa, puxou uma<br />

cadeira e me fez sentar bem a seu lado. Esses eram os primeiros<br />

gestos do artista Roque Raimundo de Oliveira, mais<br />

conhecido como Roque dos Leões. Leões? Sim. Os mesmos<br />

que enfeitam a entrada da casa do artista, e que despertam<br />

a atenção de centenas de turistas e moradores da cidade.<br />

Quando perguntei de onde veio o apelido, ele me respondeu.<br />

“Ganhei esse sobrenome por causa dos diversos leões<br />

que projetei em minha carreira. Mas lógico, principalmente,<br />

por conta dos que têm em frente a minha residência”.<br />

Nesse dia, Roque estava prestes a terminar mais um de<br />

seus quadros. Dessa vez, ele pintava “São Jorge e o seu cavalo”.<br />

Os traços marcantes eram contornados com bordas<br />

grossas da cor marrom. “Uma das pinturas que mais gostei.<br />

Ainda não finalizei, mas já posso dizer que me tocou profundamente<br />

ter pintado esse quadro”, contou sussurrando<br />

em tom de segredo. A obra era uma encomenda feita há<br />

menos de uma semana por um jovem, morador do bairro.<br />

Segundo Roque, muitos de seus trabalhos são vendidos<br />

para moradores do próprio Rosário, onde mora há mais de<br />

30 anos. “Quase todos os dias chega alguém perguntando<br />

os preços dos quadros e das esculturas de cimento. Fico feliz<br />

pela valorização dessas pessoas”, disse ele. Mas já aconteceu<br />

do artista doar alguns de seus trabalhos para aqueles<br />

que não tinham condições de comprar. “Gosto de espalhar a<br />

arte por aí, independente de qualquer coisa”.<br />

Meus olhos não conseguiam parar de admirar os trabalhos<br />

que estavam espalhados por todo canto. A curiosidade<br />

tomava conta de mim. Queria saber como e quando cada<br />

obra daquela havia sido feita. Logo tratei de perguntar, a<br />

fim de saber mais a fundo sobre a vida daquele senhor de<br />

71 anos. Em minha primeira pergunta, ele me interrompeu<br />

e confessou que não era muito bom com as palavras. Porém,<br />

não foi isso que realmente aconteceu. As palavras brotavam<br />

de sua boca e cada vez que saíam, ganhavam mais intensidade.<br />

A medida em que fazia as perguntas, Roque trazia o<br />

seu passado para aquela garagem acanhada, mas ao mesmo<br />

tempo grandiosa.<br />

32<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


33


34<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8<br />

Esculpindo a vida...<br />

Roque descobriu o seu talento aos 30 anos. Antes não tinha<br />

tempo, nem condições de tentar aproveitar mais a vida<br />

com pinturas e esculturas. Sua infância e adolescência foram<br />

marcadas por momentos de muita luta. Aos onze anos já trabalhava<br />

na lavoura para ajudar os pais, mais precisamente no<br />

distrito de Padre Viegas. Aos dezoito, veio para Mariana em<br />

busca de um emprego com carteira assinada e com maior remuneração.<br />

“Precisava de um serviço que me proporcionasse<br />

uma renda maior que a que eu tinha. Aí, vim para a zona urbana<br />

da cidade”, revelou.<br />

Depois da vinda, Roque trabalhou em diversos ramos como<br />

em empresas de tecido, de mineração e de construção civil. E<br />

foi exatamente nesse período que começou a descobrir suas<br />

habilidades com o mundo das artes. “Eu mexia muito com cimento<br />

por causa do meu serviço e, nas horas vagas, eu sempre<br />

procurava fazer algum formato. A primeira escultura que fiz foi<br />

o rosto de um anjo. Meus companheiros de trabalho me elogiaram<br />

muito e me incentivaram a continuar fazendo”, contou<br />

alegre. Autodidata, o dono dos leões foi crescendo nas artes e<br />

cada vez mais se aperfeiçoando com as esculturas. A matéria<br />

prima que necessitava era cimento. E claro, uma boa pitada de<br />

imaginação.<br />

A partir das produções, a confiança crescia, e Roque se superava<br />

em cada novo trabalho. As ruas da cidade ganhavam<br />

um toque especial com os leões, rostos de anjos, estátuas e fontes<br />

que ele produzia. Por conta disso, foi convidado por diversas<br />

comunidades de Mariana para a construção de esculturas.<br />

Morro Santana, Chácara, Centro, Rosário e Santana foram os<br />

bairros agraciados com algumas das obras do artista. Distritos<br />

como Cachoeira do Brumado, Ribeirão do Carmo, Miguel<br />

Rodrigues e Padre Viegas também receberam algumas. “Fico<br />

honrado pela valorização das pessoas da cidade, de turistas.<br />

Mas infelizmente ainda não sinto a valorização de órgãos pú-


licos”, comentou. Com a cabeça inclinada, Roque me contou<br />

que nunca recebeu nenhum incentivo por parte do poder público<br />

para as mais de 30 esculturas espalhadas pela cidade.<br />

Mas, quando perguntei se tinha algum ressentimento por isso,<br />

ele logo respondeu. “Claro que não. Sou feliz com o trabalho<br />

que eu faço e nunca precisei desse tipo de apoio. Quero apenas<br />

propagar a arte na cidade”.<br />

Casou-se aos 25 anos e teve quatro filhos. Contou que depois<br />

do casamento, sentiu ainda mais necessidade de deixar a<br />

herança das artes. E não é que deu certo? Um de seus filhos<br />

também se interessou pela prática. Optou por trabalhar como<br />

escultor, mas usando outra matéria prima, a madeira. José Geraldo<br />

se mantém com os objetos que esculpe, e tem o seu próprio<br />

ateliê, que fica bem ao lado da casa de seu pai. O ambiente<br />

é todo decorado com as esculturas em madeira que o jovem<br />

produz como quadros, presépios e enfeites. Quando perguntei<br />

sobre a importância de Roque, Tico, como é mais conhecido,<br />

não pestanejou. “Ele é tudo pra mim. É um grande exemplo<br />

para todos nós. Me ensinou e me mostrou os caminhos certos<br />

para construir a vida. Devo tudo a ele”, disse.<br />

Os frutos...<br />

No ano de 2011, Roque enfrentou uma das maiores dificuldades<br />

de sua vida. Devido à diabetes, teve problemas com<br />

excesso de glicose. “Eu acabei me vendo nesta situação. O médico<br />

simplesmente me disse que meus dedos do pé estavam<br />

apodrecendo e que era necessário amputar dois deles. Me senti<br />

arrasado com a notícia”, contou. Roque então marcou a operação<br />

e compareceu ao hospital. Lá, recebeu mais uma notícia<br />

dolorosa. “O médico me surpreendeu e me falou que teria que<br />

amputar a perna toda, porque boa parte já estava apodrecendo”,<br />

disse ele, lacrimejando. Passou pela cirurgia e alguns dias depois<br />

ele já estava em casa, tendo que viver com uma nova realidade. O<br />

artista precisou do apoio familiar para superar esse obstáculo que<br />

poderia lhe tirar aquilo que mais o fazia feliz: a elaboração das<br />

esculturas. “Naquele momento eu só pensava como iria fazer para<br />

continuar com o meu trabalho”.<br />

Com o passar do tempo, o escultor foi se adaptando à rotina<br />

e conseguiu fazer da cadeira de rodas improvisada e de sua muleta,<br />

seus melhores amigos. Foi assim que continuou usando sua<br />

criatividade, e começou a esboçar algumas pinceladas em quadros<br />

brancos que montava. “Comecei a ir para uma área que até então<br />

não conhecia: a pintura. Pintar foi ficando mais fácil porque eu<br />

preciso apenas ficar sentado. Não preciso me locomover. E foi nascendo<br />

dentro de mim a vontade de pintar mais e mais”, afirmou.<br />

O artista fez ao todo cerca de 100 quadros das mais variadas temáticas,<br />

entre elas igrejas, monumentos, paisagens e santos. “Pinto o<br />

que as pessoas me pedem. Faço encomenda e não costumo cobrar<br />

caro pelos quadros. Lógico que dinheiro é importante, mas não é<br />

tudo não”, disse.<br />

Homem simples e de força extrema. Depois de conhecer toda<br />

a história de sua vida, descobri a existência de um terceiro leão.<br />

Não na porta de sua casa, mas dentro do próprio Roque. O apelido<br />

de “leões” somente comprova a sua vontade de lutar a cada<br />

dia tendo, como muitos, desafios a encarar. E é exatamente isso<br />

que faz Roque. “Sou uma pessoa que não desiste fácil. Enfrentei<br />

diversos obstáculos que me fizeram mais forte. O meu apelido veio<br />

exatamente por isso. Meus amigos viram o meu esforço e minha<br />

luta em querer espalhar as artes pela cidade, como um leão atrás<br />

da presa. E acho que hoje posso falar que consegui isso. Acredito<br />

que as pessoas vão se lembrar de mim e do meu trabalho”.<br />

35


espelho<br />

36<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Em 2013, as manifestações revelaram o quanto é importante que ocupemos<br />

as ruas. Ao mesmo tempo, a palavra “Coletivo” tornou-se sinônimo para<br />

caracterizar um estilo de organização. O que antes era restrito aos participantes<br />

e comunidades locais onde estas associações atuavam, hoje é senso comum<br />

e integra-se a ruas, praças e viadutos. Mas o que é um Coletivo?<br />

Texto : Felipe Sales<br />

Colaboração: Laura Ralola<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Flávio Costa<br />

Foto: Marina Ibba<br />

No dicionário da língua portuguesa, Coletivo significa:<br />

algo que forma coletividade ou provém dela; que<br />

pertence a ou é utilizado por muitos; conjunto de indivíduos<br />

que formam uma unidade em relação a interesses,<br />

sentimentos ou ideais comuns; ou ainda, que remete aos<br />

substantivos coletivos.<br />

Olhando essas definições, a que se refere a assuntos<br />

partilhados é a que mais se assemelha ao significado<br />

dado pelo fotografo Thiago Moreira Santos, membro do<br />

Coletivo de produção artística Coisarada, de Campo Limpo<br />

Paulista, na região metropolitana de São Paulo: “Consideramos<br />

como sendo um Coletivo uma organização<br />

horizontal, sem fins lucrativos, de pessoas que possuem<br />

o mesmo objetivo”.<br />

O Coletivo Coisarada nasceu com a proposta de promover<br />

projetos culturais e o trabalho de artistas locais foi<br />

“formado por um grupo de amigos, na maioria artistas,<br />

que juntos organizavam eventos culturais, fechados, somente<br />

para amigos”, conta Thiago. Segundo ele, a criação<br />

definitiva do coletivo se deu, devido ao crescimento<br />

destes eventos e o desligamento do grupo de uma ONG.<br />

“O grupo também era bastante envolvido com uma ONG<br />

cultural, onde alguns eventos eram realizados, como um<br />

sarau artístico mensal”. A pluralidade das manifestações<br />

artísticas é busca constante do grupo, que realiza e produz<br />

eventos alternativos e experimentais. Seu funcionamento<br />

é em rede, onde estão conectados inúmeros participantes,<br />

como artistas, produtores culturais, oficineiros,<br />

entre outros.<br />

Os Coletivos podem ser destinados a artistas, o que<br />

remete ao passado destas associações, que se reúnem<br />

para divulgar sua arte por meio da promoção cultural,<br />

interagindo com o público. Destinam-se também a pessoas<br />

que se reúnem em torno de alguma causa, como<br />

exemplo, enfrentamento a segregação racial, sexista ou<br />

de gênero, ou ainda a promover ocupações por meio da<br />

arte como ato político. Sua organização é horizontal, ou<br />

seja, todos os membros são partes importantes em tomadas<br />

de decisões, que acontecem geralmente em assembleias<br />

organizadas por estes grupos.<br />

O Coisarada promove duas atividades, o “Cineclube”,<br />

realizado mensalmente no Museu de Jundiaí e sempre<br />

com um convidado para comentar sobre o filme exibido,<br />

e o “Sarau da Coisa”, como é conhecido o evento onde<br />

os artistas do Coletivo fazem suas apresentações, com<br />

música e poemas, em lugares privados que são espaços<br />

cedidos por parceiros, segundo o fotógrafo.<br />

Outro lado dos Coletivos artísticos é a promoção da<br />

ocupação do espaço comum urbano como ato político,<br />

principalmente após manifestações. Estes atos têm tomado<br />

ainda mais força e vêm sendo pautados quase que<br />

diariamente tanto pela imprensa convencional, como<br />

pela internet, por meio de colaboradores que utilizam a<br />

rede mundial de computadores para a sua divulgação.<br />

37


tes das veiculadas pelas mídias hegemônicas”.<br />

Segundo ela, um exemplo é o Movimento Passe<br />

Livre em São Paulo, uma manifestação de<br />

ocupação das ruas. “Podemos vislumbrar que<br />

as pessoas estão conectadas e podem se mobilizar<br />

a qualquer momento”, destaca.<br />

A pesquisadora conta que há três anos,<br />

quando começou a participar de grupos de<br />

pesquisa que ajudam na construção de metodologias<br />

de compreensão do espaço na cidade,<br />

já pôde se dedicar a diferentes formas<br />

de observar e entender tais ocupações, que ela<br />

classifica como “práticas culturais urbanas”.<br />

“Minha inserção no projeto ‘Cartografias de<br />

Sentidos do Centro de BH’ da Universidade<br />

Federal de Minas Gerais (UFMG), possibilitou<br />

que eu me debruçasse na utilização de praças,<br />

visibilidade, tanto na televisão<br />

quanto na internet, pelas<br />

mídias sociais. Diversas plataformas<br />

colaborativas são<br />

apropriadas para o registro<br />

de práticas culturais urbanas,<br />

por pessoas interessadas em<br />

detalhes e situações diferennos<br />

mostra que existem mais pessoas do que a<br />

gente pensa se esforçando pra entender e tentando<br />

se expressar”, diz Cauê.<br />

Cidade e arte para todos<br />

Ocupar os espaços públicos é atribuir a<br />

ele outro significado, conforme Milene. “Esse<br />

gesto, torna visível outras relações e desejos,<br />

diferentes dos planejados por quem está à<br />

frente das decisões capazes de transformar a<br />

realidade. Dando visibilidade a outros sentidos,<br />

baseados em demandas emergentes da<br />

vida cotidiana, estamos colocando em pauta<br />

questões urgentes”. A ideia de coletividade já<br />

esta implícita na arte urbana segundo o poeta<br />

Cauê. “É múltipla, imperfeita e indomesticável<br />

como a rua. Cada mínima intervenção<br />

altera e renova diariamente a composição da<br />

paisagem urbana. Há perguntas que só a rua<br />

faz, e respostas que só ali se encontram”.<br />

O historiador, arquiteto e urbanista Tiago<br />

Castelo Branco Lourenço, enxerga que estas<br />

#ocupe a rua<br />

Para a doutoranda do<br />

Programa de Pós-graduação<br />

em Arquitetura e Urbanismo<br />

da Universidade Federal da<br />

Bahia (UFBA), Milene Migliano,<br />

o assunto dos coletivos<br />

está em pauta, devido às<br />

ocupações também serem um<br />

ato político contra a grande<br />

mídia. “O uso dos espaços<br />

públicos tem ampliado a sua<br />

pontos de ônibus e esquinas, registrando interações<br />

sociais nos tempos de espera e de rápidos<br />

encontros”. Milene fala que na época se<br />

deparou com manifestações que se davam por<br />

meio das paredes de lojas, viadutos, túneis e<br />

outros equipamentos urbanos, que constroem<br />

uma pauta quase tão diversa quanto à que<br />

apareceu nas manifestações.<br />

O Coletivo Transverso, de Brasília (DF),<br />

formado há dois anos, tem por objetivo proporcionar<br />

de forma gratuita, um olhar poético<br />

ao cotidiano dos passantes por meio de intervenções<br />

no espaço público. Segundo o poeta<br />

do coletivo, Cauê Novaes, a rua é o principal<br />

espaço de expressão, diálogo e confronto de<br />

discursos dissonantes. “Sem edição, mediação<br />

ou curadoria, é a rua quem proporciona a insurgência<br />

das vozes ausentes da mídia hegemônica<br />

e da representação política. A cidade<br />

amanhece contando sempre novas histórias,<br />

outras versões da noite anterior, diferentes da<br />

que se viu na TV. A poesia que se lê nas ruas,<br />

ocupações, são uma atitude de pessoas comuns,<br />

que estão tendo consciência do direito<br />

de usufruir da cidade. Para ele estes atos são<br />

alternativas que as pessoas estão construindo<br />

para viver na cidade de forma autônoma,<br />

independente do Estado. “Elas promovem o<br />

acesso, já que esse Estado não se predispõe a<br />

fazer isso”, afirma.<br />

As repostas e outros significados estão<br />

sendo vistos no dia-a-dia das cidades. O povo<br />

agora passa a entender que o espaço público<br />

não pertence e não é só responsabilidade do<br />

Estado. Ocupar é demarcar território em uma<br />

cidade que passa a impressão que não nos<br />

pertence, mas que aos poucos, por meio das<br />

intervenções artísticas e manifestações políticas,<br />

traz todos para rua.<br />

38<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


A oferta de oficinas é uma das características dos coletivos<br />

O-CU-PA-ÇÃO!<br />

No dia 26 de outubro de 2013, as atenções<br />

se voltaram para um prédio na rua Manaus,<br />

no bairro Santa Efigênia, Zona Leste de<br />

Belo Horizonte. Inaugurado em 1913 para<br />

receber o Hospital Militar da Força Pública<br />

Mineira e abandonado desde 1994, o local foi<br />

ocupado por diversos integrantes de movimentos<br />

populares e culturais, e deram ao local<br />

o nome de “Espaço Comum Luiz Estrela”.<br />

Vestidos com figurinos teatrais, cerca de<br />

60 pessoas participaram do ato, que, segundo<br />

seus integrantes, tratou-se de uma<br />

instalação artística que culminou com a devolução<br />

do prédio à comunidade. A partir<br />

de agora, o centro de cultura que foi construído<br />

por e para todos proporcionará experiências<br />

de criação e formação artísticas<br />

e políticas. O prédio foi cedido pela Fundação<br />

Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig)<br />

para a Fundação Educacional Lucas Machado,<br />

para a construção de um memorial<br />

para o ex-presidente Juscelino Kubitschek.<br />

Na primeira reunião, denominada de<br />

“Assembleia Comum Luiz Estrela”, no dia<br />

16 de novembro, o integrante Diogo Dias,<br />

que estava presente na abertura do local,<br />

falou sobre o processo da ocupação,<br />

onde dois participantes do ato entraram<br />

e ficaram alguns dias dentro do prédio,<br />

mapeando o lugar. Dois dias depois, foi feita<br />

outra intervenção também teatralizada.<br />

Diogo conta que foi preciso um mutirão<br />

de limpeza para tornar o espaço frequentável.<br />

“Houve uma convocação massiva<br />

no primeiro dia de ocupação, eram muitas<br />

pessoas dispostas a contribuir, fazer comida,<br />

uma turma para limpar, outra para<br />

avaliar a questão do telhado”. Na primeira<br />

semana, o foco foi na programação cultural.<br />

A todo o momento havia música, encenações,<br />

sarais e oficinas. Já na segunda<br />

semana, passaram a fazer avaliações das atividades<br />

que estavam acontecendo no local.<br />

Segundo Dias, a primeira questão levantada<br />

foi de promover ali um centro cultural,<br />

onde as atividades são oferecidas de<br />

acordo com as afinidades de cada um, passando<br />

antes por uma assembleia, que será<br />

realizada aos sábados, na parte da manhã,<br />

onde também se define qual é a programação<br />

cultural da semana. “Todas as pessoas<br />

são convidadas, é uma reunião aberta, para<br />

toda comunidade, para propor atividades<br />

que acham que podem ser compartilhadas<br />

nesse ambiente”. No momento, as atividades<br />

são oferecidas do lado de fora do prédio,<br />

já que não existem condições de segurança<br />

que permitem utilizá-lo internamente.<br />

Primeira Assembléia Comum Luiz Estrela<br />

39


CRÔNICA<br />

Texto: Marcelo Nahime Jr.<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Cinthya Meneghin<br />

Foto: Thamira Bastos<br />

Pense em uma mulher elegante? Pensou?<br />

Pense em um colar de Strass com um pingente<br />

em formato de coração prateado e rodeado<br />

de um azul escuro, característico de quem tem<br />

personalidade forte e é decidido. Bom, esse é o<br />

meu principal adereço! Mulheres como eu são<br />

mais fieis a adereços do que a seus próprios<br />

maridos, por isso mesmo que nem tenho um<br />

para me amedrontar.<br />

Dizem que nasci há mais de 14 anos no<br />

bairro São José em Ouro Preto (MG), uma região<br />

mais distante, mas populosa. Não gostava<br />

de lá não, sabe? Resolvi fugir e deixar minha<br />

família. Fui uma jovem rebelde, sem limites,<br />

meio Hebe Camargo e Dercy Gonçalves – vale<br />

salientar que sou mais fina que elas – e, por<br />

isso, acabei idosa e famosa, no centro dessa<br />

cidade-patrimônio.<br />

Depois de sair de casa, fui descobrir que<br />

meu pai, um senhor obeso e duas vezes maior<br />

que eu, também havia fugido. Dá-lhe família<br />

esperta, não? Todos reféns do exílio que as<br />

ruas poderiam nos oferecer. Sobre meu pai já<br />

não sei mais nada, quem sabe são os tantos<br />

tagarelas que falam na minha cabeça diariamente<br />

achando que eu estou adorando. De<br />

fato, se não fossem eles, eu sequer estaria nessa<br />

revista de primeiro mundo falando a vocês.<br />

Ah, obrigada!<br />

Hoje em dia vivo na Praça Monsenhor Castilho<br />

Barbosa, número 39, no bairro do Pilar. Minha<br />

casa é pink, of course, minha cor predileta..<br />

40<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


Making off na suíte de<br />

luxo<br />

Nossa equipe foi à casa<br />

da madame! Confirmamos<br />

que seu nome<br />

é Branquinha e seus<br />

sobrenomes, requinte<br />

e luxo. Sua cama é<br />

coberta por colchas<br />

floridas e cor-de-rosa.<br />

A “cã” vive em um lugar<br />

onde a tranquilidade<br />

nos leva à “finésse”.<br />

Acreditem se quiser,<br />

mas não encontramos<br />

“cheiro de cachorro”.<br />

seu “puxadinho”, Bem<br />

planejado, tem espaço<br />

dimensionado para que<br />

ela possa beber água<br />

enquanto está deitada.<br />

são todas essas minúcias<br />

que nos fazem crer<br />

que visitar a Branquinha<br />

é mais que uma simples<br />

visita, chega a ser<br />

um evento noticiado em<br />

colunas sociais da High<br />

Society ouro-pretana.<br />

Foi fantástico, luxuoso<br />

e inesquecível.<br />

Sou uma espécie do que<br />

chamam de “Lulu da Pomerânia”.<br />

Em outras palavras,<br />

cachorro de madame. No<br />

entanto, neste caso, a madame<br />

sou eu! Não gosto de<br />

ser chamada de “cadela” ou<br />

“cachorra”, prefiro que me<br />

chamem de “cã”, acho que<br />

soa mais francês, sabe? Bom,<br />

todos os dias, meu bairro é<br />

enfestado de telespectadores,<br />

“ops”, quero dizer, frequentadores<br />

da Igreja mais rica e<br />

congratulada que Ouro Preto<br />

acolhe: a Igreja do Pilar. Por<br />

incrível que pareça ela é mais<br />

famosa do que eu. Eu que não<br />

sou boba, apoderei-me de sua<br />

fama e finjo-me de zeladora<br />

da dita cuja. Assim, quando<br />

os turistas brasileiros ou<br />

“gringos” resolvem ver aquele<br />

tanto de ouro, acabam é se<br />

deparando com meu brilho<br />

ainda mais chamativo na porta<br />

da Igreja. #beijos<br />

Não poderia deixar de falar<br />

da dona que me ajudou.<br />

Todo artista/famoso/estrela/<br />

popstar tem um passado de<br />

cão, né? Pois eu ainda continuo<br />

com um presente canino,<br />

porém luxuoso. Ivana<br />

Bandeira é uma senhorita<br />

aposentada que montou meu<br />

quarto no hall de entrada da<br />

sua casa no endereço que já<br />

lhes passei. Minha cama é<br />

modelo King Size e meu travesseiro<br />

mais confortável que<br />

o da Nasa. Isso mesmo, recalque,<br />

é assim que eu moro<br />

hoje. Um dia na rua, outro no<br />

Castor.<br />

Dona Ivana me acolheu<br />

com carinho e cafuné. Deume<br />

uma bacia cor de rosa<br />

para beber água fresca o tempo<br />

todo, e toda a infraestrutura<br />

que uma “cã” elegante<br />

como eu, sempre quis.<br />

É no cantar dos pássaros<br />

que acordo todos os dias. Minha<br />

rua é uma calmaria! Os<br />

vizinhos? Aposentados simpáticos<br />

e tradicionais moradores<br />

de Ouro Preto (MG)<br />

que ajudam a divulgar minha<br />

história sem eu sequer precisar<br />

olhar para os visitantes. O<br />

lado bom desses “assessores<br />

de imprensa” é que quando<br />

tenho sono, nem preciso me<br />

esforçar para ser simpática.<br />

Agora, se tem uma coisa<br />

que me deixa irritada é quando<br />

dizem que eu sou velha e<br />

obesa. Gente, toda senhora<br />

como eu tem umas gordurinhas<br />

a mais, não? São poucas<br />

as que ainda conseguem<br />

chegar nessa idade com meu<br />

carisma e sem rugas. O que<br />

comprova meu esforço na<br />

busca pela beleza é minha caminhada<br />

dominical, da Igreja<br />

do Pilar até a Igreja Bom Jesus,<br />

no Bairro Cabeças, um<br />

morro bom para fazer exercício,<br />

menina!<br />

A verdade é que, por incrível<br />

que pareça, eu cansei<br />

desse trajeto e há dois meses<br />

só pego o rumo da Praça Tiradentes.<br />

Lá, eu encontro movimentação,<br />

jovens, turistas fotografando,<br />

pessoas sorrindo<br />

e muita energia positiva. De<br />

quebra, ganhei um novo amigo.<br />

Seu nome? Não me pergunte<br />

porque não lembro. Só<br />

sei que ele é taxista, seu carro<br />

tem airbags e bancos de couro<br />

beges nos quais eu ando todos<br />

os domingos quando encerro<br />

meu passeio na Praça.<br />

Sim pessoal, ele me coloca em<br />

seu carro e me deixa na porta<br />

de casa! Olha que luxo?<br />

Bem, queridos, essa sou<br />

eu. Um pouquinho de mim<br />

vocês souberam. Minha casa<br />

está de portas abertas para recebê-los<br />

lá no Pilar. Ah, claro,<br />

meu nome? Branquinha! Os<br />

mais carinhosos me chamam<br />

assim. Um beijo carinhoso a<br />

todos e autógrafos depois da<br />

coletiva, ok?<br />

41


JANELA<br />

Texto: Marcelo Nahime<br />

<strong>Edição</strong> Gráfica: Tamires Duarte<br />

Foto: Íris Zanetti<br />

Quando a oferta é muito boa, o mineiro desconfia<br />

42<br />

cURINGA | EDIÇÃO 8


<strong>Curinga</strong><br />

online<br />

Atividade Física<br />

na terceira idade<br />

Blogs de moda<br />

Ensaio fotográfico<br />

na palestina<br />

www.revistacuringa.ufop.br

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