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Curso_de_direito_natural_segundo_o_estad

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--|-<br />

|


|-<br />

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C U R $ O<br />

DE .<br />

DIREITO<br />

NATURAL.<br />

*###########, "";º


FACULTAD DE DERECHO<br />

Biblioteca<br />

Ej. Consulta en Sala<br />

Excluido <strong>de</strong> préstamo<br />

(20 1 )<br />

"EXCLUD0DEPRESIAM0"


• na<br />

\ (FA)<br />

(C U R S (C) S o , -2.


X - S 3 - 2o3 143 -<br />

Como Cidadão livre do Imperio da Razão, procurará<br />

o professor (<strong>de</strong> Direito Natural) a verda<strong>de</strong>, a<br />

or<strong>de</strong>m, a <strong>de</strong>ducção, o methodo, e a <strong>de</strong>monstra<br />

ção, on<strong>de</strong> quer que a achar.<br />

EsTAT, DA UNIv. Liv. 2, T. 3, Cap. 5. § 6.


- %ente<br />

SUA MAGESTADE<br />

(flitci.<br />

29. Falaxialdo 0 ali.<br />

/<br />

Do<br />

• / «… { •<br />

5… 5%zo


, Que le Livre Lui soit dédié<br />

Comme l'auteur Lui est dévoé,<br />

V. HUGo.


ADVERTENCIAa<br />

A Metafysica Wolfiana, enca<strong>de</strong>ada pelo metho<br />

do mathematico, e enunciada pelo estilo escho<br />

lastico, fez proverbial a difficulda<strong>de</strong> da intelli<br />

gencia do Compendio <strong>de</strong> Martini— Positiones<br />

<strong>de</strong> Lege Naturali, — Martini reconheceo a<br />

obscurida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lle, e vio-se obrigado a escrever<br />

um Commentario aos seis primeiros Capitulos,<br />

o qual intitulou — De Lege Naturali Exercita<br />

tiones. — Porém o mesmo methodo, o mesmo<br />

estilo e a mesma metafysica <strong>de</strong>ixárão quasi tão<br />

obscuro o Commentario, como a Obra com<br />

mentada.<br />

Os Estudantes, não só pela importancia do<br />

Direito Natural, base <strong>de</strong> toda a Jurispru<strong>de</strong>n<br />

cia, senão tambem pelo <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> conhece<br />

rem os <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong> que a natureza dotou os<br />

homens, e as obrigações, que lhes impoz, en<br />

trão no primeiro anno da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Di<br />

reito com gran<strong>de</strong> avi<strong>de</strong>z pelo estudo <strong>de</strong>sta di<br />

sciplina. As difficulda<strong>de</strong>s porém, que encon<br />

trão no Compendio <strong>de</strong> Martini, <strong>de</strong>sanima a<br />

uns, e a todos <strong>de</strong>sgosta; <strong>de</strong> modo que não<br />

seremos excessivos, se dissermos, que a maior<br />

parte dos Estudantes não comprehen<strong>de</strong> a fun<br />

do a metafysica <strong>de</strong> Martini, apezar dos maio<br />

res esforços do Professor em suas prelecções<br />

OI'2CS.<br />

Não negamos por certo a Martini nem a<br />

força logica, nem a importancia dos princi<br />

pios, que estabelece. Mais d'uma vez temos<br />

admirado o valor, com que este gran<strong>de</strong> homem,<br />

arrostando os prejuizos do seu tempo, se atre


V{II<br />

A<br />

veo a proclamar no Compendio <strong>de</strong> Direito Na<br />

tural principios eminentemente liberaes; e por<br />

sem dúvida temos, que estas sementes, lança<br />

das, ha muitos annos, no espirito da Moci<br />

da<strong>de</strong>, que tem frequentado o <strong>Curso</strong> <strong>de</strong> Direito,<br />

concorrêrão po<strong>de</strong>rosamente para propagar em<br />

nossa terra as idêas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

No entretanto o Compendio <strong>de</strong> Martini<br />

acha-se muito abaixo do <strong>estad</strong>o actual da Scien<br />

cia, <strong>de</strong>pois dos progressos, que tem feito o<br />

Direito Natural e a Philosophia do Direito,<br />

principalmente em Allemanha. O Professor é<br />

obrigado a um duplicado trabalho, para fazer<br />

enten<strong>de</strong>r as doutrinas <strong>de</strong> Martini, e para lhe<br />

substituir e accrescentar as novas theorias.<br />

Daqui novas difficulda<strong>de</strong>s para os Estu<br />

dantes. As refutações <strong>de</strong> Martini e as incru<br />

stações das novas doutrinas, feitas verbalmente<br />

pelo Professor, frequentes vezes confun<strong>de</strong>m os<br />

Estudantes, os quaes, não po<strong>de</strong>ndo reter na<br />

memoria, ou stenografar tudo o que ouvirão<br />

ao Professor, se vêem na necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reu<br />

nir seus mutilados apontamentos, e formar<br />

lições, cheias <strong>de</strong> inexactidões, que passão a<br />

outros, que as copião. Assim gastão o tempo ,<br />

que <strong>de</strong>vêrão empregar em meditar as doutri<br />

mas, e em ler e estudar as Obras <strong>de</strong> Direito<br />

Natural. … *. º<br />

• -<br />

Para evitar tão graves inconvenientes, aba<br />

lançámo-nos ao trabalho <strong>de</strong>screver o presente<br />

<strong>Curso</strong> <strong>de</strong> Direito Natural. O nosso fim foi ex<br />

pôr brevemente o indispensavel para a intelli<br />

gencia <strong>de</strong> Martini, <strong>de</strong>spindo-o do methodo<br />

mathematico e das palavras sacramentaes dos<br />

JEscholasticos, c substituir-lhe e additar-lhe as<br />

novas theorias dos Escriptores mo<strong>de</strong>rnos, ci<br />

tando-os (bem como aos antigos) em notas,<br />

{


IX<br />

para que os nossos Ouvintes facilmente, os<br />

possão consultar. |-<br />

Resolvemo-nos a escrever este <strong>Curso</strong> nas<br />

vesperas da abertura (24 d’Outubro) da nossa<br />

Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Direito Natural e das Gentes no pre<br />

sente anno lectivo; e <strong>de</strong>sejando, que po<strong>de</strong>sse ser<br />

util áquelles <strong>de</strong> nossos Ouvintes, que <strong>de</strong>lle se<br />

quizessem aproveitar, fomos forçados a remet<br />

ter <strong>de</strong> manhã para a Imprensa o que á noite ti<br />

nhamos escripto, sem termos tempo para ca<br />

| stigar o estilo, nem para corrigir e aperfeiçoar<br />

a obra. * • •<br />

Nem por isso pedimos indulgencia para os<br />

nossos erros e <strong>de</strong>feitos. Repetimos o que disse<br />

o nosso Jacintho Freire d'Andra<strong>de</strong> no prologo<br />

da Vida <strong>de</strong> D. João <strong>de</strong> Castro : — Vão quero<br />

pedir perdão <strong>de</strong> nada; quem achar que dizer,<br />

não me perdóe (nem será necessario encom<br />

mendal-o). Jacintho Freire falou assim pela<br />

consciencia do mérito da sua obra; nós pelo<br />

<strong>de</strong>sejo do aperfeiçoamento dos ramos da Pú<br />

blica Instrucção, que nos estão confiados,<br />

A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobresaltar algumas dou<br />

trinas menos importantes <strong>de</strong> Martini, para<br />

termos tempo d'expen<strong>de</strong>r as novas theorias e<br />

<strong>de</strong> ler o nosso Compendio <strong>de</strong> Direito das<br />

Gentes, e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conformar o nosso<br />

<strong>Curso</strong> á Obra <strong>de</strong> Martini (Compendio adopta<br />

do pelo Illustrado Conselho da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Direito) obrigou-nos a conservar em nosso<br />

<strong>Curso</strong> as rubricas dos Capitulos <strong>de</strong> Martini, e<br />

a não seguir uma numeração regular <strong>de</strong> Capp.<br />

e §§. Os nossos numeros referem-se aos <strong>de</strong><br />

Martini. • •<br />

Depois que tivemos a certeza <strong>de</strong> que os<br />

nossos Ouvintes voluntariamente se proviáo<br />

das folhas <strong>de</strong>ste <strong>Curso</strong>, que tão saíndo da


x<br />

Imprensa, reduzimos nossas prelecções oraes á<br />

traducção do Compendio, ás explicações indis.<br />

pensaveis para a sua interpretação grammatica<br />

e logica, a um resumo das novas theorias,<br />

expostas neste <strong>Curso</strong>, e finalmente a algumas<br />

poucas mais observações, para evitarmos a<br />

confusão. Desta arte appresentámos as doutrinas<br />

duas vezes — verbalmente e por escripto — ao<br />

espirito <strong>de</strong> nossos Ouvintes, e ganhámos mais<br />

tempo, do que teriamos, se fizessemos exten<br />

sas prelecções oraes , para os ouvir nas lições<br />

diarias. Por isso todos elles (apezar <strong>de</strong> serem<br />

cento e quarenta e sete Juristas e vinte e cinco<br />

Theologos) forão chamados a dar lição entre<br />

duas e sete vezes. Este systema teve sempre os<br />

nossos Ouvintes na incerteza, se nós lhes per<br />

guntariamos lição, e os obrigou a maior<br />

estudo. Com gran<strong>de</strong> prazer damos neste lugar<br />

um testemunho público do seu aproveita<br />

mento, e <strong>de</strong> que, em nosso enten<strong>de</strong>r, os Es<br />

tudantes do 1." Anno da Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito<br />

constituem um dos mais bellos <strong>Curso</strong>s, que<br />

tem havido <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 1834.<br />

Coimbra 14 <strong>de</strong> Março<br />

<strong>de</strong> 1843.<br />

O AUCTOR.


-<br />

rae<br />

•• • ••• • • • • • •••• •• • • •vA• • • • • • •••• • • • •• • ••• ••• • •••• •• • • • ************<br />

T A B E L L A<br />

Das obras principaes, don<strong>de</strong> extrahimos as doutrinas <strong>de</strong>ste<br />

<strong>Curso</strong>, e ds quaes se referem as notas.<br />

AHRENs<br />

- Philosophie<br />

-- Cours<br />

Cours <strong>de</strong> Droit Naturel, ou <strong>de</strong><br />

du Droit.<br />

<strong>de</strong> Philosophie.<br />

BAUMEISTER<br />

Institutiones Philosophica e, me<br />

BENJAMIN CoNsTANT<br />

thodo Wolfii conscriptae.<br />

Commentaire sur l'Ouvrage <strong>de</strong><br />

Filangieri.<br />

- Cours <strong>de</strong> Politique Constitutio<br />

BENTIIAM<br />

BoEHMERo<br />

BURLAMAQUI<br />

-<br />

-<br />

CICE R c$<br />

CoN BILLAC<br />

nelle. .<br />

OEuvres.<br />

Introductio in Jus Publicum Uni<br />

versale ex genuinis Juris Natu<br />

Principiis <strong>de</strong>ductum.<br />

Principes du Droit <strong>de</strong> la Nature<br />

et <strong>de</strong>s Gens.<br />

Opera.<br />

OEuvres.<br />

E)AR1rs Observationes Juris Naturalis ,<br />

Socialis et Gentium.<br />

D EcoRDE Des facultés humaines comme<br />

élémens originaires <strong>de</strong> la ci<br />

, vilisation et <strong>de</strong>s progrés.<br />

D Roz Economie Politique. .<br />

-<br />

De la Philosophie Morale.<br />

ENCYCLoP. MÉTIIoDIQUE Jurispru<strong>de</strong>nce.<br />

FELICE<br />

Leçons <strong>de</strong> Droit <strong>de</strong> la<br />

et <strong>de</strong>s Gens.<br />

Nature<br />

-<br />

--<br />

FILAN GIERI<br />

Notas a Burlamaqui.<br />

OEuvres


XII<br />

FLoREz EsTRADA<br />

SR. For TuNA<br />

Cuestion social, ó sea origen,<br />

latitud y effectos <strong>de</strong>l <strong>de</strong>recho<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />

De Jure Naturae Positiones.<br />

GRoTIUs<br />

HEINEccIUs<br />

HERDER<br />

HEPP.<br />

HoBBEs<br />

JoUFFRoy<br />

KANT<br />

LAFERRIERE<br />

LEPAGE<br />

LERMINIER<br />

MACAREL<br />

MlALEP EYRE<br />

MARTINI<br />

MEYER<br />

MoNTEsQUIEU "<br />

PER REAU<br />

PUF FEN DoRF<br />

•--sa<br />

De Jure Belli ac Pacis.<br />

De Jure Naturae et Gentium,<br />

Idées sur la Philosophie <strong>de</strong> l'His<br />

toire <strong>de</strong> l'Humanité.<br />

Essai sur la Théorie da la vie So<br />

ciale, -<br />

De Cive.<br />

Cours <strong>de</strong> Droit Naturel.<br />

Principes Métaphisiques <strong>de</strong> la Mo<br />

rale.<br />

Principes Métaphisiques du Droit.<br />

Cours <strong>de</strong> Droit Public et Admi<br />

nistratif.<br />

Elémens <strong>de</strong> la Science du Droit.<br />

Introduction Général a l'Histoire<br />

du Droit, suivie dé la Philo<br />

sophie du Droit.<br />

Doit Politique.<br />

Précis <strong>de</strong> la science <strong>de</strong> Droit Na<br />

turel.<br />

Positiones <strong>de</strong> Lege Naturali.<br />

De Lege Naturali Exercitationes.<br />

Esprit, Origine et Progrés <strong>de</strong>s<br />

lnstitutions Judiciaires.<br />

De l'Esprit <strong>de</strong>s Lois.<br />

Élémens <strong>de</strong> Législation Naturel,<br />

De Officio Hominis et Civis.<br />

De Jure Naturae et Gentium.


- la<br />

XIII<br />

lloUssEAU<br />

OEuvres.<br />

- -<br />

SAY<br />

Cours complet d'Economie Po<br />

litique.<br />

SR. SILvEsTRE PINHEIRo Droit Public.<br />

A<br />

-<br />

—— Noçöes Elementares d'Ontologia.<br />

SoAREs BARBosA Tractado Elementar <strong>de</strong> Philoso<br />

phia Moral.<br />

TRACY<br />

- Elémens<br />

Commentaire sur l'Esprit <strong>de</strong>s Lois<br />

d'Idélogie.<br />

VATEL . Droit <strong>de</strong>s Gens, ou Principes <strong>de</strong><br />

Loi Naturelle.<br />

· VoLTAIRE Commentaire sur le livre <strong>de</strong>s Dé<br />

lits et <strong>de</strong>s Peines.<br />

WoLFIUs<br />

Opera.


"... ! -<br />

* *


DIREITO NATURAL ABSOLUTO.


|-<br />

+]<br />

----


• PARA<br />

• • -<br />

*<br />

•<br />

*$$******************************************.***.***.***.***.***.***.*.***.***<br />

DE<br />

DIREITO NATURAL<br />

o ANNO LECTIvo ·<br />

<strong>de</strong> 1842 — 1843.<br />

•<br />

—----— •<br />

• CAP.<br />

I.<br />

DA NAT c RzzA E ESTADo MoRAL Do HoxiEM,<br />

Tºrnº do Direito Natural, i. é, daquelle Direito,<br />

que tem o seu fundamento na natureza do homem e dos<br />

seres, que com elle estão em relação. Já se vê a necessi<br />

da<strong>de</strong>, que ha, <strong>de</strong> conhecer a natureza do homem, para<br />

fazeramos idêa do Direito Natural. E como o homem está<br />

sujeito a leis frsicas, como animal, e a leis moraes,<br />

como racional: por isso Martini tracta neste Cap. não só<br />

da natureza do honem, mas tambem do seu <strong>estad</strong>o mo<br />

cto ra?. sómente E não sesão occupa as Leis doNaturaes <strong>estad</strong>o fisico, moraes. porque o seu obje<br />

•<br />

O que se <strong>de</strong>va enten<strong>de</strong>r por natureza do homem;<br />

veremos neste "ap. <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o $, !—52; e o que seja <strong>estad</strong>o<br />

moral do homem. diz Martini nos §§. 53 e 54.<br />

“ § 1.<br />

** - - •<br />

. Principía pela etymologia da palavra natura dos La<br />

tinos, e diz que se <strong>de</strong>riva do verbo nascor, ceris; porque<br />

por este vocabulo se quiz exprimir a idêa <strong>de</strong> fazer na<br />

scer alguma cousa. E <strong>de</strong>fine natureza o principio actuoso<br />

e interno do ente (a). Para se enten<strong>de</strong>r esta <strong>de</strong>finição,<br />

cumpre notar, que <strong>segundo</strong> as i<strong>de</strong>as <strong>de</strong> Martini principio<br />

*_*__* —<br />

(a) Paumeister Institut. Metaphys, Tom. 2. P. 2. G.3., Daries<br />

º". J. <strong>de</strong> Yasura 3.0. - . . . . . . . - …, a ….….….<br />

I<br />

*


•<br />

( 2 ).<br />

é aquillo, que contém em si a razão sufficiente d'alguma<br />

cousa (a); actuoso, que tem activida<strong>de</strong>, que produz effei<br />

tos, que faz nascer (b); interno, que está <strong>de</strong>ntro do ente,<br />

que lhe é inherente (c); e ente é tudo o que existe.<br />

Devendo toda a <strong>de</strong>finição ser mais clara do que o<br />

<strong>de</strong>finido, é facil <strong>de</strong> ver a difficulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a natu<br />

reza, cujos fenomenos são em gran<strong>de</strong> parte mysterios<br />

insondaveis. Cresce ainda a difficulda<strong>de</strong>, querendo dar-se<br />

uma <strong>de</strong>finição geral, que abranja não só a natureza das<br />

cousas creadas, mas tambem a do Creador (Deos), como<br />

faz Martini; porque não cabe na intelligencia finita do<br />

homem o conhecer todas as proprieda<strong>de</strong>s do Ente Infinito.<br />

Os sacerdotes do Egypto, on<strong>de</strong> tiverão muita voga os<br />

jeroglyficos, querendo dar uma idêa da difficulda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>screver e <strong>de</strong>finir a natureza, cobrião a cabeça com um<br />

ovéo, levantal-o. dizendo <strong>de</strong>pois, que a nenhum homem era dado<br />

. Parece, que todos os Philosophos antigos erão con<br />

cor<strong>de</strong>s em attribuir á palavra natureza a idêa <strong>de</strong> vis gi<br />

guens, posto que <strong>de</strong>lla <strong>de</strong>rão diversas <strong>de</strong>finições, <strong>segundo</strong><br />

a diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus systemas philosophicos, e das outras<br />

idêas, que querião exprimir por esta palavra (d). …<br />

No sentido generico pois, em que Martini <strong>de</strong>fine<br />

natureza, nem approvaremos, nem rejeitaremos a <strong>de</strong>fi<br />

nição; porque nos parece impossivel dar uma <strong>de</strong>finição<br />

clara e exacta, com quanto possa dar alguma idêa do<br />

<strong>de</strong>finido. No entretanto sempre diremos, que no <strong>estad</strong>o<br />

actual da Ontologia, e sentido ordinario da palavra na<br />

tureza, a <strong>de</strong>finição dada por Martini nos parece, além <strong>de</strong><br />

muito obscura, muito estreita; porque hoje enten<strong>de</strong>mos<br />

por quali<strong>de</strong><strong>de</strong>s naturaes d'um ente não só as que nascem<br />

do principio interno, mas tambem as que são produzidas<br />

por algum externo ao ente; v. g. dizemos, que são qua<br />

lida<strong>de</strong>s naturaes da agua, ou que é da natureza da agua<br />

o ser ora liquida, oragelo, ora vapôr; e com tudo o frio<br />

*– --——— — •<br />

(a) 9.59. , ,<br />

* * |-<br />

,<br />

*<br />

, ,<br />

(b) -Martini Exercitat. S. 1., Sr. Fortuna C. 1. S. 4,<br />

*: (a) . S.39. " " … … " •<br />

(d) Martini Exercitat. S. 1., Baumeister Tom, 2. S. 443.<br />

- …<br />

* * . . , 1 * * *<br />

*-<br />

*


• Divi<strong>de</strong><br />

•<br />

- •<br />

(3)<br />

e º fogº, que º tornẠgelºe vapôr, são principios exter<br />

nos á agua (a). .. … •<br />

- . . §. 8.<br />

a natureza em natura naturans, Deos, que<br />

fez nascer tudo, que foi causa <strong>de</strong> toda a creação; e na<br />

dura naturata, que é a vis gigmens, o principio interno<br />

actuoso das cousas creadas. Estas, collectivamente cou<br />

si<strong>de</strong>radas, chamão-se mundo, e tem sua natura natura<br />

ta, que produz os fenomenos, que admiramos no uni<br />

verso. Porém cada um dos entes tambem tem sua natura<br />

naturata, e <strong>de</strong>sta vai Martini a falar no<br />

•<br />

1 * •<br />

*<br />

§ 9.<br />

Primeiramente prova, que todos os entes tem suas<br />

naturezas particulares, 2 ires motrices. Assim como á vis<br />

gigneus <strong>de</strong> Deos se chama natureza <strong>de</strong> Deos, e á vis gignens<br />

do mundo se chamou natureza do mundo, tambem á vis<br />

gignens, ou forças motoras <strong>de</strong> cada ente são a sua natu<br />

reza. Ora sendo diversos os fenomenos, produzidos nos<br />

entes por um principio interno, e sendo evi<strong>de</strong>nte, que<br />

diversos effeitos são produzidos por diversas causas; se<br />

gue-se que cada ente tem sua natureza partícular e diver<br />

sa. Na segunda parte do §, diz, que á essencia <strong>de</strong> qual<br />

quer cousa se chama tambem sua natureza; porque não<br />

po<strong>de</strong>ndo senão pela cogitação separar-se os principios<br />

essenciaes e naturaes, com razão se <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> natu<br />

reza a ambos os principios. Para isto se enten<strong>de</strong>r melhor,<br />

é mister observar, que os Philosophos antigos dizião<br />

essencial aquillo, que se concebe primeiro no ente, e<br />

contém a razão sufficiente das qualida<strong>de</strong>s, que o ente<br />

tem ou pó<strong>de</strong> vir a ter (b); e <strong>natural</strong> só o principio do que<br />

realmente existe no ente (e). A differença pois entre natu<br />

reza e essencia, tomadas nestes sentidos, sómente pela<br />

cogitação se pó<strong>de</strong> distingir. * *<br />

Estas as idêas dos antigos; hoje são outras. Nós ape<br />

nas conhecemos as qualida<strong>de</strong>s dos objectos, e pelas idêas<br />

(a) Sr. Silvestre Pinheiro voções d'Ontologia 4o ( *). - - -<br />

(*) Martini Wolf. Ontolog, Exercit. lat. S. 9. S. 168., Baumeister Tom. 2. C, 6, S. 66.<br />

-


( 4 )<br />

daquellas formamos idêa <strong>de</strong>stes; e tanto isto é verda<strong>de</strong>,<br />

que se formos abstrahindo <strong>de</strong> cada uma <strong>de</strong> suas qualida<br />

<strong>de</strong>s, em as pondo <strong>de</strong> parte a todas, não nos resta mais<br />

conhecimento algum do objecto (a). Isto posto, havendo<br />

em todo o ente 1." acci<strong>de</strong>ntal; 2. substancial; 3.° essen<br />

cial; e 4.° <strong>natural</strong>, enten<strong>de</strong>-se por acci<strong>de</strong>ntal o complexo<br />

das qualida<strong>de</strong>s particulares d'algum, ou d'alguns dos<br />

<strong>estad</strong>os d'um ente: substancial o complexo das qualida<br />

<strong>de</strong>s d'um ente, consi<strong>de</strong>rado em um momento dado; diz-se<br />

tambem substancia nesse momento: essencial ou essencia<br />

o complexo das qualida<strong>de</strong>s communs a todos os <strong>estad</strong>os<br />

d'um ente: finalmente <strong>natural</strong> o complexo das qualida<br />

<strong>de</strong>s d'um ente, consi<strong>de</strong>rado em todos os seus diversos<br />

<strong>estad</strong>os, e em todos os momentos da sua existencia (b).<br />

Deste modo po<strong>de</strong>mos formar idêa do que é essencial<br />

a qualquer ente, consi<strong>de</strong>rando as qualida<strong>de</strong>s, que são<br />

inalteraveis, e apparecem sempre em todos os <strong>estad</strong>os do<br />

ente, e sem as quaes não pó<strong>de</strong> subsistir; e concebemos a<br />

idêa <strong>de</strong> natureza d'um ente, atten<strong>de</strong>ndo a todas as qua<br />

lida<strong>de</strong>s, que apparecem em todos os diversos <strong>estad</strong>os da<br />

sua existencia. O <strong>natural</strong> pois no sentido amplo compre<br />

hen<strong>de</strong> as qualida<strong>de</strong>s essenciaes, substancia es, e acci<strong>de</strong>n<br />

taes <strong>de</strong> qualquer ente, " , " . ,<br />

@<br />

§ 1o.<br />

Appresenta tres fontes, don<strong>de</strong> se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir o que<br />

é <strong>natural</strong> a qualquer ente: 1.° a noção, ou conceito pri<br />

Ineiro, que formamos do ente, e pelo qual elle é tal, i.<br />

é, se distingue dos outros, a que os Metaphysicos antigos<br />

chamárão essencia logica, e que fazião consistir na possi<br />

bilida<strong>de</strong> intrinseca do ente; porque a primeira cousa, que<br />

concebemos no ente, é a sua possibilida<strong>de</strong>, além da qual,<br />

cogitando, não po<strong>de</strong>mos progredir: 2.° a essencia actual<br />

mente existente (essencia fysica); porque comprehen<strong>de</strong>n<br />

do-se todo o <strong>natural</strong> na força conjuncta com a existencia,<br />

e po<strong>de</strong>ndo conceber-se essencia sem existencia, mas não<br />

esta sem aquella, é evi<strong>de</strong>nte, que propriamente só pó<strong>de</strong><br />

(a) Sr. Silvestre Pinheir. Voç. d'ontol. 39 (I).<br />

(b) Sr. Silvestre Pinheir, Noç. d’Outol. 37 — 4o.


|- *<br />

• …<br />

>- (5) •<br />

*<br />

ser fonte do <strong>natural</strong> a essencia actualmente existente: 3.",<br />

o principio actuoso e interno do ente, i. é, a força activa,<br />

existente no ente, don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>duzem as suas acções (a). O<br />

Na segunda parte do §. divi<strong>de</strong> o <strong>natural</strong> em absoluto,<br />

que tem a razão sufficiente sómente na natureza do ente,<br />

e hypothetico, que se <strong>de</strong>duz da natureza do ente e d'ou<br />

tra causa ou circumstancia externa: v. g. o ser o homem<br />

racional é <strong>natural</strong> absoluto; o sarar d’uma molestia com<br />

auxilio <strong>de</strong> remedios é <strong>natural</strong> hypothetico: essencial o<br />

que é inherente ao ente <strong>de</strong> modo, que não pó<strong>de</strong> separar<br />

se, salva a sua substancia: v. g. o ter o homem pulmão;<br />

e não essencial, ou <strong>natural</strong> em especie, o que pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>i<br />

homem xar <strong>de</strong> existir, (b) - a salva ..… a substancia do ente, v. g. o falar o<br />

… … • • •<br />

- ******<br />

--* # :-. - - $. 13. • • -<br />

* * * * * *: * * * * * * * # " " .. * * * . •<br />

… Dá a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> regras, i. é, as representações das<br />

<strong>de</strong>terminações conformes á razão. Para isto se enten<strong>de</strong>r,<br />

é mister notar, que o modo, constante, <strong>segundo</strong> o qual<br />

um corpo se <strong>de</strong>ve mover, ou a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar, para<br />

conseguir o seu fim, se diz regra. Nós observando essa<br />

marcha constante, fazemos idêa da regra; e a esta idêa<br />

ou representação tambem se chama regra. Finalmente se<br />

exprimimos por uma proposição a nossa idêa, tambem a<br />

essa proposição se chama regra. Assim dizemos, que os<br />

corpos estão sujeitos a regras invariaveis da natureza, v.<br />

g. o gravitarem para o centro da terra; e fazemos juizo<br />

<strong>de</strong>llas; e as manifestamos aos outros. As regras pois pó<br />

<strong>de</strong>m consi<strong>de</strong>rar-se com relação ás cousas, á nossa mente,<br />

e ás palavras (c) , , , ;<br />

§. 14.<br />

{<br />

3 - "* * * * #<br />

: , . … …….……… º - v .<br />

… Perfeição é a concordia <strong>de</strong> varias cousas para e o<br />

mesmo fim, <strong>de</strong> modo que nada cresça, nem falte para o<br />

conseguir (d). Diz-se que concordão dous objectos, quan<br />

do elles conspirão para o mesmo fim. A discordia ou con<br />

-<br />

(a)". Daries Obs.I. <strong>de</strong> natura S. 7 e seg., BaumeisterTom. 2. Instit.<br />

Metaphys. (b) Marin. P. T. Exercit. C. 6. e P. S. 2.C. 1o. - 3., Martini Exercit. S. 9,<br />

• •• • • • • •-<br />

e 1o.<br />

- -<br />

(…) S. 68... Martini Exercit. S. 13 e 68. . . |- *<br />

(d) Sr. Fortuna C. r. S. 2. … .. … " … ….… …


• (<br />

#*<br />

*<br />

6 )<br />

trarieda<strong>de</strong> diz-se imperfeição. Assini, se todas as partes<br />

d'un retrato concordão em representar o original, este se<br />

diz perfeito; se porém alguma d’ellas discorda,<br />

perfeito<br />

diz-se<br />

(a).<br />

im<br />

• • • • "," " " " … , ,<br />

Divi<strong>de</strong> à perfeição em essencial; sem a qual º<br />

ente não pó<strong>de</strong> existir, salva a sua substancia, v. g. a ra<br />

2ão tio horirem; <strong>natural</strong>, que é aquelia, que apezar <strong>de</strong> se<br />

<strong>de</strong>duzir da natureza do ente, pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar d'existir, salva<br />

a sua substaneia, v. g. o falar o homem; acci<strong>de</strong>ntaú,<br />

i. é, a que provérã d'uma causa externa, v.g. a sciencia »<br />

as riquezas; simples a que tem um só fundantento, e<br />

composta a que teria diversos, v.g. se um relogio mºstra<br />

sóñiente as horas, a sua perfeição é simples, se porem,<br />

além das horas, mostra os dias e os mezes, a sua perfeição<br />

é composta; privativa, quando só conserva a existencia da<br />

cousa, e positiva, quando, além da conservação do ob<br />

jecto, accrescenta outra cousa. As perfeições pois essen<br />

ciaes e naturaes são privativas, as acci<strong>de</strong>ntaes são posi"<br />

tivas. A inperfeição tem as mesmas divisões.…… … º<br />

* * * * -<br />

* * * * …… ; º ve", tºº : " … 14:41<br />

, … *§. 15. * . * … - …………<br />

+ *** -, * * * * … * . * •<br />

- 4:3<br />

Bem é tudo o que produz perfeição, mal o que eausa<br />

imperfeição. E porque entre o concordar e o não concor<br />

dar não pó<strong>de</strong> haver meio, tambem o não pó<strong>de</strong> haver<br />

entre perfeito e imperfeito; nem por consequencia entre<br />

bem e mal. Por tanto tudo quanto se encontra no ente,<br />

ha <strong>de</strong> ser ou born, ou mão… … ………….… , e … : ~'><br />

"… : - "… .…….…… …, … .. …oo aº tºi #" | "},<br />

§, 34, …, a fºi ai º<br />

º<br />

Diz-se bem comparativo aquelle maf, que exclue ou<br />

no maior; e mal comparativo o bem, que exclue outro<br />

imaior. Mártini prova, º que é um mal aquelle bem, que<br />

exelete outro bem maior; porque na privação d'am bens<br />

maior vai a perda <strong>de</strong> algum bem, e se o bem aperfeiçôa,<br />

a. sua-perda ha <strong>de</strong> produzir imperfeição, pois, comº<br />

dissemos, entre pertêito e imperfeito não ha meio ter<br />

* • • * * " , º • -<br />

• •<br />

(d) Martini Exercit. S. 14. -<br />

…<br />

, ; "… º


(7)<br />

mo. Desta arte se pó<strong>de</strong> tambem provar, que é um bem e<br />

mal menor, quando exclue outro maior.<br />

Na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> bem e mal principia a conhecer-se o<br />

systema <strong>de</strong> Direito Natural, que o Escriptor segue;<br />

porque todos os Philosophos reconhecem, que as LeisNa<br />

turaes só mandão o bem, prohibem o mal; e como Mar<br />

tini pertence á Eschola <strong>de</strong> Wolf., que estabelece por base<br />

do seu systema a perfeição, por isso <strong>de</strong>fine bem tudo<br />

o que aperfeiçôa. . -<br />

O Sr. Silvestre Pinheiro vai conforme com esta noção<br />

<strong>de</strong> bem, que <strong>de</strong>fine tudo o que contribue para o aper<br />

feiçoamento, conservação, e satisfacção da especie huma<br />

na (a). - , -<br />

Bentham, que não admitte Leis Naturaes, e que<br />

fundamenta toda a Philosophia juridica na utilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

fue o bem o que produz maior prazer, e mal o que<br />

produz mais pena (b). -<br />

Ahrens diz, que «o bem <strong>de</strong> todo o ser vivo só pó<strong>de</strong><br />

- consistir no <strong>de</strong>senvolvimento completo <strong>de</strong> todas as fa<br />

º cnlda<strong>de</strong>s e disposições comprehendidas em sua natureza.<br />

* O bem não é uniforme em todas as classes <strong>de</strong> seres vivos;<br />

* varia com sua organisação, com sua natureza. Deste<br />

º modo não sendo os animaes senão seres dotados <strong>de</strong><br />

sensibilida<strong>de</strong>, o que justamente se pó<strong>de</strong> chamar seu<br />

« bem, se limita ás affecções sensiveis; sentêm pra<br />

«zer, quando po<strong>de</strong>m entregar-se aos impulsos <strong>de</strong> sua<br />

º natureza, e dôr, quando não po<strong>de</strong>m satisfazel-os, e<br />

º quando as affecções, que sentem, são contrarias áquel<br />

º les. Para cada genero <strong>de</strong> animaes ha ainda um bem<br />

º particular, por causa da varieda<strong>de</strong> d'organisação, que<br />

º impelle cada especie para a satisfacção <strong>de</strong> estimulos,<br />

« ou instinctos particulares. Porém para os homens não<br />

- ha senão um só bem commum, por isso que o genero<br />

“ humano é só um; pois não são especies distinctas as dif<br />

«ferentes raças d'homens, como acontece no reino ani<br />

• mal. A natureza fundamental do homem é em todos a<br />

º mesma, e ha, por causa d'esta i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza;<br />

º i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> bem. Sem embargo disto e bem <strong>de</strong> ho<br />

(a) Sr. Silvestre Pinheiro voções d'Ontol. 13. •<br />

(b) Bentham Deontologie P. T. C. 4. .<br />


,<br />

(8)<br />

e mem é ainda, em sua qualida<strong>de</strong>, distincto do bem setº<br />

« sivel do animal; porque o homem não é sómente unº<br />

º ser sensivel, senão tambem um ser racional, e por issº<br />

* o unico susceptivel <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, etc. (a).» -<br />

§ 36, , , , …." .. … .<br />

- - - -<br />

. … …". -<br />

…; - - -<br />

Acções são as mudanças, que tem no proprio ente a<br />

sua razão suficiente; paixões as que a tem fóra d'elle. …<br />

Hoje ao complexo das mudanças, realizadas em uma ?<br />

ou muitas substancias, e que prece<strong>de</strong>m sempre tal ou ta}<br />

effeito, chama-se a razão sufficiente, o porque <strong>de</strong>sse<br />

effeito. Nas paixões a substancia, que produz a Inudº"-<br />

ça , chama-se agente, e a que sofre a mudança, diz<br />

se paciente, O paeiente, em consequencia do effeitº,<br />

operado pela acção, do agente, sempre produz neste<br />

uma mudança, que se diz reacção, e a mudança do ageu<br />

te chama-se effeito da reacção, Finalmente o complexo<br />

das mudanças realisadas tanto no agente ou agentes,<br />

como no paciente, quando neste se operou um elei<br />

to, chama-se a maneira, o modo, o como esse efeito teve<br />

lugar (h), • º • • , : , *, * * * *<br />

. Como o homem é composto d'alma e corpo, Martini<br />

chama acções internas as que são proprias da alma, v. g.<br />

o cogitar, raciocinar, appetecer, aborrecer, etc.: exíe<br />

nas as que são proprias do corpo, v. g. a circulação dº<br />

sangue, a digestão, etc.: e mixtas as proprias da alaia<br />

e do corpo, v. g. o falar, escrever, etc. (e). -<br />

1 − 1 + 1 • • • * ".<br />

#<br />

|-<br />

.<br />

-<br />

":" .<br />

eu º , o : , " . $ 37. " , …;<br />

: - - * * * . .<br />

" " … ,<br />

- -<br />

. * . * * * * *<br />

… ,<br />

Para se po<strong>de</strong>rem formar outras divisões d'acções, diz<br />

Martini, que possivel em geral para o homem é tudo º<br />

que não repugna ás suas forças fysicas e moraes. Já se vê,<br />

que fisicamente pºssivel é tudo o que não tem repugnan<br />

cia com as forças fysicas do homem, v. g. o comer, a<br />

digestão, etc.; e diz-se moralmente possivel aquillo, que<br />

— —<br />

• ===<br />

- (a) Ahrens Droit Vat. Part. Gener. C. 1. S. 2.<br />

(4)<br />

(c)<br />

Sr. Silvestre Pinheiro Moç. d’Oriol. 53.54.56. e 57.<br />

Sr. Fortuna C. 3. S. 72, Martini Exercit. S. 36. ^<br />


º<br />

|- L = •<br />

(19) -<br />

não repugna á razão do homem, ou ás leis, v. g. o dar<br />

a cada um, o que seu (a). Daqui se <strong>de</strong>duz o que seja<br />

/ysica, e moralmente imipossivel. Necessario é tudo aqui<br />

lo, eujo contrario é impossivel, v.g. o morrer. Contiu<br />

gente é o que nem é necessário, nem impossivel... Final<br />

mente diz-se contingente in especie, ou subjectivamente<br />

contingente tudo o que é tal, que até o seu contráriº é<br />

possivel com relação ás nossas forças; noutros termos,<br />

que o agente pó<strong>de</strong> fazel-o por este, ou por outro modo,<br />

ou até pelo contrario, v. g. o estudar. ** * #<br />

. Hoje chama-se possível um effeito, quando se quer<br />

dizer, ou que a causa, a que se refere, tem a força <strong>de</strong><br />

o produzir; ou que não se pó<strong>de</strong> affirmar sem contradie<br />

cão, que não terá logar a razão sufficiente <strong>de</strong>sse efeito.<br />

E diz-se d'um effeito que é impossivel, quando se quer<br />

affirmar, que o <strong>estad</strong>o da causa conhecida <strong>de</strong>sse efeitº<br />

e differente daquelle, que constitue a razão suficiente<br />

do mesmo effeito... Finalmente o necessario, tambem se<br />

1oma por indispensavel; e assim dizemos necessaria a<br />

causa, sem a qual não teria lugar o efeito ou acç㺠(*)..<br />

* * * * * -<br />

• •<br />

"2 - \': , , , " … . ! ! ! , " ". , " , , >, < * * * *<br />

Appresenta varias divisões <strong>de</strong> necessario, e impossi<br />

vel. Impossivel simpliciter tal, ou absoluto, é o que ex<br />

clue toda a contingencia, e que nem <strong>de</strong>ste, nem doutro<br />

modo nos é possível o fazel-o, v. g. que os raios, do cir<br />

culo não sejão iguaes. Impossivel hypothetico ou cum adº<br />

junctione é tudo o que, geralmente fallando, não repu<br />

gna, ás nossas forças, mas que, por algum acontecimento,<br />

ou hypothese as exce<strong>de</strong>, v. g., por impedimento tempo<br />

rario dignorancia, doença, ou coacção, vencivel para<br />

evitar um mal maior, ou alcançar um bem maior (c).…<br />

Do mesmo modo, se pó<strong>de</strong> dividir e enten<strong>de</strong>r o que é<br />

necessario absoluto e hypothetico. .. … . • • • • •<br />

A necessida<strong>de</strong> simples pó<strong>de</strong> ainda ser interior, que<br />

tem o seu principio na nossa construcção; e exterior,<br />

que tem o seu principio fóra d’ella. A esta chama-se<br />

• • }<br />

-<br />

(a)<br />

fb)<br />

Sr. Fortana C. 3. S. 72. - -<br />

Sr. Silvestre Pinheiro Aroç. d'ontol. 67.76. e 77. ----<br />

(c) Sr. Fortuna C.-3, § 8o. , , , , , , … " "; .* **


|- §.<br />

( 1o )<br />

- . .<br />

* * . , . • •<br />

tambem coacção fysica. Assim será uma necessida<strong>de</strong>in"<br />

terior a morte filha d'unia apoplexia, e exterior a cau<br />

sada pelos golpes d'um assassino. - - -<br />

No fim do S. diz Martini, que tanto a necessida<strong>de</strong> in<br />

terior, como a exterior, exclue a contingencia; não as<br />

sim a necessida<strong>de</strong> hypothetica. Que a necessida<strong>de</strong> abso<br />

luta interior e exterior exclue a contingencia; facilmente<br />

se enten<strong>de</strong> pelas <strong>de</strong>finições dadas (§ 37.); porque con<br />

tingente só se diz o que não é necessario. Resta porém<br />

<strong>de</strong>monstrar, que a necessida<strong>de</strong> hypothetica não exclue a<br />

contingencia, ou, n'outros termos, que uma acção pó<strong>de</strong><br />

ser hypotheticamente necessaria, e ao mesmo tempo<br />

contingente. As <strong>de</strong>finições dadas (§ 37.) tambem nos<br />

subministrão os principios para esta <strong>de</strong>monstração. O<br />

hypotheticamente necessario não repugna absolutamente<br />

ás nossas forças, mas só por certa hypothese, v. g. o to<br />

mar eu veneno não repugna ás minhas forças; absoluta<br />

mente fallando, posso tomai-o; porém, na hypothese <strong>de</strong><br />

me querer conservar, é necessario não o fazer. Portanto<br />

a contingencia dá-se na necessida<strong>de</strong> hypothetica, ou o<br />

que é hypotheticamente necessario, é ao mesmo tempo<br />

contingente.<br />

$<br />

*<br />

39. i<br />

.<br />

.* *.* * .•<br />

* Dá primeiro a <strong>de</strong>finição do principio, e <strong>de</strong>pois as<br />

suas divisões. Principio é o que contém em si a razão<br />

sufficiente d'alguma cousa. O principio em razão do ob<br />

jecto é <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>, i. é, o porque, ou o modo<br />

como alguma cousa é possível; d'existência ou o porque<br />

alguma cousa se faz, ou existe; e <strong>de</strong> conhecimento , ou à<br />

razão, por que conhecemos alguma cousa: em razão do<br />

sujeito é interno, quando existe na cousa; e externº,<br />

quando fóra <strong>de</strong>lla: finalmente em razão do efeito é ef<br />

feiente, quando é causa da cousa e a produz; e remo<br />

vente, quando só tira o impedimento (a). … …<br />

4º. * * * * *<br />

Espontaneida<strong>de</strong> no sentido lato é a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

(2)"<br />

Sr. Fortuna S. 3., Martini Eccreiº. S. 39.


…<br />

•<br />

•<br />

( 1 r )<br />

praticar acções por um principio interno efficiente, sem<br />

que intervenha força alguma externa. No sentido strictº,<br />

que tambem se chama arbitrio, é a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> praticar<br />

acções fysica e subjectivamente contingentes. As <strong>de</strong>fini<br />

nições do $ 37. esclarecem estas. - - " …<br />

! # * * * * *<br />

…" * * * |-<br />

$ 44.<br />

+ . .<br />

Principia <strong>de</strong>finindo liberda<strong>de</strong> o arbitrio regulado<br />

pela razão. Já se vê, que aqui não se toma esta palavra<br />

como um <strong>direito</strong> civil, ou politico, senão como uma<br />

proprieda<strong>de</strong> da alma, que é principio das acções livres. .<br />

O Sr. Fortuna <strong>de</strong>fine-a a faculda<strong>de</strong>, que tem o ho<br />

mem, <strong>de</strong>pois que se certificou da natureza <strong>de</strong> seus ap<br />

petites e aversões, por um principio interno, e sem estar<br />

sujeito a nenhuma necessida<strong>de</strong> interna ou externa, não<br />

só <strong>de</strong> escolher os meios, que julgou mais aptos para<br />

conseguir um fim proposto, mas tambem <strong>de</strong> praticar ou<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar as acções externas quando e como lhe<br />

agrada (a).<br />

Como nós preferimos no exame da verda<strong>de</strong> o me<br />

thodo analytico ao synthetico, qualquer <strong>de</strong>finição ou<br />

<strong>de</strong>scripção, que dê uma idêa do <strong>de</strong>finido, nos satisfaz.<br />

No entretanto a limitação da liberda<strong>de</strong>: ás acções isentas<br />

<strong>de</strong> toda a necessida<strong>de</strong> externa, não nos parece exacta;<br />

porque excluiria da esfera da liberda<strong>de</strong> as acções man<br />

dadas, ou prohibidas pela Lei, e <strong>de</strong>struiria o gran<strong>de</strong><br />

fundamento da moralida<strong>de</strong> e imputação, como veremos.<br />

O preceito da Lei produz uma necessida<strong>de</strong> hypothetica,<br />

que não exclue a contingencia, nem por conseguinte a<br />

liberda<strong>de</strong> no sentido metaphysico, <strong>de</strong> que estamos fallan<br />

do. A doutrina pois <strong>de</strong> Martini, apezar <strong>de</strong> escholastica<br />

e um pouco obscura, é mais exacta.<br />

O Sr. Silvestre Pinheiro diz: «Quando o espirito,<br />

* que exerce actos espontaneos, conhece qual <strong>de</strong>ve ser<br />

º º resultado, dá-se a esses actos o nome <strong>de</strong> motivados;<br />

º ao resultado previsto pelo espirito o <strong>de</strong> motivo; e aº<br />

º espirito mesmo o <strong>de</strong> causa voluntaria. A faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

. *-* •<br />

• –<br />

- -<br />

, ! # ***<br />

(*) Sr. Foi tuna, 3. 17. - * * …


-<br />

-<br />

( 12 )<br />

º exercer actos voluntarios, assim como cada um <strong>de</strong>sses<br />

º actos, recebe o nome <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>.»… .. .. … … … ……<br />

« « O espiritos, que, na presença <strong>de</strong> muitos moti<br />

º vos, obrão umas vezes por um, e outras vezes por<br />

« outro <strong>de</strong>sses motivos, chamáo-se livres; a faculda<strong>de</strong><br />

« <strong>de</strong> assim proce<strong>de</strong>r chama-se liberda<strong>de</strong>; e cada um <strong>de</strong>s<br />

ser actos chama-se escolha. A faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong>scolher tam<br />

« bem se dá o nome <strong>de</strong> opção (a).» •<br />

# No fins do S. diz Martini, que sendo o homem do<br />

tado <strong>de</strong> arbitrio e razão, é tambem dotado <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />

Esta questão, que Martini tracta nos §§ seguintes, e que<br />

, pro e contra tem occupado gran<strong>de</strong>s espiritos (b), tam<br />

bem nós a examinámos nos cursos anteriores. Porém co<br />

Iuo a consciencia <strong>de</strong> cada um dá testemunho da existem<br />

cia <strong>de</strong>sta nobre proprieda<strong>de</strong> do homem, não transpore<br />

mos as raias da sciencia <strong>de</strong> Direito, e teremos como <strong>de</strong><br />

monstrada esta verda<strong>de</strong> pela Philosophia e I<strong>de</strong>ologia.<br />

#…<br />

-<br />

• • *** 1 * * ***….{{"; º<br />

- - * * * - - }<br />

|-<br />

… , , . "", " " .. S. 49. |- ………. …", ……….!<br />

… ..……….<br />

, , ; Falla da sociabilida<strong>de</strong> e dom da palavra, com que a<br />

Natureza dotou os homens, e diz que é um sentimento<br />

inherente á natureza humana, por duas razões: 1° por<br />

que sem esta ten<strong>de</strong>ncia <strong>natural</strong> para a socieda<strong>de</strong> , que<br />

promove a benevolencia d'uns para auxiliarem os outros,<br />

serião inuteis as qualida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> que a Natureza dotou os<br />

homens, os quaes sem esse reciproco auxilio não po<strong>de</strong><br />

* #ão conservar-se, nem muito menos <strong>de</strong>senvolver suas fa<br />

cuida<strong>de</strong>s, nem conseguir os fins da sua creação e <strong>de</strong>sti<br />

no: 2." porque a palavra presuppõe, as relações <strong>de</strong> so<br />

cieda<strong>de</strong> entre os homens, sem as quaes nenhum uso se<br />

zo… …… :* e * e *<br />

po<strong>de</strong>ria d’ella fazer. "... … 8...)";<br />

A importancia da materia justifica as consi<strong>de</strong>rações,<br />

que vamos fazer. Principiemos pelo dom da palavra —<br />

sermº.—Martini diz que é a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestar<br />

claramente nossas idêas por sons articulados, e por outros<br />

sinaes. Sons articulados são os vocabulos, <strong>de</strong> que usãº<br />

— — — –1 — —<br />

(a). Noç. d’Outel. 69. e 7o. |-<br />

s = (b) Sr. Fortuna-C. 1. S. 19., Condillac Tom. 3. Diss. sobre «<br />

liberda<strong>de</strong>, Tracy Introducção<br />

Hoin. C I 1.<br />

ao Tractado das sensações,<br />

- •<br />

Hobbs <strong>de</strong><br />

• •<br />


• # • •<br />

(, 13 )<br />

os homens para exprimir suas idêas aos outros, e consti<br />

tuem propriamente o que se chama dom da palavra, e<br />

só n'um sentido mais lato entrão na sua esfera os outros<br />

sinaes, entre os quaes contamos 1.° os sons inarticulados,<br />

que servem áloquela commum a todos os animaes: 2.° a<br />

Jinguagem da acção (mimica), que é a expressão pelos<br />

gestos, e mais movimentos do corpo. Della usáo ainda<br />

hoje os surdos-mudos, os pantomimos, e os que querem<br />

dar mais força ás suas palavras, como os oradores, etc.:<br />

3.° os jeroglyficos; antes d'inventada a arte <strong>de</strong> escrever,<br />

sentirão os homens a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> perpetuar, e com<br />

municar aos absentes suas idêas, e o meio mais facil foi<br />

<strong>de</strong>senhar as imagens, que tinhão impressas, já pelas pa<br />

lavras, já pelas acções (pintura); como porém isto fosse<br />

muito trabalhoso e difficil, usárão (principalmente os<br />

Egypcios) <strong>de</strong> certos sinaes mais abbreviados, a que cha<br />

márão jeroglyficos; v. g. um olho pintado era o jerogly<br />

fico da provi<strong>de</strong>ncia, que tudo vê: 4." a architectura;<br />

« <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a origem das cousas até ao XV. seculo inclusive<br />

{<br />

da era Christá a architectura é o gran<strong>de</strong> livro da liu<br />

« manida<strong>de</strong>, a expressão principal do homem em seus<br />

« diversos <strong>estad</strong>os <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, já como força,<br />

« já como intelligencia. Quando a memoria das pri<br />

º meiras raças se sentio sobrecarregada, quando a ba<br />

« gagem das recordações do genero humano veio a ser<br />

« tão pesada e confusa, que a palavra, núa e volante,<br />

* correo risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-se no caminho, foi transcripta<br />

« sobre a terra do modo mais visivel, duradouro e ma<br />

«tural; sellou-se cada tradição com um monumen<br />

« to (a)»: 4.° finalmente a arte <strong>de</strong> escrever, <strong>de</strong> que são o<br />

mais util meio as typografias e lithografias. . . .<br />

As duas razões, apontadas por Martini para provar a<br />

existencia do sentimento <strong>natural</strong> da sociabilida<strong>de</strong>, nos<br />

dispensaria <strong>de</strong> novos argumentos, se não atten<strong>de</strong>ssemos<br />

ao peso da auctorida<strong>de</strong> d'um Philosopho, cujos escri<br />

ptos, apezar <strong>de</strong> seus numerosos erros, fizerão gran<br />

<strong>de</strong>s serviços á humanida<strong>de</strong>. J. J. Rousseau (h), longe <strong>de</strong><br />

(a) Victor Hugo Notre Dame <strong>de</strong> Paris L. 2. 11. Este artigo é<br />

muito digno > <strong>de</strong> ser lido, pelas idêas novas, com que é <strong>de</strong>senvolvi<br />

----<br />

- - - - -<br />

do o pensamento. + •<br />

(*) Dissert. sobre a origem da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. - , • •


*<br />

-<br />

(14)<br />

consi<strong>de</strong>rar a sociabilida<strong>de</strong> como uma Lei da Natureza,<br />

antes chamou <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> aquelle, em que o homem<br />

vivia solivago. • * * * * * . * --<br />

fm verda<strong>de</strong> o homem fóra do <strong>estad</strong>o social é mais<br />

fraco do que muitos animaes; porque não nasce armado,<br />

como aquelles, que a natureza <strong>de</strong>stina para viverem er<br />

"rantes e vagabundos. Elle só pó<strong>de</strong> preserva r-se dos ataques<br />

por sua intelligencia; mas esta só lhe dá o imperio sobre<br />

todas as cousas ereadas, quando é cultivada pelas rela<br />

ções com seus similhantes. No <strong>estad</strong>o social sómente é<br />

que pó<strong>de</strong> pôr em acção suas faculda<strong>de</strong>s, e gozar das<br />

vantagens, que lhe procura a civilização. Tirai-lhe a<br />

sociabilida<strong>de</strong>, e arrancar-lhe-heis seu sceptro.<br />

Os homens em todos os tempos e lugares se tem reu<br />

nido em socieda<strong>de</strong>; e <strong>de</strong>ste facto constante parece que<br />

se pó<strong>de</strong> concluir, que elles forão <strong>de</strong>stinados pelo Crea<br />

dor para viverem no <strong>estad</strong>o social. Todas as vezes que se<br />

observa um effeito constante, é forçoso admittir uma cau<br />

sa po<strong>de</strong>rosa e constante, que o produza, Se os homens<br />

não fossem por natureza sociaes, pensará alguem, que<br />

o só raciocionio po<strong>de</strong>ria reunir a todos sem excepção em<br />

socieda<strong>de</strong>? As aves, as abelhas, as formigas, etc., vi<br />

vem unidas, obe<strong>de</strong>cendo á natureza, que lhes <strong>de</strong>u este<br />

II1$tln("t(). \<br />

Em apoio da opinião contraria tem-se citado o<br />

exemplo d'alguns selvagens, encontrados nos bosques,<br />

vivendo exactamente como animaes no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> liber<br />

da<strong>de</strong>; porém os Physiologistas observadores reconhecê<br />

rão, que eles erão verda<strong>de</strong>iros idiotas d'unia constrac<br />

cão do o<strong>de</strong>feituosa; juizo Gall tale Spurzheim. era o selvagem d'Aveyron, segun<br />

•<br />

A sociabilida<strong>de</strong> não é pois para o homem uma sim -<br />

ples ten<strong>de</strong>ncia; mas sim uma necessida<strong>de</strong>, a que elle<br />

não pó<strong>de</strong> subtrabir-se, sem vir a ser o mais miseravel<br />

dos seres. |-<br />

Esta Lei da Natureza é fecunda em resultados im<br />

portantes, e <strong>de</strong>la como origem <strong>de</strong>duzem alguns Philoso<br />

phos (a) todas as instituições sociaes, e a Eschola <strong>de</strong><br />

Paffendorf, a base do seu systema (h). * *<br />

* *<br />

A- (a) Hepp. Essa? ser la Theorie aº la Fie Sociate I, º C. 3.<br />

à aturel (b) Montesquieu P. 2. C. 6. Esprit <strong>de</strong>s Lºis L.<br />

• •<br />

I. C. 2. , Malepeyre Prºie<br />


• Martini,<br />

(15)<br />

§ 5o.<br />

Coherente Com Seus, principios , diz Martini, que<br />

a idêa da natureza do homem se <strong>de</strong>duz 1.° da noção<br />

d'animal racional: 2.° da sua essencia existente: 3, da<br />

força do corpo e da alma, que contém a razão das mu<br />

danças (a).<br />

Do exposto se vê, que Martini aponta como fontes<br />

da natureza humana principios constantes, e que abran<br />

gem a todos os homens, para sobre esta base permanen<br />

te edificar o seu systema <strong>de</strong> Legislação Natural, que,<br />

como veremos, é eterna, immutavel e universal. E<br />

verda<strong>de</strong> que elle disse no §, 9, que cada ente tinha sua<br />

natureza particular: porém as fontes, que ele agora as<br />

signa á natureza, são communs a todos os homens: e<br />

por isso a noção <strong>de</strong> natureza humana, <strong>de</strong>duzida <strong>de</strong>sse<br />

principio, ha <strong>de</strong> ser unica, universal e constante. E<br />

tanto, que elle exclue do numero <strong>de</strong>stes principios o<br />

engenho, indole, temperamento, costumes, etc., que são<br />

variaveis no genero humano.<br />

que pertence á Eschola <strong>de</strong> Wolf. : põe<br />

como base do seu systema a perfeição, e chama perfeição<br />

tudo o que concorda com a natureza humana, e com<br />

os fins naturaes do homem. Estes fins, esta natureza são<br />

a pedra <strong>de</strong> toque, com a qual po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>cidir o que<br />

é perfeito, bom e justo, e por isso mandado pela Lei<br />

Nat.; e o que é imperfeito, máo e injusto, e por isso.<br />

prohibido, Don<strong>de</strong> facilmente se vê a razão, por que<br />

Martini estabeleceo principios d’uma natureza unica para<br />

a humanida<strong>de</strong>,<br />

•<br />

Todos os Philosophos, que tem tractado do Direito<br />

Nat., com quanto sejão diversos os seus systemas, se<br />

gundo a diversida<strong>de</strong> das bases tomadas, não po<strong>de</strong>m<br />

subtrahir-se á necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecer, que essas bases<br />

<strong>de</strong>vem ser certas e permanentes, para po<strong>de</strong>rem servir <strong>de</strong><br />

fundamento aos principios eternos e immutaveis do justo.<br />

Esta consi<strong>de</strong>ração tema feito com que os Philosophos se<br />

dividão, e tenhão procurado differentes bases, e <strong>de</strong>sen<br />

volvido diversos systemas.<br />

(…) S. 9. e 1o.


- (\ 16 ) .<br />

« Alguns, consi<strong>de</strong>rando toda a vida social como uma<br />

« <strong>de</strong>gradação do <strong>estad</strong>o primitivo, chamado <strong>estad</strong>o da<br />

&<br />

({<br />

((<br />

natureza, preten<strong>de</strong>m que é mister remontar a este<br />

primeiro <strong>estad</strong>o, para nelle <strong>de</strong>scobrir os verda<strong>de</strong>iros<br />

principios da organização da vida humana; e até a com<br />

selhão aos seus contemporaneos, que se <strong>de</strong>sprendão,<br />

quanto for possivel, das relações sociaes existentes, e<br />

« voltem á vida primitiva da natureza, que cada um aliás<br />

« se representa a seu modo. Outros sustentão que do estu<br />

do profundo da natureza humana se <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>duzir os<br />

((<br />

((<br />

((<br />

{{<br />

((<br />

principios <strong>de</strong> seu procedimento privado e social, e que<br />

se <strong>de</strong>vem procurar todos os elementos constitutivos da<br />

natureza humana, para apoiar sobre esta base perma<br />

nente um systema <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, que só assim diatamará<br />

da propria natureza do homem e da humanida<strong>de</strong>. Ou -<br />

tros em fim tem procurado em ama a actorida<strong>de</strong> extrin<br />

« seca, ou na da razão, um principio mais ou menos<br />

« geral, para se <strong>de</strong>terminar, <strong>segundo</strong> elle, o que ha<br />

«justo nas relações entre os homens (à).»<br />

•<br />

Sem entrarmos por agora na analyse <strong>de</strong> cada um<br />

<strong>de</strong>stes systemas (o que faremos a seu tempo), basta notar,<br />

que ainda hoje voga em Alemanha a theoria <strong>de</strong> Martini,<br />

em quanto remonta á noção <strong>de</strong> uma natureza humana<br />

universal para todos os homens; porém <strong>de</strong>spida essa<br />

theoria do estilo escholastico, e <strong>de</strong>senvolvida por um<br />

modo mais inteligivel, philosophico e insinuante como<br />

.Va Ill OS VCT. - . . . .<br />

« A natureza humana, apezar <strong>de</strong> todas as transfor<br />

«mações, que pó<strong>de</strong> receber, contém não obstante certos<br />

« elementos fundamentaes, que são sempre os mesmos,<br />

« e formão a base <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento. Em a natureza<br />

º do homem, bem como na <strong>de</strong> todos os seres, a consti<br />

«tuição <strong>natural</strong>, ou innata <strong>de</strong>screve o circulo do seu<br />

« <strong>de</strong>senvolvimento, e assigna os limites, que não po<strong>de</strong>m<br />

« transpôr-se. Em toda a escala dos seres, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a planta<br />

« até ao homem, que é, por assim dizer, a corôa da crea<br />

«ção, cada ser foi organisado duma maneira particular,<br />

" e pre<strong>de</strong>stinado <strong>segundo</strong> ella para um <strong>de</strong>senvolvimentº<br />

correspon<strong>de</strong>nte. Por meio <strong>de</strong>sta constituição e preº<br />

(…) Ahrens Introd. … "," ,. -<br />

<strong>de</strong>stinação


(17)<br />

<strong>de</strong>stinação das cousas a natureza mantêm a or<strong>de</strong>m e<br />

harmonia, que no meio <strong>de</strong>sta immensa varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

seres continuamente seria perturbada, se a cada ser<br />

fosse dado o <strong>de</strong>senvolver-se d'uma maneira illimitada,<br />

e invadir a natureza e a esfera progressiva dos outros,<br />

Entre todas as naturezas a do homem é a mais compli<br />

cada, e capaz do maior <strong>de</strong>senvolvimento; todavia<br />

chega a conhecer-se, buscando os elementos princi<br />

((<br />

paes, <strong>de</strong> que se compõe. Quando se conhecem estes<br />

((<br />

elementos, põem-se, por divel-o assim, os algarismos<br />

primitivos, os quaes nas differentes combinações, <strong>de</strong><br />

que são susceptiveis, fornºâo a somma total da vida<br />

humana. Ora é evi<strong>de</strong>nte, que toda a sciencia, que se<br />

refere á vida tanto privada, como social do homem,<br />

<strong>de</strong>ve fundar-se sobre o conhecimento <strong>de</strong>sta natureza;<br />

e como a vida duro ser não é mais do que o <strong>de</strong>sen<br />

volvimento <strong>de</strong> sua natureza innata, facil e <strong>de</strong> ver, que<br />

este conhecimento <strong>de</strong>ve presidir a todo o juizo, que se<br />

queira fazer sobre as suas acções. Conhecendo sua<br />

natureza, até se pó<strong>de</strong> prever um <strong>estad</strong>o futuro <strong>de</strong><br />

º <strong>de</strong>senvolvimento, em que se ache a vida d'um modo<br />

mais confórme ás exigencias <strong>de</strong>sta natureza. Segundo<br />

o juizo, que se faz da natureza d'um ser, assim se julga<br />

sempre <strong>de</strong> sua vida, <strong>de</strong>clarando que tal cousa, tal<br />

º acção, é, ou não, confórme a ella, é boa, ou má,<br />

« justa, ou injusta. A sciencia do Direito <strong>de</strong>ve pois <strong>de</strong>du<br />

« zir seus principios do estudo profundo da natureza<br />

º humana; porque o juizo do que é justo ou injusto <strong>de</strong>ve<br />

« fundar-se na conformida<strong>de</strong>, ou não conformida<strong>de</strong><br />

« d'uma acção com esta natureza (a). * *<br />

Em resumo, os elementos constitutivos da natureza<br />

humana são a principal base do Direito Natural. Estes<br />

elementos, unidos ás condições, ou circumstancias, em<br />

?" se encontra o homem neste mundo, engendrão seu<br />

im, ou <strong>de</strong>stino nesta vida; <strong>de</strong> modo que o conhecimento<br />

da natureza humana, e o do fim, ou <strong>de</strong>stino do homem.<br />

neste mundo, constituem os dous pólos, sobre que gyra .<br />

• ••••••<br />

e <strong>de</strong>scança o Direito Natural (4).----------<br />

—<br />

- - –*<br />

|- —<br />

(a)<br />

(b)<br />

Ahrens Introd. C. 1. * * * * … …<br />

Jouffroy Cours <strong>de</strong> Droit Naturel pag. 1-7.<br />

-- - --><br />

2.


,<br />

- ,<br />

(, 18 )<br />

$ 5%<br />

Estado, diz Martini é o complexo dos predicados,<br />

ou qualida<strong>de</strong>s, que se conhecem existentes no ente (a).<br />

O Sr. Silvestre Pinheiro chania ao complexo das<br />

qualida<strong>de</strong>s siiiiuliáneas d'um objecto <strong>estad</strong>o <strong>de</strong>sse obje<br />

CIU) \b). … " - -<br />

, , " ", - ** * * , , , , ; º<br />

… … O <strong>estad</strong>o, <strong>segundo</strong> Martini, divi<strong>de</strong>-se em natura/,<br />

quando as qualida<strong>de</strong>s do ente, que o compõem, são filhas<br />

só da natureza; e preternatura/ou adventicio, se nascem<br />

d'outra causa. Subdivi<strong>de</strong> o <strong>natural</strong> 1." em absoluto, a que<br />

tambem º hamão connato, originario, e prunigenio , no<br />

qual se comprehen<strong>de</strong>m as qualida<strong>de</strong>s, que tem o seu<br />

principio na natureza; e hypotherieo, adventicio, e super<br />

veniente, que comprehen<strong>de</strong> as que tem a sua razão suffi<br />

ciente em algum facto do hourenº: 2.° em essencia/, que<br />

abrange as qualida<strong>de</strong>s, sem as quaes o homem <strong>de</strong>ixaria<br />

<strong>de</strong> existir; e não essencia/, que abrange aquellas, sem as<br />

quaes pó<strong>de</strong> existir. Finalmente divi<strong>de</strong> ainda o estádo<br />

em interno, a que pertencem as qualida<strong>de</strong>s interiores<br />

do corpo e alma, v.g. a sau<strong>de</strong>, a menioria, etc.; e #<br />

externo, riquezas. a que<br />

, pertencem<br />

. as<br />

-<br />

que estão<br />

, , , ,<br />

fóra,<br />

, , , , , , ,<br />

v.<br />

, .<br />

g.<br />

T,<br />

as<br />

º<br />

+ - *** $. 55.<br />

Appresenta ontra divisão d'<strong>estad</strong>o em frsico, quando<br />

não intervem a liberda<strong>de</strong>; e mora/, quando as suas qua<br />

lida<strong>de</strong>s tem principio na liberda<strong>de</strong>. Chamou-se moral,<br />

porque Cicero disse mores as acções livres. O moral subdi<br />

vi<strong>de</strong>-se em antece<strong>de</strong>nte, e subsequente com referencia ás"<br />

acções: assim as qualida<strong>de</strong>s, qué dão ao Homem aptidão"<br />

para a pratica d’uma acção fivre, constituem o seu <strong>estad</strong>o.<br />

antece<strong>de</strong>nte; as que nascem para o homem" da acção,<br />

livre praticada, constituem o seu <strong>estad</strong>o subsequente.<br />

antece<strong>de</strong>nte ainda se subdivi<strong>de</strong> em perfeito, se o homem<br />

é <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> madura e tem perfeito uso <strong>de</strong> razão; e imper<br />

feito, quando lhe falta alguma <strong>de</strong>stas qualida<strong>de</strong>s... " " "<br />

aº Como nós temos <strong>de</strong> traetar das Leis Naturaes Moraes,<br />

º "º".) . . * * * *<br />

Trr-Sr. Fortuna C. 4. S. Ior. "<br />

(b) Noc. d'Ontol. 33. #<br />

… --* * * * * ... "<br />

O<br />

––º- - - - - - - -


|-<br />

e não das fysicas,<br />

( 19 )<br />

só temos attenção ao <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong><br />

moral do homem. Porém este <strong>estad</strong>o tambem se consi<strong>de</strong>ra<br />

<strong>de</strong>baixo d'outro ponto <strong>de</strong> vista, i. é, com referencia ás<br />

aº óes livres, limitadas pela lei, , e que são objecto das<br />

obrigações, <strong>direito</strong>s, oficios, premios e penas; e pó<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>finir-se o complexo das obrigações e <strong>direito</strong>s, que per<br />

trn em aos boueus <strong>segundo</strong> a condição e posição, em<br />

+<br />

que vivem (a). . . .<br />

APPENDI>


•<br />

-<br />

f<br />

| (2o )<br />

Eschola historica.<br />

A eschola historica nega todos os principios geraes<br />

<strong>de</strong> Direito, e preten<strong>de</strong>, que todas as leis e instituições<br />

existentes tem a sua razão justificativa no <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento prece<strong>de</strong>nte, e costumes do povo, que as tem esta<br />

belecido. Os argumentos contra toda a <strong>de</strong>ducção histo<br />

rica dos principios <strong>de</strong> Direito po<strong>de</strong>m reduzir-se aos sé<br />

guintes:<br />

1. Não se <strong>de</strong>ve confundir a explicação d'um facto<br />

ou instituição com o juizo sobre a sua bonda<strong>de</strong> ou justi-.<br />

ça. A explicação consiste no enlace d'um facto com os<br />

outros, que lhe <strong>de</strong>rão origem. Esta explicação das cir<br />

cumstancias, que <strong>de</strong>rão occasião á lei, pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpar<br />

o legislador, mas não prova a sua justiça, porque todos<br />

esses factos po<strong>de</strong>m ser bons ou máos, justos ou injustos.<br />

2.° Sendo muito variadas, differentes, e até contra<br />

dictorias as leis e instituições dos povos, como escolher<br />

aquellas, que <strong>de</strong>sem#Aon<strong>de</strong> ir buscar os<br />

princípios geraes para distinguir o que é bom ou máo,<br />

justo ou injusto? •<br />

3." Para do Direito positivo <strong>de</strong>duzir os principios<br />

geraes <strong>de</strong> Direito sem contradicção palpavel, é mistér,<br />

ou suppôr estacionaria a vida dos povos, contra o <strong>de</strong>sen<br />

volvimento e progressº visiveis da civilização; ou dizer<br />

que esta chegou aº Zenith da sua perfeição: porém nin<br />

guem <strong>de</strong> boa fé o pó<strong>de</strong> asseverar, e muito menos provar<br />

pela historia, e vida actual dos povos; porque similhante<br />

experiencia só pó<strong>de</strong> servir para o preterito e presente,<br />

o não para o futuro, ou para o que pó<strong>de</strong> vir a ser (a).<br />

* * Ltilida<strong>de</strong>.<br />

A utilida<strong>de</strong> como princípio das leis não é <strong>de</strong>scoberta<br />

nova <strong>de</strong> Bentham, que nella fundou o seu systema <strong>de</strong><br />

Legislação. Os sectarios <strong>de</strong> Aristippo e d'Epicuro já ha<br />

vião fundado a religião sobre o receio, e as leis sobre a<br />

utilida<strong>de</strong>. Porém esta doutrina foi victoriosamente COIII<br />

batida por Cicero <strong>de</strong> legibus. "Se a medida, diz elle, é a<br />

« utilida<strong>de</strong>, aquelle, que tiver o po<strong>de</strong>r, e accreditar#uº<br />

|- - –1 * * • - •<br />

(a) Ahrens Introduct. C. 2. S. 1.


•<br />

•<br />

( a 1 )<br />

* a cousa lhe é util, <strong>de</strong>sprezará, ou quebrará as leis!<br />

- Nós não temos para distinguir uma lei má d’uma boa,<br />

- senão uma regra, uma só regra, a natureza.» Verda<strong>de</strong><br />

é que Bentham repelle o interesse particular, e só admitte<br />

a utilida<strong>de</strong> geral. Porém, que é a utilida<strong>de</strong> geral, senão a<br />

reunião dos interesses individuaes? Logo para se promo<br />

ver o bem collectivo das socieda<strong>de</strong>s, é indispensavel co<br />

nhecer perfeitamente os interesses particulares, e não<br />

offen<strong>de</strong>r os habitos e necessida<strong>de</strong>s dos cidadãos; logo só<br />

estudando a natureza dos homens se pó<strong>de</strong> chegar a co<br />

nhecer das leis. a utilida<strong>de</strong> geral, que é o fim, e não o principio<br />

A palavra utilida<strong>de</strong> é mui vaga, e não pó<strong>de</strong> dar só -<br />

lido fnndamento a um systema. Quantas vezes não é um<br />

interesse <strong>de</strong>struido por outro interesse? Quantas vezes<br />

Ymão é pela opinião vulgar julgado maior o interesse me<br />

nor, e vice versa ? Não julga o vulgo mais uteis as refór.<br />

mas materiaes, do que os progressos intellectuaes e mo<br />

raes do homem e da socieda<strong>de</strong>?<br />

Bentham reconheceo a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>termi<br />

mar o que é bem e mal para o homem, a fim <strong>de</strong> evitar o<br />

vago da utilida<strong>de</strong>; e diz, que bem é tudo o que causa<br />

maior prazer, e mal o que causa mais pena. Porém os<br />

termos prazer e pena são tão vagos e relativos, como a<br />

palavra utilida<strong>de</strong>. As sensações do prazer e pena não são<br />

i<strong>de</strong>nticas em todos os homens. Aquelle, que tem culti<br />

vado suas idêas e sentimentos, encontra prazeres em<br />

cousas differentes, e é affectado d'um modo diverso<br />

daquelle, com que é affectado o homem grosseiro e em<br />

brutecido. A utilida<strong>de</strong>, o prazer e a pena não po<strong>de</strong>m<br />

pois ser principios constitutivos das leis, applicaveis a<br />

todos os homens.<br />

A força principio das leis.<br />

Hobbes no seu tractado <strong>de</strong> Cive, negando a existen<br />

cia das Leis Naturaes, só admitte como principiº da lei<br />

a força e as convenções. Este Philosopho, partindo do<br />

principio—que os homens são propensos a satisfazer aos<br />

seus <strong>de</strong>sejos, ainda á custa dos seus similhantes,— tirou .<br />

º consequencia, que os homens erão máos por natureza,<br />

!


(2a )<br />

que º <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> dos homens era o <strong>de</strong> guerra, e que<br />

só as leis civís podião enfreal-os. * * * - -<br />

Hobbes bebeo estes principios nas doutrinas <strong>de</strong> Ari<br />

stippo, Arcesilao e Carnea <strong>de</strong>s, os quaes, posto que não<br />

disserão que os homens erão mãos por natureza, asseve<br />

1árão, que os vicios e virtu<strong>de</strong>s erão cousas arbitrarias.<br />

Para se <strong>de</strong>monstrar a falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste systema, basta<br />

notar, que com similhantes propensões o generº huma<br />

no não po<strong>de</strong>ria conservar-se, e muito menos <strong>de</strong>senvol<br />

ver-se, º teria <strong>de</strong>sapparecido da superficie da terra.<br />

Este systema foi victoriosamente combatido por<br />

Cumberland e Ferguson, os quaes <strong>de</strong>monstrarão, que a<br />

lenevolencia é um principio da natureza humana, e fi<br />

malmente por Jouffroy (a). . .<br />

Passemos aos systemas da segunda categoria. E,<br />

como estes systemas são quasi innumeraveis, só fallare<br />

nos dos principaes. |-<br />

Um certo numero <strong>de</strong> marimas uteis forma o Codigo das<br />

* * * * * Leis Naturaes.<br />

Não duvidamos, que ha maximas confórmes a natu<br />

reza, e uteis a humanida<strong>de</strong>: o as comº distinguil-as das<br />

l rejudiciaes a especie humar a ? Quantas, e quaes são<br />

essas maximas? Qual é o criterio da verda<strong>de</strong> para as<br />

separar e escolher? E finalmente qual é a sancção <strong>de</strong>ssas<br />

maximas? O consenso dos povos certo que se não pó<strong>de</strong><br />

invo ar, pela diversida<strong>de</strong> d'opiniões , <strong>segundo</strong> as necessi<br />

da<strong>de</strong>s e prejuizos, a que os sujeita a sua posição topºgra<br />

phica e character um oral. O Indio dirá , que satisfez a uma<br />

obrigação <strong>natural</strong> a mulher, que se queimou com o ca<br />

da ver <strong>de</strong> seu marido: o China dirá <strong>de</strong> si o mesmº, quan<br />

do expõe seus filhos por se achar sobre a regado com<br />

uma numerosa familia: o selvagem, quando abandona o<br />

<strong>de</strong> crepito pai, cujas mãos ja pº<strong>de</strong>m sustentar º arco<br />

e a sºtta, con, que matava a caça para se sustentar.<br />

*<br />

|- •<br />

\ * • • • •<br />

|- •<br />

•<br />

- - } * * |-<br />

#<br />

(*) Cºurº «º Lºu à atuºu Leç. 11. et 12. - 3


• mento<br />

}<br />

(43)<br />

• "\<br />

… … e 1 2 …" , , … " " * . ":" . * * * * * * * * * *****<br />

"Não ha outras leis, senão as que a homem 6/700/7fra<br />

gravadas em seu coração.<br />

Este systema tem muita analogia com o do senso in<br />

timo, que Hutcheson tambem <strong>de</strong>senvolveo. Por vago e<br />

incerto não pó<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> fundamento á sciencia do Di<br />

reito Natural, porque os sentimentos do coração varião<br />

<strong>segundo</strong> a educação, habitos, e outras circunstancias<br />

dos homens. Se alguns ha dotados <strong>de</strong> sentimentos sul,li<br />

Ines e virtuosos, tambem se encontrão outros arrastados<br />

por sentimentos baixos e viciosos. Se um tal systema fosse<br />

admitido, po<strong>de</strong>r-se-lhia o homem julgar auctorizado<br />

para todas as <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns, para que enconuasse ten<strong>de</strong>ncia<br />

em seu coração.<br />

A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deos, manif<strong>estad</strong>a pela Revelação, é o fun<br />

damento das Leis A aturaes.<br />

O Dr. Warburton, e Mr. <strong>de</strong> Donald procurárão o<br />

fundamento das Leis Naturaes nos livros <strong>de</strong> Moyses, e<br />

nos outros do Christianismo, por on<strong>de</strong> se conhece a von<br />

ta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deos. Confessemos porém, que este pensamento<br />

não e philosophico. Devemos certamente um uito º espeito<br />

aos Livros Santos; mas não <strong>de</strong>veu os com "undir o Direito<br />

Divino Positivo, que nelles se encerra, com o Direito Na<br />

tural. De mais, se tal systema fosse verda<strong>de</strong>iro, º na gran<br />

<strong>de</strong> parte do genero humano, que não conhece esses Li<br />

vros, não po<strong>de</strong>ria ter conhecimento das leis Naturaes;<br />

nem por conseguinte po<strong>de</strong>ria ter loas leis civis, nº a ser<br />

feliz. A experiencia porém prova o contrario, e tie<br />

monstra a falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste systema.<br />

Uma crença religiosa, qualquer que ela sºja,<br />

do Direito Natural.<br />

é o funda<br />

Este systema foi principalmente combatido por<br />

Comte. Havendo nos diversos povos diversas religiões, da<br />

certo não po<strong>de</strong>m ser todas verda<strong>de</strong>iras; pºrque º verda<br />

<strong>de</strong> é só uma. Por tanto neste systema dãº-se falsas bases<br />

aº Direito Natural. E quando se queirº dizer, que só se<br />

adopta o seutiuento 1eligioso, <strong>natural</strong> aº hun em , assim<br />


(**)<br />

•<br />

". 4.<br />

mesmo só nelle se po<strong>de</strong>rião fundar os officios para com<br />

Deos, e não os para com nosco, nem os para com os ou<br />

tros. Tal maxima, no primeiro caso, seria falsa; e no se<br />

gundo não seria sufficientemente larga, para sobre ella<br />

se fundar um systema completo da Legislação Natural.<br />

",<br />

Eschola social.<br />

|-<br />

Grocio e Puffendorf. estabelecêrão, que o fun<br />

damento do Direito Natural era a sociabilida<strong>de</strong>, di<br />

zendo sómente justas as acções conformes á natureza so<br />

cial do homem. Porém ainda que a sociabilida<strong>de</strong> seja uma<br />

verda<strong>de</strong>ira Lei da Natureza, e <strong>de</strong>lla se possão <strong>de</strong>duzir,<br />

como sustenta um Philosopho mo<strong>de</strong>rno (a), os <strong>de</strong>veres<br />

para com os nossos similhantes; todavia é uma base<br />

muito estreita para um systema <strong>de</strong> Direito Natural : por<br />

que <strong>de</strong>ste fundamento se não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir as obriga<br />

ções naturaes para com Deos, nem para com nosco. Os<br />

discipulos <strong>de</strong>sta eschola chamárão-se socialistas (6).<br />

Systema <strong>de</strong> Thomasio.<br />

Este Philosopho foi o primeiro, que procurou di<br />

stinguir o Direito da Moral; e para isso fez distincção<br />

entre obrigações perfeitas e imperfeitas, dizendo, que as<br />

primeiras pertencião ao Direito, e as segundas á Moral:<br />

que pois as segundas são obrigações interiores e livres,<br />

não po<strong>de</strong>m ser forçadas; e ainda quando o po<strong>de</strong>ssem,<br />

não o <strong>de</strong>vião ser; que pelo contrario as perfeitas, como<br />

externas, <strong>de</strong>vião ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da boa ou má von<br />

talº ; e que por isso o homem <strong>de</strong>via ser forçado a cum<br />

Pril-as pelo temor das penas, * * * * *<br />

. O <strong>de</strong>feito <strong>de</strong>sta theoria está em que, <strong>de</strong>vendo ser<br />

justas as penas, era necessario que primeiro se <strong>de</strong>termi<br />

nasse o que era justo. Porém isto não se conhece pela<br />

distincção daquelas obrigações (c)<br />

(4) Malepeyre Précis <strong>de</strong> la cience <strong>de</strong> Droit Naturel, P. a.C.6.<br />

*) Drp. De la Philosophie "Jovale C. 6. Seet. a.<br />

{9 Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Mac. Part. Gén. C. 2.


( 5.)<br />

Systema <strong>de</strong> Montesquieu.<br />

Montesquieu (a) <strong>de</strong>fine as leis relações necessaria<br />

rias, que <strong>de</strong>rivão da natureza das cousas. Este gran<strong>de</strong><br />

Jurisconsulto seguio a Clarke no seu tractado da existen<br />

cia <strong>de</strong> Deos e das Leis da Moral Natural. Deos, creando<br />

as cousas, <strong>de</strong>o a cada uma sua natureza particular. Entre<br />

estas diversas naturezas estabelecem-se relações, que as<br />

ligão, e formão d’ellas um todo, que é o Universo. A<br />

razão comprehen<strong>de</strong> estas relações, e vê que ellas <strong>de</strong>vem<br />

ser respeitadas. Daqui nasce a obrigação, que tem todo<br />

o ser racional e livre, <strong>de</strong> obrar conformemente a ellas.<br />

Bentham (b) e Joufroy (c) combatem esta difinição,<br />

por ser muito extensa, e por po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>lla nascer o mal da<br />

imesma sorte que o bem, v.g.: o matar um homem com<br />

arsenico é muito conforme ás relações necessarias, que se<br />

<strong>de</strong>duzem da natureza das cousas; porque é muito con<br />

forme á natureza do homem e do arsenico, que esteve<br />

neno mate o homem; e com tudo ninguem dirá que esta<br />

relação necessaria seja uma Lei Natural: aquelle, que se<br />

quizesse te approximasse aquentar, do egêlo, em lugar obraria <strong>de</strong> se umapproximar absurdo, indo fogo, con- •<br />

ira as relações necessarias das cousas; mas ninguem dirá,<br />

que elle fosse immoral, ou violasse uma Lei da Natureza.<br />

Na verda<strong>de</strong>, se aquelle, que obra contra as relações <strong>de</strong><br />

duzidas da natureza das cousas, é muitas vezes immoral,<br />

tambem muitas vezes obra sómente um absurdo, e não<br />

viola obrigação alguma. Quaes são pois as relações, que<br />

tão verda<strong>de</strong>iras Leis Naturaes, e quaes não? E porque o<br />

tão aquellas, e não estas? Isso é o que Montesquieu não<br />

liz; e isso é o que torna inadmissivel sua doutrina.<br />

Além disto Montesquieu enumera quatro Leis pri<br />

mitivas, don<strong>de</strong> quer# todas as outras Leis Natu<br />

aes; e tendo dito, que para bem conhecer estas Leis<br />

era necessario consi<strong>de</strong>rar o homem antes do estabeleci<br />

mento das socieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>pois, com uma contradicção<br />

tem <strong>de</strong>sculpa, enumera entre aquellas Leis primitivas a<br />

lei da sociabilida<strong>de</strong>,<br />

(*) Esprit <strong>de</strong>s Lois L. 1. C. 1. * - -<br />

(b) Trait. <strong>de</strong> Legisl. Tom, I, C. 13.<br />

(*) Cours <strong>de</strong> Droit Naturel Leç. 24,


|-<br />

* • |- |-<br />

(46)<br />

Montesquieu <strong>de</strong>duz aquellas Leis dos dictames do<br />

instincto; e parece pouco plausivel um systema <strong>de</strong> Di<br />

reíto Natural, que principia pelo instineto, e acaba pela<br />

razão. Perque não ha <strong>de</strong> e trar esta no começo d'um<br />

edifício, para concluir º qual e <strong>de</strong>pois chamada («)? …<br />

Denos pºr concluido o exanº dos systemas da se<br />

gunda categoria, e passemos á eschola alémãa.<br />

Systema <strong>de</strong> Kant.<br />

Para darmos uma idêa <strong>de</strong>ste systema, e das modifi<br />

cações, que lhe tem feito em Allemanha os Philosº<br />

phos, que o tem já <strong>de</strong>senvolvido, e já cºmbatido, somos<br />

forçados a copiar o que a este respeito disse Ahrens<br />

(b) não só porque o não po<strong>de</strong>riamos fazer tão bem, como<br />

elle, que o estudou em Allemanha, mas porque não po.<br />

déu, os ainda obter algumas das obras dos Escriptores, <strong>de</strong><br />

que elle dá conta,<br />

fizemos.<br />

apezar das maiores diligencias, que<br />

• |- • • + |- • • •<br />

« O systema philosophico <strong>de</strong> Kant (1724— 18o4) fez<br />

« uma gran<strong>de</strong> refórma no Direito Natural. Kant, rejei<br />

- tando por um lado a hypothese inutil d'um <strong>estad</strong>o da<br />

«natureza, e por ºutro lado a antiga doutrina <strong>de</strong> Grºt,<br />

(Grocio), que fazia <strong>de</strong>rivar o Direito do instincto da<br />

- sociabilida<strong>de</strong>, sem <strong>de</strong>terminar mais os princípios * fºi<br />

• () primeiro , que fundou o Direito Natural sobre prin<br />

cipios raciºnavs, que resultão do estudo da natureza<br />

« e da socieda<strong>de</strong> humana.<br />

º Kant fez primeiro notar, que as acções dos ho<br />

« mens são <strong>de</strong> duas especies: umas internas, que são do<br />

« dominio da consciencia; e outras externas, que dizem<br />

« respeito as relações dos homens entre si. As primeiras<br />

são regidas por leis moraes, que são as da consciencia;<br />

as outras por leis exteriores, que são as leis positivas<br />

da socie la le. Pºrém, diz Kant, como os homens <strong>de</strong><br />

"vem viver em com num na socieda<strong>de</strong>, é necessariº<br />

encontrar uma lei geral, b pela qual a liberda<strong>de</strong> • d'acção|-<br />

<strong>de</strong> cada um possa coexistir com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos.<br />

••<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit A'aturel Part. Géuer. C. 1.<br />

(b) Loc, cit. C. 2 •<br />

-<br />

…==<br />


(47)<br />

- Deste mhdh a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um encontrará seis"<br />

« justos limites na liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os outros. Fm º on<br />

sequencia Kanu <strong>de</strong>fine o Direito: o complexo das condi<br />

« côes, <strong>de</strong>bairo das quaes a liberda<strong>de</strong> exterior <strong>de</strong> cada um<br />

« / ó<strong>de</strong> coexistir com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos; e han a jºsta<br />

- toda a acção, que, praticada por todos, nao produz<br />

« impediu ento a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> ninguem. |-<br />

« Fsta <strong>de</strong>finição encerra uma grau <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>. Tó<strong>de</strong><br />

- ser consi<strong>de</strong>rada eono a verda<strong>de</strong>ira fórmula scientifica<br />

- do liberalismo politico mo<strong>de</strong>rno, que procura fundar<br />

« um systema politico, em que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um<br />

- seja assegurada, e º ou ciliada º ou a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos.<br />

« Por este principiº, liberal no verda<strong>de</strong>iro sentido da pa<br />

« lavra, é que o systema <strong>de</strong> Kant tem exercido uma gran<br />

« <strong>de</strong> e teliz influencia sobre todos os ramos do Direito<br />

- particular e publico. , ,<br />

- Todavia este principio é muito estreito. O Direito<br />

« não pó<strong>de</strong> reduzir-se á liberda<strong>de</strong> exterior; não se refere<br />

- sóinente a liberda<strong>de</strong>, que irão é mais do que uma fa<br />

« ulda<strong>de</strong> humana, senão a tºdos os fins racionaes, que<br />

- o homem pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve preenche, por meio da liberda<br />

- <strong>de</strong> interior e exterior. O tireito pois não consiste só nas<br />

« condições <strong>de</strong> coexistencia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, º n<br />

« cerra tambem as condições, para que a liberda<strong>de</strong> possa<br />

nascer e estabelecer-se aon<strong>de</strong> ainda não existe, e <strong>de</strong>ven<br />

« co/ver-se aon<strong>de</strong> ja existe. Porque I a na educaçãº<br />

{ progressiva para a liberda<strong>de</strong> , assini cºmo para todas as<br />

4. faculda<strong>de</strong>s humanas; I a a estabelecê-a. não basta <strong>de</strong><br />

« retal a. O Direito <strong>de</strong>ve indicar os meios, pelos quaes<br />

- os póvos pº<strong>de</strong>m ser dirigidos a fazer bom usº d'ella.<br />

* De mais, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Kim é negativa e limíta<br />

« tativa. Fallão-lhe pois as qualida<strong>de</strong>s d’uma boa <strong>de</strong>fini.<br />

cão, que <strong>de</strong>ve ser afirmativa, e encerrar um conteúdo<br />

pºsitivº. Segundo esta º ogio, que exige , que os ho<br />

- mens, vivendo em socieda<strong>de</strong>, limitem reciprocamente<br />

sua liberda<strong>de</strong> exterior para a coexistencia da liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> todos, o Direito se encontra reduzido a uma fórma<br />

<strong>de</strong> livrita ño da lite da<strong>de</strong>, e se reveste d'un chara ter<br />

negativo. Porém a limitação da liberda<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> fa<br />

zer-se, sº não quando se conhece ja latitu<strong>de</strong>, o «on<br />

teúdo positivo, que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar-se a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada<br />

*<br />

•<br />

|- • •<br />

,<br />

•<br />

: # -


•<br />

(28)<br />

« um. Por outra parte a limitação da liberda<strong>de</strong> não pó<br />

<strong>de</strong> ser senão um acto secundario; o Direito <strong>de</strong>ve ap<br />

presentar antes <strong>de</strong> tudo as condições geraes para o <strong>de</strong><br />

senvolvimento da liberda<strong>de</strong> e <strong>de</strong> todas as faculda<strong>de</strong>s<br />

: humanas. .<br />

« Em fim o principio do Direito, estabelecido por<br />

Kant, é além disto <strong>de</strong>feituoso, por consi<strong>de</strong>rar a li<br />

berda<strong>de</strong> d'uma maneira muito absoluta, e porque não<br />

((<br />

indica o fim indidual, e social que se tracta <strong>de</strong> rea<br />

«lizar pela liberda<strong>de</strong>. Pois é evi<strong>de</strong>nte que todas as ac<br />

«ções produzidas pela liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem ter um fim ra<br />

cional; e é muito importante que este fim seja enun<br />

ciado na noção do Direito. Este <strong>de</strong>feito do principio.<br />

<strong>de</strong> Kant é igualmente um <strong>de</strong>feito do systema liberal<br />

actual, que, em suas justas reclamações da liberda<strong>de</strong><br />

((:<br />

para todos e em tudo, se esquece <strong>de</strong> indicar o uso, que<br />

se <strong>de</strong>ve fazer <strong>de</strong>lla, e <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar os fins racionaes,<br />

que o homem e a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>vem proseguir e realizar<br />

pelo livre <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s. Estes.<br />

fins, é verda<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>vem ser impostos; sua escolha.<br />

<strong>de</strong>ve ser livre; todavia é importante fazer comprehen<br />

<strong>de</strong>r, que a liberda<strong>de</strong> não é fim em si mesma, mas<br />

só um meio, pelo qual o homem <strong>de</strong>ve realizar os fins,<br />

que lhe são assignados por sua natureza racional.<br />

« A doutrina <strong>de</strong> Kant sobre o Direito foi <strong>de</strong>senvol<br />

vida por Fichte (1762— 1814), cujo systema <strong>de</strong> Di<br />

reito Natural se distingue principalmente pela gran<strong>de</strong><br />

exactidão nos principios, e pelo enca<strong>de</strong>amento, quer<br />

liga todas as suas partes.<br />

« A doutrina <strong>de</strong> Kant encontrou um gran<strong>de</strong> nume-º<br />

ro <strong>de</strong> sectarios, tanto entre os Philosophos, como<br />

entre os Jurisconsultos mais distinctos, e suscitou<br />

: uma multidão d'obras theoricas e praticas, em que fo<br />

rão mais <strong>de</strong>terminados e melhor applicados a todas as<br />

({<br />

partes do Direito os principios, que ella tinha estabe<br />

é{ lecido.<br />

« Muitos não obstante, pouco satisfeitos da <strong>de</strong>duc<br />

ção, que Kant tinha feito do Direito, tem prºpºstº<br />

outros principios sobre uma base mais ou menos diffe"<br />

rente, fazendo com tudo entrar sempre a noção <strong>de</strong> Di<br />

reito cipio <strong>de</strong> queKant, tem estabelecido, em todo ou em parte, no novo princº<br />


(29)<br />

. Os adversarios da doutrina <strong>de</strong> Kant se divi<strong>de</strong>m em<br />

- •<br />

« duas classes. .<br />

«A primeira classe comprehen<strong>de</strong> os Philosophos e<br />

Jurisconsultos, que, não admittindo a distincção rigo<br />

rosa, estabelecida por Kant, entre o Direito e a Mo<br />

ral, referem mais ou menos o Direito á Moral, e assim<br />

retroce<strong>de</strong>m neste ponto até Grocio e Puffendorf.<br />

« O Philosopho mais distincto <strong>de</strong>sta classe é Bou<br />

terweck (1829). Em seu tractado <strong>de</strong> Direito Natural<br />

(1813) <strong>de</strong>fine o Direito: o complexo das condições exte<br />

4A<br />

riores para a vida moral do homem. Formulando assim<br />

o character essencial do Direito, que consiste na condi<br />

cionalida<strong>de</strong>, não confun<strong>de</strong> inteiramente o Direito coni<br />

a Moral; porém fez mal em restringir o Direito á Moral<br />

como seu fim, fazendo-o consistir nas condições exte<br />

riores para o <strong>de</strong>senvolvimento moral, em quanto ele<br />

se refere a todos os fins racionaes, fundados na natu<br />

reza do homem, aos fins moraes, religiosos, scientíf<br />

eos, artisticos, industriaes. Alguns outros Philosophos<br />

tem adoptado este modo <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar o Direito, o<br />

qual porém tem encontrado pouca acceitação entre os<br />

Jurisconsultos, que, po<strong>de</strong>ndo apreciar melhor pelo<br />

conhecimento do Direito positivo a differença entre o<br />

f{<br />

Direito e a Moral, tem permanecido fieis ao principio<br />

4{ <strong>de</strong> Kant. • -<br />

« A segunda classe compõe-se daquelles, que ad<br />

« mittem a distincção entre o Direito e a Moral, porém<br />

olhão como <strong>de</strong>masiadamente limitado o principio <strong>de</strong><br />

Kant, e procurão por consequencia uma noção <strong>de</strong> Di<br />

reito mais completa. A censura geral, que esta classe<br />

dirige ao systema <strong>de</strong> Kant, é <strong>de</strong> não estabelecer senão<br />

um principio puramente formal, <strong>de</strong>terminando sómen<br />

te fórma ou a maneira, <strong>segundo</strong> a qual a liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cada um pó<strong>de</strong> coexistir com a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos.<br />

« Abich foi o primeiro, que em seu Direito Natural<br />

(1792) notou, que o Direito não pó<strong>de</strong> reduzir-se á for.<br />

ma da coexistencia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, mas que<br />

<strong>de</strong>ve referir-se aos fins geraes da natureza humana; e<br />

por conseguinte <strong>de</strong>fine o Direito Natural: a scien.<br />

cia dos <strong>direito</strong>s, em quanto se <strong>de</strong>duzem da natureza do<br />

*<br />

4ºmem, em conformida<strong>de</strong> com a natureza <strong>de</strong> todas a:


(3o)<br />

consas, <strong>de</strong> que o homem necessita como meios e con<br />

dicões para preencher os fins prescriptos pela razão.<br />

Abicht, <strong>de</strong>duzido <strong>de</strong>ste modo o Direito da natureza<br />

do homem, e referindo a elle todas as º ousas , que são<br />

necessarias como meios e condições para o fim racional<br />

da vida humana, evita o <strong>de</strong>feito da no ⺠<strong>de</strong> Kant, que<br />

não <strong>de</strong>termitia º fim, para que existe o Direito. Comº<br />

tudou esta noção, dada, por Abicht, não se reha ainda<br />

bem precisamente, exprimido º Character do Direito<br />

couro fimitado as condições uecessarias para o fim ra<br />

cional do homem; e por conseguinte não se encontra<br />

assas distiucto da Moral. •<br />

- º Klause 1781 — 1832) foi quem primeipalmente<br />

ad priri" gran<strong>de</strong> meritº pelº <strong>de</strong>senvolvimento e rigo<br />

* osa <strong>de</strong>terminaç㺠do principio do Direito. Ear o seu<br />

fesauro do Direito Matura/ , 18…») tinha elle la <strong>de</strong>fini<br />

do o Direitº: o co um e rodas condicões erteriores, <strong>de</strong><br />

que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o <strong>de</strong>stino racional do homem e da huma<br />

uida<strong>de</strong>; e, <strong>de</strong>ste modo foi o primeiro, que exprimio o<br />

character particular do Direito, que consiste na condi<br />

cionalida<strong>de</strong>, Este principio foi <strong>de</strong>pois posto em relacio<br />

com os principiºs gentes da philosºphia, e <strong>de</strong>senvolvi<br />

do rigorosamente em todas as suas partes em uma obra<br />

posteriºr sºbre a Philosophia do Direito. 1848), on<strong>de</strong><br />

o Direito é <strong>de</strong>finido: o comp/ero das condições exter<br />

nas e internas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da liberda<strong>de</strong>, e necessarias<br />

ao <strong>de</strong>senvo/ciumento e cumprimento do <strong>de</strong>stino raciona/,<br />

individua/ e socia/do/anem, e da hºtmanida<strong>de</strong>. … .<br />

« Esta <strong>de</strong>finição do principio do Direito é a mais<br />

º completa e satisfactoria <strong>de</strong> tºdas as que se tem dado.<br />

« Abraça tudo o que as outras encerrão <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro,<br />

sem participar <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>feitos. Refere-se a sociabilida<br />

<strong>de</strong>, comº a <strong>de</strong> Groeio, porém prescreve além disso as<br />

condições para o <strong>de</strong>senvo/viuewto da vida social. Separa<br />

o Direito da \loral, censo a doutrina <strong>de</strong> Thomasio, não<br />

pelo cha racter secundario da força, mas distinguindº *<br />

Moral, e o Direito como fim e meio. Assegura a cºeri<br />

«:<br />

stencia da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos , , como a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

({<br />

3<br />

Rant, porque a liberda<strong>de</strong> é a faculda<strong>de</strong> humana, pelº<br />

(Y<br />

qual se <strong>de</strong>vem eumprir, os fins racionaes; porém não<br />

se limita a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, ºntes se refere a<br />

"<br />

+-


-<br />

–=<br />

* * * y<br />

* todas as faculda<strong>de</strong>s e a todos os fins do homem. Fata<br />

- <strong>de</strong>finição em fim satisfaz ás exigencias da logica, pºr<br />

- que é positiva e geral, e n㺠ha casº algum <strong>de</strong> Direitº,<br />

« que n'ella não seja comprehendido. - " "<br />

=>*<br />

…… e?… - - -<br />

CAP. II.<br />

#DA o BRIGAção, Iri r on Fito FM Gra AL, E EM Esrzcuz<br />

+* * * * * * * bo DIREITO NATURAL.<br />

Mívia, antes <strong>de</strong> tractar da obrigação, lei, etc.,<br />

estabelece alguns principios preliminares relativam º nte<br />

ao fim das cousas creadas, e a differentes especies d'ac<br />

ções, <strong>de</strong> que é mister ter conhecimentº para se enten<br />

«lerem as impºrtantes doutrinas <strong>de</strong> Philosophia Juridica,<br />

que expõe neste Capitulo.<br />

"; ,… --<br />

s. 57.<br />

Diz o que é fim, e qual a sua divisão; e <strong>de</strong>pºis<br />

<strong>de</strong>fine o meio. Fim é aquillo, pelo que uma causa effi<br />

ciente e inteligente faz alguma consa, para que o mesmo<br />

exista, ou se faça (a). Cansa é o princípio, <strong>de</strong> que <strong>de</strong><br />

"; a existe, ia d'outra consa; causa effe ente é aquil<br />

º r" , , , ! * * * * * * . * * * - - *1-1 *<br />

º , que por sua força produzio outra cousa; causa eff<br />

ciente e inteligente e o homem, quando obra guiado pela<br />

|-<br />

luz da razão (b). " "<br />

"Divi<strong>de</strong> o fim em remoto, intermedio e ultimo F-ta<br />

divisão <strong>de</strong> fins só pó<strong>de</strong> verificar-se "h" a serie, em que<br />

utts vão servindo <strong>de</strong> ca usas aos outros. Martini chama |<br />

fim .remotº aquillo, que va serie genealogiº aº ente é<br />

º primeiro, i é, que primeiro se consegue , e e º ausa dos<br />

outros: ultimº ou sumino aquelle, para conseguir o qual<br />

tºdos os outros forão e"pregados: e inter medio aquel<br />

le, que está <strong>de</strong> permeio entre os outros (e). Vê-se pois<br />

que Martini eliam a remoto ao fim, a que ºs Philosophos<br />

(a) S. 39. •<br />

--….……<br />

- - - - - *__* —-<br />

- (*) Baumeister Instit. Methaphys. Tom. a.S. 247, e seg.<br />

(º Martini Exercit.S. 57. , … - -


,<br />

(32 )<br />

chamão proximo, <strong>segundo</strong> a or<strong>de</strong>m <strong>natural</strong> das cousas;<br />

e só em verda<strong>de</strong> se lhe po<strong>de</strong>rá dar este nome <strong>de</strong> remoto<br />

com referencia a nossa intenção, ou collocando-nos no<br />

fim da serie. -<br />

Parece pois preferivel a divisão e <strong>de</strong>finição, que dão<br />

os outros Philosophos, <strong>de</strong> fim proximo, intermedio, re<br />

moto, e ultimo. Dizem proximo o primeiro na serie:<br />

intermedio aquelle, que está entre outros: remoto aquelle,<br />

que só se pó<strong>de</strong> obter mediante outro, ou outros: e ulti<br />

mo o fim remoto, no qual todos os outros se resolvem,<br />

ou por cuja causa todos os outros forão obtidos (a).<br />

Meio <strong>de</strong>fine Martini o que contém a razão, por que<br />

o fim se conseguio. Logo não pó<strong>de</strong> dar-se fim sem meio:<br />

e por isso é verda<strong>de</strong>ira a regra que quem quer os fins,<br />

quer os meios (b).<br />

S. 58.<br />

Demonstra, que Deos, na creação do universo, não<br />

podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ter em vista algum fim remotissimo.<br />

Por quanto livremente creou o mundo, que é fortuito<br />

e contingente; e sendo infinitamente sabio, não podia<br />

obrar <strong>de</strong> bal<strong>de</strong>, ou sem algum fim, que na sua infinita:<br />

intellígencia justificasse a creação. • ,<br />

Com effeito, observando-se os diversos seres, <strong>de</strong><br />

que o mundo se compõe, vê-se, que todos elles tem<br />

seus fins particulares, <strong>segundo</strong> a diversida<strong>de</strong> da sua orga<br />

nização e <strong>de</strong>stino: mas tambem se vê, que todos elles,<br />

estão enca<strong>de</strong>ados por um modo tão maravilhoso, que nº<br />

universo ha or<strong>de</strong>m e harmonia. Não po<strong>de</strong>m pois aquel<br />

les fins particulares <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conspirar para algum fim, º<br />

<strong>de</strong>stinado por Deos a todo o mundo, assim como <strong>de</strong>stinou<br />

diversos fins aos diversos seres, <strong>de</strong> que ele se compõe.<br />

* , . § 59. , …<br />

* •<br />

}<br />

Prova, que o fim ultimo é a manifestação das di<br />

vinas perfeições. Por isto cumpre <strong>de</strong>monstrar: 1.* que º<br />

o universo pó<strong>de</strong> ser meio para este fim: 2.º que este fim<br />

… "<br />

• •<br />

- - -<br />

}<br />

" …<br />

(a<br />

(b)) Baumeister Martini Exercit. loe cit. S. 57. S. 374. … … ……….…… … º<br />

* * * * •<br />

}<br />

C


• "<br />

(33)<br />

é conforme com as divinas perfeições: 3.º que este fim é<br />

realmente o ultimo. " "… -<br />

.<br />

viº. Quanto ás primeira: nada mais facil, do que elevar-se<br />

o nosso pensamento á idêa <strong>de</strong> Deos, Creador e Conserva<br />

dor <strong>de</strong> tudo, Ente sapientissimo e po<strong>de</strong>rosissimo; pela<br />

contemplação da or<strong>de</strong>m e harmonia, que reina no uni<br />

verso; porque só se po<strong>de</strong>ráó consi<strong>de</strong>rar como effeitos<br />

da sua divina, provi<strong>de</strong>ncia, o sol sempre fiel em transmit<br />

tir a luz,ira hua: sujeita a revolucões periodicas, a volta<br />

constante das estações, o <strong>de</strong>senvolvimento das plantas,<br />

a reproducção dos animaes, e mil outraso maravilhas,<br />

que amancião o seu po<strong>de</strong>r e sabedoria, vo: "…<br />

Quanto á segunda: sendo Deos summo em todas as<br />

suas perfeições, certo não creou o mundo por interesse<br />

algo um proprio, porque d'elle não itecessita. O fim da<br />

creação, pois só podia ser a manifestação da sua gloria<br />

e perfeições, o que não repugna a seus divinos attributos.<br />

ºii! Quanto á terceira: este fim não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser<br />

o ultimo; porque <strong>de</strong>vendo todo o mundo ter um fim (a),<br />

não po<strong>de</strong>mos comprehen<strong>de</strong>r outro, a que este se refira.<br />

Os homens e suas faculda<strong>de</strong>s, como partes do gran<br />

<strong>de</strong> todo (o mundo), <strong>de</strong>vem ter tambem esse fim ultimo.<br />

Antes porém <strong>de</strong> passarmos adiante, <strong>de</strong>vemos notar,<br />

que fMartini não assigna sómente ao liómem o fim da<br />

manifestação e das perfeições <strong>de</strong> Deos, antes reconhece<br />

que os seres, creados tem outros fitas<br />

proximos, omnes<br />

reliqui fines, mas não <strong>de</strong>lara qual, ou quaes esses fins<br />

do homem.erpret . …… , , , , , , , , , , … n º<br />

- foi"…id), Dr. (c) e o Sr. Fortuna (d) dizem,<br />

que o fim particular do homem é a sua felicida<strong>de</strong>, Qutros<br />

seguem a mesma opinião, e só differem sobre a noção<br />

<strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> e seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

-** Ahrens (e) diz: «O Direito <strong>de</strong>ve fundar-se sobre o<br />

« conhecimentophilosophico do homem tal qual se <strong>de</strong>s<br />

º envolve em suas faculda<strong>de</strong>s internas, e em suas rela<br />


|- - * • • #<br />

§.<br />

• §.<br />

2<br />

(34)<br />

«pa o lugar mais elevado. Neste <strong>de</strong>senvolvimento está o<br />

« bem do homem, no qual se fundão seus <strong>de</strong>veres e seus<br />

« <strong>direito</strong>s; e misto é que consiste o fim da sua vida. Este<br />

« fim é o mais certo e o mais geral, que o homem pó<strong>de</strong><br />

« conceber e propôr-se. E ainda admittindo uma vida fu<br />

« tura, difficilmente se conceberá outro fim para o ho<br />

- mem, que não seja o <strong>de</strong>senvolvimento continuo <strong>de</strong> sua<br />

natureza interior, e o engran<strong>de</strong>cimento constante-do,<br />

« circulo <strong>de</strong> sua vida em suas relações com o universo. O<br />

º aperfeiçoamento pois e a extensão <strong>de</strong> nossas faculda<strong>de</strong>s<br />

« e relações com o universo é o nosso fim, fundado em<br />

« a nossa natureza, inteligivel para todos, e susceptivel<br />

« d'uma applicação geral.» - - or si. :)<br />

E <strong>de</strong>senvolvendo <strong>de</strong>pois esta idêa, para classificar e<br />

dividir o Direito, diz que a religião, a sciencia, as artes,<br />

e a moral são os fins principaes da vida(s). A seu tempo<br />

voltaremos a esta materia.<br />

… o … sóºrol e<br />

Vê-se pois, que todos são concor<strong>de</strong>s em que o fim<br />

particular do homem é o bem, e que este consisteno que<br />

é conforme á sua natureza e fins da sua creação, eti o r<br />

…" -"; -<br />

- * •<br />

" , triot, e () -<br />

6o. … ……… …) o por 93<br />

|- - - . -- … #<br />

… Depois <strong>de</strong> Martini ter dito o que era bem e mal em<br />

geral, e qual era o fim ultimo do homem e <strong>de</strong> todos os<br />

seres ereados, <strong>de</strong> que se compõe o mundo, vai agora di<br />

vidir as acções do homem em boas, quando concordão,<br />

com este fim, e más, se discordão; porque na concor<br />

dia está a perfeição e o bem, e na discordia a imperfei<br />

ção e o mal (6). * , |- * * … e º "º<br />

2. * . * # •<br />

61. * … .…… . ………<br />

… , , , , ; , …," e º<br />

º Prova, que a bonda<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> da acção é intrin<br />

seca e <strong>natural</strong>; porque esta bonda<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> tem<br />

o seu principio na propria acção. E na verda<strong>de</strong>, se<br />

nós não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>r os effeitos das causas, tam<br />

bem não po<strong>de</strong>mos separar da acção a bonda<strong>de</strong> ou mal<br />

da<strong>de</strong>, que consistem na sua conformida<strong>de</strong> ou disere<br />

(a) cours. <strong>de</strong> Droit. Nat. Part Génér. C. 3. S. 9. à o cº,<br />

(b) S. 14 e 15. , ' , : (, - " ";


• • *<br />

*<br />

...<br />

(35)<br />

pancia com a regra, e estão para com a acção, como<br />

em geral os effeitos para com as causas. Logo, <strong>segundo</strong> os<br />

principios estabelecidos (a), toda a acção tem moralida<br />

<strong>de</strong> intrinseca e <strong>natural</strong>. * * * * * * * * *<br />

Martini ainda dá outra razão, e vem a ser, que<br />

esta bonda<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> da acção se pó<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r e<br />

explicar pelas notas essenciaes, por meio das quaes con<br />

cebemos a acção como tal, distinguido-a das outras, e a<br />

que os antigos chamárão essencia logica, que Martini<br />

estabeleceo como fonte do <strong>natural</strong> (b). - _*<br />

$. 62. |-<br />

. * * *<br />

Divi<strong>de</strong> a bonda<strong>de</strong> e malda<strong>de</strong> das acções do homem,<br />

em razão do agente, em moral, quando a acção foi prati<br />

cada com liberda<strong>de</strong>, e fysica, quando não interveio a<br />

liberda<strong>de</strong>, e só foi filha do arbitrio, sem que a razão exa<br />

minasse a sua conveniencia ou <strong>de</strong>sconveniencia com o<br />

fim do homem. Martini faz <strong>de</strong>pois uma observação, que<br />

estas duas especies <strong>de</strong> bonda<strong>de</strong> e malda<strong>de</strong>, fysica e moral,<br />

não são <strong>de</strong> tal modo ligadas, que uma não possa sepa<br />

rar-se da outra. E com effeito pó<strong>de</strong> a mesma acção ser<br />

fysicamente má e moralmente boa, e vice versa; v. g.<br />

aquelle, que tomou um veneno, cuidando que era um<br />

remedio, te boa (c), fez o , uma , , , acção , fysicamente má, mas moralmen<br />

• 1;<br />

s" ….….…… ","; º . . . §. 63. !<br />

%. 1 # : ; no; o : -<br />

Entra na questão, se ha acções moralmente indiffe<br />

rentes; e principia dizendo, que acções moralmente in<br />

differentes ou malda<strong>de</strong>são moral. aquellas, que não differem em bonda<strong>de</strong><br />

•<br />

…<br />

"Ainda que a palavra moralida<strong>de</strong> signifique propria<br />

mente a referencia á liberda<strong>de</strong> (d); com tudo tambem se<br />

diz moralida<strong>de</strong> a bonda<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> da acção livre (e).<br />

E assim diremos daqui em diante por brevida<strong>de</strong>, ,<br />

= →<br />

(a) $$- 19 e 39. … * * . .:: .:: … • * * * . ",<br />

(*) S. Iº... — - , – " .<br />

(…) Martini Exercit. S. 6a., Sr. Fostuma S. 95.", " * "***<br />

(d) "Daries Obs. I. <strong>de</strong> Nat. S. 4. * * * \, | , , , , , ! O - 1^º<br />

(e) Daries loc. cit, S, 5. ..… . s … …………<br />

******------ ………………… … -----------------— — — —--------<br />

* *<br />

•<br />

* # : " " + " " … … - . , e . * *


- •<br />

º<br />

•<br />

|-<br />

(36 )<br />

Desta <strong>de</strong>finição d'acções indifferentes tira Martinia<br />

conclusão, que só pó<strong>de</strong> haver acções moralmente indife<br />

ferentes ou quando não tem moralida<strong>de</strong> alguma, ou<br />

quando a tem igual. E com effeito só fóra <strong>de</strong>stes dous<br />

casos haverá differença <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>.<br />

- "Martini sustenta a opinião <strong>de</strong> que ha acções indif<br />

ferentes moralmente em ambos os casos, por falta <strong>de</strong><br />

#moralida<strong>de</strong>, o que prova no resto <strong>de</strong>ste S., e por terem<br />

moralida<strong>de</strong> igual, no S. 65.<br />

•<br />

Por falta <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, diz elle, são indifferentes<br />

as acções consi<strong>de</strong>radas in abstracto (quando só concebe<br />

mos a sua noção), e <strong>de</strong>spidas das circumstancias <strong>de</strong> pes<br />

soa, lugar, tempo, etc., <strong>de</strong> modo que não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong><br />

terminar se os seus resultados serão, ou não, conformes<br />

á essencia do agente, ou ao seu fim essencial, e por issº<br />

se serão boas ou más moralmente, ou se terão moralida<br />

<strong>de</strong> (a).<br />

-<br />

º " Deixemos estes entes <strong>de</strong> razão aos escholasticos ?<br />

porque daqui nenhuma regra se tira para os casos da vida.<br />

} "> …<br />

S. 64.<br />

* * * , , . -<br />

•<br />

-- … Diz, que toda a acção livre singular, consi<strong>de</strong>rada<br />

in concreto, i. é, revestida das circumstancias <strong>de</strong> pessoa»<br />

lugar, tempo, etc., ha <strong>de</strong> ter moralida<strong>de</strong>, e por issº<br />

não pó<strong>de</strong> ser indifferente por falta <strong>de</strong>lla; e a razão é,<br />

porque os seus<br />

discordar<br />

consectarios<br />

com a<br />

ou<br />

natureza<br />

hão <strong>de</strong><br />

do homem:<br />

concordar,<br />

e por<br />

ou<br />

isso ha <strong>de</strong><br />

ser a acção boa ou má, e ter moralida<strong>de</strong>. … . .<br />

- ….<br />

•<br />

, o …, … , …"<br />

" … Continúa a falar das acções livres e singulares, e<br />

diz que estas só po<strong>de</strong>m ter indifferença objectiva, quan<br />

do a sua moralida<strong>de</strong> for igual; porque não repugna.»<br />

que haja muitas causas igualmente aptas para produzi<br />

rem-o-mesmo effeito, e muitos meios igualmente ido<br />

neos para conseguir o mesmo fim; antes a experiencia º<br />

mostra todos os dias. Por tanto é indifferente escolher<br />

este ou aquelle meio, esta ou aquella acção. A sua mo<br />

ralida<strong>de</strong> é igual. . * * * * *<br />

•.<br />

• • }<br />

• –*<br />

(a) Daries Obs. 1o. S.3., Baumeister Tom. 4. P. 2. pag. 7.


• (37)<br />

•<br />

•<br />

$ 66. … ….… … …<br />

Respon<strong>de</strong> a uma objecção: — que ha acções livres ?<br />

cujos consectarios o homem não pó<strong>de</strong> prever, e que, por<br />

isso, são indifferentes. — Porém, diz Martini, se a razão<br />

não pó<strong>de</strong> ver os consectarios da acção, i. é, o bem, ou<br />

mal ligado com ella, certo a acção não é livre, <strong>segundo</strong><br />

a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. E o mais, que neste caso se<br />

pó<strong>de</strong> dizer, é, que se a nossa ignorancia for vencivel, só<br />

po<strong>de</strong>rá diminuir-se a imputação; e que se for invencivel,<br />

* *<br />

não temos imputação alguma (a). , , " " ?<br />

Alguns ainda objectão, — que assim como na natu<br />

reza não ha dous seres absolutamente iguaes, e que não<br />

tenhão pelo menos alguns characteres distinctos, tambem<br />

cada acção singular ha <strong>de</strong> necessariamente ter seus cha<br />

racteres singulares, que a distinguão d'outra qualquer; e<br />

por isso diversa moralida<strong>de</strong>.— Porém nós, tractando da<br />

moralida<strong>de</strong>, nada temos com a fórma, ou characteres<br />

da acção; sómente atten<strong>de</strong>mos aos consectarios, e á<br />

conveniencia ou <strong>de</strong>sconveniencia com a natureza e fim<br />

do homem. E que, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista, ha<br />

muitas acções indifferentes, não se pó<strong>de</strong> duvidar, v. g.<br />

escolher uma <strong>de</strong> duas moedas, igualmente aptas para par<br />

gar uma divida, ou um <strong>de</strong> dous copos d'agua iguaes Para<br />

saciar a sê<strong>de</strong>, etc. (b).<br />

§. 67.<br />

Neste paragrafo diz Martini qual é o sentido gram<br />

matico da palavra obrigação, e as suas proprieda<strong>de</strong>s.<br />

Obrigar um corpo, propriamente fallando, é prendêl-o<br />

com quaesquer ligaduras. Para esta obrigação ter lu<br />

gar é necessario: 1.° a força ligante; 2.° a força ligada;<br />

3. o nexo; 4.° certa situação, ou modo <strong>de</strong> posição; e<br />

5.° a necessida<strong>de</strong>, imposta á força ligada, <strong>de</strong> perma<br />

necer do modo, e <strong>de</strong>ntro dos limites prescriptos #<br />

força ligante: v. g. quando um braço quebrado é obri<br />

gado pelas ligaduras, a ligadura é a força ligante; o<br />

braço a força ligada; o acto, pelo qual a ligadura se ata<br />

(º Sr. Fortuna P. . c.3 s …….<br />

(e) Martini Exercit. S. 65.


(*)<br />

ao braço diz-se o formar o nó, ou o nexo; daqui segue-se<br />

o modo, a que se <strong>de</strong>ve accommodar o braço; e a neces<br />

sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permanecer <strong>de</strong>sse modo.<br />

# , , , , , , >" - •<br />

^ " ' " $ 68.<br />

13 º , " " … . . . . !<br />

"_"Divi<strong>de</strong> a obrigação fysica em activa, que é o acto,<br />

pelo qual certa força corporea é ligada; e passiva, que é<br />

fºi? , imposta ao corpo ligado, <strong>de</strong> conformar os<br />

seus movimentos ao modo prescripto pela obrigação acti<br />

va. Regra é aquillo, <strong>segundo</strong> que varias cousas se <strong>de</strong><br />

vem <strong>de</strong>terminar para terem um modo igual, ou a propo<br />

sição, que exprime esse modo (a): tambem se chama<br />

Norma. Esta palavra regula significa propriamente o<br />

instrumento, que serve para <strong>de</strong>screver linhas rectas: <strong>de</strong><br />

# começou-se a empregar para significar tudo aquillo,<br />

G<br />

<strong>segundo</strong> que varias cousas po<strong>de</strong>m receber um modo<br />

igual; e assim se disse regra dos movimentos dos corpos,<br />

das sensações, da logica, etc.<br />

. Destas <strong>de</strong>finições tira Martini a conclusão, que,<br />

dada a obrigação, se dá tambem a regra. E na verda<strong>de</strong>,<br />

dada a obrigação activa, dá-se tambem a passiva, e o mo<br />

do; ora a este modo, enunciado por uma proposição,<br />

chamamos regra: logo, dada a obrigação activa, dá-se a<br />

passiva, e a regra.<br />

•<br />

+ §. 69.<br />

As ligaduras, com que se pren<strong>de</strong> o corpo, consti<br />

tuem o essencial da obrigação fysica, activa e passiva, e<br />

da regra; porque, como vimos, não se pó<strong>de</strong> conceber<br />

sem as ligaduras a obrigação activa, nem sem esta a<br />

passiva e a regra. Ora á regra das acções se chama lei no<br />

sentido lato: e por isso, se sem as ligaduras se não pó<strong>de</strong><br />

conceber a regra, tambem se não pó<strong>de</strong> conceber a lei.<br />

Os Gregos chamavão á lei Nápº: , palavra, com que<br />

tambem <strong>de</strong>signavão as canções. Aristoteles nos seus Pro<br />

blemas diz, que a razão foi, porque antes da arte <strong>de</strong><br />

escrever se cantavão as leis, para não esquecerem (b).<br />

(a) - S. 13. * * *<br />

(b) . Encyclop. Méthod, Jurisprud. v. Loi.


(39 )<br />

Martini faz neste §. uma observação muito judicio<br />

sa e importante; e é, que ambas estas especies d'obri<br />

gação, a regra e a lei po<strong>de</strong>m conceber-se e explicar-se,<br />

sem nos remontarmos á causa das ligaduras. E com ef<br />

-feito, para eu fazer idêa d'um braço ligado, não neces<br />

sito saber, quem foi o cirurgião, que o ligou; para<br />

ajuizar da fabrica d'um relogio, não hei mister saber,<br />

-quem foi o seu auctor. Assim, ainda que Deos é o au<br />

ctor da Lei Natural, nós po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstrar a existem<br />

cia <strong>de</strong>sta e explicar os seus principios, sem fallarmos<br />

no Legislador, seja qual, for, a differença <strong>de</strong> culto e<br />

crença, que haja entre nós e as pessoas, a quem nos di<br />

rigimos. - "… . • -<br />

… . …… , , , , , , § 7o.<br />

Dá as noções <strong>de</strong> obrigação e <strong>de</strong> lei animal. Obriga<br />

pão animal activa é a connexão dos estimulos animaes<br />

com as acções arbitrarias. Logo, <strong>segundo</strong> os principios<br />

propostos, obrigação animal passiva é a necessida<strong>de</strong>,<br />

que experimenta o animal, d'obrar arbitrariamente se<br />

gundo aquelles estimulos; e lei animal é a proposição,<br />

que enuncia a obrigação animal, i. é, o modo, como o<br />

animal é obrigado a obrar. Martini explica no principio<br />

do §. estas <strong>de</strong>finições. A simples representação do bem<br />

e do mal são o motivo, que <strong>de</strong>termina os animaes a ap<br />

petecer ou aborrecer alguma cousa, i. é, que põe em ac<br />

ção o simples arbitrio, <strong>de</strong> que são dotados, para a pra<br />

tica das acções animaes. Esta representação, ou motivo,<br />

que impelle o animal, constitue uma necessida<strong>de</strong> para o<br />

mesmo animal, mas sómente uma necessida<strong>de</strong> hypothe<br />

tica, e não absoluta ou simples, nem exterior ou coac<br />

ção fysica, porque não repugna ás forças do animal,<br />

que <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> obrar no sentido daquella necessida<strong>de</strong>.<br />

Mas a necessida<strong>de</strong> hypothetica não exclue a contingen<br />

cia (a), e todas as acções subjectivamente contingentes<br />

entrão na esfera do arbitrio (b). Logo as acções sujeitas<br />

á necessida<strong>de</strong> hypothetica pela connexão dos estimulos<br />

são arbitrarias, e objecto da obrigação animal activa e<br />

passiva, e da lei animal.<br />

(a) S. 38.<br />

(b) S. 4º.


- ºr<br />

"<br />

• …<br />

(4o) -<br />

a oi §: 71. … . "… …ishi<br />

- - …, e º a : #"…" " " ………...oquí o nº<br />

. Se apezar da necessida<strong>de</strong> hypothetica as acções pa<br />

<strong>de</strong>m ser arbitrarias, como acabamos <strong>de</strong> ver(a), tambem<br />

* ser livres; porque a liberda<strong>de</strong> é o arbitrio regu<br />

ado pela razão (b), e por isso são acções livres aquellas,<br />

que são filhas do arbitrio, esclarecido pela luz da razão.<br />

E assim como ás acções livres se <strong>de</strong>u o nome <strong>de</strong> mo<br />

raes (c), da mesma sorte se pó<strong>de</strong> chamar moral à necessi<br />

da<strong>de</strong> hypothetica, que pó<strong>de</strong> dar-se nessas acções, e mo.<br />

ºraes as obrigações e leis, que d’ella se <strong>de</strong>rivão. Diz-se<br />

ois obrigação moral activa a connexão do verda<strong>de</strong>iro<br />

# e do verda<strong>de</strong>iro mal com as acções livres. Obriga<br />

ção moral passiva a necessida<strong>de</strong>, que tem o homem, <strong>de</strong><br />

conformar suas acções livres á lei moral, que é uma pro<br />

posição moralmente obrigatoria, i. é, uma proposição,<br />

que enuncia a obrigação moral passiva. "… ……… o…<br />

º Martini diz na sua <strong>de</strong>finição verda<strong>de</strong>iro bem ever<br />

da<strong>de</strong>iro mal; porque tambem os ha apparentes. Assim ,<br />

quando o mal se nos appresenta como um bem, e a nos<br />

sa razão o julga tal, é um bem apparente, e por elle se<br />

"<strong>de</strong>termina a nossa vonta<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong>. Da mesma sorte ,<br />

“quando a nossa razão reputa mal o que realmente é um<br />

bem, temos um mal apparente. Ora como as leis moraes<br />

são superiores á razão, porque não são obra d'esta, mas<br />

da Natureza, e como a razão humana só é um meio para<br />

as conhecer, não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r dos erros do nosso<br />

entendimento, nem por consequencia entrar nellas o<br />

bem e o mal apparente; o que até repugnaria com a<br />

infinita sabedoria do Auctor da Natureza. Por tanto sé<br />

o verda<strong>de</strong>iro bem e o verda<strong>de</strong>iro mal, ligados com a<br />

acção (porque são seus consectarios), como os effeitos<br />

estão ligados ás causas, po<strong>de</strong>m constituir a lei e as obri<br />

gações moraes. - - - -<br />

Muitas <strong>de</strong>finições se tem dado <strong>de</strong> lei. Já vimos a <strong>de</strong><br />

Montesquieu (d). Tracy (e) <strong>de</strong>u outra—uma regra prescrie<br />

(a) S. 7o. ', , , •<br />

.. . - . ; , , • •<br />

•<br />

(b) (c) S. 55 44. e 62. . , , , , , , , " " . . . . • • • *<br />

(d) Appendix ao C. 1.<br />

(e) Comment. sur l’Esprit das Lois, .* . * . *<br />

g º :


(41 )<br />

pta a nossas acções por uma auctorida<strong>de</strong>, à quem repu<br />

tamos com <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer a lei. … " " "<br />

** A ultima condição parece necessaria; porque sem<br />

ella a regra seria ou um simples conselho, ou um acto<br />

<strong>de</strong> oppressão e violencia.<br />

Rousseau (a) <strong>de</strong>finio a lei a expressão da vonta<strong>de</strong><br />

geral. Esta <strong>de</strong>finição é combatida por Bentham (b), com<br />

o fundamento <strong>de</strong> que, que neste sentido só pó<strong>de</strong> haver<br />

leis, on<strong>de</strong> o povo em massa as fizer, o que só po<strong>de</strong>rá<br />

acontecer na republica <strong>de</strong> S. Marino. ! •<br />

… … … Ahrens (e) <strong>de</strong>fine a lei uma expressão mais on menos<br />

geral, mais ou menos justa do Direito. Segundo elle o<br />

Direito não se <strong>de</strong>riva da lei, mas antes o Direito é ante<br />

rior á lei, que por isso chama lei juridica ou lei do Di<br />

reito. • • • ! • • •<br />

… Esta <strong>de</strong>finição só pó<strong>de</strong> competir á lei positiva; por<br />

que a Lei Natural é sempre a expressão exacta, e justa<br />

do Direito. O Auctor da Natureza não erra.<br />

« Uma lei, continúa Ahrens, só exprime a acção<br />

« constante e uniforme d'um principio em uma serie <strong>de</strong><br />

« factos, que se assemelhão entre si. A lei é uma regra<br />

« geral e constante, que domina uma or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> factos e<br />

« <strong>de</strong> fenomenos na or<strong>de</strong>m ou fysica, ou moral das cou<br />


•<br />

( 42 )<br />

Todas estas <strong>de</strong>finições, em quanto fazem uma <strong>de</strong>scri<br />

Viº , que dá idêa do <strong>de</strong>finido, nos satisfazem; e a <strong>de</strong><br />

artini pela sua generalida<strong>de</strong> parece convir a todos os<br />

systemas. -<br />

- -<br />

§. 72.<br />

São o sujeito da obrigação moral os individuos, que<br />

tem uso do entendimento e vonta<strong>de</strong>, i. é, que são livres:<br />

são o objecto <strong>de</strong>lla as acções livres, i. é, todas as que não<br />

provém d’uma necessida<strong>de</strong> interior ou exterior (a), a<br />

qual exclue a contingencia, e por isso o arbitrio e liber<br />

da<strong>de</strong> (b). |-<br />

Hoje um ser, que tem a consciencia <strong>de</strong> si mesmo,<br />

e que é dotado <strong>de</strong> razão e liberda<strong>de</strong> (o homem), chama-se<br />

pessoa, é uma personalida<strong>de</strong> (c).<br />

Para isto se enten<strong>de</strong>r, é mister notar, que o homem<br />

é o unico <strong>de</strong> todos os seres, que tem a seu cargo o con<br />

seguir o seu fim; e para isso a natureza o dotou <strong>de</strong> todas<br />

as faculda<strong>de</strong>s necessarias. Tem a <strong>de</strong> conhecer o fim, e o<br />

caminho, por on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve marchar: tem todas as outras<br />

necessarias para empregar os meios proprios para che<br />

gar ao seu <strong>de</strong>stino: e tem sobre todas essas faculda<strong>de</strong>s o<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> as empregar e dirigir do modo conveniente<br />

para alcançar o seu fim. Este po<strong>de</strong>r, que o homem tem<br />

sobre as suas faculda<strong>de</strong>s, e este conhecimento da sua di<br />

recção, e do fim, constituem no homem um po<strong>de</strong>r pes<br />

soal; e o homem, porque tem este po<strong>de</strong>r, chama-se pes<br />

soa. Os outros seres, aos quaes falta este po<strong>de</strong>r, cha<br />

mão-se cousas.<br />

•<br />

*<br />

Os Romanos tambem distinguião pessoas <strong>de</strong> cou<br />

sas. Chamavão pessoas aos homens, que erão capazes <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s, e cousas a todos os seres, que podião prestar<br />

alguma utilida<strong>de</strong> ao homem, e que não erão capazes <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s; assim os escravos, aindaque homens, erão con<br />

tra a natureza abatidos á classe <strong>de</strong> cousas (d).<br />

Todo o homem, só porque é homem, é capaz <strong>de</strong><br />

}<br />

(a)<br />

(b)<br />

S. 38.<br />

S. 71 e 72. -<br />

(c) Ahrens Part. Génér. C. 3. - }<br />

(d) Vid, os nossos Element, <strong>de</strong> Direito das Gent, Sect. 2. Art. 4.<br />

S. 58 e seg. … * * * * . * . .


( 43 )<br />

<strong>direito</strong>s: e quando se oonsi<strong>de</strong>ra um homem investido <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s, chama-se-lhe pessoa juridica(a), ai… …<br />

rei. ; e "… … o aris, it," , ir… ' : '<br />

… … e $. 73.… * * * * } * * * * *<br />

Promulgação da lei é a manifestação dos motivos,<br />

i. é, do bem ou mal ligados com a acção. Os seresinani.<br />

mados, como não são dotados <strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, obe<strong>de</strong><br />

cem ás leis fysicas por uma uecessida<strong>de</strong> irresistivel, a<br />

que os sujeitou a natureza: porém os animaes, dotados<br />

<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, conhecem o bem e o mal, e por esse<br />

conhecimento se <strong>de</strong>terminão a obrar, ou a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

obrar. Por tanto as leis animaes e moraes, para serem<br />

verda<strong>de</strong>iras leis obrigatorias, necessitão <strong>de</strong> ser promul<br />

gadas. Neste sentido disse bem Martini, que é nulla toda<br />

a lei, que não foi promulgada. Adiante veremos como<br />

o são as Leis Naturaes. * * * * * _><br />

Deste principio se pó<strong>de</strong> concluir, que as leis não<br />

po<strong>de</strong>m ser retroactivas, i. é, legislar para acções anterio<br />

res á sua promulgação; porque os sujeitos as não podião<br />

conhecer no momento, em que practicárão as acções.<br />

Cumpre tambem notar, que não obstante nullo e<br />

irrito muitas vezes serem synonymos, todavia, prºpria<br />

mente fallando, diz-se nullo o que não tem valida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a sua origem, e irrito aquillo, que valendo no seu<br />

principio, <strong>de</strong>pois per<strong>de</strong>o a valida<strong>de</strong> por um aconteci<br />

mento posterior; v. g. dizemos nullo o testamento, a<br />

que faltárão as solemnida<strong>de</strong>s essenciaes, sem as quaes a<br />

Lei manda, que não valha; e dizemos irrito o testa<br />

mento, que tendo aquellas solemnida<strong>de</strong>s, - e valendo,<br />

com tudo pela superveniencia <strong>de</strong> filhos per<strong>de</strong> essa vali<br />

da<strong>de</strong>, e fica nullo. (º "º<br />

§. 74.<br />

A lei tem duas partes: edicto, º que <strong>de</strong>clara o que se<br />

<strong>de</strong>ve fazer, ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> fazer; e sancção, eu que se ful<br />

minão as penas, e propõem os premios, i. é, os bens e<br />

ºs males como motivos para <strong>de</strong>terminar, os subditos a<br />

obrar ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> obrar. 1 . … " " " .<br />

Estes premios e penas em Direito Natural são os<br />

consectarios das acções, que experimenta o agente, e<br />

(*) Ahrens loc. cit. •<br />

|-<br />

: "- * * *


|- - $<br />

(44)<br />

que são bons ou máos; <strong>segundo</strong> as acções estão, ou não,<br />

em harmonia com a sua natureza e <strong>de</strong>stino. . . . ……..;<br />

Bentham, fallando das penas das leis positivas, diz,<br />

que punir é infligir um mal a um individuo com intenção<br />

directa relativamente ;*, este, mal, por algum acto, que<br />

parece ter sido feitº (a). E <strong>de</strong>fine premio (a que chama<br />

recompensa), uma porção da materia do bem,<br />

-<br />

* * * * * * } , {}, " " * * 1 * (* * * * * * * * *<br />

concedida•<br />

em<br />

| consi<strong>de</strong>ração d'um serviço real, ou supposto (6). |-<br />

, ' - ", "*, *, *, *, . , , , º , , , * # e º * * # : ;, |- * * *<br />

… + …"<br />

* * * * * * * * * * * * * * * * * *<br />

, +<br />

76. # , •<br />

* * *<br />

Faz varias divisões <strong>de</strong> leis e obrigações. As leis em<br />

quanto ao sujeito são universaes, as que abrangem a to<br />

dos os homens; particulares, as que obrigão a certo gene<br />

ro d'homens; ou singulares, as que comprehen<strong>de</strong>m uma<br />

pessoa. Em trazão da sancção. divi<strong>de</strong>m-se empremiantes,<br />

só as que propõem premios; e punientes; as que fulminão<br />

penas. Finalmente em razão do edicto são imperantes, as<br />

que mandão fazer alguma cousa; e prohibentes, as que o<br />

prohibem. * * * } … … … "…, … , …"<br />

As obrigações em razão da saneção da Lei são invi<br />

tantes, as que se referem ás leis premiantes, e cogentes<br />

as que tem relação ás leis punientes; e em razão do edito<br />

são affirmativas, as que se referem ás leis imperantes, e<br />

negativas as que se referem ás leis prohibentes. .<br />

Hoje faz-se outra divisão <strong>de</strong> leis: umas que se fa<br />

zem obe<strong>de</strong>cer irresistivelmente, e taes são as leis fysicas<br />

dos corpos, e as moraes do espirito; e outras, que são<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da intelligencia e da vonta<strong>de</strong>. Todas ellas<br />

são fundadas, na natureza do homem; porém quanto ás<br />

segundas, é necessario que o homem as conheça, e queira<br />

cumpril-as (c).<br />

§ 78.<br />

Entra na questão, se existem, i. é, se são verda<strong>de</strong>i<br />

<strong>de</strong>iras leis as permissivas. Da doutrina <strong>de</strong> Martini se vê<br />

o que são leis permissivas. São aquellas, que nem man<br />

dão, nem prohibem, mas só permittem alguma acção,<br />

<strong>de</strong>ixando livre a faculda<strong>de</strong> moral do homem <strong>de</strong> obrar ou<br />

, (a) Trait. <strong>de</strong>speiin. et <strong>de</strong>s recomp, T. 1. L. I. C. 1. … * * - - -<br />

(b) I<strong>de</strong>m Tom. 2. L. 1 C. 1. " *<br />

te) Ahrens Pati, Génér. C. 5, § 6., Macarel Droit, Polit. T. 3<br />

C. 2. Sect. 1. S. 1. N. 4.<br />

- - -<br />

* * * * * #, & -1


|- -<br />

. (45)<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> obrar (a). Martini sustenta, que não ha leis per<br />

missivas; porque sendo correlativas leis e obrigações, <strong>de</strong><br />

modo que , dada a lei; se da a obrigação, e vice versa, e<br />

não sendo acompanhadas d'obrigação as leis permissivas,<br />

fica evi<strong>de</strong>nte, que não halleis permissivas. : !<br />

… Martini accrescenta: eaccepto" se quizermos chamar<br />

permissivas aquellas leis, que <strong>de</strong> muitas acções iguaes [a<br />

que chamarnos indifferentes (b)] só mandão ou prohibem<br />

uma in<strong>de</strong>terminadamente...oº .3<br />

Este modo d'exprimir <strong>de</strong> Martini indica, que simi<br />

lhantes oleis não psãoprigorosa e propriamentei permis<br />

sivas. O Sr. Fortuna (c) parece seguir, o contrario, em<br />

quanto diz — Alan, improprie. 2...idicentur. Porém a nós<br />

parece, que similhantes leis são: na verda<strong>de</strong> imperanº<br />

tes, ou prohibentes, em quanto mandão, ou prohibem<br />

alguma das differentes acções iguaes; e que só se po<strong>de</strong>m<br />

chamar permissivas, em quanto <strong>de</strong>ixão livre ao agente a<br />

opção entre ellas. dº ", "º ºi!……; … …, , , , , to.<br />

# Burlamaqui (d) chama permissiva a lei, que <strong>de</strong>clara<br />

certos limites, além dos quaes não é licito passar; porque<br />

até ali permite Porém pô<strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r-se, que dos limites<br />

prescriptos em diante certo a lei é prohibitiva i e até aos<br />

limites marcados, ou antes havia lei, que até eles prohi<br />

bia, e a nova lei é <strong>de</strong>rogatoria da primeira; ou não har<br />

via tal lei anterior, e a nova lei nada accrescenta áliberº<br />

'da<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, que os homens já tinhão, e não é lei, por<br />

inutib(e).o㺠eficinor ní, oxidas ai... x 3" … …"<br />

, Alguns Philosóphos ainda vão mais longe, asseveram<br />

do, que não são verda<strong>de</strong>iras, leis aquelas, que, com<br />

quanto man<strong>de</strong>ia, ou prohibão alguma cousa, com tudo<br />

não são acompanhadas <strong>de</strong>snucção, ás quaes os Juriscann<br />

########## nos parece<br />

admissível: porque faltão em taes leis os mótivos, que <strong>de</strong><br />

vem <strong>de</strong>terminara obrar, ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> obrar, <strong>segundo</strong> º<br />

sentido ºbrigação da(f). lei; e por consequencia -1 & 3 os fundamentos, da<br />

•<br />

####"…… 1. Ca. 8.58pt; foi º vºº, ºs<br />

(e) Loo, cit, ------- ----<br />

- - … . . .<br />

########.……………………<br />

- …P. 1. C. 5. - •<br />

---------------…,<br />

(/) Encyclop.#####. v: Lof ***********<br />

• • *<br />

* * * * * …"<br />

|-<br />

•<br />

• • • •


•<br />

(46) -<br />

-i, , e … … º. "… S. 79.irº . e .…<br />

*;; , .", G --> * * * * * * * , ******* . * * * * * * -<br />

º . O fim das leis é, que os subditos obtenhão o bem, e<br />

por isso a perfeição, e que evitem o mal, e por isso a im<br />

perfeição (a). As que tivessem. fitn contrario, não mere<br />

cerião o nome <strong>de</strong> leis. Nisto todos os Philosophos e Juris<br />

consultos concordão (b). ºs aº , , , …; . ……………\<br />

5** **o*, * * ** * * * 2;..……!!….…. ……………… …<br />

§. 8o...avy,º ." # ** ***\ºv , …<br />

…iz ºut …ibui imitar:5 25 dia i. 7, o en .. … I<br />

-- Martini diz neste §1, quando é que qualquer obe<strong>de</strong>ce<br />

á: lei, e º no S. seguinte, quando é que a viola. Para<br />

qualquer guardarºaºlei, é necessario, que o fim da sua<br />

acção seja a conveniencia <strong>de</strong>lla com a lei. Para o ho<br />

nem conseguir este fim são necessarios varios requisitos<br />

da parte do eutendimento; e da parte da vonta<strong>de</strong>. Da<br />

parte do entendimento um perfeito conhecimento das<br />

leis, i. é, do que elas mandão ou prohibem; porque só<br />

assim se po<strong>de</strong>rá saber, se a acção, que se preten<strong>de</strong> prati<br />

car, será, ou não, com ella confórmo, e por isso se se<br />

cumprirá, ou não, a lei. Da parte da vonta<strong>de</strong> um esforço<br />

efficaz, dirigido a fazer tido, o que é necessario para a<br />

cumprir; porque para a pratica d’uma acção não basta<br />

que o entendimento conheça e <strong>de</strong>cida da sua moralida<br />

<strong>de</strong>, cumpre tambem que a vonta<strong>de</strong> se <strong>de</strong>termine á pra<br />

tica <strong>de</strong>lla. … " , "; …. … : , - º<br />

Para ser efficaz este esforço da vonta<strong>de</strong> são necessa<br />

rios <strong>de</strong>us requisitos: 1° remover todos os obstaculos,<br />

que se oppõem ao cumprimento da lei: 2." aproveitar<br />

aloccasião, i. é, as circumstancias <strong>de</strong> tempo, lugar e<br />

modo, indispensaveis para a pratica da acção… … º.º<br />

ººº Importa ter cautela em não enten<strong>de</strong>r as primei<br />

ras palavras d’este §, com referencia á intenção e boa<br />

vonta<strong>de</strong>, o que confundiria o Direito com a Moral, comº<br />

veremos.………… … issº fºº.tºº …" º : " …" - "º<br />

§. 81. * * * * *<br />

Pecca, ou viola a lei aquelle, que faz, o quº é prohi<br />

tre.\<br />

* * * * {<br />

(a) S. 15. 2. .…" " ...<br />

(b) Burlamaq. P. 1. C. 1o. Encyclop. Méthod:#tiprºy, tai, º<br />

tham Trait. <strong>de</strong> Legislat, civ. et Pén, Tºu-º. G. 1…..……………<br />

as".<br />

* *<br />

–--<br />

−•


•<br />

-<br />

§.<br />

|-<br />

- -<br />

( 47 )<br />

*-<br />

bido, ou <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer o que é mandado por ella. A<br />

violação da lei pó<strong>de</strong> ter a sua origem no <strong>de</strong>feito do en<br />

tendimento, todas as vezes que se obra contra a lei<br />

por uma ignorancia vencivel, i. é, tal, que o homem<br />

podia vencela empregando a <strong>de</strong>vida diligencia, e que por<br />

isso lhe é imputavel, não assim a invencivel, como vere<br />

mos a seu tempo; e pó<strong>de</strong> nascer do <strong>de</strong>feito da vonta<strong>de</strong>,<br />

1.° quando esta <strong>de</strong>spréza os meios <strong>de</strong> cumprir a lei: 2.°<br />

quando não evita os obstaculos: 3.° quando não apro<br />

veita a occasião: e 4.° quando procura a occasião contra<br />

I'las<br />

", ….… ai … … "… … , …<br />

82. * * * * ** * * * * * |<br />

, ! , , , ! e º .<br />

Diz-se rectidão das acções a sua eonformida<strong>de</strong> com<br />

as regras, e peccado o contrario. Se as acções são livres,<br />

ou moraes, a rectidão ou peccado diz-se moral. Para qual<br />

quer acção, pois ser recta, é indispensavel, que as ope<br />

rações do entendimento e vonta<strong>de</strong> sejão dirigidas pelas<br />

regras dos §§ 8o e 81, alias a acção será menos recta.<br />

-," "," , ;<br />

• - • • • • • • , , , , ; , 21 * # : #.<br />

83. : …o …… … ".. … !<br />

- * * *<br />

* *, * * * *<br />

§.<br />

• • • • • • • • * * * * ……… .<br />

º<br />

Toda a lei, ou man<strong>de</strong> ou prohiba, faz sempre restric<br />

ção da liberda<strong>de</strong> pela necessida<strong>de</strong>, que impõe ao ho<br />

mem, <strong>de</strong> se conformar com a sua disposição. Com re<br />

ferencia pois a esta restricção as acções rectas tam<br />

bem se chamão moralmente possiveis, ou licitas, porque<br />

não repugnão á lei; as menos rectas chamão-se moral<br />

mente impossiveis, ou illicitas, porque repugnáo" á lei.<br />

As moralmente possíveis subdivi<strong>de</strong>m-se em moralmente<br />

necessarias, ou <strong>de</strong>vidas, que são as or<strong>de</strong>nadas pela lei,<br />

e que não é licito <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar, ou as prohibidas,<br />

que não po<strong>de</strong>mos praticar; e moralmente contingentes,<br />

ou permittidas, que são todas as que o homem pó<strong>de</strong><br />

praticar <strong>de</strong>ste, ou do opposto modo. Diz-se finalmente<br />

faculda<strong>de</strong> moral a possibilida<strong>de</strong> moral, º que o homem<br />

tem <strong>de</strong> praticar acções moralmente possiveis (a). E diffe<br />

re da licença, gque é a facuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer sem restricção<br />

tudo o que I1OS. agrada (b).<br />

---- --- ……………………- ----<br />

•<br />

(a) Sr. Fortuna C: 5. S. 84. e seg. , , , , , , , , , …, … º<br />

(4) Wolf Jus Naturae P. i. C. 1. S. 15o.


- oë,<br />

• *—<br />

( 48 )<br />

é º nor, obtiva… e $.84. * * * *** … , .<br />

-nº e', o iºdºb º 1. ' : " " " " … … … …<br />

#oi Direito, é tudo o que convém, e é bom. E toma-se :<br />

umas vezes Pelo attributo da acção, e significa tudo o que:<br />

é recto e bonº; outras vezes pela lei, e assim dizemos—o,<br />

<strong>direito</strong> mandalisto, em lugar <strong>de</strong> dizermos— a lei manda<br />

isto; outras,vezes pela faculda<strong>de</strong> moral d'obrar, e assim º<br />

dizemos—tenho <strong>direito</strong> para fazer isto, ou aquillo. Os<br />

Direitoconsi<strong>de</strong>rado como faculda<strong>de</strong> moral divi<strong>de</strong>-se em º<br />

Direito,striate ta4, que é a faculda<strong>de</strong>, que o homem tem, º<br />

<strong>de</strong> praticar acções moralmente necessarias, e <strong>de</strong> não pras:<br />

ticar as moralmente impossiveis; e Direito permissivo, ou<br />

liberda<strong>de</strong> moral, que é a faculda<strong>de</strong>, que o homem tem,<br />

<strong>de</strong> optár entre as moralmente contingentes.<br />

É<br />

seu Ainda po<strong>de</strong>mos accrescentar outras accepções, em =<br />

que pô<strong>de</strong> tornar-se a palavra Direito, v. g. pelo complexo».<br />

<strong>de</strong> leis <strong>de</strong> certo genero, pela Jurispru<strong>de</strong>ncia, pela senten-P<br />

Ça do Juiz, etc. (a) Martini <strong>de</strong> ordinario toma a palavrat<br />

— Direito— como faculda<strong>de</strong> moral d'obrar. … … ;*<br />

Ahrens não consi<strong>de</strong>ra o Direito como faculda<strong>de</strong><br />

moral d'obrar, a que chama pretenção, mas sim como an<br />

terior á lei, á pretenção » e á obrigação, que nascem da<br />

lei, assim como a lei provém do Direito. (b) O Direito<br />

pois é a medida do justo, ou o principio, que <strong>de</strong>ve ser?<br />

• ', , {- a * * * *<br />

enjinciado, pela lei.", … . , , , , , 15%. 1<br />

-gra Ahrens procura primeiro o sentido etymologico da<br />

palavra Direito, <strong>segundo</strong> os termos empregados pelas!<br />

Nações mais cultas; porque o genio popular sempre vê aº<br />

idêa dº gousa, <strong>de</strong> que se tracta, pelo menos por um lados<br />

verda<strong>de</strong>iro, e justo. A palavra — droit dos francezes; -*-<br />

Jreçht dos alemães,—right dos inglezes,— <strong>de</strong>recho dos<br />

castelhanos— e <strong>direito</strong> dos portuguezes exprimem uma<br />

relação directa entre duas cousas, que estão em frente?<br />

uma da outra, e falando das acções, parece significar<br />

aquellas, que vão tão directa e brevemente ao fim, comº:<br />

dados,<br />

natalinha<br />

í º<br />

regta,<br />

ziº,<br />

que<br />

º q o<br />

é<br />

nº<br />

afinais<br />

aº ou<br />

curta<br />

…..º<br />

entre<br />

tºi",<br />

dous<br />

º<br />

pontos<br />

…", "riº ;<br />

25. Depois,examina a noção <strong>de</strong> Direito <strong>segundo</strong> o teste<br />

——— — º<br />

-(a)_Sr. Fortuna L. I. C. a $ 5a… Felice-P… Lºgº 4.--- …"<br />

(*) Cours du Droit Nat. Pari, Géné, G.3.5.3 e 6.….… …..….<br />

º # O i ' .. … … no munhº


•<br />

•<br />

(49 )<br />

munho da propria consciencia, e a idêa <strong>de</strong> Direito lhe<br />

parece toda relativa aos seres vivos; se bem que não<br />

po<strong>de</strong>ndo exercer a justiça senão os homens, a estes limi<br />

ta a idêa <strong>de</strong> Direito. Por tanto faz consistir a idêa <strong>de</strong> Di<br />

reito em certa relação <strong>de</strong> conformida<strong>de</strong> entre as acções<br />

livres<br />

referem<br />

d'um<br />

(a).<br />

homem, e a natureza do ser, a quem ellas se<br />

Passa a <strong>de</strong>senvolver os elementos constitutivos da<br />

natureza humana, o que é bem para o homem, e qual é<br />

seu fim, ou <strong>de</strong>stino, <strong>de</strong> que já falámos (b); e <strong>de</strong>fine o<br />

Direito a sciencia particular, que expõe o complexo das<br />

condições, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da vonta<strong>de</strong> humana, para o cum<br />

primento do fim assignado ao homem por sua natureza<br />

racional.<br />

Porém expondo o systema <strong>de</strong> Krause (c) diz, que a<br />

sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Direito é a mais satisfactoria e completa,<br />

que se tem dado até hoje. Krause <strong>de</strong>fine o Direito o com<br />

plexo das condições externas e internas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da<br />

liberda<strong>de</strong>, e necessarias para o <strong>de</strong>senvolvimento e cumpri<br />

mento do <strong>de</strong>stino racional, individual e social do homem<br />

e da humanida<strong>de</strong>. -<br />

Estas duas <strong>de</strong>finições a <strong>de</strong> Krause e a d'Ahrens, são<br />

i<strong>de</strong>nticas; sómente a <strong>de</strong> Krause é mais explicita quanto ás<br />

condições, que <strong>de</strong>clara são internas e externas, e quanto<br />

ao social fimdo dohomem Direito, e da que humanida<strong>de</strong>.<br />

diz ser o racional, individual e<br />

•<br />

Para se enten<strong>de</strong>r esta <strong>de</strong>finição é necessario saber a<br />

intelligencia, que os Philosophos alemães dão a cada<br />

uma das suas palavras, e para isto ainda nos ha <strong>de</strong> servir<br />

<strong>de</strong> guia a doutrina <strong>de</strong> Ahrens, espalhada na obra, <strong>de</strong> que<br />

temos fallado, bem como a <strong>de</strong> Lerminier (d), a <strong>de</strong> Kant<br />

(e) e a <strong>de</strong> Hepps (f).<br />

Um complexo <strong>de</strong> condições. — Enten<strong>de</strong>m elles por<br />

condições os meios, <strong>de</strong> que a natureza dotou os homens<br />

(a) Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Gén. C. 1. S. I.<br />

(b) SS. 34, 5o., e Append, ao Cap. 1. Eschola <strong>de</strong> Kant.<br />

(c) Append, ao Cap. I.<br />

(d) Introduct. Génér. à l'Histoire du Droit C. 16, e seg.<br />

(e) Principes Metaphysiques du Droit.<br />

(f) Essai suria Théorie <strong>de</strong> la Fie Sociale. .


•<br />

( 5o ) , --*<br />

para za (a). conseguirem o fim prescripto pela mesma nature•<br />

Externas e internas. Kant limitou o Direito ás con<br />

dições externas, <strong>de</strong>ixando as internas, como Thomasio,<br />

á Moral. Porém a verda<strong>de</strong>ira distincção entre a Moral e<br />

o Direito está na intenção, ou na boa vonta<strong>de</strong>, que per<br />

tencem á consciencia e á Moral. O Direito nada tem com<br />

a pureza dos motivos, com o <strong>de</strong>sinteresse da acção. O<br />

Direito pó<strong>de</strong> executar-se com boa ou má vonta<strong>de</strong>, e até<br />

por força. A Moral <strong>de</strong>termina o fim do homem, e o seu<br />

bem, e impõe-lhe o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> procurar todas as condições<br />

necessarias para conseguir o seu <strong>de</strong>stino. A exposição<br />

porém <strong>de</strong>stas condições não pertence á Moral, faz obje<br />

cto d'outra sciencia, que é o Direito. Assim como a Mo<br />

ral manda, que o homem cui<strong>de</strong> da sua sau<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>ixa<br />

á Medicina a exposição das regras para a conservar e<br />

restabelecer: assim como a Moral manda, que o homem<br />

esclareça o seu espirito com os conhecimentos necessa<br />

rios para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> sua intelligencia, sem<br />

com tudo comprehen<strong>de</strong>r as Sciencias e as Artes: assim<br />

tambem manda, que o homem se <strong>de</strong>senvolva em suas fa<br />

culda<strong>de</strong>s e relações com os seus similhantes, aprovei<br />

tudo tandoser todas a sciencia as condições <strong>de</strong>stas necessarias condieções. para isso, sem com<br />

O Direito não comprehen<strong>de</strong> sómente as condições<br />

exteriores, i. é, as cousas do mundo exterior, que a acti<br />

vida<strong>de</strong> do homem <strong>de</strong>ve transformar, para se po<strong>de</strong>r servir<br />

<strong>de</strong>llas, senão tambem as interiores do espirito, v. g. as<br />

acções intellectuaes, a instrucção, a educação, etc. E pó<br />

<strong>de</strong> dizer-se que o objecto do Direito são as acções do ho<br />

mem; porque todas as condições, ainda as que se referem<br />

ás cousas exteriores, tem <strong>de</strong> ser preenchidas por uma acti<br />

vida<strong>de</strong> do homem, quer exterior, quer interior.<br />

Com tudo o Direito tem sempre um character, para<br />

assim dizer, exterior, em quanto pó<strong>de</strong> ser executado in<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da boa ou má vonta<strong>de</strong>.<br />

Depen<strong>de</strong>ntes da liberda<strong>de</strong>. Porque ha duas especies<br />

<strong>de</strong> meios ou condições: 1.° as fysicas, que estão fóra da<br />

esfera da liberda<strong>de</strong>, ou em que ella só entra subsidiaria<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Gén. C, I, S. 2.<br />

–=º


•<br />

(51 )<br />

mente, as quaes a natureza subministra; e taes são os ele<br />

mentos, e em geral tudo o que diz respeito á existencia<br />

fysica do homem, v. g. a digestão, a circulação do san<br />

gue, etc. Estas não entrão no dominio do Direito, ex<br />

cepto em quanto algum homem for obrigado a submi<br />

nistral-as; porque o homem não tem <strong>direito</strong>s relativa<br />

mente á natureza. 2.° As voluntarias ou livres, que <strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong>m da vonta<strong>de</strong> e activida<strong>de</strong> do homem."<br />

Ainda nestas expressões se encerra outra idêa im<br />

portante. Estas condições ficão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da liberda<strong>de</strong><br />

do homem, <strong>de</strong> modo que elle pó<strong>de</strong>, ou não, empregal-as<br />

em seu beneficio, <strong>segundo</strong> lhe aprouver: e por isso o<br />

Direito não obriga a que alguem faça o que para si é um<br />

bem. O homem é senhor da sua pessoa e do seu <strong>de</strong>stino.<br />

A Moral obriga-o sim em consciencia a empregar todos<br />

os meios para o alcançar: porém o Direito <strong>de</strong>ixa-lhe a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>lles, ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> usar, uma vez<br />

que não lése os outros membros da socieda<strong>de</strong>. Por isso<br />

nenhuma auctorida<strong>de</strong> exterior tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> conduzir o<br />

homem a seu fim contra sua vonta<strong>de</strong>. Este character do<br />

Direito torna impossivel o <strong>de</strong>spotismo contra a liberda<strong>de</strong><br />

pessoal, qualquer que seja o fim, religioso, moral ou fy<br />

sico, que ele se proponha; e evita que <strong>de</strong>baixo do pre<br />

texto <strong>de</strong> regularizar o <strong>de</strong>senvolvimento do homem lhe<br />

imponha muitas vezes fins, que estão muito longe <strong>de</strong> se<br />

rem os que indica a natureza, e revela a razão.<br />

. Necessarias para o <strong>de</strong>senvolvimento e cumprimento<br />

do <strong>de</strong>stino; porque no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> todas as fa<br />

culda<strong>de</strong>s do homem, e das suas relações com seus si<br />

milhantes está o bem e fim do homem, que é tambem o<br />

fim do Direito, o qual consiste nas condições necessarias<br />

para o seu cumprimento. -<br />

Destino racional. Nestas palavras mostra, que os fins<br />

do homem <strong>de</strong>vem ser conhecidos pela razão; e por isso,<br />

que só a razão é principio cognoscitivo do Direito, sem<br />

que possão ser chamados para aqui, como pretendêrão<br />

alguns Philosophos (a), os instinctos, o senso intimo, ou<br />

o bom senso, que tanto diversificão <strong>segundo</strong> a cultura<br />

dos homens. De mais, para se conhecer qual ou quaes são<br />

(*) Appendix ao C. 1.


•<br />

(52 ) .<br />

os fins do homem, e quaes as condições para isso neces<br />

sarias, é mister fazer muitos juizos, que são actos da<br />

intelligencia e da razão (a).<br />

Individual e social do homem. Mostra que o fim do<br />

homem não está sómente no seu particular <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento, pois não é o homem <strong>natural</strong>mente solívago,<br />

mas no <strong>de</strong>senvolvimento da vida social; porque a natu<br />

reza o <strong>de</strong>stinou para a socieda<strong>de</strong>, e por isso <strong>de</strong>ve cum<br />

prir os fins proprios das diversas socieda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> que faz<br />

parte. Porém nellas não se eclipsa o homem individual,<br />

que <strong>de</strong>ve cumprir por isso os seus fins individuaes, a<br />

religião, a sciencia, as artes, a moral, etc.<br />

E da humanida<strong>de</strong>, Marca um fim largo e verda<strong>de</strong>i<br />

ramente filanthropico. A socieda<strong>de</strong>, a que o homem per<br />

tence, não é sómente a da familia, do municipio, ou da<br />

nação, mas a da humanida<strong>de</strong> inteira, <strong>de</strong> que elle faz par<br />

te. Ora a humanida<strong>de</strong>, bem como qualquer socieda<strong>de</strong>,<br />

pó<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se como uma gran<strong>de</strong> pessoa moral. O seu<br />

fim está no <strong>de</strong>senvolvimento, que tem épochas successi<br />

vas, cada uma das quaes é marcada pela apparição <strong>de</strong>ssas<br />

gran<strong>de</strong>s idêas novas, que primeiro transformão a vida do<br />

povo, que as vio nascer, e <strong>de</strong>pois se espalhão por toda a<br />

parte, on<strong>de</strong> a intelligencia tem assás <strong>de</strong>senvolvimento para<br />

as comprehen<strong>de</strong>r. Então os sentimentos se ennobrecem e<br />

se alargão; faculda<strong>de</strong>s e forças novas se manifestão nos<br />

differentes ramos da vida social; e a vida humana vem a<br />

ser mais variada e mais rica. O progresso é pois uma lei<br />

da natureza para os seres dotados <strong>de</strong> razão e liberda<strong>de</strong>,<br />

quer os consi<strong>de</strong>remos sós, quer fazendo parte das diffe<br />

rentes socieda<strong>de</strong>s, e até da Universal do Genero humano.<br />

A humanida<strong>de</strong> não permanece estacionaria; caminha sem<br />

re em constante progresso (b). -<br />

Esta <strong>de</strong>finição é um resultado da analyse das <strong>de</strong>fi<br />

nições dadas antes <strong>de</strong> Krause, que, rejeitando todas as<br />

idêas inexactas, só aproveitou as verda<strong>de</strong>iras.<br />

Entendido assim o Direito, todo o homem, só por<br />

que é homem, tem a faculda<strong>de</strong> ou capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito,<br />

que é o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> possuir <strong>direito</strong>s, ou <strong>de</strong>ntrar em uma<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part. Gén. C. 1. S» 1.<br />

(b) Ahreas Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Introd. G. I.


(53) ·<br />

relação juridica. Esta faculda<strong>de</strong> ou capacida<strong>de</strong> funda-se<br />

na qualida<strong>de</strong> do homem, como ser racional; e visto como<br />

esta qualida<strong>de</strong> é innata, e não pó<strong>de</strong> jámais per<strong>de</strong>r-se, o<br />

homem tambem não pó<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direi<br />

tos. O homem é um ser sempre susceptivel <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvol<br />

vimento, e por isso necessita sempre <strong>de</strong> Direitos, como<br />

condições para esse <strong>de</strong>senvolvimento. Pó<strong>de</strong> o homem não<br />

ter ainda, ou per<strong>de</strong>r, a razão, como acontece aos meni<br />

nos e aos mentecaptos; porém tem a qualida<strong>de</strong> d'homem;<br />

tem a natureza humana: e é razão, que a socieda<strong>de</strong> lhe<br />

subministre as condições necessarias para <strong>de</strong>senvolver a<br />

sua intelligencia, ou voltar a ella (a). Debaixo <strong>de</strong>ste<br />

ponto <strong>de</strong> vista disse bem Tracy, que os Direitos nascião<br />

das necessida<strong>de</strong>s, e as obrigações dos meios (b).<br />

$. 85.<br />

Prova, que Direito e obrigação são cousas correlati<br />

vas, tomada a palavra Direito como faculda<strong>de</strong> moral, i.<br />

é, que dado o <strong>direito</strong>, se dá a obrigação, e vice versa.<br />

Por quanto o Direito ou é stricte tal, e nasce da lei e obri<br />

gação preceptiva ou prohibitiva; ou é permissivo, e pro<br />

vêm da não-existencia da lei, ou da lei permissiva.<br />

Para isto se enten<strong>de</strong>r, é mistér remontar-nos aos<br />

principios anteriores <strong>de</strong> Martini. Fallemos primeiro do<br />

Direito stricte tal: que este nasce da lei preceptiva, ou<br />

prohibitiva, é facil <strong>de</strong> vêr, porque consiste na faculda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> praticar as acções mandadas, ou d'omittir as prohibi<br />

das pela lei. A lei pois é a fonte do Direito stricte tal, e<br />

são correlativas (c). Mas dada a lei, dá-se a obrigação, e<br />

tanto, que a lei, que não é acompanhada d'obrigação,<br />

não é lei (d). Logo o Direito stricte tal e a obrigação são<br />

correlativos. Quanto ao Direito permissivo : este tem por<br />

objecto as acções moralmente contingentes, a que já<br />

chamámos indifferentes (e), que são taes ou quando não<br />

ha lei, ou quando ella <strong>de</strong>ixa ao subdito a opção entre<br />

(a)<br />

(b)<br />

Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part. Gén. C. 3, S. 3.<br />

Trait. <strong>de</strong> la Volonté. Introduct. S. 6..<br />

(c) S. 85, e 84.<br />

(d)<br />

(*)<br />

S. 69. e 78.<br />

S. 65. e seg,


(54)<br />

diversas acções, mandando, ou prohibindo in<strong>de</strong>termina<br />

damente. No <strong>segundo</strong> caso é evi<strong>de</strong>nte, que, apezar da lei<br />

<strong>de</strong>ixar a opção, sempre manda, ou prohibe alguma<br />

cousa, ainda que in<strong>de</strong>terminadamente, e que ao <strong>direito</strong><br />

permissivo da opção é correlativa a obrigação dos outros<br />

homens o respeitarem, e não perturbarem o seu uso. Fi<br />

malmente quanto ao Direito permissivo, quando não ha<br />

lei, hypothese méramente imaginaria, <strong>de</strong>ixemos aos<br />

escholasticos o explicar a correlação da obrigação e Di<br />

reito permissivo in sensu negante, ou reductive (a).<br />

Esta verda<strong>de</strong>, que são correlativos lei, obrigação,<br />

e Direito, consi<strong>de</strong>rado como faculda<strong>de</strong> moral (e até of<br />

ficio, como logo veremos), pó<strong>de</strong> facilmente comprehen<br />

<strong>de</strong>r-se; porque da lei nascem o Direito e a obrigação, e<br />

por isso a correlação do Direito e obrigação com a lei é<br />

evi<strong>de</strong>nte. Os nossos Direitos ou são relativos a nós, e<br />

serião inuteis, se os outros não tivessem obrigação <strong>de</strong> os<br />

respeitar; ou são relativos aos outros, para que elles fa<br />

ção, ou não fação, ou <strong>de</strong>ixem fazer alguma cousa em<br />

nosso favor, e nestes casos tambem serião inuteis, se os<br />

outros não tivessem a obrigação <strong>de</strong> cumpril-os (b).<br />

§.86.<br />

Officio, — Officium dos latinos,— vem ab officiendo,<br />

e é o uso ou exercicio do Direito. Divi<strong>de</strong>-se em recto,<br />

quando o Direito é stricte tal; e medio, quando o Direito<br />

é permissivo. O recto ainda o subdivi<strong>de</strong>m em affirma<br />

tivo, quando o Direito nasce da lei preceptiva; e nega<br />

tivo, quando provém da lei prohibitiva,<br />

§.87. \<br />

Ficamos <strong>de</strong>sonerados da obrigação, e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> existir<br />

a lei, quando cessa o nexo dos motivos com a acção (c)-<br />

Por consequencia, em quanto os motivos se não separa<br />

(a)<br />

S. 85.<br />

Grocio De Jure Belli ac Pac. L. I. C. 1. S. 5. ,<br />

•<br />

Martini Exercir<br />

(b)<br />

S. 66.<br />

Burlamaq. P. 1. C. 7. § 6., Tracy Trait. <strong>de</strong> la Folonté Introd.<br />

(c) S. 69.


•<br />

(55)<br />

rem da acção, existirá a lei e a obrigação, o que acon<br />

tece sempre em Direito Natural, em que os motivos são<br />

os consectarios da propria acção, e não tem lugar n’elle<br />

a abrogação, <strong>de</strong>rogação, ou dispensa da lei, <strong>de</strong> que falla<br />

Martini. Diz-se haver abrogação, quando uma lei poste<br />

rior tirou toda a força obrigatoria á anterior; <strong>de</strong>rogação,<br />

quando a posterior só tirou a força a parte da anterior;<br />

obrogação, quando a posterior muda á anterior alguma<br />

cousa; subrogação, quando a posterior accrescenta al<br />

guma cousa á anterior. Se a abrogação, ou <strong>de</strong>rogação é<br />

anterior á pratica da acção, e a favor d’uma só pessoa<br />

(e hoje mesmo <strong>de</strong> muitas), diz-se dispensa. Depois da<br />

acção praticada só tem lugar o perdão da pena e as<br />

amnistias. • •<br />

* $. 88.<br />

Quando por um acaso, ou evento particular o ho<br />

mem se acha constituido no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>r cum<br />

prir duas leis ao mesmo tempo, das quaes nenhuma foi<br />

abrogada, nem são contrarias uma á outra, esse <strong>estad</strong>o<br />

diz-se collisão <strong>de</strong> leis. E differe a collisão da antinomia,<br />

que se dá quando duas leis, ambas em vigor, v. g., duas<br />

disposições d'um Codigo, dispõem cousas contrarias. A<br />

collisão consiste n'um <strong>estad</strong>o, em que o homem se acha<br />

com referencia a duas leis; e a antinomia está nas proprias<br />

leis. No caso da collisão <strong>de</strong>ve-se fazer a excepção, que é<br />

a <strong>de</strong>terminação, que tomamos, <strong>de</strong> observar uma com<br />

preferencia á outra. A regra, que Martini dá para a ex<br />

cepção, é observar antes a lei mais forte, do que a mais<br />

fraca, preferindo a maior perfeição á menor, o bem do<br />

todo<br />

tal á secundaria,<br />

ao bem da parte,<br />

etc. (a).<br />

o fim aos meios, a lei fundamen<br />

Ao <strong>direito</strong>, que temos para no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> collisão<br />

preferir a lei mais forte á mais fraca, ou mesmo para<br />

<strong>de</strong>ixar d'observar uma lei, quando se nos seguiria um<br />

grave mal, v. g., a perda da vida, chamárão os JCtos<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>. Differe o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> do<br />

favor <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, que é a commiseração, que merece<br />

aquelle, que neste <strong>estad</strong>o se vio colocado, ou para ser<br />

L –<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. C. 3: S. 6o., Felice Leçº r8.


(56)<br />

êximido <strong>de</strong> toda a imputação, se a necessida<strong>de</strong> foi ex<br />

trema, ou para lhe ser diminuida, se fez uma falsa exce<br />

pção (a). " . * *<br />

Ahrens não admitte collisão, que chama concurso,<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, e diz que este tem lugar, quando muitos in<br />

dividuos por necessida<strong>de</strong>s analogas tem pretenções á mesma<br />

cousa; porque nascendo todos os <strong>direito</strong>s da natureza hu<br />

mana, que é uma e a mesma para todos os homens, não<br />

po<strong>de</strong>m ser contradictorios os <strong>direito</strong>s, e <strong>de</strong>vem recipro<br />

camente limitar-se uns pelos outros, assim como se <strong>de</strong>vem<br />

limitar as necessida<strong>de</strong>s dos homens. Ahrens tambem não<br />

admitte a distincção entre lei mais forte e lei mais fra<br />

ca; porque força e fraqueza não tem sentido em Direito,<br />

que se pó<strong>de</strong> comparar a uma linha recta; tudo o que se<br />

aparta da linha recta, não é recto (b).<br />

Parece-nos porém, que n'esta doutrina ha alguma<br />

confusão entre antinomia e collisão. Antinoquia <strong>de</strong> certo<br />

não pó<strong>de</strong> haver nas Leis, ou Direitos Naturaes; d’uma<br />

causa unica, a natureza humana, não po<strong>de</strong>m nascer ef<br />

feitos contrarios. Os Direitos Naturaes pois, consi<strong>de</strong>ra<br />

dos em si, <strong>de</strong>vem limitar-se uns pelos outros, e o Direito<br />

d'um homem vai só até on<strong>de</strong> chega o Direito dos ou<br />

tros. Ahrens nega a collisão dos Direitos ou Leis Natu<br />

raes, figurando a hypothese, em que diversas pessoas tem<br />

pretenções analogas á mesma cousa, entrando em con<br />

curso os Direitos <strong>de</strong> duas ou mais pessoas. Mas não é neste<br />

caso, que os Philosophos e JCtos consi<strong>de</strong>rão a collisão<br />

das leis, mas sim no <strong>estad</strong>o, em que um homem se acha.<br />

collocado com referencia a duas leis, que no mesmo mo<br />

mento o obrigão a cousas diversas, e a ambas as quaes<br />

não pó<strong>de</strong> satisfazer. Negar a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas hypo<br />

theses, que todos os dias acontecem, seria negar os re<br />

sultados mais evi<strong>de</strong>ntes da experiencia; v. g., um ho<br />

mem quer-me matar, e eu não posso escapar, senão ma<br />

tando-o primeiro: neste <strong>estad</strong>o tenho duas leis, uma, que<br />

manda que me conserve; outra, que manda que eu não<br />

mate o meu similhante. A collisão aqui não está entre o<br />

meu <strong>direito</strong> a matar o meu similhante, e o <strong>de</strong>ste a ma<br />

6a) (b) Sr. Ahrens Fortuna CoursL. <strong>de</strong>I. Droit C. 2. Nat, S. 61. Part e seg. Gén, C. 3. $. 5. , ! •


:<br />

- (57)<br />

tar-me, mas sim na posição, em que eu me acho com<br />

referencia ás duas leis. Esta collisão não se refere a duas<br />

pessoas, mas só a uma, refere-se só a mim.<br />

Entendido assim o <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> collisão, como se po<strong>de</strong><br />

ria fazer neste caso a limitação <strong>de</strong> Direitos, <strong>de</strong> que falla<br />

Ahrens, se aqui não se tracta <strong>de</strong> Direitos, como faculda<br />

<strong>de</strong>s moraes d'obrar, a que Ahrens chama pretenções, mas<br />

sómente se tracta <strong>de</strong> leis º Como fazer a limitação rela<br />

tiva a duas pessoas, se sómente se tracta d’uma? Além<br />

<strong>de</strong> que, neste <strong>estad</strong>o não se tracta <strong>de</strong> reducção, tracta-se<br />

pela<br />

da não<br />

necessida<strong>de</strong>,<br />

observancia<br />

em<br />

completa<br />

que nos<br />

d’uma<br />

achamos.<br />

lei, ou obrigação,<br />

•<br />

Tambem não concordamos com Ahrens, em quanto<br />

não admitte lei mais forte e lei mais fraca. E verda<strong>de</strong>,<br />

que a idêa <strong>de</strong> força e fraqueza não tem sentido em Direi<br />

to, para <strong>de</strong>llas se <strong>de</strong>duzirem <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres: da força<br />

e fraqueza não nascem nem <strong>direito</strong>s, nem obrigações (a).<br />

Porém o querer tirar ás leis, <strong>de</strong>veres e <strong>direito</strong>s o chara<br />

eter <strong>de</strong> mais, ou menos fortes, é querer fazer resuscitar<br />

a doutrina <strong>de</strong> Zenão, que dizia, que não <strong>de</strong>linquia me<br />

nos o que matava um gallo sem necessida<strong>de</strong>, do que aquel<br />

le, que matava seu pai; doutrina, que já foi reduzida a<br />

pó por Cicero (b). Na verda<strong>de</strong>, como se pó<strong>de</strong> negar a di<br />

versida<strong>de</strong> dos resultados da observancia <strong>de</strong> leis diversas ?<br />

Será o mesmo per<strong>de</strong>r <strong>de</strong>z reis, ou <strong>de</strong>z mil cruzados? será<br />

igual a amputação d'um <strong>de</strong>do, ou a <strong>de</strong> todo o braço? o ter<br />

um leve incommodo, ou per<strong>de</strong>r a vida ? Certamente não.<br />

A differença dos resultados praticos é a que dá mais força<br />

ou mais fraqueza ás leis, e não a conformida<strong>de</strong> ou dis<br />

crepancia das acções com a lei. Sabemos muito bem que<br />

entre o concordar ou <strong>de</strong>sconcordar a acção com a lei não<br />

ha meio, e por isso, que toda acção, que concorda, é<br />

recta e justa, e a que não concorda em alguma parte, é<br />

menos recta e injusta. Porém a questão, não se <strong>de</strong>ci<strong>de</strong><br />

pela rectidão ou menos rectidão das acções, mas sim.»<br />

Pelos seus resultados. Segundo estes são mais ou menosº.<br />

importantes para o homem conseguir os fins da sua na<br />

tureza e <strong>de</strong>stino, assim a lei é mais forte" ou mais fraca. …<br />

(a) Vejão-se os nossos Elementos <strong>de</strong> Direito das Gentes Seçº I.<br />

Art. 3. S. 14., Rousseau Contr. Soc.-L. 1. C. G. ---------- -<br />

(*) Cicero pro Muraen, 29. , , … - ( , .<br />

\


•<br />

(58)<br />

De mais, se Ahrens não admitte leis ou direitós-inais<br />

fortes ou mais fracos, como ha <strong>de</strong> fazer a sua limitação<br />

dos Direitos? Que regras dá para isso? Nenhumas. Esta<br />

limitação, sem o estalão da maior ou menor importan<br />

cia é impossivel dos resultados a nosso das ver. acções mandadas, ou prohibidas,<br />

§. 89.<br />

A lei divi<strong>de</strong>-se 1.° em razão do sujeito obrigante,<br />

i. é, do legislador, em divina, que tem por auctor a Deos;<br />

e humana, <strong>de</strong> que é legislador o homem: 2.° em razão<br />

do objecto e modo da sua promulgação em <strong>natural</strong>, que<br />

enuncia a obrigação, ou nexo dos motivos <strong>de</strong>duzidos da<br />

natureza e essencia das cousas, e que se conhecem pela<br />

luz da recta razão; e positiva, que é feita e promulgada<br />

por qualquer ente intelligente. A lei <strong>natural</strong> é divina, por<br />

que Deos é o auctor da natureza: a positiva porém divi<strong>de</strong><br />

se em divina, e tal é a que se contém nos Livros do Velho<br />

e Novo Testamento; e humana, a feita pelos homens.<br />

Esta toma diversos nomes, <strong>segundo</strong> as Nações, a que<br />

pertence, e mesmo em cada Nação <strong>segundo</strong> o seu obje<br />

cto: assim dizemos leis portuguezas, francezas, etc.; leis<br />

aca<strong>de</strong>micas, criminaes, etc.<br />

§ 9o.<br />

Entra na questão, se existem Leis Naturaes. Esta<br />

questão sempre foi <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> monta para os Philosophos,<br />

que se occupárão do Direito Natural; porque, se as Leis<br />

Naturaes não existissem, inutil era sua tarefa. Cresceo<br />

porém a importancia <strong>de</strong>sta questão, <strong>de</strong>pois que um JCto<br />

Philosopho, que tantos serviços fez á Philosophia juridi<br />

ca, escreveo, que Lei Natural, e Direito Natural são duas<br />

especies <strong>de</strong> ficções, ou metaphoras, que se <strong>de</strong>vem contar<br />

entre os falsos modos <strong>de</strong> argumentar em materia <strong>de</strong> le<br />

gislação (a). Examinemos primeiro a doutrina do Com<br />

pendio, e <strong>de</strong>pois voltaremos á <strong>de</strong> Bentham.<br />

Martini neste §. refere tres argumentos, que alguns<br />

— • •<br />

(a) Bentham Trait, <strong>de</strong> Legisl. T. 1. C. 13.<br />


• Duas<br />

( 59 )<br />

tem empregado, para provar a existencia das Leis Natu<br />

raes: 1." o consenso <strong>de</strong> todos os póvos, argumento, que<br />

não admitte, não só porque se pó<strong>de</strong> duvidar <strong>de</strong>ssa com<br />

mum persuasão, visto que muitos póvos tem como ma<br />

ximas verda<strong>de</strong>iras habitos torpissimos e immoraes, se<br />

não porque tambem se pó<strong>de</strong> duvidar da origem <strong>de</strong>sse<br />

consenso; e é evi<strong>de</strong>nte que, não se <strong>de</strong>duzindo da na<br />

tureza do homem, não pó<strong>de</strong> provar a existencia <strong>de</strong> Leis<br />

Naturaes: 2.° as idêas innatas, que <strong>de</strong>pois da refu<br />

tação <strong>de</strong> Locke (a) não tem voga alguma na republica<br />

das letras: e 3.° a ten<strong>de</strong>ncia dos homens para fazer mal<br />

aos seus similhantes, <strong>de</strong> que se valeo Hobbes (b), que<br />

tambem não merece attenção a Martini, pela varieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> ten<strong>de</strong>ncias, que se observa nos homens, e porque o<br />

mais que se po<strong>de</strong>ria concluir <strong>de</strong>ssa ten<strong>de</strong>ncia [se fosse<br />

verda<strong>de</strong>ira (c)], era, que existia uma lei; mas ainda<br />

restava provar, que ella era <strong>natural</strong>, porque tambem ha<br />

ten<strong>de</strong>ncias adventicias, filhas da educação e dos habitos<br />

dos homens.<br />

·<br />

§ 9r. • •<br />

Diz, que raciocinão melhor os que para provar a<br />

necessida<strong>de</strong> e existencia <strong>de</strong> Leis Divinas, recorrem ao<br />

fim, que Deos propoz ás cousas creadas, e ao <strong>direito</strong>,<br />

que tinha para dar essas Leis.<br />

razões empregão os que assim argumentão, 1.°<br />

tirada do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> Deos, 2.° <strong>de</strong>duzida do fim da creação.<br />

Quanto á primeira, que Deos, como Creador e Conser<br />

vador, podia dar leis ás suas creaturas, é incontestavel;<br />

porque quem pó<strong>de</strong> o mais, pó<strong>de</strong> o menos, e é menos re<br />

gular os movimentos e acções, do que a creação e con<br />

servação dos seres, <strong>de</strong> que se compõe o universo. Porém<br />

não pó<strong>de</strong> concluir-se, que Deos désse leis, só porque<br />

tinha <strong>direito</strong> a dal-as; pois podia ter esse <strong>direito</strong>, e <strong>de</strong><br />

facto não as dar. No entretanto, algum passo se dá para<br />

a <strong>de</strong>monstração; porque, sem se provar a existencia <strong>de</strong>ste<br />

<strong>direito</strong>, não se po<strong>de</strong>ria provar, que Deos, como infini<br />

a=-<br />

(a) De intell. I. C. 3.<br />

(b) De Cive I. I.S. 4.<br />

(c) Appendix ao G. I.


**<br />

( 6o )<br />

tamente justo, désse realmente leis aos seres creados<br />

(a). • * * *<br />

Quanto á segunda. Do fim da creação pó<strong>de</strong> logica<br />

mente concluir-se: 1.º que são necessarias leis divinas; 2.°<br />

que realmente existem. Já <strong>de</strong>monstrámos, que Deos pre<br />

screveo a todos os seres creados seus fins particulares, e<br />

um geral a toda a creação (b). Ora é facil ver, que para<br />

os seres conseguirem os fins, para que forão <strong>de</strong>stinados,<br />

<strong>de</strong>vem mover-se, e conduzir suas acções d'um modo<br />

idoneo para isso, i. é, seguir uma direcção, que os leve<br />

a esses fins. Se obrarem d'outro modo, <strong>de</strong> certo o não<br />

conseguem. Este modo pois é necessario, como meio para<br />

as creaturas obterem os seus fins. Mas a este modo, ou á<br />

proposição, que o enuncia, chama-se regra ou lei. Logo<br />

da existencia do fim, que Deos propoz a todas as cousas<br />

creadas, <strong>de</strong>duz-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Leis Divinas, pelas<br />

quaes Deos prescrevesse os modos ou regras, <strong>segundo</strong> as<br />

quaes os seres <strong>de</strong>vessem dirigir-se, para chegarem ao seu<br />

<strong>de</strong>stino.<br />

•<br />

Tambem da existencia do fim se pó<strong>de</strong> concluir a<br />

existencia <strong>de</strong> Leis Divinas. Com effeito, sendo, como é<br />

verda<strong>de</strong>, que quem quer os fins, quer os meios (c); se<br />

realmente Deos prescreveo um fim, não podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

prescrever os meios, as regras, ou leis necessarias para<br />

se obter o mesmo fim; porque d'outra maneira o pre<br />

ceito do fim seria inutil, divagando os seres creados ao<br />

acaso, sem po<strong>de</strong>rem tocar o seu alvo; tudo seria <strong>de</strong>sor<br />

acontece<br />

<strong>de</strong>m e confusão<br />

(d)<br />

no<br />

-<br />

universo, contra o que realmente<br />

•<br />

Reforça-se o argumento pela consi<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> que,<br />

sendo necessarias Leis Divinas, Deos só podia <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

as dar ou por ignorancia, o que repugna á sua Omni<br />

sciencia, ou por fraqueza, o que encontra a sua Omni<br />

potencia. ". : * *<br />

Mas para que são estes argumentos metafysicos, se a<br />

Philosophia Natural e Moral tem <strong>de</strong>scoberto e <strong>de</strong>mon<br />

}<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. C. 5. S. 121., Burlam. P. 2. Q. 1 e 2.<br />

(b) S. 58 e 59. .<br />

(c) S. 57. -• * * ". .<br />

(d) S. 58 e 59., Sr. Fortuna L. I.C.5. S. 222, .<br />

.


(61 )<br />

strado a existencia <strong>de</strong> regras ou leis fysicas, a que os seres<br />

organicos e inorganicos obe<strong>de</strong>cem por uma necessida<strong>de</strong><br />

irresistivel, e <strong>de</strong> leis moraes, a que os homens não po<br />

<strong>de</strong>m faltar, sob pena, não digo já <strong>de</strong> serem infelizes,<br />

mas até <strong>de</strong> se não po<strong>de</strong>rem conservar os individuos e o<br />

genero humano ? |-<br />

Martini observa, que da necessida<strong>de</strong> e existencia <strong>de</strong><br />

Leis Divinas não pó<strong>de</strong> concluir-se para a existencia <strong>de</strong><br />

Leis Naturaes; porque, como vimos (a), as Leis Divinas<br />

po<strong>de</strong>m ser Naturaes, ou Positivas.<br />

§. 92.<br />

Refere outros argumentos para <strong>de</strong>monstrar a exi<br />

stencia das Leis Naturaes, os quaes <strong>segundo</strong> Martini só<br />

servem para provar a existencia <strong>de</strong> Leis Naturaes mecha<br />

nicas, e não moraes. Nós já vimos que as leis, a que estão<br />

sujeitos todos os anima es, se chamavão mechanicas, e<br />

que as moraes erão proprias <strong>de</strong> seres livres, i. é, dos<br />

homens (b). O primeiro argumento é d'analogia entre o<br />

mundo fysico e o moral. Assim como no mundo fysico<br />

existem leis, <strong>de</strong> cuja observancia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a or<strong>de</strong>m e har<br />

monia do universo, e que provão a infinita sabedoria e<br />

provi<strong>de</strong>ncia do seu Auctor, tambem o mundo moral as<br />

<strong>de</strong>ve ter, para que os homens não obrem ao acaso sem<br />

regras, que os dirijão para o seu fim e <strong>de</strong>stino. Este ar<br />

gumento serve para provar não só a existencia das Leis<br />

Naturaes mechanicas, mas tambem das moraes.<br />

O outro argumento é <strong>de</strong>duzido dos estimulos, ou<br />

propensões dos homens; porque estes estimulos forção<br />

d'algum modo a obrar no sentido, que <strong>de</strong>terminão; e<br />

por isso constituem uma necessida<strong>de</strong> hypothetica d'obrar,<br />

para elles serem satisfeitos. Ora na necessida<strong>de</strong> hypo<br />

thetica consiste a obrigação passiva; e aon<strong>de</strong> se dá obri<br />

gação passiva, dá-se a activa e a lei. Mas como estes<br />

estimulos naturaes são communs aos homens e aos outros<br />

animaes, se prova, segue-se, são sómente queasasmechanicas leis, cuja existencia e animaes. por elles<br />

•<br />

(a) S. 89.<br />

(b) S.70 e 71. :


-<br />

(6a)<br />

§. 93.<br />

Agora appresenta Martini um argumento para pro<br />

var a existencia <strong>de</strong> Leis Naturaes moraes, tirado do ne<br />

xo dos motivos com as nossas acções livres. A existencia<br />

<strong>de</strong>ste nexo é tão real, que até aquelles, que negão a<br />

existencia da liberda<strong>de</strong>, a elle recorrem para provar, que<br />

os homens obrão tão necessariamente por virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>lle,<br />

como os outros seres fysicos. Em verda<strong>de</strong>, antes que o<br />

homem pratique uma acção, o entendimento examina a<br />

sua conveniencia, ou <strong>de</strong>sconveniencia, a sua bonda<strong>de</strong>,<br />

ou malda<strong>de</strong>; e <strong>segundo</strong> as <strong>de</strong>cisões do entendimento,<br />

assim se <strong>de</strong>termina a vonta<strong>de</strong>, e a liberda<strong>de</strong> escolhe.<br />

Pó<strong>de</strong> o homem errar, julgando boa a acção, que é má,<br />

ou vice versa, e <strong>de</strong>cidir-se por bens ou males apparen<br />

tes; porém é certo, que o ser racional sómente obra<br />

em virtu<strong>de</strong> d'um motivo, sempre procura o bem, e foge<br />

o mal. Ora este bem e mal está nos consectarios das ac<br />

ções, <strong>segundo</strong> a sua conveniencia, ou <strong>de</strong>sconveniencia,<br />

com a sua natureza, e fins, para que foi <strong>de</strong>stinado. Os<br />

bens e os males pois estão connexos com as acções livres,<br />

e constituem necessida<strong>de</strong>s hypotheticas, e obrigações: e<br />

por isso existem Leis Moraes, que lhes são relativas.<br />

O que resta provar, é que estas Leis Moraes são Na<br />

turaes. Já provámos, que todas as acções tem moralida<br />

<strong>de</strong> intrinseca e <strong>natural</strong>, <strong>segundo</strong> os seus conseotarios con<br />

cordão, ou não, com os fins da creação, com as regras e<br />

leis, que para elles dirigem os diversos seres (a). As Leis<br />

Moraes pois, que tem o seu fundamento na moralida<strong>de</strong><br />

das acções, i. é, na sua conveniencia com a natureza do<br />

homem e fins da creação, e mandão practicar as acções,<br />

que <strong>segundo</strong> a sua natureza e essencia são boas, e prohi<br />

bem as más, como se <strong>de</strong>duzem da natureza das acções e<br />

da natureza humana, são Leis Naturaes.<br />

Accresce ainda, que estas Leis só se conhecem pela<br />

luz da razão, e não por alguma promulgação exterior ao<br />

homem (b); e como a razão é <strong>natural</strong> ao homem (c), eis<br />

um novo motivo para chamarmos Naturaes a estas Leis<br />

Moraes.<br />

(a) S. 61., 82 e 83.<br />

(b) S. 89.<br />

(c) S. Io, 14 e 44,


(63),<br />

O edicto das Leis Naturaes Moraes é muito simples;<br />

manda practicar as acções boas, e evitar as más. A sanc<br />

ção compõe-se <strong>de</strong> penas, que são todos os resultados<br />

máos das acções, v. g., as afílicções, as dôres, as enfer<br />

mida<strong>de</strong>s, a pobreza, a perda da boa reputação, os re<br />

morsos da consciencia e a mesma morte; e <strong>de</strong> premios,<br />

que são os consectarios bons das acções, v. g., a seremi<br />

da<strong>de</strong> do espirito, a saú<strong>de</strong>, a riqueza, a boa reputação,<br />

a conservação da vida, etc. (a). A sua promulgação faz<br />

se pela luz da razão, <strong>de</strong> que a natureza dotou os homens.<br />

São por tanto as Leis Naturaes Moraes verda<strong>de</strong>iras leis;<br />

porque contém as proprieda<strong>de</strong>s necessarias para o se<br />

rem (b).<br />

Differentes outros argumentos tem sido produzidos<br />

para provar a existencia das Leis Naturaes, que po<strong>de</strong>m<br />

ver-se em Burlamaq. (c). O expendêl-os exigia por certo<br />

gran<strong>de</strong> extensão, que é fóra do nosso proposito. Porém<br />

sempre diremos, que ha certos principios, regras, ou Leis<br />

Naturaes, cuja evi<strong>de</strong>ncia é tão obvia, que parece incon<br />

testavel. Pó<strong>de</strong> alguem duvidar da existencia do amor <strong>de</strong><br />

nós, ou do sentimento da nossa <strong>de</strong>feza, <strong>de</strong>sta Lei tão<br />

essencial, que sem ella nem se po<strong>de</strong>rião conservar os in<br />

dividuos, nem o genero humano? Pó<strong>de</strong> duvidar-se da<br />

existencia do sentimento do amor paternal, do que at<br />

trahe e une os sexos, do da sociabilida<strong>de</strong>, e em fim do<br />

sentimento religioso, que nos eleva <strong>natural</strong>mente até ao<br />

Ser Supremo? Não é o homem por estes sentimentos na<br />

turaes quasi que forçado á sua <strong>de</strong>feza, á educação dos<br />

filhos, a viver em socieda<strong>de</strong>, e em fim a ren<strong>de</strong>r ao<br />

Creador tributos <strong>de</strong> respeito e adoração ? Não nascem<br />

<strong>de</strong>stes principios leis e obrigações incontestaveis ? A evi<br />

<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong>stas Leis fez com que Montesquieu (d) as consi<br />

<strong>de</strong>rasse como Leis Naturaes primitivas, d’on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>duzir todas as outras Leis da Natureza (e).<br />

Não po<strong>de</strong>mos terminar esta questão, sem referir um<br />

facto, que todos os dias acontece nos theatros, facto,<br />

<strong>de</strong> que temos sido testemunha, e que para nós é uma<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. C. 5. S. 123.<br />

(b) S.73 e 74. |-<br />

(c) Burlamaq. P. 2. C. 5.. Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Introd.<br />

(d) Esprit <strong>de</strong>s Lois L. I. C. 2.<br />

(e) Burlamaq, loc. cit.C. 2. S. 4.


(64)<br />

gran<strong>de</strong> prova da existencia dos principios naturaes do<br />

justo é do honesto. Todas as vezes, que com energia se<br />

recitão maximas bem formuladas <strong>de</strong> moral, ou <strong>de</strong> justi<br />

ça, o enthusiasmo electrico communica-se a todo o con<br />

curso, por mais numeroso que seja; e vemos romper<br />

instantaneamente em applausos todos os espectadores,<br />

não só os que são dotados <strong>de</strong> sentimentos nobres e bons<br />

costumes, mas tambem aquelles, em quem a corrupção<br />

tem feito os maiores estragos. Tão forte é a Natureza,<br />

que xar <strong>de</strong> aquelles reconhecer mesmos, as suas queLeis! a contrarião, ” não po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>i•<br />

o ; , $ 94.<br />

Não po<strong>de</strong>mos negar, diz Martini, que os consecta<br />

rios das acções nem sempre são tão fortes para todos os<br />

homens e em todos os casos, que não vejamos a muitos<br />

violarem impunemente as Leis Naturaes, e, o que mais<br />

é, alguns homens viciosos e perversos viverem até feli<br />

zes neste mundo, em quanto muitos homens honestos<br />

e virtuosos vergão <strong>de</strong>baixo do peso da <strong>de</strong>sgraça. Para<br />

aquelles, posto que rallados pelos remorsos da conscien<br />

cia até a chegarem a calejar com o habito do crime,<br />

certamente não se pó<strong>de</strong> dizer sufficiente a sancção da Lei<br />

Natural. Porém não se <strong>de</strong>ve para a universalida<strong>de</strong> dos<br />

homens concluir d'alguns, que não curvão a cabeça dian<br />

te da sancção das Leis Naturaes. A natureza felizmente<br />

cria poucos monstros, comparados com a generalida<strong>de</strong><br />

dos homens honestos. * * * * * * * # * * * , º<br />

" No entretanto Martini respon<strong>de</strong> á objecção, que<br />

com similhantes exemplos se pó<strong>de</strong> fazer contra a sanc<br />

ção das Leis Naturaes, dizendo, que a razão humana<br />

pelo conhecimento, que tem, da natureza <strong>de</strong> Deos, e<br />

das relações naturaes do homem para com Deos e para<br />

com os outros seres, <strong>de</strong> que se compõe o universo, com<br />

prehen<strong>de</strong>, que o homem <strong>de</strong>ve esperar, além da sancção<br />

nesta vida, outros premios e penas, que a tornem pro<br />

porcionada á gravida<strong>de</strong> das violações da Lei Natural.<br />

Na verda<strong>de</strong>, Deos pela sua infinita Justiça, Omni<br />

potencia e Omnisciencia não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> premiar a<br />

observancia e punir as infraçções da sua Lei, segundº O<br />

A * * * *<br />

, , …<br />

- - -, . - — meTltO


(…)<br />

merito ou <strong>de</strong>merito <strong>de</strong> cada um. Até aqui chega a razão?<br />

Agora qual seja a sancção futura, só a Revelação o pó<strong>de</strong><br />

Natural. dizer, e esta " fica " além …………. dos… limites … . . da. sciencia do Direito•<br />

Era aqui o lugar <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r a Bentham, se elle,<br />

em vez d'injurias, produzisse solidas razões contra a exi<br />

stencia do DireitoR#" Bentham copía algumas pas<br />

sagens avulsas <strong>de</strong> Blackstone, combate-as, faz algumas<br />

pequenas observações, e diz: «Não se pó<strong>de</strong> raciocinar<br />

º com fanaticos; armados d'um Direito Natural, que<br />

« cada um enten<strong>de</strong> como lhe agrada, applica <strong>segundo</strong><br />

« lhe convem , etc.»" . …<br />

"Desculpenios o homem <strong>de</strong> genio, e que com suas<br />

obras tanto servio á causa da humanida<strong>de</strong>. Bentham na<br />

da via fóra da esfera da utilida<strong>de</strong>. A utilida<strong>de</strong> era para<br />

Bentham uma rainha absoluta, que com seu sceptro <strong>de</strong><br />

ferro esmagava o Direito Natural, e governava <strong>de</strong>spoti<br />

camente em materia <strong>de</strong> legislação. Já examinámos este<br />

systema (a), e aindaque elle nos não agrada, nem por is<br />

so faltaremos ao respeito, <strong>de</strong>vido a tão illustrado Phi<br />

losopho, e profundo JCto. Seguimos o conselho <strong>de</strong> Droz,<br />

que diz: «Muitas doutrinas se appresentão: ponhamos<br />

º <strong>de</strong> parte as <strong>de</strong>feituosas e incompletas. Porém respeite<br />

((<br />

mos todas as outras, e não nos torne a nossa escolha<br />

injustos para com nenhuma. Os espiritos exclusivos<br />

causão muito mal, e tolhem muito bem (b). »<br />

CAP. III.<br />

Dos PRINCIPros e PRoPRIEDADES DAs LEIs nºva…<br />

+ S.<br />

I. O I ,<br />

D… principio <strong>de</strong> conhecimento das Leis Naturaes<br />

aquillo, pelo que chegamos a cônhecel-as. Divi<strong>de</strong>-se<br />

(a) Appendix ao C. ". 7 Benjam. Const, Politiq. Const. T. 1. , Dr.<br />

loppements C. à 1. |-<br />

(b) De la Philosophie Morale C. 2o.


(66 )<br />

em principio subjectivo, ou per qued, que é a faculda<br />

<strong>de</strong>, que o homem tem <strong>de</strong> cºnhecer as Leis Naturaes;<br />

e principio objectivo, ou ex quo, que é a fonte, ou<br />

axioma geral, don<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir todas e sómente<br />

as Leis Naturaes (a).<br />

-<br />

A experiencia mostra, que esta faculda<strong>de</strong> se encon<br />

tra em todo o homem, qualquer que seja o seu <strong>de</strong>sen<br />

volvimento intellectual; apparece no menino e no sel<br />

vagem, no homem adulto e no civilizado. Porém esta<br />

faculda<strong>de</strong>, bem como todas as outras do homem, neces<br />

sita d'uma educação e <strong>de</strong>senvolvimento, para que o ho<br />

mem possa adquirir as verda<strong>de</strong>iras idêas do que é justo,<br />

e do que é Direito nas differentes e multiplicadas rela<br />

ções da vida e da socieda<strong>de</strong>.<br />

-<br />

Esta faculda<strong>de</strong> é filha da natureza: e por isso todo<br />

o homem pela instrucção pó<strong>de</strong> chegar pelo menos a co<br />

nhecer as verda<strong>de</strong>s fundamentaes do Direito (b).<br />

§ 1o2.<br />

Martini coloca primeiro esta faculda<strong>de</strong> no senso mo<br />

ral, e nos verda<strong>de</strong>iros estimulos da natureza, que nunca<br />

são inteiramente suffocados. O senso moral é um sentido<br />

interior, cujas funcções algumas vezes nos levão momen<br />

taneamente a <strong>de</strong>scobrir o que as nossas acções têm <strong>de</strong><br />

boas ou justas, e <strong>de</strong> más ou injustas. Sobre este sexto<br />

sentido fundou Hutcheson (c) o seu systema. Os estimulos<br />

são as propenções, que arrastão o homem para a pratica<br />

<strong>de</strong> certas acções. Po<strong>de</strong>m ser naturaes, ou adventicios, i. é<br />

filhos dos habitos, educação, etc. Martini falla sómente<br />

dos verda<strong>de</strong>iros, i. é, dos naturaes, e accrescenta, que<br />

nunca são completamente suffocados, para respon<strong>de</strong>r á<br />

objecção d'alguns, que dizião, que havia póvos, entre os<br />

quaes se não <strong>de</strong>scobrem vestigios <strong>de</strong> similhantes estimu<br />

los.<br />

§ 1o3.<br />

Os estimulos, diz Martini, não bastão para submi<br />

(a) (b) Sr. Fortuna L., 1.C. 2. S. 124.<br />

Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Gén. C. 1. S. I.<br />

(c) Appendix ao C. 1.


- §.<br />

( 67 )<br />

nistrar ao homem um pleno conhecimento do Direito<br />

Natural. Além <strong>de</strong> que é necessario distinguir bem os<br />

estimulos naturaes dos adventicios, que muitas vezes to<br />

mão o lugar daquelles. Só a razão pois pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir<br />

plenamente os <strong>direito</strong>s e obrigações naturaes, não só<br />

porque só ella pó<strong>de</strong> ver o nexo do verda<strong>de</strong>iro bem e do<br />

verda<strong>de</strong>iro mal com as acções, don<strong>de</strong> nascem as obriga<br />

ções, leis e <strong>direito</strong>s, mas porque só ella pó<strong>de</strong> separar os<br />

estimulos genuinos dos espurios.<br />

Hoje sómente se admitte, como principio subjecti<br />

vo <strong>de</strong> conhecimento das Leis Naturaes, a razão, e não os<br />

estimulos ou senso moral, <strong>de</strong> que já falámos (a).<br />

Já dissemos, que o Direito exprimia uma idêa<br />

<strong>de</strong> relação e <strong>de</strong> correspon<strong>de</strong>ncia (b). O mesmo dizemos<br />

do justo, que se refere particularmente á vida, e con<br />

siste na conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todas as condições com o<br />

fim, para conseguir o qual são necessarias. Ora estas<br />

idêas <strong>de</strong> relação, bem como as <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e harmonia, são<br />

reservadas sómente á intelligencia ou á razão huma<br />

na (c). De mais, se o Direito consiste nas condições ne<br />

cessarias para o <strong>de</strong>senvolvimento e cumprimento dos fins<br />

racionaes do homem, sómente á força <strong>de</strong> muitos juizos<br />

se po<strong>de</strong>m conhecer todas aquellas condições, e <strong>de</strong>termi<br />

nar os verda<strong>de</strong>iros fins <strong>de</strong>stinados pela natureza. Estes<br />

juizos são actos da razão, e não do sentimento, dos<br />

instinctos, ou do bom senso. A razão pois é a unica fa*<br />

culda<strong>de</strong>, pela qual po<strong>de</strong>mos conhecer o Direito Natu-º<br />

ral, que por isso se pó<strong>de</strong> chamar o Direito da razão, ou<br />

o Direito racional.<br />

114.<br />

Appresenta o axioma ou principio objectivo, don<strong>de</strong><br />

se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir as Leis Naturaes: — Todas as acções<br />

livres, que são conformes aos fins naturaes das cousas<br />

creadas, são mandadas pela Lei Natural; as que lhes<br />

repugnão são prohibidas; e as que são igualmente idoneas<br />

para os conseguir, são permittidas.<br />

(*) Appendix ao C. 1.<br />

(b) S. 84. -<br />

(c) Ahrens Cours <strong>de</strong> Philosophie Tom. 1. Leç. ».<br />

* * *


- (<br />

68)<br />

Este axioma pó<strong>de</strong>-se acceitar; porque se observar><br />

mos, que todos os seres do mundo fysico trabalhão por<br />

conseguir seus fins; concluiremos que o homem, corôa da<br />

creação, a quem a natureza <strong>de</strong>stinou para fins mais ele<br />

vados, que conhece esses fins e as condições para elles<br />

necessarias, e que é dotado do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> obrar d'um modo<br />

conveniente para os alcançar, não pó<strong>de</strong> razoavelmente<br />

subtrahir-se a cumprir todas aquellas condições. De mais,<br />

a natureza foi tão provi<strong>de</strong>nte, que ligou ás condições e<br />

cumprimento dos fins do homem o seu bem e felicida<strong>de</strong>.<br />

O homem pois não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> conformar-se com os<br />

seus fins racionaes, sem ser infeliz e <strong>de</strong>sgraçado, e ainda<br />

em muitos casos sem per<strong>de</strong>r a existencia. Daqui facil<br />

mente se vê, que o homem tem obrigação <strong>de</strong> obrar na<br />

conformida<strong>de</strong> dos fins da ereação; daqui as leis, e o<br />

Direito Natural (a). -<br />

Porém Martini não diz só, que <strong>de</strong>vemos em nossas<br />

acções respeitar os fins assignados ao genero humano;<br />

mas quer, que obremos em harmonia tambem com os<br />

fins das outras cousas creadas. O homem não é um ente<br />

solitario no mundo; mil relações o pren<strong>de</strong>m aos seus si<br />

milhantes e aos outros seres, que o cercão. De todos ne<br />

cessita para o seu <strong>de</strong>senvolvimento. Todos os seres estão<br />

ligados na escála da creação, e <strong>de</strong>vem dirigir-se ao fim<br />

geral e commum, don<strong>de</strong> nasee a or<strong>de</strong>m e harmonia, que<br />

e o homem conhece e admira. O homem pois <strong>de</strong>ve respei<br />

tar essa or<strong>de</strong>m e harmonia, e os fins dos outros seres,<br />

alias romperá as relações, que a elles o ligão, e irá mãe<br />

só contra a natureza em geral, mas contra a sua propria<br />

(b). *><br />

+ §. 115.<br />

O homem tem fins intermedios, como a sua existen<br />

cia, e o uso das suas faculda<strong>de</strong>s, algumas das quaes se re<br />

ferem necessariamente aos seus similhantes; e tem um<br />

fim ultimo, que é a manifestação da gloria <strong>de</strong> Deos (e).<br />

Por tanto os Officios do homem po<strong>de</strong>m reduzir-se a tres<br />

(a) Burlamaq. Princip. du Droit Natur. P. 1.C 5.<br />

(b) Jouffroy Cours da Droit Naturel. , , " ".<br />

(c) S. 59. •


•<br />

( 69 )<br />

secções: para com Deos,— culto; para com nosco, —Ji<br />

laucia; e para com os outros, — sociabilida<strong>de</strong>.<br />

A estas tres especies <strong>de</strong> Deveres ou Officios Naturaes<br />

assignão alguns diversos principios: o sentimento religio<br />

so aos Officios para com Deos; o amor <strong>de</strong> nós aos Officios<br />

para com nosco; e o sentimento da sociabilida<strong>de</strong> aos Of<br />

ficios para com os nossos similhantes (a).<br />

Nós, conhecendo que esta divisão tem sido ado<br />

ptada por muitos Philosophos, e que as divisões são arbi<br />

trarias, e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes do modo d'encarar os objectos,<br />

não nos cançaremos com a analyse da sua exactidão e<br />

conveniencia scientifica; e só faremos algumas reflexões<br />

relativas aos seres vivos, os quaes, como nós, são dotados<br />

<strong>de</strong> sensibilida<strong>de</strong>, e até d'alguma intelligencia, e que Mar<br />

tini não comprehen<strong>de</strong> na esfera do Direito Natural, por<br />

que os exclue da sua divisão <strong>de</strong> Officios Naturaes.<br />

Hoje, <strong>de</strong>pois que tem sido melhor estudadas as<br />

funcções dos animaes, não é permittido negar-lhes uma<br />

vida intelligente, que <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> muitas relações é ana<br />

loga á que se manifesta nos homens. Os animaes mostrão<br />

ter imaginação, reflexão, juizo e memoria. A differença<br />

está pois em que o homem tem uma applicação mais ele<br />

vada <strong>de</strong>stas faculda<strong>de</strong>s, que lhe são communs com os<br />

outros animaes, e em ser dotado d'algumas, que lhe são<br />

privativas, e pelas quaes se eleva ás idêas <strong>de</strong> relação do<br />

bem, do justo e do bello, ás idêas geraes <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e<br />

harmonia, etc. A mesma superiorida<strong>de</strong> ostenta o ho<br />

mem nos sentimentos, e na força da vonta<strong>de</strong>, dirigin<br />

do-se não só aos fins indicados pelas sensações, mas pro<br />

pondo-se fins racionaes e distantes, pelo conhecimento,<br />

que tem, das causas e effeitos, e da conveniencia e justi<br />

ça <strong>de</strong>sses fins remotos (b).<br />

Bentham, que reduz toda a philosophia juridica ao<br />

prazer e á dôr, vendo que os animaes experimentão estas<br />

sensações, não quer saber se elles raciocinão, ou tem<br />

intelligencia; e só por aquelle principio faz votos para<br />

que algum Moralista bemfazejo tome os animaes <strong>de</strong>baixo<br />

da sua protecção, reivindicando seus <strong>direito</strong>s á protecção<br />

das leis e á sympathia dos homens virtuosos (e).<br />

(a) Appendix ao C. 1. Systema <strong>de</strong> Montesquieu,<br />

(*) Ahrens Cours <strong>de</strong> Philosophie Leç. 2.<br />

(e) Deontologie P. 1. C. 1.


(7o )<br />

Os inglezes tem estabelecidº socieda<strong>de</strong>s protectoras<br />

dos animaes, para que ao menos não sejão tractados<br />

com cruelda<strong>de</strong>, não só inutil para o homem, mas até<br />

prejudicial, em quanto o homem, acostumado a ver sof<br />

frer impunemente os animaes, vai adquirindo habitos<br />

crueis e ferozes, que o tornão propenso a passar facil<br />

mente da cruelda<strong>de</strong> para com os animaes á cruelda<strong>de</strong><br />

para com seus similhantes.<br />

Na Prussia acabão <strong>de</strong> ser reconhecidos os <strong>direito</strong>s dos<br />

animaes, prohibindo-se por uma lei o tractal-os cruel<br />

mente sem necessida<strong>de</strong>.<br />

E com effeito é razão affirmar, que todos os ani<br />

maes, que são dotados <strong>de</strong> intelligencia, ou ao menos <strong>de</strong><br />

sensibilida<strong>de</strong>, possão gozar <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s. Porém nós já<br />

dissemos, que os animaes nunca po<strong>de</strong>m ter conhecimento<br />

da justiça, e muito menos pratical-a. Por isso, ainda<br />

que a nossa consciencia nos leve a reconhecer-lhes direi<br />

tos, todavia elles não po<strong>de</strong>m entrar na esfera do Direito<br />

Natural, que se limita sómente aos seres, que se achão<br />

na mesma linha <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, i. é, aos homens (a).<br />

§. 121.<br />

Daqui até o fim do Capitulo tracta Martini das pro<br />

prieda<strong>de</strong>s das Leis Naturaes. Baste porém saber em sum<br />

ma, que tendo ellas seu fundamento na essencia e nos<br />

principios constitutivos da natureza humana, que appa<br />

recem constante e inalteravelmente em todos os ho—<br />

mens (5), são immutaveis e universaes, comprehen<strong>de</strong>ndo<br />

a todos os homens e a todas as suas acções livres. E visto<br />

como pela luz da razão as po<strong>de</strong>mos conhecer (c), tambem<br />

são claras e sufficientemente promulgadas. Finalmente<br />

consistindo a sua sancção nos bens e males, que são con<br />

sectarios necessarios das acções (d), são igualmente san<br />

tas, i. é, não po<strong>de</strong>m impunemente ser violadas.<br />

Ahrens cours <strong>de</strong> Droit Nat, Part, Génér, C. 1. S. 1, …<br />

• xibinet<br />

• •<br />

(a)<br />

(b)<br />

(c)<br />

S. 5o. Appendix ao C. 1.<br />

S. 103.<br />

•<br />

(d) S. 74.<br />

• !<br />

O zoº 1,<br />

e\tº


(71 )<br />

CAP. IV.<br />

nos praEITos UNIvERsAEs Dos HoMENs, E DA DIFFERENÇA<br />

DAs Acções moRAEs, QUE D'ELLEs sE DEDUz.<br />

DEas rubrica se vê, que Martini principia a tractar<br />

dos Direitos universaes do homem, quando parece que<br />

<strong>de</strong>vêra antes tractar das Leis Naturaes, d’on<strong>de</strong> elles sé<br />

<strong>de</strong>rivão; porque Martini propoz-se tratar da Legislação<br />

Natural;— De Lege Naturali inscreve elle este Compen<br />

dio. No entretanto, se nos lembrarmos <strong>de</strong> que leis,<br />

<strong>direito</strong>s, officios e obrigações são cousas correlativas, <strong>de</strong><br />

modo que dada a existencia d’uma, as outras necessaria<br />

mente hão <strong>de</strong> existir (a), facilmente comprehen<strong>de</strong>remos,<br />

que pelo conhecimento d’uma po<strong>de</strong>mos chegar ao conhe<br />

cimento <strong>de</strong> todas as outras. Assim, sabendo nós quantos<br />

e quaes são os Direitos universaes do homem, saberemos<br />

quaes são os officios, obrigações e leis, que lhes cor<br />

respon<strong>de</strong>nt (5).<br />

§. 135.<br />

O homem recebeo da natureza Direitos stricte taes,<br />

e Direitos&### (c). Por quanto nós já provámos a<br />

existencia <strong>de</strong> Leis Naturaes (d), e que estas erão univer<br />

saes, comprehen<strong>de</strong>ndo a todos os homens (e); e tambem<br />

já <strong>de</strong>monstrámos, que obrigações, leis, e <strong>direito</strong>s erão<br />

cousas correlativas, <strong>de</strong> modo que não podião existir<br />

aquelas sem estes (f). Portanto, dada a existencia das<br />

Leis Naturaes, hão <strong>de</strong> os homens necessariamente ter Di<br />

reitos Naturaes, tanto stricte taes para praticar as acções<br />

mandadas, e omittir as prohibidas, como permissivos, ou<br />

liberda<strong>de</strong> moral <strong>de</strong> optar entre as acções indifferentes,<br />

(a) S. 85 e 86.<br />

(b) Sr. Fortuna L. t. C, 6, § 141.<br />

(c) S. 84. e 85. • •<br />

(d) S. 9o e seg.<br />

(*) S. 1 a 1. * * *<br />

(f) S. 85. e 86.


-<br />

(72 )<br />

- - - S.<br />

136.<br />

Martini divi<strong>de</strong> as obrigações e <strong>direito</strong>s naturaes em<br />

absolutos, connatos, ou primegenios, que são os <strong>direito</strong>s<br />

e obrigações, que nascem da natureza humana geral<br />

mente consi<strong>de</strong>rada, i. é, da natureza, que se <strong>de</strong>duz das<br />

tres fontes, <strong>de</strong> que já falámos (a), ou, como se explicão<br />

hoje os Philosophos, que nascem dos principios elemen<br />

tares da natureza, que se encontrão em todos os homens<br />

sempre constantes e invariaveis; e hypotheticos, adven<br />

ticios, ou adquiridos, que são os <strong>direito</strong>s e obriga<br />

ções, que tem o seu principio não só na natureza,<br />

mas conjunctamente em algum facto do homem. Os pri<br />

meiros chamão-se tambem universaes ou communs, por<br />

isso que competem a todos os homens; os <strong>segundo</strong>s di<br />

zem-se singulares, particulares ou proprios, porque só<br />

competem á pessoa ou pessoas, que praticárão o fa<br />

cto. Martini diz que estes <strong>direito</strong>s e obrigações se chamão<br />

singulares em certo sentido; porque tambem se po<strong>de</strong>m<br />

chamar universaes, em quanto po<strong>de</strong>m competir a todas<br />

as pessoas, que praticarem os factos, d’on<strong>de</strong> elles se <strong>de</strong><br />

duzem (b). |-<br />

. Antes <strong>de</strong> passar adiante, cumpre observar: 1.º que,<br />

quando aos <strong>direito</strong>s connatos chamamos absolutos, que<br />

remos dizer, que elles provém sómente da natureza,<br />

e não que elles sejão absolutos, por não terem limites;<br />

porque sendo todos os homens dotados da mesma natu<br />

reza, e por isso dos mesmos <strong>direito</strong>s, é forçoso que elles<br />

sejão limitados uns pelos outros, e que os <strong>direito</strong>s abso<br />

lutos d'um homem vão até on<strong>de</strong> chegão os <strong>direito</strong>s abso<br />

lutos dos outros (c) , • -- * * * *<br />

2." Que estes <strong>direito</strong>s, porque nascem da natureza<br />

humana, e o homem goza d’elles só porque é homem,<br />

não necessitão <strong>de</strong> provas para o homem os fazer valer<br />

diante dos outros homens, ou da socieda<strong>de</strong>, em que vi<br />

ve, e para todos os <strong>de</strong>verem reconhecer (d). _...____<br />

3." Que não po<strong>de</strong>ndo haver Direito sem um titulo,<br />

(a) S. 5o. •<br />

, |<br />

T * • • • • — • ----<br />

• • :<br />

(b) (c) Sr. Ahrens Fortuna CoursC. <strong>de</strong>6. Droit S. 144., Nat. Martini Part. Gén. Exercit., C. 3. S. S. 156. :<br />

•<br />

(d) Ahrens lºc. cit. - •<br />

* *<br />

* * *


• 5."<br />

(73)<br />

ou razão, em que se fun<strong>de</strong>, o titulo do Direito é <strong>de</strong> duas<br />

especies: geral, que está na natureza do homem, para<br />

cujo <strong>de</strong>senvolvimento pó<strong>de</strong> aspirar ás condições essen<br />

ciaes, que são necessarias; e neste titulo se fundão os di<br />

reitos connatos e universaes do homem: e especial, que<br />

se encontra em algum facto, que o homem pratica só,<br />

ou conjunctamente com outros; e neste titulo tem seu<br />

fundamento os Direitos hypotheticos ou singulares (a);<br />

4." Que os Direitos hypotheticos não são mais do<br />

que os Direitos connatos applicados a hypothese particu<br />

lar, don<strong>de</strong> aquelles nascem, v.g., á hypothese d'um con<br />

tracto; e assim dizemos, que as pretenções e obriga<br />

º cães, que nascem d'um contracto são justas, ou injustas;<br />

porque acima <strong>de</strong>sse contracto ha <strong>direito</strong>s primitivos,<br />

que os estipulantes não po<strong>de</strong>m violar, e que antes <strong>de</strong><br />

vem respeitar. E com effeito se acima <strong>de</strong> qualquer con<br />

tracto não houvesse algum <strong>direito</strong> primitivo, que o<br />

regulasse, seguia-se, que todas as pretenções e obriga<br />

ções estipuladas no contracto serião justas, por mais<br />

absurdas e immoraes que fossem, sómente porque o ti<br />

tulo particular do contracto as justificava. Por tanto o<br />

titulo particular é sempre subordinado ao titulo geral,<br />

e o Direito hypothetico sempre se refere mais ou menos<br />

ao Direito absoluto, que fica <strong>de</strong>terminado pelo contra<br />

cto, e passa a ser uma relação juridiea individual, i. é,<br />

um Direito adquirido ou hypothetico (b).<br />

Finalmente, que não po<strong>de</strong>ndo o homem per<br />

<strong>de</strong>r a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> homem, nem renunciar á sua nature<br />

za, que é o título ou fundamento unico dos Direitos<br />

absolutos e universaes, não pó<strong>de</strong> o homem, por qualquer<br />

modo que seja, alienar estes Direitos, nem perdêl-os por<br />

Prescripção (e). Pelo que pertence aos Direitos adquiri<br />

dos ou hypotheticos, fallaremos a seu tempo (d).<br />

§. 137.<br />

Entre os Direitos connatos enumera Martini pri<br />

meiro o d'igualda<strong>de</strong>, ou antes diz, que estes Direitos<br />

fa) Ahrens loc. cit. S. 2.<br />

, (b) Ahrens loc. cit. S. 2 e 6., Burlamaq. P. 4. C. 1. S. 3.<br />

(c) Ahrens loc. cit, S: 4., Sr. Fortuna C. 6. S. 147.<br />

(d) S. 482 e seg.


•<br />

( 74 )<br />

são iguaes, ou que os homens, absolutamente consi<strong>de</strong>ra<br />

rados, vivem num <strong>estad</strong>o d'absoluta igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Di<br />

reitos. Esta materia tracta Martini neste $ e nos seguin<br />

tes até o S. 14o.<br />

Martini estabelece a proposição, que os Direitos<br />

connatos em todos os homens tem a mesma qualida<strong>de</strong><br />

e quantida<strong>de</strong>. Martini enten<strong>de</strong> por qualida<strong>de</strong> a nota ou<br />

<strong>de</strong>terminação, pela qual uma cousa se distingue das on<br />

tras, e que se pó<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r distinctamente sem outro<br />

assumpto. Se porém se não pó<strong>de</strong> comprehen<strong>de</strong>r sem ou<br />

tro assumpto, chama-se quantida<strong>de</strong>. Com effeito, <strong>de</strong>ri<br />

vando-se estes Direitos immediatamente da essencia, e<br />

natureza commum dos homens, não po<strong>de</strong>m elles <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>nticos em todos os homens; e por isso <strong>de</strong> ter<br />

em todos a mesma qualida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong>, i. é, hão <strong>de</strong><br />

todos os homens ter o mesmo gráo, e numero <strong>de</strong> Direi<br />

tOS.<br />

Daqui tira Martini o corollario, que estes Direitos<br />

são em todos os homens similhantes, porque em todos<br />

tem a mesma qualida<strong>de</strong>; iguaes, porque tem a mesma<br />

quantida<strong>de</strong>; e congruentes, porque tem a mesma qua<br />

lida<strong>de</strong> e quantida<strong>de</strong> (a).<br />

Hoje não ligamos ás palavras, <strong>de</strong> que Martini se<br />

serve, as mesmas idêas. Diz-se quantida<strong>de</strong> a gran<strong>de</strong>za,<br />

quando se tracta d'extensão e numeros; á gran<strong>de</strong>za <strong>de</strong><br />

qualquer qualida<strong>de</strong> absoluta ou relativa, material ou<br />

immaterial, dá-se o nome d'intensida<strong>de</strong>. Dizemos simi<br />

lhantes dous objectos, nos quaes ha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> d'algumas<br />

qualida<strong>de</strong>s; conformes, quando ha i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> inteira; e<br />

analogos, quando a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>s essen<br />

ciaes (b).<br />

Assim, querendo hoje exprimir a doutrina <strong>de</strong> Mar<br />

tini, <strong>de</strong>vemos dizer, que os Direitos connatos em todos os<br />

homens são iguaes e conformes, Porém não po<strong>de</strong>mos di<br />

zer, que são similhantes.<br />

(a) Martini Exercit. S. 137.<br />

(b) Sr. Silvestre Pinheiro Noç. d'Ont, ao e 45.


-<br />

( 75)<br />

§. 138. •<br />

… ;<br />

Deduz outro corollario da total igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes<br />

Direitos absolutos: — que entre os homens, consi<strong>de</strong>ra<br />

dos como homens, não ha nem prerogativa, nem prece<br />

<strong>de</strong>ncia. Chama prerogativa o <strong>direito</strong>, <strong>de</strong> que goza<br />

um homem <strong>de</strong> preferencia aos outros, que alias tem<br />

iguaes <strong>direito</strong>s; e prece<strong>de</strong>ncia o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong> na<br />

or<strong>de</strong>m, que todos <strong>de</strong>vem observar: v.g., se feitos dous<br />

quinhões iguaes da herança paterna, para dous irmãos,<br />

um d'elles tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>scolher, diz-se que tem prero<br />

gativa; se porém um dos dous irmãos no acompanha<br />

mento do pai tiver o primeiro lugar, dir-se-ha que tem<br />

prece<strong>de</strong>ncia. Esta tal ou qual diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitos <strong>de</strong><br />

prero gativa e prece<strong>de</strong>ncia certo repugna á absoluta igual<br />

da<strong>de</strong>, que Martini estabeleceo no §, antece<strong>de</strong>nte (a).<br />

$ 139.<br />

Dá outra <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> <strong>estad</strong>o moral, diversa da que<br />

<strong>de</strong>u em outro lugar (4): — o complexo dos <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong><br />

que actualmente se achão os homens investidos. Martini<br />

justifica esta nova <strong>de</strong>finição pela que <strong>de</strong>u <strong>de</strong>stado (c), e<br />

<strong>de</strong> <strong>estad</strong>o moral (d); porque todas as <strong>de</strong>terminações, que<br />

se referem á liberda<strong>de</strong>, são sempre acompanhadas <strong>de</strong><br />

algum <strong>direito</strong>. E com effeito seguindo os principios,<br />

que <strong>de</strong>ixamos expostos, todas as acções livres são boas<br />

ºu más, e por isso justas ou injustas, e objecto <strong>de</strong> leis,<br />

<strong>direito</strong>s e obrigações naturaes (e).<br />

§ 14o.<br />

. Ainda do principio, — que os Direitos absolutos são<br />

lºteiramente iguaes em todos os homens, – tira outro<br />

corollario,— que os homens consi<strong>de</strong>rados absolutamente,<br />

(a) Encyclop. Méthod. Jurisprud. V. Prérogative,<br />

(b) S. 55. -<br />

(c) S. 54.<br />

(d) S. 55.<br />

(*) SS. 6o, 64,72,79 e 84.<br />

|<br />


( 76 )<br />

ou só com referencia á sua origem, vivem em um <strong>estad</strong>o<br />

d'inteira igualda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> modo que aquillo, que é prohibi<br />

do a um, não pó<strong>de</strong> ser permittido aos outros, nem o que<br />

é permittido a um pó<strong>de</strong> ser prohibido ou mandado aos<br />

outros. Finalmente tira outro corollario,—que a <strong>de</strong>s<br />

igualda<strong>de</strong>, que se observa nos homens, ou é sómente fy<br />

sica, ou <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s hypotheticos, provenientes da diver<br />

sida<strong>de</strong> do nascimento, do sexo, da ida<strong>de</strong>, da indole, do<br />

engenho, etc., characteres estes, que não entrão na es<br />

sencia e natureza commum dos homens (a). -<br />

Da doutrina <strong>de</strong>stes quatro §§. o unico principio<br />

importante, que po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir, é que os Direitos<br />

commatos são inteiramente iguaes em todos os homens,<br />

ou que entre os Direitos connatos se <strong>de</strong>ve contar em pri<br />

meiro lugar o Direito d'igualda<strong>de</strong> moral, ou a igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Direitos provenientes da natureza humana. Cumpre<br />

porém examinar toda a esfera <strong>de</strong>ste importante Direito,<br />

<strong>de</strong> que a natureza dotou a todos os homens.<br />

Todos os Philosophos contão o Direito d'igualda<strong>de</strong><br />

entre os Direitos absolutos, <strong>de</strong> que estamos tractando<br />

(b), e tem em gran<strong>de</strong> conta este principio, pelas impor<br />

tantes consequencias, que d'elle se <strong>de</strong>duzem.<br />

Esta igualda<strong>de</strong> é um resultado da natureza humana,<br />

que já dissemos que em seus elementos constitutivos<br />

era commum a todos os homens, porque o typo do ge<br />

nero humano era só um (e). O reino animal na verda<strong>de</strong><br />

divi<strong>de</strong>-se em differentes especies d'animaes, as quaes<br />

varião em organização e natureza, <strong>segundo</strong> o lugar, que<br />

occupão na escála animal <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os mais imperfeitos até<br />

aos superiores. Porém em cada especie ha seu typo, sua<br />

natureza commum. Assim a especie humana, posto que<br />

abranja differentes raças, tem uma natureza fundamental<br />

e commum a todas ellas. Ha na verda<strong>de</strong> algumas diffe<br />

renças, mas não são essenciaes, porque todas as raças<br />

na parte fysica são dotadas dos orgãos necessarios ávida,<br />

e na parte moral <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nticas faculda<strong>de</strong>s do pensamento.<br />

A raça branca parece ter estas faculda<strong>de</strong>s mais perfeitas—º<br />

(a) S. 61. ••<br />

(b) Burlamaq. P. 4, C. 1., Sr. Fortuna L. 1. C. 6. S. 152 , Ahrens<br />

Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Spéc. C. 1. S. 1.<br />

(e) S. 5o. …"


(77)<br />

Porém como as outras raças tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> as <strong>de</strong>senvol<br />

ver, po<strong>de</strong>m todas ellas conseguir os fins da creação, em<br />

pregando para isso as condicções necessarias (a).<br />

Porém, se ha igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitos absolutos pro<br />

venientes dos principios fundamentaes da natureza, a <strong>de</strong>s<br />

igualda<strong>de</strong> dos Direitos hypotheticos apparece com cedo,<br />

ou seja pela diversida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>senvolvimento, que cada<br />

homem dá ás suas faculda<strong>de</strong>s, ou pela diversida<strong>de</strong> d'appli<br />

cação a certo fim, para que tem vocação; porque sendo<br />

tantos e tão vastos os fins, que a provi<strong>de</strong>nte natureza<br />

indicou aos homens, cada homem não pó<strong>de</strong> dirigir-se a<br />

todos, e tem por isso a faculda<strong>de</strong> dopção, como senhor<br />

do seu <strong>de</strong>stino, para se dirigir áquelle, que mais se cone<br />

forma com a sua condição <strong>natural</strong>. Desta diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e applicação nasce gran<strong>de</strong> diversida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s hypotheticos. Isto porém não obstante, os di<br />

versos fins, que o homem pó<strong>de</strong> propôr-se, como pro<br />

venientes da mesma natureza, são todos igualmente im<br />

portantes como fins humanos, e º no , o ,<br />

Do que levamos dito se vê, que é necessario consi<strong>de</strong><br />

rar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> tres pontos <strong>de</strong> vista : 1.° igual<br />

da<strong>de</strong> fundamental <strong>de</strong> disposições e faculda<strong>de</strong>s; 2.° <strong>de</strong>s:<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e applicação; 3.° igualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os ramos da activida<strong>de</strong> humana.<br />

Da igualda<strong>de</strong> fundamental <strong>de</strong> disposições e faculda<br />

da<strong>de</strong>s nasce o <strong>direito</strong> connato, que tem igualmente todos<br />

os homens para que se alhes subministrem as condições<br />

necessarias para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s<br />

essenciaes, v. g. a educação e instrucção do espirito, e<br />

os meios fysicos necessários para a vida material. - -<br />

Da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e applicação<br />

nascem <strong>direito</strong>s hypothetiços diversos; porque <strong>segundo</strong><br />

o fim, a que o homem se dirige, e <strong>segundo</strong> o <strong>estad</strong>o do<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento, assim necessita <strong>de</strong> diversas condi<br />

ções: v. g., o homem, que se applica ás sciencias, ha mister<br />

condições diversas daquellas, <strong>de</strong> que necessita o que se<br />

entrega a qualquer ramo d'industria. Porém nesta <strong>de</strong>s<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direitos hypotheticos está ainda a verda<br />

(a) Vid, os nossos Elementº <strong>de</strong> Direito das cent, Secç. 2. Art. 4o.,<br />

# Idées sur la Philosophie <strong>de</strong> l'Histoire <strong>de</strong> l'Humanité T. aº<br />

* 7- ** 1. et 2. - - -----------------— - - --- -----------<br />

- * . * ..." .……..… , º s": , ". … * …


• - **<br />

*<br />

(78)<br />

<strong>de</strong>ira igualda<strong>de</strong>; pois seria <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> dar cousas iguaes<br />

équelles, cujo merito é <strong>de</strong>sigual. -*<br />

Finalmente da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os<br />

ramos da activida<strong>de</strong> do homem segue-se, que se não <strong>de</strong><br />

vem conce<strong>de</strong>r a nenhuma das profissões sociaes prerogati<br />

vas, privilegios, qu distincções, que tornem uma superior<br />

á outra. Diz-se, que para haver uma direcção social é<br />

necessaria uma hierarchia <strong>de</strong> condições e funcções, em<br />

que umas estejão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes das outras. Porém ainda<br />

mesmo admittida essa <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, esta não pó<strong>de</strong> tirar<br />

lhe a sua igual importancia; No corpo humano todas as<br />

funcções se achão enca<strong>de</strong>adas e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes umas das<br />

outras, e todas são igualmente importantes.<br />

A igualda<strong>de</strong> divi<strong>de</strong>-se em material, e formal. Diz<br />

se igualda<strong>de</strong> material a que resulta da repartição igual<br />

<strong>de</strong> todos os bens sociaes entre todos os individuos, como<br />

ha em algumas corporações religiosas, e houve em algu<br />

mas socieda<strong>de</strong>s nascentes, e que alguns Escriptores po<br />

liticos ainda olhão como o fim, a que <strong>de</strong>vem ten<strong>de</strong>r to<br />

das as reformas sociaes. * * * { } . , , ,<br />

Esta igualda<strong>de</strong> material repugna á <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento e applicação. Não se po<strong>de</strong>m tractar<br />

igualmente condições <strong>de</strong>siguaes.<br />

•<br />

A igualda<strong>de</strong> formal é a igualda<strong>de</strong> diante da lei.<br />

Esta igualda<strong>de</strong> ante a lei não evita as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s so<br />

ciaes. A lei igualmente protege, premeia, ou castiga a<br />

todos os que são por ella comprehendidos, por se acha<br />

TeIII na# sobre que provi<strong>de</strong>nceia, mas <strong>de</strong>ixa<br />

livre a cada um o seu <strong>de</strong>stino, e o uso dos meios ou con<br />

dições necessarias para o obter (a).<br />

** * -- > , … º rº" a<br />

$. 1 1: #; * * * *<br />

# : ; . . -<br />

* * * *<br />

" Diz Martini o que é imperio e sujeição, imperan<br />

te e subdito. Imperio é o po<strong>de</strong>r, que alguem tem, <strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

terminar, <strong>segundo</strong> o seu arbitrio, as acções livres d'ou<br />

trem para certo fim. Sujeição é a obrigação, que alguem<br />

tem <strong>de</strong> conformar suas acções livres com a vonta<strong>de</strong> d'aquelle,<br />

que se acha investido do imperio. Imperante é<br />

o que tem o imperio. Subdito o que tem à sujeição.<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Speç C. 1. S. I.


(79 )<br />

§ 14a.<br />

O <strong>segundo</strong> Direito connato é o da liberda<strong>de</strong> a sub<br />

jectione, que é a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia do arbitrio <strong>de</strong> qualquer<br />

outro homem. Este Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

cia é consequencia necessaria do outro <strong>direito</strong> connato<br />

d'igualda<strong>de</strong>; porque sendo todos os homens iguaes, ne<br />

nhum se pó<strong>de</strong> dizer superior, e com o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> mandar,<br />

o qual <strong>direito</strong> <strong>de</strong>struiria a igualda<strong>de</strong>. Além <strong>de</strong> que, no<br />

<strong>estad</strong>o d'absoluta igualda<strong>de</strong>, com o mesmo <strong>direito</strong>, com<br />

que um quizesse mandar a outro, este po<strong>de</strong>ria querer man<br />

dar áquelle, o que seria contradictorio e inexequivel.<br />

O principio importante, que se <strong>de</strong>duz da doutrina<br />

<strong>de</strong>stes dous $$., é que o <strong>segundo</strong> Direito connato e uni<br />

versal dos homens é o Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Este Direito<br />

tambem é reconhecido por todos os Philosophos, e<br />

contado entre os Direitos connatos (a). . . ..…<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> consiste nas condições ne<br />

cessarias para a conservação e <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta fa<br />

culda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que já falámos (5). A liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve diri<br />

ir-se ao fim individual e social do homem. E como este<br />

# divi<strong>de</strong> em muitos fins particulares, ha tantas espe<br />

cies <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, como <strong>de</strong> fins, dos quaes toma o nome,<br />

v. g., liberda<strong>de</strong> religiosa, moral, <strong>de</strong>nsino nas sciencias e<br />

artes, d'industria, <strong>de</strong> commercio, etc.<br />

O Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> pois está primeiramente em<br />

o homem ter a livre opção entre os differentes, fins in<br />

dicados pala natureza, e a livre escolha das condições<br />

para conseguir aquelle, que se*E com effeito, ,<br />

se o homem fosse por alguem obrigado a seguir certo,<br />

fim, e a empregar certas condições contra sua vonta<br />

<strong>de</strong>, seria tractado como um menino, ou como homem,<br />

que per<strong>de</strong>o a razão e liberda<strong>de</strong>. E quem se arrogasse.<br />

similhante po<strong>de</strong>r, a cada passo havia <strong>de</strong> impôr fins contra<br />

º <strong>natural</strong> dos individuos, e prescrever meios e condições,<br />

que lhes fossem impossiveis, ou pelo menos mais difficeis<br />

nas situações particulares e differentes <strong>de</strong> cada um. Por<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. C. 1. S. 157., Burlamaq. P. 3. C. 5., Ahrens<br />

Cours (*) <strong>de</strong>S. Droit 44., Nat. e Appendix Part. Speç. ao C. 1. S. 2. , Felice Leç, 16,<br />


•<br />

•<br />

(8o)<br />

i<br />

que ninguem é melhor juiz do fim, que mais convém á<br />

<strong>natural</strong> aptidão d'um homem, do que esse homem; da<br />

mesma ções, que sorte para ninguem o conseguir melhor estão do ao queseu elle alcance. sabe as condi<br />

Este Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> está, em <strong>segundo</strong> lugar,<br />

em que se não ponhão obstaculos ao exercicio <strong>de</strong>sta fa<br />

culda<strong>de</strong>, e em que cada homem possa usar d’ella tão li<br />

vremente, como lh'a <strong>de</strong>u a natureza. " .<br />

A liberda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> duas especies, interior, e exte<br />

rior; do mesmo modo o é o Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>.<br />

O Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> interior não está sómente em<br />

qualquer homem po<strong>de</strong>r livremente professar qualquer<br />

opinião scientifica, religiosa, etc., mas principalmente<br />

em po<strong>de</strong>r livremente manifestar aos outros essas opi<br />

niões, E verda<strong>de</strong> que a manifestação das opiniões tóma<br />

algumas vezes o character d'acção externa, que pó<strong>de</strong> pre<br />

judicar á honra e reputação d'alguem, ou á tranquillida<strong>de</strong><br />

da socieda<strong>de</strong>, etc.; o homem <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r pelos resul<br />

tados <strong>de</strong>ssa manifestação <strong>de</strong> suas opiniões; mas não <strong>de</strong>ve<br />

ser preventivamente embaraçado <strong>de</strong> as manifestar; não<br />

só porque qualquer prohibição era um attaque á sua li<br />

berda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, mas pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regular e<br />

verificar similhantes prohibições na socieda<strong>de</strong> (a).<br />

O Direito <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> exterior tem uma esfera<br />

mais vasta; porque comprehen<strong>de</strong> todas as acções hivres,<br />

toda a industria filha da activida<strong>de</strong> do homem. Este Di<br />

reito consiste em não se oppôrem obstaculos alguns ao<br />

seu exercicio. Graves abusos se po<strong>de</strong>m seguir do livre<br />

exercicio <strong>de</strong>ste Direito; porque a experiencia mostra >"<br />

que não ha cousa alguma, por mais santa que seja, <strong>de</strong><br />

que não tenha abusado a perversida<strong>de</strong>. No entretanto º<br />

todo o homem se presume bom e justo, em quanto por"<br />

factos não <strong>de</strong>r provas do contrario, como veremos{ :: e .<br />

por isso ninguem pó<strong>de</strong> intervir no exercicio da libert a<strong>de</strong>"<br />

<strong>natural</strong> <strong>de</strong> qualquer, sem encontrar aquella presumpçãº, º<br />

e lhe fazer offensa. Se o homem <strong>de</strong> facto abusar, <strong>de</strong>ve<br />

ser posteriormente convencido e punido. Por isto é que<br />

a policia preventiva é injusta. Porém ainda dizemos mais;<br />

=<br />

+ — ––<br />

= = ——<br />

(a) Daunou Pe. Garanties indivíduelles. º<br />

(b) S. 169. . * . * . * . * . * * *


(81 )<br />

se o homem pó<strong>de</strong> abusar da sua liberda<strong>de</strong>, tambem as<br />

auctorida<strong>de</strong>s policiaes po<strong>de</strong>m abusar <strong>de</strong>sta arma da pre<br />

venção (a). .. .<br />

Quando assim combatemos a policia preventiva, só<br />

fallamos em geral; porque ha certas especies <strong>de</strong> policia,<br />

que as conveniencias publicas justificão, v. g. a policia,<br />

que provi<strong>de</strong>nceia sobre os requisitos e fórma da instruc<br />

ção publica, sobre o bastecimento e qualida<strong>de</strong> dos vive<br />

res, sobre a conservação ou melhoramento da salubrida<br />

<strong>de</strong> do ar, etc. Os pequenos incommodos, que alguns in<br />

dividuos soffrem com similhantes prevenções, ficão a<br />

per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, comparados com os beneficios, que <strong>de</strong>l<br />

las resultão á socieda<strong>de</strong> (b).<br />

Este Direito connato <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> faz objecto d'uma<br />

garantia individual, e toma então no Direito Politico o<br />

nome <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> civil.<br />

$ 143.<br />

Martini principia a estabelecer alguns principios,<br />

para <strong>de</strong>pois tractar d'outros Direitos connatos.<br />

Define o seu <strong>de</strong> cada um, e o merito ou dignida<strong>de</strong>:<br />

aquelle comprehen<strong>de</strong> os bens, perfeições e <strong>direito</strong>s, que<br />

se achão <strong>de</strong>terminados com relação a certa pessoa, ou <strong>de</strong><br />

que cada pessoa effectivamente goza: este é tudo aquil<br />

lo, que não está <strong>de</strong>terminado em certa pessoa, mas que<br />

lhe é congruente. Assim um pobre merece uma esmola,<br />

antes <strong>de</strong> a receber é digno d'ella, a esmola é-lhe congruen<br />

te: porém <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> a receber, a esmola é sua, faz parte<br />

do que é seu. - • - • - -<br />

Pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> seu se faz idêa do meu, teu, nosso,<br />

vosso e alheio. |-<br />

§. 144.<br />

Já se vê, que na generalida<strong>de</strong> do seu <strong>de</strong> cada um<br />

entrão o corpo e alma e as suas faculda<strong>de</strong>s, os <strong>direito</strong>s<br />

d'igualda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que já falámos, e todos os<br />

outros, que com aquelles são connexos. Estes bens e di<br />

reitos, como provenientes da natureza, constituem o seu<br />

(a) Sr. Silvestre Pinheiro Droit Public Interne P. 1. Secç. 1, Art.<br />

1. S. 16.. Ahrens Part. Spéc. C. 1. S. 2.<br />

(b) Macarel Droit Politique T, 3. C. 2. S. 2. Art, 3.<br />

6


(82 )<br />

<strong>natural</strong> <strong>de</strong> cada homem. Todos os outros <strong>direito</strong>s e cou<br />

sas, que o homem adquire por algum facto, constituem<br />

o seu adquirido. Porém dos modos da sua adquisição,<br />

havemos <strong>de</strong> fallar a seu tempo.<br />

§. 145.<br />

O que é todo meu, não pó<strong>de</strong> ser ao mesmo tempo to<br />

do d'outrem, e vice versa; porque nisto haveria a repu<br />

gnancia, que ha em a mesma cousa ser e não ser ao mesmo<br />

tempo. Além <strong>de</strong> que, se assim não fosse, <strong>de</strong>struir-se-hia<br />

a liberda<strong>de</strong> moral, porque serião incompativeis e inexe<br />

quiveis dous <strong>direito</strong>s premissivos, competindo simulta<br />

neamente a duas pessoas. Não ha porém repugnancia em<br />

que parte d'um todo seja minha e parte alheia.<br />

§. 146.<br />

Define lesão. Quem diminue o nosso, diz-se em ge<br />

ral, que nos prejudica, perturba, viola e lesa. Chama<br />

se porém propriamente lesão a violação, que faz um ho<br />

mem,<br />

repugna<br />

que<br />

ao<br />

attaca<br />

alheio.<br />

o alheio, e pó <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se a acção, que<br />

•<br />

§. 147.<br />

Na primeira parte tira por corollario da doutrina do<br />

$. antece<strong>de</strong>nte, quaes são as acções, que po<strong>de</strong>m ser le<br />

sões. E diz, que se pó<strong>de</strong> lesar a alguem já tirando-lhe o<br />

que é seu, e já pondo impedimento para que não use do<br />

seu <strong>direito</strong>; porque o <strong>direito</strong> sem o uso ficaria inutiliza<br />

do. Per<strong>de</strong>r o uso equival perda do <strong>direito</strong>. Na segun<br />

da parte diz Martini, que á lesão procedida da Hiberda<strong>de</strong><br />

se chama moral no sentido stricto, ou injuria no sentido<br />

lato; se porém não interveio a liberda<strong>de</strong>, chama-se infor<br />

tunio ou lesão fysica. Martini chama a toda a lesão moral<br />

injuria no sentido lato; porque no sentido stricto se diri<br />

ige sómente á fama e á boa reputação, como veremos (a).<br />

§. 148.<br />

Terceiro Direito connato, o<br />

da conservação; por<br />

:<br />

(a) §, 377,


(83 )<br />

que sendo o fim particular do homem, <strong>segundo</strong> Martini,<br />

a perfeição, não pó<strong>de</strong> esta verificar-se sem a existencia<br />

e conservação. Portanto, se o homem tem <strong>direito</strong> a to<br />

dos os meios necessarios para conseguir o seu fim (a),<br />

tambem ha <strong>de</strong> ter <strong>direito</strong> á sua conservação. Do mesmo<br />

modo, do Direito á conservação nasce a faculda<strong>de</strong> moral,<br />

ou o Direito a todas as cousas necessarias para a conserva<br />

ção. E daqui se <strong>de</strong>duzem outros Direitos connatos, i. é,<br />

o Direito ás cousas, o Direito <strong>de</strong> segurança, o Direito <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>feza, e o Direito da guerra.<br />

Ainda que agora sómente fallamos em geral do Di<br />

reito da conservação, <strong>de</strong> que havemos <strong>de</strong> tractar ampla<br />

mente quando chegarmos aos officios erga nos, exami<br />

nando a sua natureza e esfera; todavia cumpre certifi<br />

car-nos mais da existencia <strong>de</strong> tão importante Direito.<br />

Com effeito basta lançar os olhos sobre a natureza<br />

para nos convencermos da existencia <strong>de</strong>ste Direito. Todo<br />

o ser sensivel tem o instincto da sua conservação, e um<br />

horror <strong>de</strong>cidido á morte; procura por isso tudo o que<br />

convém, e evita o que prejudica á sua existencia. Este<br />

instincto nos homens converte-se num sentimento ra<br />

cional, e é um principio tão evi<strong>de</strong>nte, que a razão não<br />

pó<strong>de</strong> duvidar <strong>de</strong>lle (b).<br />

§ 149.<br />

Quarto Direito connato, o Direito ás cousas, i. é,<br />

o Direito dadquirir e usar das cousas necessarias á vida,<br />

Cousas são todos os entes, que, á excepção das pessoas,<br />

nos po<strong>de</strong>m prestar algum uso. Duas razões dá Martini<br />

para provar a existencia <strong>de</strong>ste Direito: 1." que a expe<br />

riencia <strong>de</strong> todos os dias mostra, que o homem sem comer,<br />

beber, e vestir-se, etc., não po<strong>de</strong>ria conservar-se: por<br />

isso é evi<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong>ve adquirir e usar das cousas, que<br />

. servem para satisfazer aquellas necessida<strong>de</strong>s; 2." que sem<br />

este Direito seria inutil a obrigação da conservação; pois<br />

que toda a obrigação presuppõe a existencia dos meios<br />

necessarios para se cumprir. Portanto para a satisfacção<br />

(a) S. 57.<br />

(b) Felice Leç, 15, , Burlam. P. 3. Q.4.» Lepage C. 2, Art. 3, S. 5.


•<br />

(84)<br />

da obrigação <strong>de</strong> nos conservarmos são necessarias as cou<br />

sas externas; e para licitamente usarmos d’ellas, é neces<br />

sario, que estejamos investidos d'um Direito (a).<br />

A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> cousas, que dá Martini, é acceitavel<br />

na Philosophia juridica. Já nós dissemos o que hoje se<br />

entendia por pessoa, e que tudo o que não era pessoa, era<br />

cousa (b). Martini limita ainda as cousas aos seres, que<br />

nos po<strong>de</strong>m prestar alguma utilida<strong>de</strong>. Cousa em geral é tu<br />

do o que existio, existe ou pó<strong>de</strong> existir: porém na scien<br />

cia do Direito só entrão aquelles seres, que po<strong>de</strong>m ser<br />

condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento das faculda<strong>de</strong>s do homeni,<br />

e para ele conseguir o seu fim; porque misto consiste o<br />

Direito. Portanto as cousas só po<strong>de</strong>m entrar na esfera<br />

do Direito como meios e com referencia á pessoa como<br />

fim. E por conseguinte evi<strong>de</strong>nte, que em Direito só po<br />

<strong>de</strong>m ser cousas todos os entes, que não são pessoas, e<br />

que a estas po<strong>de</strong>m servir d'alguma utilida<strong>de</strong>. , º<br />

Se os animaes como cousas po<strong>de</strong>m ser objecto <strong>de</strong>ste<br />

Direito; se os po<strong>de</strong>mos matar, e d’elles alimentar-nos;<br />

e em geral do Direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> faltaremos, quan<br />

do tractarmos do Dominio, e modo, <strong>de</strong> o adquirir (c):<br />

Longe d'attribuirmos, como alguns Sofistas (d) , á<br />

distincção do meu e do teu a maior parte dos males, que<br />

affligem a humanida<strong>de</strong>, pelo contrario só accusamos a<br />

confusão <strong>de</strong>stes <strong>direito</strong>s, sem os quaes seria impossivel<br />

não só o <strong>de</strong>senvolvimento individual, senão tambem o<br />

a perfeiçoamento da or<strong>de</strong>m social. Adoptamos pois o bel<br />

lo pensamento— que a pedra, que marca os limites do<br />

campo, é sagrada, e separa a amiza<strong>de</strong> da inimiza<strong>de</strong> (e) |<br />

Quinto Direito connato, o <strong>de</strong> segurança. Diz-se se<br />

gurança em geral o <strong>estad</strong>o, em que se não pó<strong>de</strong> prever<br />

mal algum imminente, e Direito <strong>de</strong> segurança é aquelle,<br />

que o homem tem, <strong>de</strong> não soffrer que alguem o preju<br />

(a) Burlamaq. P. 4. C. 7., Sr. Fortuna C.6. S. 155, Felic. Lee, 25<br />

(b) S. 72. • •<br />

(c) C. 15. e seg.<br />

(d) Rousseau Discours sur l’origine do l'inégalité parmi les hommes.<br />

(e) Platão De Legibus L, 8,


•<br />

(85 )<br />

dique. Este <strong>direito</strong> <strong>de</strong> segurança, como dissemos (a), é<br />

uma consequencia necessaria do Direito da conservação.<br />

O seu exercicio consiste em evitar os perigos, e <strong>de</strong>sviar os<br />

males. A segurança contrapõe-se o perigo, que é o esta<br />

do, em que está imminente algum mal; e divi<strong>de</strong>-se em<br />

interno, quando os males ameação o animo, e externo,<br />

quando ameação o corpo ou as outras cousas.<br />

$.151.<br />

Sexto Direito connato o <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza. Defeza é o acto,<br />

pelo qual nos oppomos á lesão; e Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza é<br />

aquelle, pelo qual nos precavemos contra a força e inju<br />

ria. O Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza pois, como meio necessario para<br />

a segurança, é tambem um Direito connato. Martini ob<br />

serva no fim do §., que este <strong>direito</strong> se exten<strong>de</strong> a todos os<br />

actos, sem os quaes o uso <strong>de</strong>ste Direito seria nullo. O Di<br />

-reito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza no sentido stricto limita-se aos actos <strong>de</strong><br />

precaução para cohibir a licença dos outros, v. g., fe<br />

char as portas contra os ladrões. Porém no sentido lato<br />

comprehen<strong>de</strong> tambem os actos <strong>de</strong> violencia contra a le<br />

são imminente, e abrange o Direito <strong>de</strong> violencia, <strong>de</strong> que<br />

Martini falla no §, seguinte (b).<br />

Temos pois, que Martini, separando os dous Di<br />

reitos, o <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza e o <strong>de</strong> violencia, limitou o primeiro<br />

aos actos <strong>de</strong> precaução. E este Direito pó<strong>de</strong> justificar-se<br />

sómente pelo Direito <strong>de</strong> segurança, para a qual é neces<br />

saria a <strong>de</strong>feza: porém para o Direito <strong>de</strong> violencia se<br />

justificar, é necessario que appareça a lesão imminente,<br />

COmO Vam OS a Ver II O<br />

•<br />

§. 152.<br />

Septimo Direito connato, o <strong>de</strong> violencia. Este § tem<br />

duas partes. Na primeira diz quando tem lugar o Direito<br />

mites <strong>de</strong> violencia, <strong>de</strong>ste Direito e na segunda (c). indica<br />

|-<br />

o fim, e marca os li<br />

Martini principia<br />

appresentando o Direito <strong>de</strong> vio<br />

(a) S. 148. _ •<br />

(b) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part. Spéc. G. I. S. 3. Burlamaq.<br />

C. 3, C.7., Felice Leg. 17. : * * …<br />

(c) Burlamaq. Princip. du Droit Nat. P.3. C, 7., Perreau Éléments<br />

<strong>de</strong> Législation Naturelle pag. 7º.


•<br />

•<br />

•<br />

( 86 )<br />

lencia como consequencia do Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza; porque<br />

quando as precauções não bastão para evitar qualquer<br />

lesão, só pó<strong>de</strong> ser efficaz o Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza pelo Direito<br />

<strong>de</strong> violencia.<br />

Para ter lugar o Direito <strong>de</strong> violencia, são necessarias<br />

tres circumstancias, <strong>de</strong> que falla Martini: 1." que alguem<br />

nos queira fazer mal; 2.° que esse mal seja imminente;<br />

3." que o não possamos evitar sem empregarmos a força<br />

e fazermos tambem alguns males.<br />

Quanto á primeira. Aqui não se tracta <strong>de</strong> qualquer<br />

mal, v.g., o que nos pó<strong>de</strong> provir da intemperie das esta<br />

ções, mas sómente daquelle, que alguem nos quer fazer,<br />

i. é, que resulta da lesão. Os males po<strong>de</strong>m ser affirma<br />

tivos ou negativos: aquelles são resultados das acções,<br />

com que se offen<strong>de</strong> o que é nosso; estes tem lugar,<br />

quando os nossos similhantes <strong>de</strong>ixão <strong>de</strong> nos fazer bem.<br />

Aqui tracta-se dos males positivos resultantes da lesão,<br />

e no S. seguinte veremos, que os negativos não dão fun<br />

damento para este Direito.<br />

Ainda que todo o mal, que nos pó<strong>de</strong> provir da lesão,<br />

dá occasião ao Direito <strong>de</strong> violencia, ou esse mal seja<br />

las gran<strong>de</strong> seguintes ou pequeno, regras: com tudo convém <strong>de</strong>terminal-o pe<br />

1. Todas as vezes que somos attacados, e a nossa<br />

vida corre risco.<br />

•<br />

II. Todas as vezes que pela lesão imminente esta<br />

mos em perigo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r algum membro.<br />

III. Todas as vezes que alguem attentar contra a<br />

nossa liberda<strong>de</strong>, querendo reduzir-nos á escravidão.<br />

IV. Todas as vezes que se attaca a nossa honra,<br />

i. é, aquella, que anda ligada á virtu<strong>de</strong>, querendo-nos<br />

obrigar a praticar actos criminosos.<br />

bens<br />

V.<br />

da fortuna,<br />

Todas as<br />

que<br />

vezes<br />

nos pertencem<br />

que se preten<strong>de</strong><br />

(a).<br />

lesar-nos mos<br />

•<br />

Quanto á segunda circumstancia—mal imminente.<br />

O mal pó<strong>de</strong> ser imminente para justificar o Direito <strong>de</strong><br />

violencia em dous casos: I, quando o nosso similhante já<br />

principiou a lesão, v.g., <strong>de</strong>scarregando golpes d'espada<br />

sobre nós, arrombando as nossas portas, e roubando o<br />

11<br />

(a)<br />

Encyclop. Méthod. Jurisp. v. Défense, Burlamaq. P. 3.C.7.


•<br />

•<br />

•<br />

(87)<br />

que é nosso; II. quando temos certeza <strong>de</strong> que o nosso si<br />

milhante vai immediatamente lesar-nos. Porém para isto<br />

não bastão quaesquer indicios, v. g., o ser o nosso simi<br />

lhante um perverso, mas é mister que os indicios sejão<br />

mais fortes e manifestos, v. g., se ele marcha para nós<br />

com ar ameaçador, e a espada, <strong>de</strong>sembainhada; porque<br />

a pru<strong>de</strong>ncia exige que não, esperemos os golpes para a<br />

<strong>de</strong>feza (a). , , , !" -<br />

Quanto á terceira — que não possamos evitar o mal<br />

sem o emprego da força; pela regra sabida, que não são<br />

permittidos os meios mais fortes, quando tem lugar os<br />

meios brandos. Esta regra pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se nas quatro<br />

seguintes:<br />

I. Se nos for possivel, <strong>de</strong>vemos, antes d’usar da<br />

força, empregar os meios <strong>de</strong> brandura e persuasão, fa<br />

zendo ver ao lesante, que elle é injusto, e os males, que<br />

o ameação da nossa parte, repellindo a sua aggressão.<br />

II. Que <strong>de</strong>vemos preferir a fugida ao combate,<br />

quando podérmos verificar aquella sem perigo; porque o<br />

uso da força neste caso nem o justifica o Direito <strong>de</strong> ne<br />

cessida<strong>de</strong>, nem o pó<strong>de</strong> nunca justificar um falso ponto<br />

d'honra (b). -<br />

III. Que não po<strong>de</strong>mos usar do Direito <strong>de</strong> violencia<br />

quando o nosso similhante nos convence <strong>de</strong> que está ar<br />

rependido, e <strong>de</strong> que não continuará a lesão principiada,<br />

e se absterá da futura (c).<br />

IV. Que a lesão seja continua, e não concluida;<br />

porque neste caso só tem lugar pedir a reparação do<br />

damno causado (a).<br />

Na segunda parte do S. dá Martini cinco regras rela<br />

tivas ao fim e limites do Direito <strong>de</strong> violencia.<br />

I. Que por este Direito po<strong>de</strong>mos repellir a força<br />

com a força. Ora nós po<strong>de</strong>mos empregar a força, para<br />

repeliu, º terça, <strong>de</strong> dous modos: ou conservando-nos no<br />

<strong>estad</strong>o <strong>de</strong>fensivo, v. g., <strong>de</strong>sviando sómente os golpes do<br />

aggressor, o que nos é permittido pelo só Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

feza; regraou seguinte passando ao <strong>estad</strong>o offensivo, e a este é relativa a<br />

(a)<br />

(b)<br />

Felice Lee. 17.,<br />

Felice loc. cit.<br />

Encyclop. loc. cit.<br />

•<br />

(c)<br />

(d)<br />

Encyclop. loc. cit. ,<br />

Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Spéc, C, I, S. 3.<br />

\


•<br />

•<br />

( 88 )<br />

II. Que po<strong>de</strong>mos pelo uso da força causar males<br />

ao que nos quer lesar; porque achando-nos reduzidos ao<br />

<strong>estad</strong>o <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não po<strong>de</strong>rmos evitar a lesão<br />

sem esse uso, este meio é indispensavel para a nossa <strong>de</strong><br />

feza.<br />

III. Que só po<strong>de</strong>mos causar ao aggressor tantos<br />

males, quantos são sufficientes, para que elle <strong>de</strong>sista da<br />

lesão. Assim, se o aggressor nos quizer matar, e nós lhe<br />

podérmos cortar o braço, com que sustenta a espada,<br />

não temos <strong>direito</strong> a matal-o; pela regra, já apontada, <strong>de</strong><br />

que não tem lugar os meios mais fortes, quando bastão<br />

os mais brandos (a).<br />

IV. Que os males, que nós po<strong>de</strong>mos causar, se<br />

exten<strong>de</strong>m até tornar impossivel a lesão ainda fysica, i. é,<br />

a que não é filha da liberda<strong>de</strong>. Pelo que temos dito, fa<br />

cilmente se vê, que esta regra é applicavel á lesão mo<br />

ral, i. é, á que alguem nos quer fazer com conhecimen<br />

to <strong>de</strong> causa e liberda<strong>de</strong>; porém quanto á lesão fysica, v.<br />

g., a que nos quer causar um furioso, parece ter mais<br />

difficulda<strong>de</strong>. No entretanto o Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza, e a ne—<br />

cessida<strong>de</strong>, em que a lesão fysica nos coloca, justificão<br />

da nossa parte o Direito <strong>de</strong> violencia. A lesão fysica, se<br />

não é injusta para o aggressor, tambem não pó<strong>de</strong> dizer-se<br />

justa para com nosco ; a nossa condição não é inferior á<br />

do aggressor, e o Direito <strong>de</strong> <strong>de</strong>feza em iguaes circumstan<br />

cias <strong>de</strong>ve triunfar. Porém disto fallaremos a seu tempo.<br />

V. Que po<strong>de</strong>mos usar da força, e causar males, pa<br />

ra que se <strong>de</strong>sista da lesão. Esta regra pó<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se da<br />

lesão principiada, e ainda da futura imminente, quando<br />

tem lugar o Direito da violencia, como acima dissemos;<br />

porque a pru<strong>de</strong>ncia vai além do presente, para nos pre<br />

caver contra o aggressor.<br />

A estas regras é mister accrescentar uma sexta —<br />

que só po<strong>de</strong>mos usar do Direito <strong>de</strong> violencia, quando<br />

o aggressor for injusto. Porque se ele usar da força em<br />

consequencia d'algum Direito Natural, a que nós <strong>de</strong>s<br />

semos occasião por facto injusto da nossa parte, certo<br />

não temos Direito d’usar <strong>de</strong> violencia, senão a obrigação<br />

<strong>de</strong> satisfazer tranquillamente ao seu Direito, alias have<br />

ria Direitos Naturaes repugnantes, o que é absurdo (b).<br />

(a) Ahrens loc, cit.,<br />

(b) S. 88, - - -


• (89)<br />

Quando examinarmos a esfera <strong>de</strong>ste Direito, appli<br />

cando-o a diversas hypotheses no Cap. dos Officios erga<br />

alios, <strong>de</strong>cidiremos em especial varias questões, que oe<br />

correm, relativas ao uso <strong>de</strong>ste Direito <strong>de</strong> violencia. Po<br />

rém, continuando a consi<strong>de</strong>ral-o em geral, convém exa<br />

minar já as questões seguintes:<br />

•<br />

Primeira. Este Direito subsiste ainda <strong>de</strong>pois do ho<br />

mem se achar na socieda<strong>de</strong> civil, on<strong>de</strong> ha auctorida<strong>de</strong>s<br />

encarregadas <strong>de</strong> manter a or<strong>de</strong>m, prevenir os <strong>de</strong>lictos,<br />

e punil-os, e on<strong>de</strong> o Cidadão não tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> se fa<br />

zer justiça por suas mãos, mas <strong>de</strong>ve recorrer ás auctori<br />

da<strong>de</strong>s competentes? A resposta é facil. Se temos tempo<br />

<strong>de</strong> recorrer ás auctorida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>vemos fazêl-o, alias po<br />

<strong>de</strong>mos usar <strong>de</strong>ste Direito; porque, quando o Governo<br />

não pó<strong>de</strong> evitar os <strong>de</strong>lictos, o Cidadão, como homem,<br />

usa <strong>de</strong> seus Direitos Naturaes: o <strong>estad</strong>o social não <strong>de</strong>ve<br />

tornar o Cidadão <strong>de</strong> peior condição, que a que tinha o<br />

homem (a). |-<br />

Segunda questão. Po<strong>de</strong>mos empregar a força contra<br />

o aggressor até o matar º Ahrens (b) é dopinião, que se<br />

<strong>de</strong>ve fazer distincção entre o caso, em que a morte do<br />

aggressor se segue ao uso da força, sem termos intenção |<br />

<strong>de</strong> o matar, e o caso, em que com intenção e conhe<br />

cimento <strong>de</strong> causa o matamos; porque esta segunda hy<br />

pothese pertence á esfera da Moral, e por esta se <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>cidir. Porém, diz que em geral nem a Moral, nem o<br />

Direito auctorizão a morte do nosso similhante: 1.° por<br />

que não temos <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer mal, só porque outrem<br />

nol-o faz; 2.° porque rejeitado o principio egoista do<br />

interesse, não se pó<strong>de</strong> achar razão para matarmos o nos<br />

so similhante só para salvar a nossa vida; 3. porque nin<br />

guem per<strong>de</strong> o Direito <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> por qualquer fa<br />

cto, visto que elle nasce da natureza, e a personalida<strong>de</strong><br />

é sagrada. - ,<br />

Apezar porém <strong>de</strong>stas razões, parece-nos preferivel a<br />

ºpinião contraria, geralmente seguida (c); porque não<br />

(…) Felice Leç. 17., Encyclop. Method. Jurisp. v. <strong>de</strong>fense.… … .<br />

(b) Ahrens Cours-<strong>de</strong>-Profe Vat. Part Spéc. C. T. S. 3. --- | *<br />

risp.<br />

. (c)<br />

v.<br />

Felic.<br />

Défense.<br />

Lee. 17., Burlamaq. P. 3. C. 7.; Encyclop. Meth. Ju<br />

- • * * * * * * *


( 9o )<br />

achamos nas razões d'Ahrens o peso necessario para sus<br />

tentar a sua opinião. E verda<strong>de</strong> que por o nosso simi<br />

lhante violar a Lei Natural para com nosco não temos o<br />

Direito <strong>de</strong> a violar para com elle: o mal, que ele nos faz,<br />

não auctoriza, que nós lh'o façamos <strong>de</strong>baixo d'este ponto<br />

dé vista. Porém quem viola a Lei, é o aggressor injusto;<br />

e nós, collocados no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> collisão, só fazemos a<br />

excepção. Não violamos a lei. Elle é injusto, nós não<br />

De mais, se o mal, que nos causa o aggressor, não aucto<br />

riza, que nós lh'o façamos, para o não po<strong>de</strong>rmos matar,<br />

este argumento prova <strong>de</strong> mais do que preten<strong>de</strong> Ahrens;<br />

males, porque excepto elle reconhece o da morte o Direito do aggressor. <strong>de</strong> violencia causando<br />

• •<br />

Não é por egoismo que colocados entre a morte<br />

do aggressor injusto e a nossa, fazemos a excepção<br />

a nosso favor; mas porque a nossa condição é mais fa<br />

voravel; sobre o aggressor injusto <strong>de</strong>vem pesar todas<br />

as consequencias da sua aggressão. Além <strong>de</strong> que, se<br />

fossemos obrigados a optar pela conservação do aggres<br />

sor, <strong>de</strong>ixando-nos assassinar, o Direito, em lugar <strong>de</strong> pro<br />

teger a innocencia, or<strong>de</strong>naria o sacrificio <strong>de</strong>sta ao crime;<br />

em lugar <strong>de</strong> proteger as pessoas honestas, protegeria os<br />

scelerados.<br />

Finalmente se a personalida<strong>de</strong> do aggressor é sa<br />

grada, tambem a nossa o é. As circumstancias são i<strong>de</strong>n<br />

ticas. Por este lado pois não melhora a condição do<br />

injusto aggressor; este argumento não faz pen<strong>de</strong>r a ba<br />

lança para o lado <strong>de</strong> Ahrens. • -<br />

Por tanto só a necessida<strong>de</strong> é<br />

a medida da violencia<br />

no uso do Direito <strong>de</strong> coacção. Os meios vão até on<strong>de</strong><br />

chega a necessida<strong>de</strong> da <strong>de</strong>feza (a).<br />

, Resta por fim observar, que Martini chama ao Di<br />

reito <strong>de</strong> violencia Direito <strong>de</strong> coacção (jus cogendi) no<br />

sentido strictissimo; porque elle enten<strong>de</strong> por coacção no<br />

sentido lato a que resulta da representação do bem e do<br />

mal; no sentido stricto a que resulta da força sem causar<br />

males; e no sentido strictissimo a que resulta da força,<br />

que causa males ao coacto (b).<br />

(a) Burlam. P. 3. C. 7. -<br />

(b) Martini Exercit. S. 152.


( 91 )<br />

§. 153.<br />

Não po<strong>de</strong>mos usar do Direito <strong>de</strong> coacção, diz Mar<br />

tini, contra aquelle, que, se não augmenta o que é nos<br />

so á custa do que é seu, tambem nada faz, por que di<br />

minua o que é nosso: 1." porque contendo-se <strong>de</strong>ntro dos<br />

limites do que é seu, sem invadir o que é nosso, não nos<br />

lesa, visto que a lesão é a violação do alheio (a); e sem<br />

lesão não tem lugar o Direito <strong>de</strong> coacção (b): 2.º por<br />

que, se sem lesão, e sómente porque alguem não au<br />

gmenta as nossas perfeições á custa das suas, nós tives<br />

semos o Direito <strong>de</strong> coacção, confundir-se-hia o que é<br />

nosso, e o que é alheio; porque o mesmo Direito <strong>de</strong><br />

coacção empregarião os outros contra nós, e o uso reci<br />

proco <strong>de</strong>ste Direito tornaria communs o que é nosso e o<br />

alheio, contra o que já provámos (c): 3.° porque com o<br />

Direito <strong>de</strong> coacção neste caso <strong>de</strong>struia-se a liberda<strong>de</strong> na<br />

tural, que cada um tem, dobrar <strong>segundo</strong> lhe apraz, em<br />

quanto não offen<strong>de</strong> os <strong>direito</strong>s d'outrem.<br />

De mais o Direito <strong>de</strong> coacção nesta hypothese pre<br />

suppõe a existencia <strong>de</strong> Direitos repugnantes; porque, se<br />

eu tenho um <strong>direito</strong> sobre o que é alheio, os outros te<br />

rão <strong>direito</strong> sobre o que é meu, e estes <strong>direito</strong>s encon<br />

traráõ o <strong>direito</strong> dobrar livremente, que tem todos os<br />

homens (d), o que repugna á sabedoria <strong>de</strong> Deos, Auctor<br />

das Leis Naturaes. Portanto importa separar bem o não<br />

beneficiar alguem, <strong>de</strong> não o lesar; porque sómente ha<br />

Direito <strong>de</strong> coacção contra o lesante.<br />

§. 154. •<br />

Refuta a opinião d’aquelles, que <strong>de</strong>duzem sómente<br />

da obrigação da nossa conservação o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia<br />

contra os nossos similhantes, que nos não lesão. Por<br />

quanto, ou os outros nos embaração no exercicio do nosso<br />

<strong>direito</strong>, sem para isso terem <strong>direito</strong>, e com isto nos lesão,<br />

e nós temos o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia <strong>de</strong>duzido do funda<br />

(a) S. 146.<br />

(b) S. 152. •<br />

(c) S. 145.<br />

(d) S. 142. · · · · · · · · - - - - • •


( 92 )<br />

mento da lesão: ou os outros nos embaração, usando<br />

do seu <strong>direito</strong>, e neste caso o nosso <strong>direito</strong> não pó<strong>de</strong> ser<br />

mais efficaz, e vencer o seu, assim como uma força fy<br />

sica não pó<strong>de</strong> vencer a outra força fysica igual.<br />

Para isto se enten<strong>de</strong>r serve o seguinte exemplo: se<br />

num naufragio eu apanhei uma taboa, e sobre ella me<br />

lancei para salvar a vida, querendo alguem tirar-m'a, e<br />

embaraçar-me no uso do meu <strong>direito</strong>, que pela priori<br />

da<strong>de</strong> da apprehensão nella estabeleci, lesa-me, e eu pos<br />

so <strong>de</strong>fendêl-a pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia: se porém ne<br />

nhum <strong>de</strong> nós ainda apprehen<strong>de</strong>o a taboa, terei eu só<br />

mente pela obrigação da minha conservação o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

violencia contra aquelle, que, como eu, a quizer appre<br />

hen<strong>de</strong>r ? Parece que não; porque ambos nós usamos do<br />

nosso <strong>direito</strong>, e os <strong>direito</strong>s são iguaes, assim como são<br />

iguaes as nossas obrigações da conservação.<br />

Esta doutrina <strong>de</strong> Martini <strong>de</strong> que — um <strong>direito</strong> nosso<br />

não pó<strong>de</strong> vencer a outro <strong>direito</strong> do nosso similhante,<br />

<strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r-se do caso, em que os <strong>direito</strong>s são iguaes,<br />

como no exemplo dado; taes são, v. g., todos os Direitos<br />

connatos, <strong>de</strong> que estamos fallando (a), e adiante (b) ve<br />

remos as regras, <strong>segundo</strong> as quaes <strong>de</strong>vemos saír do con<br />

flicto ou concurso dos nossos <strong>direito</strong>s com os <strong>direito</strong>s dos<br />

nossos similhantes; porque não professamos a doutrina<br />

d'Ahrens, — que todos os Direitos são iguaes, e que não<br />

ha <strong>direito</strong>s mais fortes e mais fracos (c).<br />

Importa porém notar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já, que são cousas di<br />

versas collisão <strong>de</strong> Leis, Obrigações e Direitos Naturaes,<br />

<strong>de</strong> que já falámos, e conflicto ou concurso <strong>de</strong> Direitos<br />

<strong>de</strong> diversas pessoas, o que Ahrens confundio (d). Já<br />

dissemos, que os Direitos ou pretenções se <strong>de</strong>vem limitar<br />

uns pelos outros, quando for possivel; e nisto concor<br />

damos com Ahrens; porém muitos casos ha, em que<br />

essa limitação é impossivel, e é forçoso, que o Direito<br />

mais fraco ceda ao mais forte, como veremos.<br />

• #<br />

(a) Martini Exercit, S. 154.<br />

(b) C. 9 e 11. |-<br />

(c) S. 88. •<br />

(d) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Gén. C, 5. S. 5. . .<br />


( 93 )<br />

§. 155.<br />

Diz Martini qual é a origem dos <strong>direito</strong>s perfeitos,<br />

e imperfeitos. Todo o Direito é relativo á obrigação. Po<br />

rém a obrigação ou se dá no mesmo sujeito, que tem o<br />

<strong>direito</strong>, ou está n'outras pessoas, v. g., o <strong>direito</strong>, que eu<br />

tenho, <strong>de</strong> comer é relativo á obrigação da minha conser<br />

vação, este <strong>direito</strong> pertence-me sem relação aos meus<br />

similhantes: o <strong>direito</strong>, que eu tenho, <strong>de</strong> repellir a lesão é<br />

relativo á obrigação, que os outros tem <strong>de</strong> me não lesarem.<br />

Este <strong>direito</strong> compete-me com relação aos meus similhan<br />

tes. Ao primeiro chamárão alguns Philosophos absoluto e<br />

simples, e ao <strong>segundo</strong> relativo (a). O relativo, se tem a<br />

sua origem no que é nosso, chama-se perfeito ou facul<br />

da<strong>de</strong> no sentido stricto, v.g., o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> repellir a lesão,<br />

se tem o seu principio no nosso merecimento, diz-se im<br />

perfeito ou aptidão, v. g., o <strong>direito</strong> que tem o pobre á es<br />

mola do rico. … , , , -<br />

Os <strong>direito</strong>s pois absolutos nem são perfeitos, nem<br />

imperfeitos. Porém os imperfeitos ainda se po<strong>de</strong>m consi<br />

<strong>de</strong>rar como perfeitos, em quanto ninguem nos pó<strong>de</strong> pri<br />

var d’elles, sem nos fazer lesão; porque os <strong>direito</strong>s imper<br />

feitos fazem parte do que é nosso, e, dada a lesão, dá-se<br />

ovamos <strong>direito</strong> ver<strong>de</strong>no coacção, … …, aque torna o <strong>direito</strong> perfeito, como<br />

- • º , , , , ,<br />

. * * : * * "… …" o :<br />

* * * §. 156. : . …, … 1: *.<br />

* . * . ºs º avº "<br />

O <strong>direito</strong> perfeito é acompanhado do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> vio<br />

lencia, para obrigarmos pela força a cumpril-o aquel<br />

le, que tem a obrigação relativa; o imperfeito não é<br />

ajudado pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, e fica <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong> dos outros. Com effeito, como o di<br />

reito perfeito nasce do que é nosso, e é relativo aos nos<br />

sos similhantes, só pó<strong>de</strong> ter lugar, quando alguem inva<br />

<strong>de</strong> o que é nosso, e nos faz lesão, caso em que dissemos,<br />

que tinha lugar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção (5). Pelo contrario<br />

o <strong>direito</strong> imperfeito nasce do nosso merecimento, dá-se<br />

em nós, porque somos dignos; porém os outros, não<br />

(a) Daries Obs.37. S. 2,<br />

(b) S. 152, e 153,


(94)<br />

o cumprindo, obrão <strong>de</strong>ntro da esfera do que é seu,<br />

não nos fazem lesão; e por isso não temos o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

coacção (a). E com effeito os outros são os unicos juizes<br />

para <strong>de</strong>cidirem, se po<strong>de</strong>m, ou não satisfazer ao nosso<br />

<strong>direito</strong>. E como a satisfacção do <strong>direito</strong> imperfeito <strong>de</strong>pen<br />

<strong>de</strong> da liberda<strong>de</strong> dos outros, este <strong>direito</strong> é muitas vezes<br />

inefficaz e insufficiente. …."… " " , . ,<br />

…….<br />

… … $. 157. "<br />

Appresenta Martini dous axiomas, ou principios<br />

objectivos, dos quaes se po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>duzir todas as nossas<br />

obrigações, e as Leis Naturaes perfeitas, e imperfeitas.<br />

Para as perfeitas:— Vão leses a ninguem, <strong>de</strong>ixa a cada um<br />

o que é seu. Outros formulárão esta maxima assim: —<br />

Aão faças a outrem o que não queres que te fação. Da<br />

qui se vê, que as nossas obrigações perfeitas consistem<br />

in non faciendo, em actos negativos; porque são relativos<br />

aos <strong>direito</strong>s perfeitos dos outros, que tem o seu principio<br />

no que é seu, e que nós <strong>de</strong>vemos respeitar, e não lesar<br />

por uma obrigação perfeita. Estas obrigações negativas<br />

para se cumprirem não carecem d'occasião propria, eo<br />

mo as obrigações affirmativas, para as quaes é necessario<br />

o concurso das circumstancias <strong>de</strong> tempo, lugar, etc., i.<br />

é, occasião. A estas obrigações tambem se dá o nome<br />

d'obrigações ou officios <strong>de</strong> justiça. |-<br />

A maxima para as obrigações imperfeitas é esta: —<br />

Procura aproveitar, ou ser util aos outros. Alguns dizem:<br />

— Faze nas outros aquillo, que queres te fação. As obri<br />

ções imperfeitas, que se <strong>de</strong>duzem <strong>de</strong>ste principio, são<br />

affirmativas, e cumprem-se por actos positivos, que<br />

consistem in faciendo; porque são relativas aos <strong>direito</strong>s<br />

imperfeitos dos nossos similhantes, e nascem do seu nre<br />

recimento para que os beneficiemos. Por isso se chamão<br />

tambem obrigações <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> humanida<strong>de</strong>.<br />

Existem Direitos perfeitos e imperfeitos? Os Escri<br />

ptores <strong>de</strong> Direito Natural seguem diversas opiniões nesta<br />

questão (b). Os argumentos principaes dos que combatem<br />

(a) S. 153., Sr. Fortuna L. I. C. 6. S. 166. et seq.<br />

(b) Sr. Fortuna L.I.C.6. S. 166., Cocc. Comment, a Groc. <strong>de</strong> Jur.<br />

Bel. ac Pac. L. I. C. 1, S. 4, 5 e 7., Felic, Leç. 21.<br />

*


( 95 )<br />

a distincção, são 1.º que os <strong>direito</strong>s imperfeitos não são<br />

verda<strong>de</strong>iros <strong>direito</strong>s; porque não sendo acompanhados do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção, não pó<strong>de</strong> a pessoa, que os tem, fazer<br />

cumprir as obrigações, que lhe são relativas. Porém, por<br />

que eu não tenho os meios <strong>de</strong> fazer com que alguem sa<br />

tisfaça as obrigações, que tem para comigo, nem por isso<br />

se pó<strong>de</strong> dizer, que eu não tenha <strong>direito</strong>s, alias o menino<br />

não teria <strong>direito</strong> á sustentação, e educação do Pai, não<br />

teria <strong>direito</strong>s o furioso, o paralitico, etc. 2.° Que em<br />

Direito Natural a obrigação <strong>de</strong> satisfazer aos <strong>direito</strong>s im<br />

perfeitos é tão rigorosa e tão forte, como a obrigação rela<br />

tiva aos <strong>direito</strong>s perfeitos. Ambas ellas nascem da Lei Na<br />

tural, contra a qual pecca igualmente aquelle, que <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> cumprir uma, ou a outra. Porém nós, confessando<br />

que tanto as obrigações perfeitas, como as imperfeitas<br />

são impostas pela Lei, e que pecca aquelle, que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

as cumprir, achamos gran<strong>de</strong> differença entre uma e ou<br />

tra, e maior ainda entre os <strong>direito</strong>s perfeitos e imperfei<br />

ios. Já dissemos, que sempre podiamos satisfazer ás<br />

obrigações perfeitas, porque são negativas, e não care<br />

cem d'occasião. Pelo contrario as imperfeitas. Na verda<br />

<strong>de</strong> para darmos uma esmola, é mistér que tenhamos os<br />

meios para isso. E quem ha <strong>de</strong> ser o Juiz sufficientemente<br />

instruido, que <strong>de</strong>cida se temos ou não a occasião, ou os<br />

meios? Só cada um <strong>de</strong> nós. O que necessita tem <strong>de</strong> se<br />

sujeitar ao nosso juizo, aliás confundir-se-hia o meu e o<br />

teu. No tribunal da consciencia e na Moral são na verda<strong>de</strong><br />

iguaes tanto a obrigação perfeita, como a imperfeita<br />

quando o homem tem para a satisfazer a occasião. Porém<br />

no Direito, todo exterior, não pó<strong>de</strong> dizer-se outro<br />

•<br />

tantO.<br />

De mais, esta questão dos Direitos perfeitos e imper<br />

feitos reduz-se a saber, se todos os Direitos Naturaes<br />

<strong>de</strong>vem, ou não, ser acompanhados do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção.<br />

E é facil <strong>de</strong> vêr os terriveis resultados, que se seguirião<br />

da opinião affirmativa. Desappareceria a distincção do<br />

meu e o do teu, os homens em contínuas violencias para<br />

reciprocamente exigirem uns dos outros, o que não ca<br />

ia em suas forças, estabelecerião um <strong>estad</strong>o permanente<br />

e guerra, no qual não só não po<strong>de</strong>rião ser felizes, mas<br />

nem ainda po<strong>de</strong>rião conservar-se. Os mais fracos serião<br />


• • •<br />

*<br />

-<br />

( 96 )<br />

vietimas dos mais fortes,<br />

Direito.<br />

e a força tomaria o lugar do<br />

• • • • , , >"<br />

•• : - * *<br />

§. 159. |-<br />

* * * # : '.\<br />

… º<br />

Oitavo <strong>direito</strong> connato, o da guerra. |-<br />

Paz é o <strong>estad</strong>o, em que o homem vive isento <strong>de</strong><br />

toda a violencia e coacção. Guerra é o <strong>estad</strong>o, em que<br />

outros<br />

os homens<br />

pelo<br />

mostrão<br />

uso da força.<br />

um esforço efficaz para fazer mal aos<br />

• -<br />

Vatel (a) <strong>de</strong>fine a guerra o <strong>estad</strong>o, em que se prose<br />

gue o <strong>direito</strong> pela força. Tambem se enten<strong>de</strong> por esta<br />

palavra o acto, ou a maneira, por que se prosegue o di<br />

reito pela força. … … , , . : -3 * * *<br />

… Martini tira <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>finição o corollario: logo, dado<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, dá-se o <strong>direito</strong> da guerra. A guer<br />

ra ou é justa ou injusta. E a justa só é tal, quando hale<br />

são, que se tracta <strong>de</strong> evitar, ou <strong>de</strong> obter a reparação do<br />

seu damno (b). Neste caso o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia e o da<br />

guerra confun<strong>de</strong>m-se. Portanto, se do <strong>direito</strong> da conser<br />


-<br />

(f)<br />

( 97 )<br />

o seu systema, como repugnante o sentimento da socia<br />

bilida<strong>de</strong> <strong>natural</strong> ao homem. |-<br />

Martini, asseverando que o <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> absoluto<br />

do homem é o <strong>de</strong> paz, parece seguir a opinião daquel<br />

les, que admittem um <strong>estad</strong>o, que pintão a seu modo, e<br />

a que chamárão <strong>natural</strong> do homem (a).<br />

Uma especie <strong>de</strong> sentimentalismo, se compraz em<br />

remontar-se á ida<strong>de</strong> da infancia do Genero humano,<br />

e em <strong>de</strong>screver a doce e ditosa simplicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste esta<br />

do. O mais que isto pó<strong>de</strong> provar, é que cada <strong>estad</strong>o,<br />

ou condição do homem, por mais simples que seja, tem<br />

sua felicida<strong>de</strong>, propria. Porém querer <strong>de</strong>terminar certo<br />

<strong>estad</strong>o, como o <strong>natural</strong> do homem, é um pensamento,<br />

que repugna á lei do <strong>de</strong>senvolvimento e progresso da na<br />

tureza humana. Os outros seres animados d’ordinario<br />

immediatamente <strong>de</strong>pois do seu nascimento entrão no<br />

exercicio <strong>de</strong> todas as faculda<strong>de</strong>s naturaes; o <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento n’elles é tão limitado, que observando-se por<br />

certo tempo, se conhece toda a sua vida, e a da especie,<br />

a que cada um pertence. Pelo contrario o <strong>de</strong>senvolvimento<br />

do homem é sempre progressivo; o homem continuamente<br />

augmenta as suas idêas e conhecimentos, adquire habi<br />

tos, e maior facilida<strong>de</strong> no exercicio das suas faculda<strong>de</strong>s; e<br />

a mesma ida<strong>de</strong> provecta, se por um lado per<strong>de</strong> em forças,<br />

por outro augmenta em pru<strong>de</strong>ncia e madureza <strong>de</strong> juizo.<br />

C’hum saber só d'experiencias feito (b).<br />

Por tanto este <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> não pó<strong>de</strong> sêr nem a in<br />

fancia, nem a ida<strong>de</strong> madura, nem a da velhice. A ida<strong>de</strong><br />

madura na verda<strong>de</strong> é um <strong>estad</strong>o mais perfeito, mas não<br />

pó<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> regra para as outras ida<strong>de</strong>s. O que acaba<br />

mos <strong>de</strong> dizer do homem, <strong>de</strong>ve applicar-se a toda a huma<br />

nida<strong>de</strong>; porque esta, como cada um dos homens, <strong>de</strong><br />

que se compõe, tambem está sujeita á lei do <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento e progresso (c). -<br />

Vimos quaes são os Direitos connatos do homem se<br />

gundo a opinião <strong>de</strong> Martini. Outros reduzem-nos só a tres,<br />

a saber, o da igualda<strong>de</strong>, o da liberda<strong>de</strong>, e o da sociabi<br />

(a) Sr. Fortuna I. T. C. 4. S. 107, e seg. Felice Leç.2., Puffendorf.<br />

Jus Nat. et Gent. L. 2. C. 2, +<br />

(b) Camões Lusiadas Cant. 4. Est. 94.<br />

(e) S. 84. • -<br />

/ 7


(98)<br />

lida<strong>de</strong> (a); outros enumerão tambem o <strong>de</strong> preprieda<strong>de</strong>,<br />

e o <strong>de</strong> segurança (b). Outros finalmente contão ainda o<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>feza (e).<br />

Seria aqui o lugar para tractarmos do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> so<br />

ciabilida<strong>de</strong>. Porém como temos <strong>de</strong> seguir a or<strong>de</strong>m das<br />

materias <strong>de</strong> Martini, a seu tempo fallaremos d’elle.<br />

§. 161.<br />

Justo no sentido lato é tudo o que é confórme ao Di<br />

reito, ou que não repugna ao Direito ou á lei. Honesto<br />

é o justo, em quanto se refere á vonta<strong>de</strong> do agente, ou<br />

merece a approvação <strong>de</strong> todos. Ao justo contrapõe-se o<br />

injusto, ao honesto o <strong>de</strong>shonesto e torpe. Diz-se injusto<br />

o que não é confórme ao Direito ou á lei, e <strong>de</strong>shonesto<br />

o que, causando ao agente imperfeição moral, não me<br />

rece a approvação <strong>de</strong> ninguem.<br />

§. 162. * * * * •<br />

|<br />

* Visto como reduzimos as leis, <strong>direito</strong>s, obrigações,<br />

e officios ao culto <strong>de</strong> Deos, á filaucia, e á sociabilida<br />

<strong>de</strong>, tudo o que é confórme aos officios erga Deum, diz<br />

se pio; o que é confórme aos officios erga nos, diz-se ho<br />

nesto; e o que é confórme aos officios erga alios, diz-se<br />

justo no sentido stricto. Daqui facilmense se vê o que seja<br />

impio, <strong>de</strong>shonesto, e injusto.<br />

$ 169. •<br />

Todo o homem se presume justo, em quanto se não<br />

provar, que elle por factos se tornou injusto. Por quanto<br />

chama-se bom o homem, que é dotado <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>, justi<br />

ça, equida<strong>de</strong>, honestida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cencia, assim como só<br />

mente se diz boa e recta a acção, que em todas as suas<br />

partes é confórme com a lei: porém chama-se justo no<br />

sentido o mais amplo o homem, que ainda se não man<br />

1<br />

Mk.<br />

(…) Ahrens Part. Spéc. C. T. S. 1.2, e 5.<br />

(b) Perreau pag. 65. e seg.<br />

(º) Burlamaq, P. 5, QI 5. e seg.


( 99 )<br />

chon com os vicios contrarios. Por tanto só por factos<br />

viciosos per<strong>de</strong> o homem a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> justo, com que<br />

nasce. Ora os factos não se presumem, mas presume-se<br />

tudo o que é <strong>natural</strong>. E pois evi<strong>de</strong>nte que o homem se<br />

presume justo, e tem um Direito connato a ser julgado<br />

assim, em quanto se lhe não provar o contrario por fa<br />

ctos, que elle tenha praticado. "<br />

CAP. IV.<br />

DA DIVERSA MoRALIDADE DAs Acções, DA IMPUTAÇÃo,<br />

E DA CONSCIENCIA.<br />

/7<br />

MAnini tracta da moralida<strong>de</strong> das acções humanas até<br />

o § 1.73., da imputação <strong>de</strong>s<strong>de</strong> este até o § 196., e da<br />

consciencia <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o S. 197, até o fim <strong>de</strong>ste Cap.<br />

. Hoje, que se achão <strong>de</strong>terminadas as raias entre o<br />

Direito e a Moral, <strong>de</strong>vêramos por ventura sobresaltar<br />

toda esta materia, mais propria da Moral, do que do Di<br />

reito. Porém, como na doutrina da imputação se esta<br />

belecem alguns principios <strong>de</strong> Philosophia juridica, ne<br />

cessarios para a Legislação criminal, entraremos em um<br />

breve exame d’ella, <strong>de</strong>ixando a parte <strong>de</strong>ste Cap., em<br />

que Martini tracta da consciencia, á Philosophia Moral.<br />

§ 17o.<br />

| •<br />

Os Stoicos tinhão dito, que todas as acções boas<br />

rectas erão igualmente boas e rectas, e que da mesma<br />

sorte as más e menos rectas erão iguaes todas em malda<br />

<strong>de</strong> e falta <strong>de</strong> rectidão; porque assim como á verda<strong>de</strong> e<br />

a falsida<strong>de</strong> nada se podia accrescentar, da mesma sorte,<br />

o que ficava áquem da linha do recto, era menos recto<br />

ou máo, e o que em todas as suas partes se conformava<br />

com a regra ou lei, era recto ou bom, sem que houvesse<br />

mais nada que <strong>de</strong>sejar (a). Para refutar esta doutrina<br />

estabelece Martini neste §., que as acções humanas não<br />

(…) S. 88., Martini Exercit. S. 176, e 171.<br />

–*


( 1oo )<br />

só são diversas em quanto ao sujeito, pois, como já vimos<br />

(a), são umas pias, outras honestas, e outras justas, mas<br />

tambem são differentes <strong>segundo</strong> a quantida<strong>de</strong> da sua<br />

moralida<strong>de</strong>. Esta differença da moralida<strong>de</strong> das acções<br />

prova Martini: 1." pela diversida<strong>de</strong> das obrigações e<br />

leis, que se cumprem ou violão: 2." pela maior ou me<br />

nor liberda<strong>de</strong>, com que forão praticadas. O primeiro<br />

argumento é objecto do S. 171, e o <strong>segundo</strong> do §. 172.<br />

Acções humanas são as proprias do homem, e po<strong>de</strong>m<br />

ser intellectuaes, voluntarias, e livres, <strong>segundo</strong> provém<br />

do entendimento, da vonta<strong>de</strong>, ou da liberda<strong>de</strong>. Aqui<br />

acções humanas são o mesmo, que acções livres; e assim<br />

<strong>de</strong> ordinario são termos synonymos— acções humanas—<br />

e acções livres; — porque a liberda<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> existir<br />

sem o entendimento, que esclarece, e a vonta<strong>de</strong>, que<br />

<strong>de</strong>termina a pratica ou omissão das acções.<br />

Nós continuamos a enten<strong>de</strong>r por moralida<strong>de</strong> a bon<br />

da<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> das acções livres. Este é o sentido, em<br />

que Martini toma esta palavra. Porém hoje principía a<br />

usar-se da palavra moralida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>signar a conformi<br />

da<strong>de</strong> das acções com as leis, i. é, a bonda<strong>de</strong> moral; e<br />

para exprimir a malda<strong>de</strong> moral diz-se immoralida<strong>de</strong>.<br />

§. 171.<br />

As acções, diz Martini, com que observamos ou vio<br />

lamos as leis, tem differente moralida<strong>de</strong>, <strong>segundo</strong> essas<br />

leis são maiores, ou menores, mais fortes, ou mais fra<br />

cas. É verda<strong>de</strong> que na conveniencia, ou discrepancia<br />

das acções com as leis está o serem ellas rectas, ou me<br />

nos rectas, e que por este lado consi<strong>de</strong>radas as acções<br />

tem todas igual moralida<strong>de</strong>. Porém sendo diversas as<br />

obrigações <strong>segundo</strong> o pêso e força dos motivos liga<br />

dos com a acção, e sendo mais fortes, ou mais fracas,<br />

maiores ou menores as leis <strong>segundo</strong> a força das obriga<br />

ções, que lhes são correlativas; fica evi<strong>de</strong>nte, que os<br />

bens ou males, que são consectarios das acções rectas ou<br />

menos rectas, e constituem os premios e penas das Leis<br />

Naturaes, são diversos; e por consequencia, que é diffe<br />

(a) S. 162,


( 1o 1 )<br />

rente a moralida<strong>de</strong> não só das acções, com que observa<br />

mos Til ()S, as leis, senão tambem d'aquellas, com que as viola<br />

•<br />

Como já falámos d’esta materia, e <strong>de</strong>monstrámos,<br />

que os consectarios das acções variavão <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>, e<br />

por isso tornavão as obrigações e leis mais fortes, ou mais<br />

fracas, contra a opinião d'Ahrens (a), passemos ao segun<br />

do argumento. .<br />

+ - §<br />

172.<br />

• }<br />

Tambem varía a moralida<strong>de</strong> das acções humanas, se<br />

gundo é maior, ou menor a liberda<strong>de</strong>, com que as pra<br />

ticamos. E com effeito o principio da moralida<strong>de</strong> das<br />

acções encontra-se na liberda<strong>de</strong>, porque só tem morali<br />

dado as acções livres: ora a liberda<strong>de</strong> pó<strong>de</strong> ser maior ou<br />

menor, <strong>segundo</strong> for maior ou menor a força do arbitrio,<br />

e a luz da razão, <strong>de</strong> que se compõe a liberda<strong>de</strong> (b); por<br />

que os effeitos estão sempre na razão das causas, i. é, a<br />

quantida<strong>de</strong> ou gran<strong>de</strong>za das causas <strong>de</strong>termina a quanti<br />

da<strong>de</strong> ou gran<strong>de</strong>za dos effeitos. E na verda<strong>de</strong> é facil <strong>de</strong><br />

comprehen<strong>de</strong>r, que necessitamos <strong>de</strong> maior força d'arbi<br />

trio para praticar uma acção difficil, do que para praticar<br />

uma facil, e que a nossa intelligencia pó<strong>de</strong> examinar<br />

mais ou menos profundamente a natureza d’uma acção,<br />

e os seus consectarios. Por tanto, se a liberda<strong>de</strong> é causa<br />

ou principio da moralida<strong>de</strong> das acções; se a liberda<strong>de</strong><br />

pó<strong>de</strong> ser maior ou menor; e se os effeitos estão na razão<br />

das causas: fica mais claro do que a luz do meio dia,<br />

que é differente a moralida<strong>de</strong> das acções, <strong>segundo</strong> for dif<br />

ferente o gráo <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, com que são praticadas.<br />

§. 173:<br />

Principia <strong>de</strong>duzindo um corollario da doutrina do $.<br />

antece<strong>de</strong>nte, — que todas as vezes que quizermos saber os<br />

gráos <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> d'uma acção, <strong>de</strong>vemos conferil-a<br />

com o arbitrio e razão do agente, i. é, com a liberda<strong>de</strong>.<br />

(a) S. 88.<br />

(*) S, 44.


( Io2 )<br />

E na verda<strong>de</strong> a liberda<strong>de</strong> para este effeito é como a pe<br />

dra <strong>de</strong> toque, que mostra os quilates do ouro. Para co<br />

nhecermos a maior ou menor moralida<strong>de</strong> d'uma acção<br />

com relação á liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vemos ter presentes as regras<br />

seguintes. Será tanto maior a moralida<strong>de</strong>, ou será tanto<br />

melhor ou peor uma acção: I. quanto mais espontanea<br />

mente o agente a praticar; porque quanto maior for a<br />

# ou o arbitrio (a), que com a razão pro<br />

duzem a liberda<strong>de</strong>, tanto maior esta será, e tanto maior<br />

a moralida<strong>de</strong> da acção (b). Por esta regra terá maior mo<br />

ralida<strong>de</strong> a acção, se alguem mata espontaneamente um<br />

homem, do que se o matasse por medo, ainda que leve;<br />

porque esta coacção do medo dispensa parte da força do<br />

arbitrio, a espontaneida<strong>de</strong> é menor, e por isso menor a<br />

liberda<strong>de</strong>: II. quantos mais modos o agente tem para se<br />

<strong>de</strong>terminar á pratica da acção; porque a acção é mais<br />

espontanea, v. g., tendo eu tres estradas, a jornada é mais<br />

espontanea, do que tendo só uma; porque neste caso<br />

basta só a força do arbitrio necessario para intentar a<br />

jornada, naquelle é mister ainda a força do arbitrio in<br />

dispensavel para a opção entre elas: III. quanto mais<br />

graves forem os motivos, que o agente teve para obrar<br />

ou <strong>de</strong>ixar d'obrar; porque mais esclarecida foi a acção<br />

pela luz da razão, e por isso mais livre (c); v. g., quando<br />

qualquer estuda para se instruir, e po<strong>de</strong>r um dia vir a<br />

ser util á sua familia e á Patria, essa acção tem maior<br />

moralida<strong>de</strong>, do que se estudasse sómente por satisfazer<br />

a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu pai. Pelo contrario terá menor morali<br />

da<strong>de</strong> ou será tanto menos boa ou má a acção: I. quanto<br />

for menos espontanea: II. quanto for menos fortuita ou<br />

contingente: III, quanto menos inteligivel, ou profun<br />

dada for pela intelligencia e razão. São as mesmas regras<br />

n'uma escala já ascen<strong>de</strong>nte e já <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> morali<br />

da<strong>de</strong>; e tudo o que dissemos para a intelligencia e prova<br />

<strong>de</strong> cada uma no primeiro caso, serve para a intelligencia<br />

e prova d’ellas no <strong>segundo</strong> caso, mutatis mutandis.<br />

Só accrescentaremos duas observações: primeira, que<br />

|<br />

#<br />

(a) S. 4o.<br />

(b) S. 172.<br />

(*) S. 44. e 172.


( Io3 )<br />

a acção, tem mais moralida<strong>de</strong> na razão da maior somma<br />

dos motivos, não só por ser mais livre, como diz Mar<br />

tini neste §., mas tambem porque é maior a obrigação<br />

e mais forte a lei, que lhe diz respeito (a): segunda, que<br />

quanto menos fortuita é a acção, tanto menos esponta<br />

neida<strong>de</strong> ou arbitrio é uecessario para a praticar; porque<br />

essa tal ou qual necessida<strong>de</strong>, que a torna menos contin<br />

gente, dispensa parte da força do arbitrio, que seriane<br />

cessaria no caso d’ella ser mais fortuita e contingente.<br />

§ 174.<br />

Principia a tractar da imputação. Imputar é <strong>de</strong>clarar<br />

alguem auctor d'um facto, e imputação é o juizo, pelo<br />

qual affirmamos, que qualquer foi auctor d'um facto.<br />

Para esta <strong>de</strong>finição se enten<strong>de</strong>r, importa saber o que seja<br />

facto e auctor. Facto é toda a acção, ou toda a omissão<br />

livre e singular, i. é, revestida <strong>de</strong> circumstancias, que<br />

se costumão <strong>de</strong>signar por este versiculo — Quis, quid,<br />

ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando (b). Assim o<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> passear in abstracto é um ente <strong>de</strong> razão, não é<br />

facto: porém o <strong>de</strong>ixar certa pessoa livremente <strong>de</strong> passear<br />

em certo lugar, e a certa hora, é uma omissão livre e<br />

singular, é um facto, como o seria a acção da mesma<br />

pessoa, se passeasse no mesmo lugar, e á mesma hora.<br />

Por tanto toda a acção é facto: mas nem todo o facto é<br />

acção; facto é um termo mais amplo; porque compre<br />

hen<strong>de</strong> as acções e omissões livres. Auctor é a causa ef<br />

ficiente e livre do facto.<br />

§. 175.<br />

Todo o facto produz necessariamente seus consectarios<br />

bons ou máos, que são os premios ou penas, que impõe<br />

a lei, que o regula. E sendo verda<strong>de</strong>ira a regra— quod<br />

est causa causae, est causa causati, —fica evi<strong>de</strong>nte, que o<br />

auctor do facto é causa dos seus consectarios. Portanto<br />

quem <strong>de</strong>clara a outro auctor d'um facto, implicitamente o<br />

(a) S.171.<br />

(b) S. Thomaz I. 2. Q. 7.art. 3.


( Io4)<br />

<strong>de</strong>clara auctor dos consectarios. E pois uma <strong>de</strong>finição mais<br />

clara e exacta <strong>de</strong> imputação o juizo, pelo qual attribuimos<br />

ao livre arbitrio d'alguem um facto e os seus consectarios.<br />

Differe a imputação da consciencia em que na im<br />

putação se tracta <strong>de</strong> factos alheios, e na consciencia dos<br />

proprios. E differe da imputabilida<strong>de</strong>, que é a qualida<br />

<strong>de</strong>, que tem o facto, <strong>de</strong> ser imputavel; qualida<strong>de</strong>, que<br />

nasce da obrigação, que o agente tinha, <strong>de</strong> o praticar<br />

ou omittir. . * * * * * – L. *".<br />

Importa finalmente observar, que é necessario que<br />

o auctor do facto tenha previsto ou pelo menos podido<br />

prever as suas consequencias; porque d'outro modo não<br />

po<strong>de</strong>m estas ser imputadas ao seu livre arbitrio, muito<br />

embora seja <strong>de</strong>clarado auctor do facto. " : " ": '<br />

• • * *<br />

§. 176. !" … :* …<br />

• • -<br />

Tres requisitos são necessarios para se fazer a imputa<br />

ção: 1.° examinar quem foi o auctor do facto;"2.° exa<br />

minar quaes os seus consectarios, e para isto cumpre exa<br />

minar a lei, e a obrigação, que o auctor tinha, <strong>de</strong> pra<br />

ticar ou omittir o facto; pois sómente á vista do edieto<br />

da Lei se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, se o facto foi bom e justo, ou mão<br />

e injusto, e por isso conhecer a natureza dos consecta<br />

rios; 3." examinar qual a sancção da lei, para applicar ao<br />

auctor os premios ou penas, que a compõem. Estes re<br />

quisitos são necessarios para <strong>de</strong>cidir na imputação: 1.°<br />

quem foi o auctor do facto; 2.° se o facto é, ou não, con<br />

forme com o edicto da lei: 3.° quaes os premios ou penas<br />

propostos pela sancção da lei, que merece o auctor do<br />

facto. Por isso, diz Martini, alguns fazem consistir a im<br />

putação na applicação da lei ao facto, outros no juizo,<br />

ou raciocinio ácerca da moralida<strong>de</strong> do facto (a). ,<br />

Como sabemos, que o fim da imputação consiste<br />

em <strong>de</strong>clarar a outro auctor d'um facto, e responsavel<br />

pelos seus consectarios, i. é, digno dos premios e penas,<br />

que a lei estabelece, importa saber quem é que tem o<br />

<strong>direito</strong> ou obrigação <strong>de</strong> fazer a imputação <strong>segundo</strong> Direi<br />

to Natural.<br />

(a)<br />

Encyclop. Méthod, Jurisprud, v. Imputation,


•<br />

(1o5 )<br />

O Sr. Fortana (a) parece negar a qualquer homem<br />

o <strong>direito</strong> da imputação; porque, diz elle, não nos per<br />

tence nem dirigir, nem mo<strong>de</strong>rar as acções dos outros, e<br />

só por curiosida<strong>de</strong> o po<strong>de</strong>remos louvavelmente fazer,<br />

quando por carida<strong>de</strong> quizermos ajudar aos outros, e pro<br />

mover as suas perfeições. . -<br />

Os Encyclopedistas (b) fazem differença entre impu<br />

tação simples e imputação efficaz. Dizem imputação sim<br />

ples a que se limita sómente ao louvor e á censura, i. é,<br />

que consiste sómente em approvar, ou reprovar a ac<br />

ção <strong>de</strong> modo que não resulte outro effeito para o agente:<br />

e efficaz a que tem por fim, além do louvor ou censura,<br />

o fazer recaír sobre o agente algum bem ou algum mal.<br />

Dizem, que quanto á imputação simples, todo o<br />

homem a pó<strong>de</strong> fazer, ou tivesse ou não tivesse algum<br />

interesse pessoal e particular em que a acção fosse feita<br />

ou omittida; basta-lhe o interesse geral e indirecto. Por<br />

que todos os homens são interessados em que as Leis Na<br />

turaes sejão cumpridas. Elles faltarião ao respeito <strong>de</strong>vido<br />

ás Leis, e ao que <strong>de</strong>vem á socieda<strong>de</strong>, se não mostras<br />

sem, approvando, o seu amor pela virtu<strong>de</strong>, e, repro<br />

vando, a sua aversão pelo vicio.<br />

Dizem porém, pelo que pertence á imputação effi<br />

caz, que é mister que os homens tenhão, para legitima<br />

mente a po<strong>de</strong>rem fazer, um interesse directo e particular<br />

em que a acção fosse feita ou omittida. Taes são 1." aquel<br />

les, a quem pertence, regular a acção; 2.° aquelles, a<br />

quem se dirige a acção, i. é, aquelles, a quem a acção<br />

pó<strong>de</strong> ser vantajosa, ou prejudicial; v. g., o Soberano,<br />

que faz as leis, tem interesse em que elas sejão cumpri<br />

das, e por isso <strong>de</strong>ve ter <strong>direito</strong> a imputar as acções dos<br />

subditos; do mesmo modo <strong>de</strong>ve ter este <strong>direito</strong> aquelle,<br />

a quem a acção fez lesão ou causou interesse. … …"<br />

Locke (c) e Filangieri (d) são d’opinião, que no <strong>estad</strong>o<br />

<strong>natural</strong> todo o homem tem o Direito <strong>de</strong> punir aquelles,<br />

que violão as Leis Naturaes, ou seja para com algum<br />

Particular, ou seja para com a socieda<strong>de</strong>, e por isso con<br />

- (b) (?) Sr. loc. Fortuna cit. C.8. S. • 194.<br />

(2) Traetado sobre o Gºverno Civil C. 2. S. 7, e seg. #<br />

(2) La Science <strong>de</strong> la Législation L. I. C.5. … ? -


( 1o6)<br />

ce<strong>de</strong>m a todo o homem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer imputação ef<br />

ficaz.<br />

Nós adoptamos a distincção d'imputação, e parece<br />

nos, que a simples todo o homem a pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve fazer<br />

sobre os factos dos outros, quando elles se referem di<br />

rectamente aos seus similhantes, ou os seus effeitos bons<br />

ou máos aproveitão ou offen<strong>de</strong>m a socieda<strong>de</strong>, em que o<br />

agente vive, pelo interesse, que a socieda<strong>de</strong> tem em que<br />

a justiça e a honestida<strong>de</strong> triunfem, e o crime não levante<br />

audacioso a cabeça acima da santida<strong>de</strong> das Leis. Esta ap<br />

provação ou reprovação constitue parte da samcção das<br />

Leis Naturaes (a). Enten<strong>de</strong>mos porém, que os actos, cu<br />

jos effeitos se dirigem ao agente, os actos da sua vida pri<br />

vada e domestica <strong>de</strong>vem ser sagrados, e fóra da alçada do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> imputar, concedido a todo o homem, porque<br />

não nos compete o dirigir ou mo<strong>de</strong>rar as acções <strong>de</strong>sta<br />

natureza, que os outros praticão. Todo o homem é se<br />

nhor do seu <strong>de</strong>stino, e dos meios <strong>de</strong> o conseguir, e livre<br />

no bom ou máo uso, que <strong>de</strong>lles faz <strong>segundo</strong> Direito,<br />

ainda que <strong>segundo</strong> a consciencia e na Moral o contrario<br />

se <strong>de</strong>va dizer.<br />

Finalmente quanto á imputação efficaz parece-nos,<br />

salvas por ventura algumas excepções, que sómente a<br />

pessoa directa e particularmente interessada na acção a<br />

pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve fazer, ou seja para se mostrar agra<strong>de</strong>cido,<br />

se a acção lhe fez beneficio, e o podér remunerar, ou seja<br />

para obrigar o agente a in<strong>de</strong>mnização do damno causa<br />

do , se a acção lhe foi lesiva. Porque em Direito Natural<br />

cada um é juiz das suas acções; e das dos outros, só da<br />

quellas, que lhe dizem respeito. O Direito Natural não<br />

reconhece nenhuma especie <strong>de</strong> auctorida<strong>de</strong>, que possa<br />

<strong>de</strong>cidir qualquer contenda, e a que os homens, iguaes em<br />

<strong>direito</strong>s, se <strong>de</strong>vão submetter. Não po<strong>de</strong>m pois ser os So<br />

heranos, ou a Pessoa, a quem pertence regular a acção,<br />

reconhecidos pelo Direito Natural para fazer imputação.<br />

Isto só pó<strong>de</strong> ter lugar pelo Direito Politico na socieda<strong>de</strong><br />

civil, on<strong>de</strong> tambem todo o Cidadão tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer<br />

imputação simples dos actos da vida publica dos empre<br />

gados, e on<strong>de</strong> até, para que elles não abusem das suas<br />

(a) S. 93. •<br />

• • ***


( 1o? )<br />

funcções em prejuizo da socieda<strong>de</strong>, todo o Cidadão <strong>de</strong>ve<br />

ser sentinela vigilante. *,<br />

$. 177.<br />

Alguns, diz Martini, divi<strong>de</strong>m a imputação em im<br />

putação <strong>de</strong> facto, que é o acto, pelo qual <strong>de</strong>claramos<br />

alguem auctor d'um facto; e imputação <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, i. é,<br />

o acto, pelo qual lhe attribuimos os consectarios da ac<br />

ção. Destas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>duzem o corollario, que em<br />

toda a imputação se po<strong>de</strong>m, ao menos pela cogitação,<br />

distinguir tres pessoas: aquella, que imputa o facto;<br />

aquella, que imputa o <strong>direito</strong>; e aquella, a quem se im<br />

puta o facto e o <strong>direito</strong>. Porém Martini adverte com ra<br />

zão, que a imputação <strong>de</strong> facto e a imputação <strong>de</strong> <strong>direito</strong><br />

não são especies diversas e separadas d'imputação, senão<br />

partes integrantes d’uma verda<strong>de</strong>ira e completa imputa<br />

ção. E com effeito nem se pó<strong>de</strong> fazer a imputação do<br />

<strong>direito</strong> sem a imputação do facto, sobre que aquelle re<br />

cáe; nem a imputação do facto sem a <strong>de</strong> <strong>direito</strong> teria<br />

utilida<strong>de</strong> alguma. O fim da imputação é tornar alguem<br />

responsavel pelos consectarios bons, ou máos d'um facto,<br />

<strong>segundo</strong> a conveniencia, ou <strong>de</strong>sconveniencia do facto<br />

com a lei; e para isto é necessario, que conjunctamente<br />

se faça a imputação <strong>de</strong> facto e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.<br />

§ 178.<br />

. . Pincipia Martini dizendo, que a imputação é um<br />

juizo, ou raciocinio, que, como outro qualquer, pó<strong>de</strong> ser<br />

verda<strong>de</strong>iro ou falso. Na verda<strong>de</strong> em toda a imputação ha<br />

tres proposições: 1.° a que <strong>de</strong>clara o que a lei dispõe no<br />

seu edicto, e quaes são os premios e penas, qne com<br />

põem a sua sancção; 2.° a que <strong>de</strong>clara quem foi o auctor.<br />

do facto, e com este compara a lei; 3. a que enuncia a<br />

conclusão, i. é, se a acção foi justa ou injusta, e se o<br />

auctor merece os premios ou as penas da lei. A lei é a<br />

maior, o facto a menor, e a sentença a conclusão. Este<br />

juizo é verda<strong>de</strong>iro, quando não pecca nem na materia,<br />

nem na fórma; quando porém tem algum <strong>de</strong>stes vicios,<br />

º juizo é falso. Diz-se pois imputação verda<strong>de</strong>ira ou re<br />

ºlº, quando não houve erro nem quanto á lei, nem quan<br />

• *


( ro8 )<br />

to ao facto, nem quanto á applicação da lei ao facto; se<br />

porém interveio erro relativamente a algum <strong>de</strong>stes obje<br />

ctos, a imputação é falsa e erronea,<br />

Para não haver erro quanto á lei, é mister saber se<br />

ha lei, e qual é a sua disposição no edicto, para com ella<br />

confrontar o facto, e na sancção, para saber que penas<br />

ou premios se <strong>de</strong>vem assignar ao auctor do facto.<br />

Para não haver erro quanto ao facto, importa saber<br />

a natureza do facto, e as circumstancias, que o revestem,<br />

e que po<strong>de</strong>m aggravar ou attenuar a sua moralida<strong>de</strong>, e<br />

quem foi o auctor do facto, ou, como veremos, as di<br />

versas causas, que concorrêrão para elle.<br />

Para não haver erro na applicação da lei ao facto, é<br />

necessario confrontar com o edicto da lei o facto, as suas<br />

circumstancias, e o auctor, para <strong>de</strong>cidirmos se o facto<br />

está, ou não, comprehendido na generalida<strong>de</strong> da dispo<br />

sição da lei.<br />

Finalmente para a imputação não ser erronea, é ainda<br />

necessario, que o raciocinio não peque na fórma, i. é,<br />

que se não falte ás regras <strong>de</strong> raciocinar.<br />

$ 79.<br />

Divi<strong>de</strong> a imputação em certa, quando se funda em<br />

razões sufficientes quanto ao <strong>direito</strong> e ao facto; e incerta,<br />

se não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>monstral-a com argumentos convin<br />

centes. Subdivi<strong>de</strong> a incerta em provavel ou verosimil,<br />

quando se approxima mais da verda<strong>de</strong>, do que <strong>de</strong>lla se<br />

afasta, i. é, se as razões e argumentos intrinsecos e ex<br />

trinsecos pen<strong>de</strong>m para o lado da verda<strong>de</strong>; e improvavel<br />

ou inverosimil, quando se approxima mais da falsida<strong>de</strong>, do<br />

que da verda<strong>de</strong>: porém, <strong>segundo</strong> a quantida<strong>de</strong> dos gráos<br />

da probabilida<strong>de</strong> ou da improbabilida<strong>de</strong>, a imputação é<br />

tambem mais, ou menos provavel, mais ou menos im<br />

provavel; e finalmente em duvidosa, quando ha argu<br />

mentos d'igual peso pro e contra, e o que a faz, se acha<br />

em equilibrio, sem po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cidir-se.<br />

S. 18o.<br />

*<br />

O sujeito da imputação é a pessoa dotada <strong>de</strong> liber


(109)<br />

da<strong>de</strong>; porque sendo o fim da imputação tornar o auctor<br />

do facto responsavel pelos seus consectarios, é facil ver<br />

que sómente o pó<strong>de</strong> ser aquelle, que conhecendo, que<br />

a acção é boa ou má, tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> a praticar ou<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar: se o homem não obra livremente,<br />

não pó<strong>de</strong> ser mais responsavel praticando uma acção<br />

má, do que o punhal do assassino pela morte, que faz. O<br />

objecto são acções livres, só as quaes tem moralida<strong>de</strong>.<br />

Na verda<strong>de</strong> as acções, que não são livres, ou seja por<br />

serem filhas d’uma necessida<strong>de</strong> irresistivel absoluta e<br />

interna, ou seja porque somos violentados á sua prati<br />

ca por alguma coacção externa, não nos po<strong>de</strong>m ser im<br />

putadas, porque não somos seus auctores: a causa d’ellas<br />

é essa necessida<strong>de</strong> ou coacção fysica ; nós somos mais<br />

pacientes, do que agentes. Se pois não po<strong>de</strong>mos ser <strong>de</strong><br />

clarados verda<strong>de</strong>iros auctores <strong>de</strong>llas, tambem se nos não<br />

po<strong>de</strong>m attribuir os seus consectarios, nem por conse<br />

quencia ser-nos imputadas taes acções. Finalmente o fun<br />

damento da imputação consiste na obrigação e na lei.<br />

Já vimos, que toda a acção livre era boa ou má, e por<br />

isso justa ou injusta, mandada ou prohibida, i. é,<br />

objecto d’uma obrigação e d'uma lei. Nesta obrigação e<br />

lei se <strong>de</strong>ve procurar o fundamento da imputação; pois<br />

que sem este fundamento nem a acção teria moralida<strong>de</strong>,<br />

nem se po<strong>de</strong>rião pesar os consectarios da acção, nem<br />

por consequencia <strong>de</strong>cidir, se o auctor <strong>de</strong>via gozar dos<br />

Premios, ou soffrer as penas da lei (a).<br />

• * * * • • • •<br />

S. 181. , , … .<br />

Tudo o que levamos dito ácerca da imputação ao<br />

auctor, se <strong>de</strong>ve applicar ás differentes, especies <strong>de</strong> causas<br />

do facto imputado. Martini divi<strong>de</strong> as causas 1.° em uni<br />

cas e solitarias, as que obrão por sua propria força, e<br />

ºuailiadoras e associadas, as que com suas forças aju<br />

dão ao agente; estas subdivi<strong>de</strong>m-se em iguaes, quando<br />

concorrem para o facto com forças iguaes, e <strong>de</strong>siguaes,<br />

quando concorrem com forças <strong>de</strong>siguaes; estas subdivi<br />

<strong>de</strong>m-se em principaes, as quaes concorrem mais para o<br />

(*) Burlamaq. P.…. C.9. sº. e seg. " …


( 1 1o )<br />

facto, e subalternas, ou secundarias, as que concorrem<br />

menos; 2.° em proximas, i. é, áquellas, que <strong>de</strong> tal modo<br />

antece<strong>de</strong>m os factos, que entre ellas e estes nenhuma<br />

outra se mette <strong>de</strong> permeio, e remotas, que são aquellas,<br />

entre as quaes e o facto outras operárão; 3.° em im<br />

mediatas, que são aquellas, que por si produzírão o fa<br />

cto, e mediatas aquellas, que o produzírão por inter<br />

venção d'outrem. A differença pois entre a causa proxi<br />

ma e immediata está em que a proxima necessariamen<br />

te se refere á remota, a immediata porém pó<strong>de</strong> existir<br />

sem referencia á mediata.<br />

§. 182.<br />

Como as causas immediatas por si praticão o facto,<br />

facil é o conhecêl-as, para lhes fazer imputação. Porém<br />

não se pó<strong>de</strong> dizer outro tanto das mediatas, ou meraes<br />

in specie; porque não praticando por si o facto, mas<br />

concorrendo em quanto d’ellas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>o que outrem o<br />

praticasse, não só custa a <strong>de</strong>cidir o gráo <strong>de</strong> imputação,<br />

que se lhes <strong>de</strong>ve assignar, senão ainda muitas vezes o<br />

conhecer se forão, ou não, causas mediatas do facto, <strong>de</strong><br />

que se trata. Para este fim propõe Martini quatro regras.<br />

Ora qualquer homem pó<strong>de</strong> ser causa mediata d'um fa<br />

cto, ou porqué concorreo d'algum modo directamente<br />

para a sua pratica; ou porque concorreo indirectamente,<br />

não o impedindo. As tres primeiras regras <strong>de</strong> Martini<br />

são relativas ao primeiro caso, e a quarta pertence ao<br />

<strong>segundo</strong>. Qualquer pó<strong>de</strong> directamente concorrer para<br />

uma acção ou fazendo com que outrem se <strong>de</strong>termine á<br />

sua pratica, ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado, ajudando-o na<br />

pratica da acção. Para conhecer aquellas causas media<br />

tas servem as duas primeiras regras <strong>de</strong> Martini; para co<br />


(…)<br />

conselho. Nós po<strong>de</strong>mos influir no entendimento d'alguem<br />

para a pratica d’uma acção, ou seja subministrando-lhe o<br />

conhecimento <strong>de</strong>lla, quando elle se não lembrava, ou<br />

a ignorava completamente, ou convencendo-o <strong>de</strong> que a<br />

acção é boa, ou justa, quando elle tinha conhecimento<br />

da acção, mas duvidava, ou accreditava, que ella era<br />

má, ou injusta. Isto pó<strong>de</strong> fazer-se ou pelo discurso, i. é,<br />

por algum dos modos, pelos quaes dissemos que se podia<br />

usar da palavra (a), ou pelo exemplo, que muitas vezes<br />

para muitas pessoas é um meio mais po<strong>de</strong>roso e efficaz,<br />

do que as palavras; ou finalmente pelo conselho, pro<br />

vando, que a acção é boa, ou justa. Por tanto as pala<br />

-vras <strong>de</strong> Martini—idêa da acção — <strong>de</strong>vem enten<strong>de</strong>r-se<br />

não só do conhecimento do facto, mas tambem do conhe<br />

cimento da sua moralida<strong>de</strong>.<br />

II. E causa mediata d’uma acção aquelle, que<br />

concorre para <strong>de</strong>terminar a vonta<strong>de</strong> d'outrem a pra<br />

tical-a, o que pó<strong>de</strong> ser por quatro modos, pelo impe<br />

rio — mandando, v.g., o pai ao filho; pelas supplicas<br />

— pedindo ; por ameaças — incitando-o; ou pelas li<br />

sonjas — exhortando-o: ou o confirma na resolução to<br />

mada <strong>de</strong> praticar a acção, o que pó<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> dous mo<br />

dos, ou <strong>de</strong>clarando-lhe, que quer o mesmo, o que<br />

equival a um conselho, ou consentindo na resolução to<br />

mada. Este consentimento porém ha <strong>de</strong> prece<strong>de</strong>r a pra<br />

tica da acção, e pó<strong>de</strong> tomar-se no sentido vulgar <strong>de</strong> dar<br />

licença; porque, se é posterior á acção, chama-se rati<br />

ficação, e é facil <strong>de</strong> ver, que quem ratifica a acção <strong>de</strong><br />

pois <strong>de</strong> praticada, não pó<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>clarado causa, nem<br />

ainda mediata, d’ella. Po<strong>de</strong>mos tambem dizer causa media<br />

ta aquelle, que admoesta com brandura, reprehen<strong>de</strong> com<br />

severida<strong>de</strong>, ou increpa com aspereza a outrem pela ne<br />

gligencia em praticar a acção. -<br />

I. E causa mediata da acção aquelle, que sub<br />

ministra a outrem o lugar, tempo, modo e outros<br />

meios para praticar a acção, ou para a occultar. Ora<br />

# pó<strong>de</strong> occultar uma acção d'outrem, ou antes<br />

e praticada, guardando o segredo <strong>de</strong> que elle a quer pra<br />

ticar, ou no acto <strong>de</strong> a praticar, ou <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> praticada:<br />

}<br />

(*) S. 49.


( 1.12 ) •<br />

o que occulta do primeiro e <strong>segundo</strong> modo, concorre<br />

para a acção, e evi<strong>de</strong>ntemente é causa mediata; porque<br />

se revelasse o segredo, por ventura o agente se absteria,<br />

ou alguem o embaraçaria: o que occulta do terceiro<br />

modo, não concorre para acção, e por isso não é causa<br />

mediata. Só a promessa <strong>de</strong>sta occultação, feita antes da<br />

pratica da acção, pó<strong>de</strong> fazer com que o promittente se<br />

ja causa mediata da acção; porque o agente confiado na<br />

promessa se <strong>de</strong>terminou a pratical-a. |-<br />

- IV. E causa mediata aquelle, que por factos ou pa<br />

lavras, po<strong>de</strong>ndo, não impedio a acção. Nós po<strong>de</strong>mos<br />

embaraçar por palavras, ou dirigindo-nos ao agente,<br />

convencendo-o ou persuadindo-o a que se abstenha, ou<br />

dirigindo-nos a outras pessoas, para que intervenhão, e<br />

nos aju<strong>de</strong>m a obstar á pratica da acção. Martini coma ra<br />

zão diz nesta regra — po<strong>de</strong>ndo — porque não cabendo<br />

em nossas forças o embaraçar, a impossibilida<strong>de</strong> tira<br />

nos a responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> causa d'acção pela regra— ad<br />

impossibilia nemo tenetur. …" - * * * *<br />

Parece-nos porém, seguindo Puffendorf (a), que<br />

para qualquer ser causa mediata, não basta que possa<br />

impedir a acção, mas é mister que elle tenha obrigação<br />

d'embaraçar; porque acções ha, que nós nem temos obri<br />

gação, nem ainda <strong>direito</strong> <strong>de</strong> impedir: taes são aquel<br />

las, que dissemos ficavão fóra da alçada do <strong>direito</strong> d'im<br />

putar, concedido a qualquer homem (b). -<br />

S. Thomaz refere muitas <strong>de</strong>stas causas mediatas nos<br />

dous versos seguintes: … -<br />

Jussio, consilium, consensus, palpo, recursus, e º<br />

Participans, mutus, non obstans, nou manifestans.<br />

s. 183<br />

* * * *<br />

|<br />

- Não merecem imputação as acções, que não são<br />

espontaneas, contingentes, e inteligiveis; porque só<br />

tem moralida<strong>de</strong> e são objecto da imputação as acções<br />

livres. E com effeito aon<strong>de</strong> não ha espontaneida<strong>de</strong> ou<br />

arbitrio, não ha liberda<strong>de</strong>, que é o arbitrio regulado<br />

(a) De Off. Hom, et Civ, L. 1. C. 1. S. 27.--- --- -<br />

(b) S. 176. . . * *<br />

pela


( 1.13)<br />

ela razão (a): aon<strong>de</strong> não ha contingencia, não pó<strong>de</strong><br />

# arbitrio; porque este só entra nas acções fysica e<br />

subjectivamente contingentes (b); e finalmente não sendo<br />

as acções intelligiveis, não po<strong>de</strong>m ser livres, por não se<br />

rem esclarecidas pela luz da razão, sem a qual não pó<strong>de</strong><br />

haver liberda<strong>de</strong> (c). No resto <strong>de</strong>ste S. diz Martini quaes<br />

são as acções, que não são imputaveis por falta <strong>de</strong>sponta<br />

neida<strong>de</strong>: no § seguinte as que não po<strong>de</strong>m ser imputadas<br />

* falta <strong>de</strong> contingencia: e finalmente no § 185 as que<br />

cão fóra da imputação por falta d'intelligencia. -- -<br />

. Não tem imputabilida<strong>de</strong> por falta <strong>de</strong>spontaneida<strong>de</strong>:<br />

I. Para nós os factos unicamente praticados pelos outros;<br />

porque não são obra, do nosso arbitrio, nem por conse<br />

quencia da nossa liberda<strong>de</strong>: não po<strong>de</strong>mos pois ser <strong>de</strong>cla<br />

rados auctores <strong>de</strong>lles no juizo da imputação. Esta regra<br />

porém admitte uma excepção quanto ás acções daquelles,<br />

que estão <strong>de</strong>baixo da vigilancia e responsabilida<strong>de</strong> d'ou<br />

trem, que se acha encarregado da sua direcção; as quaes<br />

po<strong>de</strong>m ser imputadas não só ao agente, mas ao superior,<br />

<strong>segundo</strong> este empregou, ou foi negligente em empregar<br />

os meios, que exigião a natureza e extensão do seu po<strong>de</strong>r<br />

e commissão. Assim casos ha, em que aos pais se pó<strong>de</strong><br />

imputar o procedimento dos filhos, ao mestre o dos dis<br />

cipulos, etc. (d).<br />

II. As simples paixões, i. é, as mudanças que em<br />

nós causárão os outros com as suas acções (e), e para<br />

as quaes não concorremos <strong>de</strong> modo algum; porque taes<br />

Paixões não são espontaneas; nellas somos pacientes, e<br />

não agentes., -<br />

.., III. As simplesmente coactas, i. é, produzidas<br />

Pela coacção fysica, que é uma das especies da neces<br />

sida<strong>de</strong> simples, que exclue a contingencia, e por isso o<br />

ºrbitrio e liberda<strong>de</strong> (f). Esta regra <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r-se da<br />

Violencia ou coacção fysica e actual, que alguem nos<br />

*--<br />

•<br />

(º) S. 44.<br />

(*) S. 4o.<br />

- º .S. 44. -<br />

tº) Burlam. P. 2. C. 1o. S. 1º, - - - - -<br />

(e) S. 36. - "" , - º . |-<br />

(f) S. 38. - * * * *<br />

… - - - |- - -


• IV.<br />

( 114)<br />

faz, e a que não po<strong>de</strong>mos resistir. Puffendorf (a) equi<br />

pára á coacção fysica o receio d'um gran<strong>de</strong> mal, para<br />

aquelle, que obra violentado por elle, ser isento da im<br />

putação; porém Burlamaqui (5) diz, que por maior que<br />

seja o medo e o terror d'um mal futuro, não exclue com<br />

pletamente a liberda<strong>de</strong>; porque não é absolutamente<br />

superior á firmeza do espirito humano, ou impossivel, o<br />

<strong>de</strong>terminar-se um homem antes a soffrer, e ainda a mor<br />

rer, do que a faltar aos seus <strong>de</strong>veres: o que assim obra,<br />

merece que pelo favor da necessida<strong>de</strong> a imputação lhe<br />

seja diminuida, <strong>de</strong>vendo ser mais severamente julgado<br />

o auctor do medo. *<br />

Os casos fortuitos, ou os acontecimentos filhos<br />

da fortuna, que não podiamos prever: daqui vem a re<br />

gra — casus nemo praestat; — porque não são filhos da<br />

nossa espontaneida<strong>de</strong>. O mesmo se <strong>de</strong>ve dizer dos acon<br />

tecimentos filhos d'um nexo <strong>de</strong> causas, que não po<strong>de</strong>mos<br />

evitar, v. g.; áquelle, que bebeo agua fria, que lhe<br />

causou uma constipação, don<strong>de</strong> se lhe seguio uma febre,<br />

e <strong>de</strong>sta a morte, não pó<strong>de</strong>m ser imputaveis estes aconte<br />

cimentos; porque, sendo licita a primeira acção, foi-lhe<br />

impossivel o evitar o enca<strong>de</strong>amento das causas, que pro<br />

duzírão estes infortunios, . -<br />

§. 184. : -.<br />

Não são imputaveis por falta <strong>de</strong> contingencia as ac<br />

ções simplesmente necessarias, e os factos simplesmente<br />

impossiveis; ou noutros termos, não po<strong>de</strong>m ser imputa<br />

das as acções ou omissões simplesmente necessarias; por<br />

que esta necessida<strong>de</strong> exclue a contingencia, o arbitrio,<br />

a liberda<strong>de</strong>, a moralida<strong>de</strong> e a imputação. Porém com<br />

razão adverte Martini, que só po<strong>de</strong>mos dizer necessarias,<br />

as omissões: 1.° quando não houver occasião alguma<br />

d'obrar, v.g., o <strong>de</strong>ixar o cégo <strong>de</strong> praticar acções, que<br />

hão mister o sentido da vista: porém se o homem podér<br />

ver com oculos, a omissão não é necessaria, e pó<strong>de</strong> ser<br />

imputavel; 2.° quando obsta á pratica da acção uma fra<br />

TC) De Off, Hom. et Civ. L. 1. C. 1. S. 24. , Jus Nat. et Gent. L. -<br />

C.5. S. 9. ><br />

(b) P. 2. C. 1o, S. 7. e seg.


• *<br />

-<br />

•<br />

• • •<br />

( 115)<br />

queza <strong>natural</strong>, que é invencivel, v.g., a omissão dan<br />

dar o paralytico: se porém com remedios pó<strong>de</strong> recobrar<br />

a saú<strong>de</strong>, e os não quer tomar, é vencivel a necessida<strong>de</strong><br />

da omissão, e será esta imputavel; 3.° quando essa fra<br />

queza <strong>natural</strong> é oriunda do livre arbitrio do homem,<br />

que voluntariamente <strong>de</strong>struío as suas forças, privando-se<br />

do po<strong>de</strong>r d'obrar, v. g., a omissão <strong>de</strong> não pagar aos seus<br />

crédores aquelle, que livremente dilapidou os seus bens,<br />

é-lhe imputavel; porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>o da sua liberda<strong>de</strong> a<br />

existencia da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> similhante omissão pela re<br />

gra — qui est causa causae, est causa causati. —<br />

|- * •<br />

, . . . $ 1854<br />

... Não merecem imputação finalmente por falta d'in<br />

telligencia: I. As acções praticadas no <strong>estad</strong>o imperfei<br />

.to (a) <strong>de</strong> furor, d'infancia, ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>mencia. Quanto ao<br />

furioso, <strong>de</strong>ve exceptuar-se o caso <strong>de</strong> ter dilúcidos inter<br />

vallos; porque então ser-lhe-hão imputaveis as acções,<br />

por ter uso <strong>de</strong> razão. A ida<strong>de</strong> da infancia em Direito Na<br />

tural <strong>de</strong>ve dizer-se aquella, que corre <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o ho<br />

.mem nasce, até que adquire o perfeito uso da razão, o<br />

que varia <strong>segundo</strong> os climas, a educação e <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento intellectual dos individuos: por tanto <strong>segundo</strong><br />

Direito Natural não pó<strong>de</strong> marcar-se uma épocha fixa co<br />

mo termo do peniodo da infancia, posto que o Direito<br />

Positivo o possa fazer, atten<strong>de</strong>ndo ao que ordinariamente<br />

acontece. - •<br />

II. As acções filhas da ignorancia invencivel <strong>de</strong><br />

Direito e <strong>de</strong> facto. Esta doutrina carece <strong>de</strong>xplicação.<br />

A ignorancia é a privação d'idêas ou conhecimentos; e<br />

ainda que se distingue do erro, que consiste, não na pri<br />

vação <strong>de</strong> idêas, mas nas idêas falsas, todavia no sentido<br />

pratico confun<strong>de</strong>m-se estas duas palavras — erro— e —<br />

ignorancia.—Ignorancia ou erro invencivel é aquelle, <strong>de</strong><br />

que não po<strong>de</strong>mos sair, ainda que empreguemos todas as<br />

nossas forças e diligencia; o vencivel é aquelle, que po<br />

<strong>de</strong>mos evitar empregando os meios ao nosso alcance.<br />

Que os factos, * filhos da ignorancia ou erro vencivel<br />

•<br />

(*) S. 55.


(116)<br />

<strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> facto, são imputaveis, todos concordão,<br />

pelos principios do §, antece<strong>de</strong>nte: ha porém diversida<br />

<strong>de</strong> dopiniões relativamente á ignorancia ou erro invenci<br />

vel <strong>de</strong> Direito. Esta questão, que os Philosophos e JCtos<br />

tractão com respeito ao Direito Natural e Positivo, só<br />

mente nós tractaremos quanto ao primeiro, que só faz<br />

ao nosso proposito. Martini parece admittir, que ha<br />

ignorancia invencivel <strong>de</strong> Direito Natural, e que por isso<br />

exime d'imputação. No entretanto similhante opinião<br />

não diz bem com os principios, que elle tem estabeleci<br />

do. O homem é dotado <strong>de</strong> razão; por ella pó<strong>de</strong> conhe<br />

cer as Leis Naturaes, as quaes por isso, e porque tem o<br />

seu fundamento na essencia e natureza humana, são cla<br />

ras e faceis. Segundo estes principios, que adoptamos,<br />

não pó<strong>de</strong> admittir-se ignorancia invencivel <strong>de</strong> Direito Na<br />

tural; e n'isto seguimos a opinião <strong>de</strong> muitos Philosophos<br />

e JCtos (a), que nos parece mais bem assentada. Sendo<br />

<strong>natural</strong> a todo o homem a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> conhecer as Leis<br />

Naturaes (b), e o po<strong>de</strong>r educar e <strong>de</strong>senvolver essa fa<br />

culda<strong>de</strong> até ao ponto <strong>de</strong> a levar ao <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> perfeição,<br />

em que possa conhecer seus <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres naturaes,<br />

não pó<strong>de</strong> dizer-se que o homem ignore invencivelmente<br />

o Direito Natural. E verda<strong>de</strong> que sendo muitos os fins,<br />

que o homem se pó<strong>de</strong> propôr, muitas vezes acontece,<br />

que o homem se <strong>de</strong>dica a modos <strong>de</strong> vida, que não são<br />

proprios para o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>sta faculda<strong>de</strong>, v.g.,<br />

os que se applicão ás artes e manufacturas. Porém estes<br />

mesmos tem a capacida<strong>de</strong> necessaria para conhecerem<br />

pelo menos as verda<strong>de</strong>s fundamentaes do Direito. E co<br />

.mo os homens são <strong>natural</strong>mente sociaes, e um dos bene<br />

ºficios da sociabilida<strong>de</strong> é o reciproco interesse, que tirão<br />

da mutua convivencia, trocando todos entre si os exces<br />

«sos dos productos, que cada um tem, é facil <strong>de</strong> ver, que<br />

os menos ilíastrados po<strong>de</strong>m consultar aquelles, que mais<br />

tem profundado as verda<strong>de</strong>s do Direito Natural; e <strong>de</strong>sta<br />

arte po<strong>de</strong>m todos os homens conhecer seus <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong><br />

.veres naturaes, sem po<strong>de</strong>rem allegar para sua escusa a<br />

ignorancia invencivel. Por tanto pó<strong>de</strong> dizer-se, que em<br />

… (a) Sr. Fortuna C.8. S. 197., Enerolop, Méthod, Jurisp. v. Erreur.<br />

(b) S. Io1. e seg. - ***


• (b)<br />

(117)<br />

regra a ignorancia <strong>de</strong> Direito Natural é voluntaria, e por<br />

isso vencivel (a). No entretanto a ida<strong>de</strong>, a estupi<strong>de</strong>z, e<br />

algumas hypotheses e collisões mais difficeis <strong>de</strong> resolver<br />

po<strong>de</strong>m dar lugar ao favor <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, não para eximir<br />

absolutamente<br />

mais benigno (b).<br />

da imputação, mas para se fazer um juizo<br />

• • -<br />

Pelo que pertence aos factos, é opinião corrente,<br />

que pó<strong>de</strong> dar-se ignorancia invencivel; porque factos ha,<br />

cujos resultados não po<strong>de</strong>mos saber se serão bons ou<br />

máos. Além <strong>de</strong> que, occorrem na vida lances e collisões<br />

taes, que o homem não tem tempo para reflectir, e certi<br />

ficar-se da sua justiça, e que po<strong>de</strong>m por isso não ser im<br />

pataveis. A este respeito importa observar com o Sr. For<br />

tuna (c), que ha factos, que se seguem a outros, sem que<br />

o homem possa prever aquelles; e para se <strong>de</strong>cidir da sua<br />

imputação, cumpre distinguir, se o primeiro facto foi<br />

licito, ou illicito. No primeiro caso o <strong>segundo</strong> facto,<br />

posto que mão, não pó<strong>de</strong> imputar-se ao agente, v. g.,<br />

a constipação, que me resultou <strong>de</strong> beber agua fria, não<br />

me pó<strong>de</strong> ser imputavel. No <strong>segundo</strong> caso ha imputação,<br />

ou a acção primeira seja illicita por sua natureza, ou<br />

pelas circumstancias do lugar, tempo e modo, v.g., se<br />

por divertimento um homem dá tiros em uma praça pu<br />

blica, e fere alguem, o facto do ferimento é imputavel;<br />

porque na mão do agente esteve o abster-se, e nao pra<br />

ticar uma acção má contra o seu <strong>de</strong>ver; e por isso <strong>de</strong>vo<br />

ser responsavel por todos os seus consectarios.<br />

III. Os factos praticados no <strong>estad</strong>o da embriaguez<br />

summa e involuntaria, ou pelo que dorme; porque nestes<br />

<strong>estad</strong>os não entra em exercicio a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> racioci<br />

mar. A embriaguez pó<strong>de</strong> ser summa ou modica, volun<br />

taria ou involuntaria. Embriagnez sumina chama-se<br />

aquella, que tira todo o uso da razão, e em que o em<br />

briagado não conhece o que faz; modica aquella, que<br />

<strong>de</strong>ixa algum uso <strong>de</strong> razão, i. é, tanto quanto baste para<br />

conhecer o que se faz; voluntaria aquella, que <strong>de</strong>pen<br />

: (a) Sr. Liz Teixeira Introducção ao Direito Civil Portuguez Tit. x.<br />

Secç.3., Barlamaq. P.». C. 1o. § 4., Felice Leº-º.<br />

Sr. Fortuna C. 8. § 197.<br />

(e) C. 8. S. 199. * * * * … * * * * *+


• (a)<br />

{ 1 18 )<br />

<strong>de</strong>o da vonta<strong>de</strong> do embriagado; involuntaria aquella,<br />

que foi causada por dólo d'outrem sem culpa do embria<br />

gado. Martini com razão só exime da imputação os fa<br />

ctos, filhos da embriaguez involuntaria e summa; por<br />

que o assim embriagado nem foi causa livre da embria<br />

guez, nem tem uso <strong>de</strong> razão, e por isso <strong>segundo</strong> os prin<br />

cipios, que <strong>de</strong>ixamos expostos, não po<strong>de</strong>m os factos ser<br />

lhe imputados. Se porém a embriaguez, ainda que summa,<br />

foi voluntaria, o embriagado foi causa livre da embria<br />

guez, e <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r pelos factos, que praticou, e<br />

seus consectarios: se a embriaguez é modica, posto que<br />

voluntaria, tambem não tira a moralida<strong>de</strong> aos factos pra<br />

ticados nesse <strong>estad</strong>o; porque o embriagado tem uso <strong>de</strong><br />

razão, sabe o que faz, e por isso obra livremente. As ac<br />

ções do que dorme, po<strong>de</strong>m ser ou filhas dos sonhos, ou<br />

do somnambulismo. E na verda<strong>de</strong> nem os que sonhão,<br />

nem os somnambulos parecem ter um perfeito uso da ra<br />

zão recta (a), para lhe serem imputadas as acções, que<br />

praticão. No entretanto, se o homem acordado premedi<br />

tou certas acções, e <strong>de</strong>pois em algum daquelles esta<br />

dos as praticou, po<strong>de</strong>m ellas dizer-se talvez resultados<br />

das impressões, que ficárão do tempo, em que as preme<br />

ditou e resolveo praticar, e neste caso po<strong>de</strong>m ser impu<br />

tadas; porque o homem pó<strong>de</strong> então dizer-se causa mo<br />

ral <strong>de</strong> taes acções: v. g., se a mãi acordada resolveo ma<br />

tar<br />

fez,<br />

seu<br />

do<br />

filho,<br />

filho,<br />

e<br />

dormindo,<br />

com este proposito<br />

pó<strong>de</strong> ser-lhe<br />

se <strong>de</strong>itou,<br />

imputada.<br />

a morte, que<br />

•<br />

- §. 186.<br />

Martini principia por uma razão d'or<strong>de</strong>m, dizendo,<br />

que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> termos tractado da materia da imputação,<br />

<strong>de</strong>vemos agora tractar da sua quantida<strong>de</strong>, i. é, dos gráos<br />

d'imputação, que merecem as acções; e estabelece esta<br />

regra, — que as acções do homem merecem maior ou me<br />

nor imputação, ou que o auctor d’uma acção merece<br />

maiores ou menores premios ou penas, <strong>segundo</strong> empre<br />

gou para a pratica da acção maior ou menor força dar<br />

bitrio, e maior ou menor intelligencia ou razão, i. é,<br />

Sr. Mello Prim. Linhas <strong>de</strong> Physiologia S. 38o.e seg. ••<br />

*


(119 )<br />

maior ou menor liberda<strong>de</strong>.—E com effeito, sendo o fun<br />

damento da imputação a moralida<strong>de</strong>, que tem a sua razão<br />

sufficiente na liberda<strong>de</strong>, e po<strong>de</strong>ndo esta ser maior ou<br />

menor, <strong>segundo</strong> for maior ou menor o arbitrio e a razão,<br />

<strong>de</strong> que se compõe (a): fica evi<strong>de</strong>nte, que a quantida<strong>de</strong><br />

da moralida<strong>de</strong> e da imputação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da quantida<strong>de</strong><br />

da liberda<strong>de</strong>, i. é, do arbitrio e da razão, que concor<br />

rêrão para as acções.<br />

Nos §§. 187—189 tracta da diversida<strong>de</strong> da morali<br />

da<strong>de</strong> e imputação <strong>segundo</strong> a differença do arbitrio, e<br />

nos §§. 190=196 da diversida<strong>de</strong> da imputação e mora<br />

lida<strong>de</strong> <strong>segundo</strong> a differença da intelligencia ou razão.<br />

§. 187.<br />

Duas proposições <strong>de</strong>monstra Martini. A primeira é,<br />

que merece maior imputação a acção difficil, do que a fa<br />

cil. Chama acção facil aquella, para praticar a qual o<br />

agente tem occasião commoda e idonea; e difficil aquel<br />

la, para praticar a qual o agente ha mistér procurar occa<br />

sião. Occasião é o concurso <strong>de</strong> quatro circumstancias: 1.°<br />

objecto da acção; 2.° tempo e lugar opportuno; 3.° ne<br />

nhum impedimento invencivel: 4." forças fysicas e mo<br />

raes (b). Ora, sendo maior ou menor a liberda<strong>de</strong>, segun<br />

do é maior ou menor a força do arbitrio, é facil <strong>de</strong> vêr<br />

que a acção difficil, para praticar a qual o agente precisa<br />

<strong>de</strong> procurar a occasião, i. é, <strong>de</strong> procurar as circumstancias<br />

opportunas e <strong>de</strong> evitar os obstaculos, exige maior força<br />

darbitrio, do que a facil; porque além da força do arbitrio<br />

indispensavel para a pratica da acção, é necessaria a força<br />

do arbitrio para procurar a occasião e para remover os<br />

impedimentos, força, que não é necessaria para a acção<br />

facil, que tem commoda occasião. E como a moralida<strong>de</strong><br />

e imputação está na razão da quantida<strong>de</strong> da liberda<strong>de</strong>,<br />

segue-se que a acção facil é menos imputavel, do que a<br />

difficil. Por exemplo o ladrão, que roubou achando as<br />

portas abertas, tem menos imputação, do que aquelle, que<br />

roubou arrombando-as.<br />

A segunda proposição é, que as acções, para pra- .<br />

(a) $. 171. *** * * * * ** * * -- --<br />

(b) Sr. Fortuna C. 8. S. 113.


-<br />

***<br />

( Iao )<br />

ticar as quaes muitas causas ou circumstancias exter<br />

nas impellem o agente, são dignas <strong>de</strong> menor imputa<br />

cão, do que aquellas, para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar as quaes<br />

o agente é impellido por esses acontecimentos ou causas<br />

externas. Porque as segundas carecem <strong>de</strong> maior força<br />

d’arbitrio, do que as primeiras, visto que essas causas<br />

ou circumstancias externas fazem parte da occasião, e<br />

tornão a acção mais facil: v. g. aquelle, que com pou<br />

cos meios, sem livros, nem protecções estuda, tem maior<br />

moralida<strong>de</strong>, e merece maior imputação nesta sua boa<br />

acção, do que aquelle, que é rico, tem livros, e tudo o<br />

que lhe é necessario para estudar. • - -<br />

§ 188.<br />

As acções ultroneas merecem maior imputação, do<br />

que as invitas: v. g. aquelle, que com medo ou por or<br />

<strong>de</strong>m do superior, mata alguem, merece menos imputa<br />

ção, do que aquelle, que mata espontaneamente; por<br />

que a força do medo ou do imperio, que torna a acção<br />

invita, dispensa parte da força do arbitrio, que é ne<br />

cessaria para a acção puramente ultronea: ". " "<br />

As acções causadas pelo prazer são mais imputaveis,<br />

do que as causadas pelo <strong>de</strong>sgosto. Esta proposição só pó<strong>de</strong><br />

enten<strong>de</strong>r-se das acções causadas pelo <strong>de</strong>sprazer prove<br />

niente d'alguma gran<strong>de</strong> paixão (a): v. g., o pai, que casti<br />

ga excessivamente o filho pelo prazer <strong>de</strong> o vêr bem edu<br />

cado, tem maior imputação, do que se assim o castigasse<br />

pelo <strong>de</strong>sgosto, que o filho lhe houvesse causado maltra<br />

tando a sua mái; porque a força da paixão neste caso<br />

arrastou o pai, que teve menos arbitrio e liberda<strong>de</strong>.<br />

As acções praticadas fóra <strong>de</strong> collisão são mais imputa<br />

veis, do que as praticadas no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> collisão, v. g.,<br />

aquelle, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar um estranho, cabeça<br />

d’uma rebelião, merece mais imputação, do que aquel<br />

le, que <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar seu pai, pela collisão entre<br />

a perda do pai e a da patria; porque para a omissão da<br />

<strong>de</strong>nuncia do pai era necessario menos arbitrio, do que<br />

•<br />

para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar o estranho; o amor do filho<br />

*<br />

(a) Sr. Fortuna C. 8, § 213, - - ---—<br />

- -<br />

*<br />

{


(121 )<br />

jara com seu pai tornava esta omissão mais facil, e por<br />

isso menos imputavel (a). " • , «» - " … "<br />

Finalmente os factos injustos tém maior imputa- ,<br />

bilida<strong>de</strong>, do que os iniquos. Os injustos são affirma<br />

tivos, são acções, com que lesamos aos outros; os ini<br />

quos são negativos, ou omissões <strong>de</strong> os beneficiar. Ora<br />

as omissões são mais fáceis, do que as acções: estas ne<br />

cessitão d'occasião, aquellas não. E por tanto"necessa<br />

ria maior força d'arbitrio para as acções do que para as<br />

omissões. De mais as acções injustas são expostas ao di<br />

reito <strong>de</strong> violencia dos outros, aos quaes lesão, o que não<br />

acontece com as iniquas; e este <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia é um<br />

novo obstaculo, que tem <strong>de</strong> vencer o que obra injusta<br />

mente, mas não o que obra iniquamente; obstaculo,<br />

que torna mais difficieis as acções injustas, do que os fa<br />

ctos iniquos.-Martini diz, que é mais facil o não lesar,<br />

do que o beneficiar aos outros: mas o que daqui se segue<br />

necessariamente, é que o facto <strong>de</strong> não lesar merece menos<br />

imputação, do que a acção <strong>de</strong> beneficiar aos outros. O<br />

não lesar é facto negativo, é pura omissão; o beneficiar<br />

é facto affirmativo, é uma acção: …" ….… " "<br />

*: *.* 1 : , : ortº riº : … ….… < … ; , ' , '"' ; • ?<br />

: " …; … S. 189. 1 - - - "… I<br />

1, 4: { {', !" * * * * * * * * * * * * * * ";<br />

A causa remota, que se <strong>de</strong>termina a obrar, merece<br />

mais imputação, do que a proxima, que é excitada por<br />

aquella; porque a primeira precisa <strong>de</strong> mais arbitrio,<br />

visto que se <strong>de</strong>termina a si, do que a segunda, que é aju<br />

dada pela primeira. Tambem é digna <strong>de</strong> maior imputa<br />

ção a causa principal, do que a secundaria; porque a<br />

Principal, que fez mais, obrou com mais arbitrio, do<br />

que a secundaria, que concorreo menos para a acção. O<br />

que manda, tem mais imputação, do que aquelle, que<br />

ºbe<strong>de</strong>ce; porque a or<strong>de</strong>m escusa parte da força do arbi<br />

trio ao que obe<strong>de</strong>ce, e <strong>de</strong> que necessita o que manda.<br />

Aquelle, que consente ou dá licença, tem mais imputação,<br />

dº que aquelle, que executa a vonta<strong>de</strong> d'outrem; porque"<br />

º primeiro se <strong>de</strong>termina a si, e o que obra, é d'alguiu º<br />

modo <strong>de</strong>terminado por aquelle. Finalmente o que man<br />

•=– |-<br />

TTTT #-<br />

(…) S. 187. … … -- * * … . . ; " " -


- • $<br />

#<br />

( 122 )<br />

da, ou dá licença, tem mais imputação, do que aquel<br />

le, que se cala, assente ou approva; porque aquelles con<br />

correm mais para a acção, do que estes; e por isso empre<br />

gão mais arbitrio. - * * - -*<br />

19o. , , , ? …; . - * * #;<br />

- • • * * * * . * * * * * * * * * *<br />

… Principia Martini fazendo a transição: — tractámos<br />

da quantida<strong>de</strong> da imputação <strong>segundo</strong> a quantida<strong>de</strong> do<br />

arbitrio e contingencia ; resta falar da equantida<strong>de</strong> da<br />

imputação <strong>segundo</strong> a quantida<strong>de</strong> da força da razão.--<br />

E estabelece a este respeito a regra: — tem tanto maior<br />

moralida<strong>de</strong> e imputabilida<strong>de</strong> uma acção, 1.° quanto mais<br />

o agente cogitou sobre ella, quanto mais reflectio sobre<br />

as suas partes, e quanto mais claramente conheceo a sua<br />

essencia: 2.° quanto maiores e mais fortes motivos <strong>de</strong>sco"<br />

brio para a praticar ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar. — Prova a pri<br />

meira parte da regra; porque a razão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das facul<br />

da<strong>de</strong>s da attenção, da reflexão e da intelligencia. Por<br />

tanto, quanto mais se empregarem estas faculda<strong>de</strong>s, tanto<br />

maior será a luz da razão; e por isso a liberda<strong>de</strong>, a mo<br />

ralida<strong>de</strong> e a imputação. E prova a segunda parte da Pro<br />

posição; porque <strong>segundo</strong> são mais ou menos, maiores ou<br />

menores, os motivos, que o homem tem para praticar ou<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> praticar uma acção, assim é maior ou menor a<br />

obrigação, a moralida<strong>de</strong> e imputação. " " … " " " .<br />

|- * *<br />

, … … § 191.<br />

|- …:<br />

… Reato ou culpa no sentido lato é o vicio vencivel do<br />

entendimento ou da vonta<strong>de</strong>, do qual resultão as acções<br />

moraes menos rectas. O reato divi<strong>de</strong>-se em culpa no sen<br />

tido stricto, que é o vicio do entendimento, que o agente<br />

não conheceo quando praticou a acção; e dolo, que é o<br />

vicio da vonta<strong>de</strong>, conhecido pelo agente ao praticar<br />

a acção. Destas <strong>de</strong>finições tira Martini o corollario,— que<br />

as acções culposas são menos imputaveis, do que as dolo<br />

sas; — porque o vicio do entendimento, ou seja ignorancia<br />

ou erro, faz com que o agente das acções culposas tenha<br />

menos força <strong>de</strong> razão, do que o agente das acções dolo<br />

sas, que obra com pleno conhecimento : e por conse<br />

queucia, <strong>segundo</strong> a regra do § antece<strong>de</strong>nte, merecem


§.<br />

,<br />

- \,<br />

( 123 )<br />

menor imputação as acções filhas da eulpa, do que as<br />

filhas do dolo. •<br />

, . * ** * … -. … … º<br />

º Tambem se <strong>de</strong>fine culpa a omissão da diligencia<br />

<strong>de</strong>vida; e <strong>segundo</strong> os seus diversos grãos, assim é lata,<br />

leve, ou levissima. Dolo é o proposito <strong>de</strong> fazer aquillo, que<br />

sabemos que não <strong>de</strong>vemos fazer. Tambem se chama<br />

dolo máo, a que se contrapõe o dolo bom, que é a astu<br />

cia, que se emprega para obter um fim bom e justo, v.<br />

g., para occultar a bolsa aos ladrões.<br />

. Segundo estas <strong>de</strong>finições ainda é verda<strong>de</strong>ira a regra<br />

<strong>de</strong> que a culpa tem menor imputação, do que o dolo;<br />

porque a culpa é uma omissão, e o dolo é uma acção.<br />

Ora as omissões são mais faceis, do que as acções; e por<br />

isso menos livres, do que estas. Por consequencia a culpa<br />

merece menor imputação, do que o dolo. -<br />

; t,<br />

I92." -<br />

- * *<br />

* #;". "...<br />

ref;":.:<br />

:<br />

.<br />

|-<br />

* * * * 1. .<br />

*<br />

T<br />

*<br />

•<br />

Delibera aquelle, que examina no seu espirito o por<br />

que, o como, o quando, e se convém praticar ou não<br />

praticar a acção. Resolve aquelle, que <strong>de</strong>pois da <strong>de</strong>libe<br />

ração <strong>de</strong>seja o facto, ou o não facto. Proposito é o acto.<br />

da vonta<strong>de</strong>, pelo qual <strong>de</strong>termina a execução da resolução<br />

tomada. Ao proposito e resolução anda inherente a inten<br />

gão, que é o <strong>de</strong>sejo do fim. Destas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>duz Mar<br />

tini os seguintes corollarios: 1.º que as acções <strong>de</strong>liberadas<br />

merecem maior imputação, do que as não <strong>de</strong>liberadas;<br />

porque naquellas houve mais reflexão, trabalhou mais a:<br />

razão, e por isso houve maior liberda<strong>de</strong>, moralida<strong>de</strong> e<br />

imputação: 2.º que <strong>de</strong>ntre as acções <strong>de</strong>liberadas tem<br />

mais moralida<strong>de</strong> e imputação aquellas, que forão acom<br />

panhadas <strong>de</strong> mais livre resolução, proposito, e intenção;<br />

porque já dissemos, que a liberda<strong>de</strong> era o estalão para<br />

medir a moralida<strong>de</strong> e a imputação.<br />

_*<br />

$.193.<br />

A intenção divi<strong>de</strong>-se em primaria, que é aquella, que<br />

se dirige ao fim proposto, pelo qual sómente obra o<br />

agente; e em secundaria, que se dirige a outro fim,<br />

além do proposto, pelo qual obra . . " a… "… causa-efficiente: --<br />

em<br />

\,<br />

* * * *<br />

. ***


(124)<br />

directa, que é aquella, que se dirige ao fim, pelo qual se<br />

obra; e indirecta, que tem lugar quando o agente não<br />

# o fim, que se segue da acção, não obstante elle po<br />

er seguir-se, assim como se segue aquelle, que o agente<br />

[uer: v. g., se dou uma esmola a Sempronio para reme<br />

# as suas necessida<strong>de</strong>s, obro com intenção primaria;<br />

se porém além <strong>de</strong>ste fim tenho em vista obter a sua ami<br />

− obro com intenção secundaria. Quando pratico<br />

uma acção, que tem diversos fins ou resultados, aquella<br />

intenção, que se dirige áquelle, que eu quero, chama-se<br />

# a que se refere aos fins, que se seguem da acção,<br />

e que eu não quero, diz-se indirecta: v. g., disparei um<br />

tiro para o fim <strong>de</strong> matar uma pomba, obrei com intenção<br />

# mas o tiro foi ferir um homem, que eu não queria<br />

erir; a intenção, que tem referencia a este fim, que se se<br />

guio da acção, diz-se indirecta. Esta intenção indirecta não<br />

é propriamente intenção, porque não é <strong>de</strong>sejo do fim:<br />

todavia como os consectarios da acção livre, com quanto<br />

fóra da intenção do agente, se <strong>de</strong>vem imputar a este mais<br />

ou menos, <strong>segundo</strong> foi mais ou menos facil o prevel-os,<br />

mas sempre menos do que serião, se elle claramente os<br />

previsse (a): por isso, se lhe chama intenção indirecta<br />

O dolo divi<strong>de</strong>-se em dolo antece<strong>de</strong>nte ou ex proposito,<br />

que é aquelle, que prece<strong>de</strong> a acção; e em dolo subsequen<br />

te ou ex re, o qual se segue á acção: v. g., paguei uma<br />

divida com dinheiro falso, sabendo que era falso, obrei<br />

com dolo ex proposito; se porém sómente <strong>de</strong>pois do pa<br />

gamento tive conhecimento <strong>de</strong> que o dinheiro era falso,<br />

e não obstante isso approvo o pagamento, obro com dolo<br />

ex: re. Destas <strong>de</strong>finições tira Martini o corollario,— que<br />

a intenção primaria e directa, e o dolo e º proposito me<br />

recem mais imputação, do que a intenção secundaria e<br />

indirecta, e o dolo e c re; porque naquelles casos ha mais<br />

contingencia e intelligencia, do que nestes; e por isso<br />

mais liberda<strong>de</strong> e imputação.<br />

Quanto ás intenções, é claro, que na directa e na pri<br />

maria ha mais contingencia e intelligencia, do que na se<br />

cundaria e na indirecta; porque os fins d'aquelas são mais<br />

possiveis, e mais facilmente previstos pelo agente, do que<br />

(º<br />

== 7 ====== = =<br />

* * * * * * |- •<br />

s. 185, Martini Exercias ig5., Sr. Fortana cºs-isãº


,<br />

-<br />

( 125 )<br />

os fins <strong>de</strong>stas. Quanto porém ao dolo ex proposito, e ao<br />

dolo ex re, parece-nos, que ambos merecem igual impu<br />

tação; porque os seus resultados em prejudicar são iguaes:<br />

todavia querendo subtilizar, po<strong>de</strong>mos dizer, que o dolo<br />

ex proposito tem por objecto uma acção, e o dolo ex-re<br />

uma omissão em não <strong>de</strong>sfazer o que tinha sido feito pelo<br />

dolo ex proposito (a). E como, <strong>segundo</strong> já dissemos, as<br />

acções são mais difficeis, do que as omissões, e a liberda<br />

<strong>de</strong> é maior ou menor, <strong>segundo</strong> a maior ou menor diffi<br />

culda<strong>de</strong> dos factos: por isso pó<strong>de</strong> dizer-se, que o dolo ex<br />

proposito é mais imputavel, do que o dolo ex re.<br />

* #: ….… … • $.<br />

…, … ;) **<br />

194, º . . . . •<br />

: - - ,<br />

, - … ". , ""<br />

Diligencia é o uso opportuno dos nossos meios e fa<br />

culda<strong>de</strong>s para obter um fim bom. Negligencia é a ornis<br />

são da diligencia <strong>de</strong>vida. Abuso é o uso dos meios e fa<br />

culda<strong>de</strong>s contrario á lei. O que sendo assim, facil é o <strong>de</strong><br />

monstrar, que não só as acções filhas da diligencia, mas<br />

as que resultão da negligencia, <strong>de</strong>vem ter maior ou me<br />

nor imputação, <strong>segundo</strong> forem mais ou menos os gráos<br />

d'uma e outra. E com effeito nós po<strong>de</strong>mos ser mais ou<br />

menos diligentes, mais ou menos negligentes: v.g., o<br />

compositor d’uma typographia po<strong>de</strong>rá chamar-se diligen<br />

te, se não omittir nem accrescentar palavras ou letras,<br />

que não sejão as proprias, e se tiver tal habilida<strong>de</strong> em<br />

ajuntar os typos, que ninguem o possa exce<strong>de</strong>r na celeri<br />

da<strong>de</strong>.Todas estas circumstancias constituem diversos gráos<br />

da sua diligencia. Pelo contrario serão tantos os gráós da<br />

sua negligencia, quantas forem as palavras, ou letras<br />

omittidas, ou accrescentadas, e quanto mais <strong>de</strong>morado e<br />

"<strong>de</strong>satendido for. Finalmente observa Martini, que a ne<br />

gligencia é mais ou menos imputavel, <strong>segundo</strong> se verifica<br />

nº entendimento, e fundamenta as acções culposas, ou na<br />

vonta<strong>de</strong>, e fundamenta as acções dolosas; porque já pro<br />

vámos, que estas tinhão mais imputação, do que aquelas<br />

(b). . . •<br />

. : - … .. * . * * . * .<br />

Que a negligencia do entendimento fundamenta<br />

r.<br />

(*) Sr. Fortuna L. 1. C. 8. S.213. • 4 • •<br />

(*) S. 191. * * * * * * * * * * ** * * *


( 126 )<br />

as acções culposas, facilmente se <strong>de</strong>monstra; porque a<br />

culpa é vicio imputavel do entendimento, quando cou<br />

siste na ignorancia, ou erro venciveis, e que o homem<br />

não evita por negligencia em empregar os meios para isso<br />

necessarios. O mesmo se pó<strong>de</strong> dizer quanto ao dolo ;<br />

porque sendo um vicio da vonta<strong>de</strong>, só pó<strong>de</strong> ter origem<br />

na sua negligencia em satisfazer ao seu fim, i. é, em<br />

querer o verda<strong>de</strong>iro bem, e não querer o verda<strong>de</strong>iro<br />

mal; em querer a observancia da lei, e não querer a sua<br />

violação. * * * */><br />

. * * § 195. • • ….……<br />

|<br />

As acções praticadas por um homem, que não é <strong>de</strong><br />

ida<strong>de</strong> assás madura, ou que teve uma educação grossei<br />

ra, , e as que o homem pratica por força <strong>de</strong> seu tempe<br />

ramento, ou das paixões, não são isentas <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>,<br />

mas é esta menor, do que seria, se fossem pratica das por<br />

um homem sem estes impedimentos; por quanto elles<br />

não excluem absolutamente o uso da razão, e o homem<br />

\<br />

conhece o que faz, e por isso obra livremente, e tem im<br />

putação. Todavia na ida<strong>de</strong>, que não é assás madura, e<br />

com uma educação, que não cultivou as faculda<strong>de</strong>s do<br />

espirito, não ha uma razão perfeitamente <strong>de</strong>senvolvida;<br />

e as paixões e o temperamento arrastão o homem, sem lhe<br />

<strong>de</strong>ixar todo o lugar para <strong>de</strong>liberar, o que tudo diminue<br />

a intelligencia e razão, com que as acções forão prati<br />

cadas; e por isso <strong>de</strong>ve ser menor a sua moralida<strong>de</strong> e im<br />

putação; e por consequencia certo erraria aquelle, que<br />

igualmente imputasse estas acções, fysicamente iguaes, e<br />

* *<br />

moralmente <strong>de</strong>siguaes. -<br />

Martini é d'opinião, que durante a infancia não<br />

uso <strong>de</strong> razão; que esta só <strong>de</strong>pois vai apparecendo, á pro<br />

porção que o homem se vai# na parte fy<br />

sica e moral, até que chega á puberda<strong>de</strong>, em que princi<br />

pia a ida<strong>de</strong> madura. Não entraremos nesta materia, por<br />

que a não julgamos domestica da Sciencia do Direito Na<br />

tural; e sómente diremos, que o Direito Natural não<br />

marca épochas, nem <strong>de</strong>termina periodos. Isto pertence aº<br />

Direito Positivo, como já dissemos. Quando em Direitº<br />

Natural se tracta d'imputação, <strong>de</strong>ve atten<strong>de</strong>r-se ao <strong>estad</strong>º<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento do homem; porém <strong>de</strong>ve-se ajuizaº


- (*)<br />

( 127)<br />

<strong>de</strong>lle pelos factos, e graduar a imputação, <strong>segundo</strong> a<br />

maior ou menor intelligencia, com que se obrou, e sem<br />

referencia á infancia, ou puberda<strong>de</strong>, épochas, que o Di<br />

reito Natural <strong>de</strong>sconhece. - -<br />

§ 196.<br />

* * * -<br />

Acção composta é aquella, que pó<strong>de</strong> ser dividida em<br />

muitas simplices. Simples é aquella, que não pó<strong>de</strong> dividir<br />

se em outras. A acção composta é digna <strong>de</strong> maior impu<br />

tação, do que a simples caeteris paribus; porque cada<br />

uma das acções simplices <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do arbitrio e razão, i.<br />

é, da liberda<strong>de</strong>. Ora reunidas as sommas <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />

com que todas ellas forão praticadas, hão <strong>de</strong> dar uma<br />

somma maior, do que aquella, com que se pratíca cada<br />

uma das simplices. A differença é como a da parte para<br />

o todo. Finalmente <strong>de</strong>ntre as acções compostas terá mais<br />

imputação aquella, que for mais composta; porque para<br />

a menos mais composta composta. é mister maior liberda<strong>de</strong>, do que para<br />

• -<br />

* * *<br />

CAP. VIII.<br />

bos oFFicros erga Deum, ou DA PIEDADE NATURAL.<br />

As palavras Officios para com Deos, ou pieda<strong>de</strong> são sy<br />

tonymos, <strong>segundo</strong> o que já dissemos (a). Porém Martini<br />

diz- pieda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>; — por quanto, ainda que alguns<br />

Philosophos tem dito, que os Officios para com Deos per<br />

tencião sómente á Theologia, e não ao Direito Natural;<br />

com tudo differentes cousas são a pieda<strong>de</strong> ou Officios<br />

Para com Deos, que se conhecem pela razão, e aquelles,<br />

<strong>de</strong> que só temos conhecimento pela Revelação. Estes são<br />

Privativos da Sciencia da Theologia; aquelles pertencem<br />

ao Direito Natural.<br />

*__* - - - - - - - - *: . . * * * * * * #", ""<br />

S. 16.


(128)<br />

. . É verda<strong>de</strong>, que, se a pieda<strong>de</strong> sómente consistisse no<br />

culto interno, e não saísse do seu templo primittivo e<br />

fundamental,— a consciencia,—não po<strong>de</strong>ria entrar na<br />

esfera do Direito, e pertenceria exclusivamente á Moral<br />

e á Theologia. No entretanto uma das partes da Religião é<br />

o curto externo, don<strong>de</strong> provém a Igreja; e tanto aquelle,<br />

como esta, tem um character d'exteriorida<strong>de</strong>, pelo qual<br />

estão em contacto com a socieda<strong>de</strong>. Debaixo pois <strong>de</strong>ste<br />

ponto <strong>de</strong> vista não pó<strong>de</strong> a Sciencia do Direito mostrar<br />

se indifferente á Religião, antes pelo contrario tem ne<br />

esferas<br />

cessida<strong>de</strong><br />

da<br />

<strong>de</strong>stabelecer<br />

vida individual<br />

as relações,<br />

e social.<br />

que<br />

….…<br />

a unem<br />

…<br />

ás outras<br />

• • • •<br />

º > , …" .. ' : ' … . . . . .<br />

º § 3o.2. * . * . * . . . .<br />

* . .. … … " " " . # -* * *<br />

__ Depois <strong>de</strong> termos lançado os fundamentos do Direito<br />

Natural, na essencia e natureza do homem, conhecidas<br />

pela luz da razão; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> terinos provado a existem<br />

cia das Leis, Direitos, Obrigações e Officios Naturaes,<br />

que são cousas correlativas; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> termos expendi<br />

dos os Direitos connatos do homem em geral, e dividido<br />

os Officios Naturaes em Officios para com Deos, Officios<br />

para com nosco, e officios para com os outros; passa<br />

Martini a tractar amplamente <strong>de</strong> cada uma d’estas espe<br />

cies d'Officios, e principia pelos Officios erga Deum, aos<br />

quaes se chama tambem Pieda<strong>de</strong> Natural.<br />

• - - - …} " "…:<br />

# " >,<br />

$.3o3.<br />

*<br />

Os Officios para com Deos são <strong>de</strong> duas especies:<br />

uns, que tem por objecto o conhecimento verda<strong>de</strong>iro e<br />

certo <strong>de</strong> Deos e <strong>de</strong> seus attributos, aos quaes se dá º<br />

nome <strong>de</strong> Parte Theoretica da Religião; e outros, que te"<br />

por objecto as acções conformes áquelle conhecimentº,<br />

e que se chamão Parte Practica da Religião. E na ver<br />

da<strong>de</strong>, sendo o fim ultimo da creação a manifestação da*<br />

divinas perfeições (a), é evi<strong>de</strong>nte, que, para satisfatº<br />

a obrigação <strong>de</strong> cumprir este fim, o homem <strong>de</strong>ve empº<br />

gar todos os meios, que forem necessarios. Ora, sem<br />

…)<br />

(a) S.59 procurarmos |-


(129)<br />

procurarmos conhecer os attributos <strong>de</strong> Deos, não po<strong>de</strong><br />

mos manifestal-os; e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> os conhecer, ainda é ne<br />

cessario praticar as acções externas, que sejão confor<br />

mes ás idêas, que formámos, das perfeições divinas.<br />

Demonstra Martini; que a ignorancia do conheci<br />

mento da existencia <strong>de</strong> Déos, Creador e Conservador <strong>de</strong><br />

todas as cousas, é inexcusavel, i. é, não exime da impu<br />

tação, nem pó<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa a nenhum homem:<br />

porque a simples contemplação da nossa natureza, e das<br />

cousas exteriores do mundo, facilmente leva o homem aó<br />

conhecimento <strong>de</strong> Deos, que creou tantas maravilhas, e<br />

a todas governa com admiravel or<strong>de</strong>m e harmonia. E<br />

verda<strong>de</strong>, que o homem, ente finito, não pó<strong>de</strong> compre<br />

hen<strong>de</strong>r cabalmente todo o Ente Infinito: porém pó<strong>de</strong><br />

fazer alguma idêa das suas infinitas perfeições, v. g., da<br />

omnisciencia, da provi<strong>de</strong>ncia, etc. *<br />

Na verda<strong>de</strong>, pouca reflexão basta para o homem re<br />

conhecer: que é incapaz <strong>de</strong> dar a existencia, e <strong>de</strong> a con<br />

servar por si aos seres, que existem: que é incapaz <strong>de</strong><br />

dirigir e governar as differentes or<strong>de</strong>ns da creação: que<br />

tudo é movido por um impulso alheio: e finalmente quê<br />

não é elle, nem cousa alguma daquellas, que o ro<strong>de</strong>ião,<br />

que é a causa e principio <strong>de</strong> tudo o que existe. Assim a<br />

intelligencia do homem com seu vôo divino se eleva até<br />

á contemplação d’uma causa primeira, e chega ao conhe<br />

cimento da existencia <strong>de</strong> Deos e dos seus attributos (a).<br />

Nenhum homem pois pó<strong>de</strong> allegar, como invencivel<br />

e excusavel, a ignorancia <strong>de</strong> Deos, nem <strong>de</strong>lla tomar<br />

<strong>de</strong>sculpa para se eximir da imputação <strong>de</strong> não cumprir os<br />

officios para com Deos.<br />

§ 3o7.<br />

Diz-se culto a pratica das acções, a que nos impel<br />

le a contemplação dos attributos Divinos. Estas acções,<br />

ºu sejão internas ou externas, certo provém daquella<br />

(a) Ahrens cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Spéc. Divis, 3. P. 3. C. 1.<br />

9


( 13o )<br />

contemplação ou conhecimento das attributos <strong>de</strong> Deos;<br />

porque a nossa vonta<strong>de</strong> sómente se <strong>de</strong>termina a obrar,<br />

ou <strong>de</strong>ixar dobrar, <strong>segundo</strong> as <strong>de</strong>cisões do entendi<br />

mento, i. é, <strong>segundo</strong> o entendimento lhe representa as<br />

acções como boas ou más, perfeitas ou imperfeitas.<br />

Do que levamos dito se vê, que o culto comprehen<br />

<strong>de</strong> duas especies d'acções: as internas, i. é, da alma ou os<br />

sentimentos, que o conhecimento das perfeições <strong>de</strong> Deos<br />

produz em nosso espirito; e as externas, que são resul<br />

tado daquellas, e pelas quaes testemunhamos estes senti<br />

mentos (a). • * * * . * . . ?<br />

Culto, honra, respeito, veneração, reverencia e<br />

serviço são termos synonymos, principalmente na lingua<br />

gem commum e popular. E impossivel admittir em Deos<br />

uma provi<strong>de</strong>ncia, sem concluir que é necessario e justo<br />

ren<strong>de</strong>r-lhe culto; não porque Deos tenha <strong>de</strong>lle necessi<br />

da<strong>de</strong>, mas porque nós a temos <strong>de</strong> sermos agra<strong>de</strong>cidos,<br />

respeituosos e submissos ao nosso Creador (b). |-<br />

Que somos obrigados a prestar culto a Deos, é con<br />

clusão necessaria da obrigação <strong>de</strong> conseguirmos o fim<br />

ultimo da creação, i. é, a manifestação das perfeições <strong>de</strong><br />

Deos; porque só po<strong>de</strong>remos obter este fim, obrando<br />

d'um modo conforme ás Divinas perfeições, e que possa<br />

dal-as a conhecer; e para isso é necessario praticar ac<br />

ções, que estejão em harmonia com as idêas, que <strong>de</strong>llas<br />

formamos, e com os sentimentos, que <strong>de</strong>llas provém; e<br />

n'umas e n'outras consiste o culto, - 1 … .. …<br />

Esta obrigação <strong>de</strong> prestar culto a Deos tem o seu<br />

fundamento, <strong>segundo</strong> Montesquieu, no sentimento reli<br />

gioso, proprio do homem, e que o distingue essencial<br />

mente dos animaes. Não negamos a existencia <strong>de</strong>ste senti<br />

mento, que, para usarmos da expressão d'um Philosopho<br />

espirituoso, atormenta o homem com a necessida<strong>de</strong> d'ar<br />

mar e respeitar ao Creador; mas visto como <strong>de</strong>cidimos,<br />

que o Direito Natural se conhecia não pelos instinctos,<br />

, mas pela razão, só po<strong>de</strong>mos assentar a base dos officios<br />

para com Deos na intelligencia do homem, e por isso no<br />

(a) Burlamaq. P. 3. C. 1. S. 2o.<br />

(b) Bergier Dictionnaire <strong>de</strong> Théologie Y. Cultº.<br />

*


(131)<br />

sonhecimento da existencia <strong>de</strong> Deos, Creador e Conser<br />

vador Sapientissimo e Po<strong>de</strong>rosissimo do homem e <strong>de</strong> to<br />

dos os seres, que compõem o universo (a).<br />

* * •<br />

•<br />

§ 3o8. , ,<br />

, A obrigação <strong>de</strong> prestar culto a Deos é <strong>de</strong> todas as<br />

lo homem a maior; porque consistindo o culto nas ac<br />

ções, que concordão com as Divinas perfeições, aquel<br />

le, que o ren<strong>de</strong>, obtem perfeição (que consiste na con<br />

cordia) para si, e por isso para o universo, <strong>de</strong> que faz<br />

parte, e para cujo fim concorre; e approxima-se do Sum<br />

mo Bem, quanto lhe é possivel. Ora estes motivos, com<br />

arados com todos os outros, que po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>terminar o<br />

#" a obrar, ou <strong>de</strong>ixar d'obrar, e que por isso pro<br />

duzem necessida<strong>de</strong>s hypotheticas, e obrigações, são in<br />

contestavelmente os maiores, que a nossa intelligencia<br />

pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir: e por consequencia a obrigação, que<br />

<strong>de</strong>lles se <strong>de</strong>duz, é a todas as outras do homem muito<br />

superior.<br />

$. 3o9.<br />

O cúlto divi<strong>de</strong>-se em interno e externo: interno o<br />

que tem por objecto as acções internas do espirito, os<br />

sentimentos do coração; externo o que consiste nas ac<br />

ções externas, que por serem conformes com aquelles<br />

sentimentos, filhos do vivo conhecimento das perfeições<br />

Divinas, servem a manifestal-as. -<br />

O culto interno consiste principalmente nos sentimen<br />

tos d'amor, dadoração, <strong>de</strong> respeito e temor. Contemplan<br />

do nós a Deos como nosso Creador e Conservador, não<br />

po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ver nelle um Pai summamente bom,<br />

nem por isso <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> o amar. Observando o seu infinito<br />

po<strong>de</strong>r, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> reconhecer a absoluta<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, que tem a nossa fraqueza d’este primeiro<br />

Ente, <strong>de</strong> nos confundirmos e prostrarmos na sua pre<br />

sença adorando-o. Finalmente atten<strong>de</strong>ndo nós a sua in<br />

finita justiça em premiar e castigar, não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> respeitar e temer o Soberano Juiz das nossas acções.<br />

(2) S. 3o4. .<br />


( 132 )<br />

Pelo que pertence ao culto exterior, pó<strong>de</strong> subdividir<br />

se em directo, que consiste nos actos exteriores, pelos<br />

quaes direetamente manifestamos aos nossos similhantes<br />

aquelles sentimentos <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>, que constituem o culto<br />

.interno; chama-se tambem culto publico: e indirecto, o<br />

qual consiste no cumprimento das obrigações, que nos<br />

impõe a Lei Natural, tanto com relação a nós, como aos<br />

nossos similhantes; porque sendo o <strong>de</strong>sprezo das Leis<br />

Naturaes o maior ultraje, que se pó<strong>de</strong> fazer a Deos, seu<br />

Auctor, tambem não pó<strong>de</strong> haver culto mais agradavel a<br />

Deos, do que a obediencia ás suas Leis.<br />

Pertencem ao culto externo, directo ou publico as<br />

graças, que ren<strong>de</strong>mos publicamente a Deos pelos bene<br />

ficios, que d'elle constantemente recebemos; as orações,<br />

que publicamente fazemos, pedindo-lhe os bens, <strong>de</strong> que<br />

precisamos; as súpplicas, que lhe dirigimos para <strong>de</strong>sviar<br />

<strong>de</strong> nós os males, que receamos; as assemblêas religiosas;<br />

as cerimonias da Religião, etc.<br />

"<br />

#<br />

#<br />

#<br />

#<br />

§ 32o.<br />

Alguns Sofistas avançárão, que o homem só pela<br />

razão não podia <strong>de</strong>scobrir a necessida<strong>de</strong> do culto exter<br />

no: por isso Martini para provar essa necessida<strong>de</strong> dá<br />

duas razões: 1." que, <strong>de</strong>vendo nós dirigir todas as nos<br />

sas acções ao fim ultimo, a manifestação da gloria <strong>de</strong><br />

Deos, é evi<strong>de</strong>nte, que tambem as externas <strong>de</strong>vem ter<br />

esta direcção; principalmente porque por ellas é que po;<br />

<strong>de</strong>mos effectivamente manifestar as Divinas perfeições: a."<br />

que, admittida a necessida<strong>de</strong> do culto interno, a neces<br />

sida<strong>de</strong> do externo é uma consequencia necessaria; pois<br />

é tal a nossa fraqueza, que a pieda<strong>de</strong> interna certo esfria<br />

ria, se não fosse coadjuvada pelos actos do culto externo,<br />

que não só fortificão os sentimentos e cogitações do cul:<br />

to interior, mas tambem obstão a que diversas impressões<br />

e sensações <strong>de</strong>sviem d'elle a nossa attenção.<br />

Aquelles, que combatem a necessida<strong>de</strong> do culto ex<br />

termo, empregão os argumentos seguintes: 1.º que Deos,<br />

como Sumtno em todas as perfeições, não precisa das<br />

homenagens do homem, que nada po<strong>de</strong>m accrescentar á<br />

sua gloria infinita; 2.° que <strong>de</strong>vendo os actos do culto ex


(133)<br />

•<br />

termo ser a expressão exacta dos sentimentos do culto<br />

interno; e sendo Deos Omnisciente, conhece o mais<br />

recondito do coração do homem, e por isso o culto ex<br />

terno é <strong>de</strong>snecessario e inntil: 3.º que nem os outros<br />

homens, nem a socieda<strong>de</strong> interessão em que nós renda<br />

mos culto externo, uma vez que subsista o culto interno,<br />

que e o necessario.<br />

•<br />

Porém estes argumentos não <strong>de</strong>stroem a doutrina <strong>de</strong><br />

Martini. Não o primeiro: é verda<strong>de</strong> que Deos não neces<br />

sita das homenagens do homem; porém exige-as <strong>de</strong> nós;<br />

porque a sua sabedoria e justiça não pó<strong>de</strong> dispensar ao<br />

homem do cumprimento d'um <strong>de</strong>ver, que resulta neces<br />

sariamente da relação, em que se acha para com o seu<br />

Creador e Legislador. A obrigação do culto não pro<br />

vém do interesse, que Deos tem em o receber, mas da<br />

necessida<strong>de</strong> e interesse, que o homem tem, <strong>de</strong> ser agra<br />

<strong>de</strong>cido e respeituoso para com Deos. Além <strong>de</strong> que, se<br />

este argumento provasse, provaria <strong>de</strong> mais, porque ser<br />

viria tambem contra o culto interno, que os nossos ad<br />

versarios admittem. • -<br />

O <strong>segundo</strong> argumento tambem não prova contra a<br />

doutrina <strong>de</strong> Martini; pois não é porque Deos necessite<br />

do culto externo para comprehen<strong>de</strong>r o interno; mas por<br />

que nós havemos mister este, para po<strong>de</strong>rmos prestar<br />

aquelle como disse Martini, e para satisfazer á obriga<br />

ção <strong>de</strong> trabalhar por obter o fim ultimo da creação. .<br />

Finalmente tambem não achamos força no terceiro<br />

argumento, antes estamos persuadidos, que admittida a<br />

necessida<strong>de</strong> do culto interno, que se não contesta, todos<br />

os homens interessão com o culto externo. Na verda<strong>de</strong><br />

os mo<strong>de</strong>los exteriores <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> fortificão e animão os<br />

tibios; e na concorrencia dos actos externos da Religião,<br />

praticados por muitas pessoas, tudo aníma, edifica e<br />

inflamma, e agradavel <strong>de</strong> a Deos modo(a). que o culto se torna mais fervorosº<br />

• • •<br />

$ 324.<br />

Somos obrigados, / diz Martini, a manifestar<br />

•<br />

a glo<br />

(*) Burlamaq. P.3. C. 1, , Bergier Dictionnaire <strong>de</strong> Théolog. v. Cºite,


. (134)<br />

ria <strong>de</strong> Deos semper, mas não pro semper: e pelo contra<br />

rio a não obscurece!-a semper et pro semper. A razão é,<br />

porque os actos para a manifestação são afirmativos, e<br />

carecem d'occasião; pelo contrario os actos para não<br />

obscurecer são negativos, e sempre o homem os pó<strong>de</strong><br />

praticar, i. é, sempre tem a occasião.<br />

§. 325.<br />

Religião é o conhecimento da Divinda<strong>de</strong>, e do culto,<br />

que se lhe <strong>de</strong>ve ren<strong>de</strong>r (a). Divi<strong>de</strong>-se: em verda<strong>de</strong>ira,<br />

se forem conformes aos Divinos attributos tanto a<br />

sua<br />

parte theoretica, como a parte pratica (b); e falsa se<br />

ualquer d’ellas lhes repugnar: em <strong>natural</strong>, a que só<br />

mente se conhece pela luz da razão; e positiva, a que nos<br />

foi manif<strong>estad</strong>a pela Revelação. Martini prova, que as<br />

Leis da Religião Natural não forão <strong>de</strong>rogadas pela Reve<br />

lação; porque todas as Leis Naturaes são necessarias e<br />

immutaveis. Com effeito, <strong>de</strong>duzindo-se os Officios Natu<br />

raes <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> Religião, bem como todos os ou<br />

tros para com nosco, e para com os nossos similhantes,<br />

da essencia do homem e dos principios fundamentaes da<br />

sua natureza (c), não se po<strong>de</strong>ria dizer conforme a Divi<br />

na Sabedoria, que a razão e a matureza indicassem ao<br />

homem certos <strong>de</strong>veres para com Deos, e a Revelação lhe<br />

impozesse officios contrarios, <strong>de</strong>ixando assim o homena<br />

n'um conflicto permanente d'Officios Naturaes e Reve<br />

lados; nem po<strong>de</strong>ria dizer-se conforme á Summa Bonda<br />

<strong>de</strong> do Auctor da Legislação Natural e Revelada o impôr<br />

pela Revelação aos homens <strong>de</strong>veres contrarios á sua na 4<br />

tereza, cuja execução seria, se não absolutamente impos<br />

sivel, ao menos <strong>de</strong> extraordinaria difficulda<strong>de</strong>.<br />

º " Alguns Theologos, vendo, que os Deistas negavão a<br />

existencia da Religião Revelada, e sómente admittião a<br />

Religião Natural, caírão no <strong>de</strong>feito opposto, não reco<br />

nhecendo a existencia da Religião Natural, e admittindo<br />

sómente a Revelada, como se para existir a Revelação<br />

+ gay"<br />

"… |- —-<br />

(b) S., Bergier 3o3. loc, cit. v. Religion.<br />

•• •- • • -<br />

(c) 5.59. º<br />

{


{ 135)<br />

Bivina fosse necessario, que a razão humana não po<strong>de</strong>sse<br />

<strong>de</strong>scobrir verda<strong>de</strong>s algumas relativas á existencia <strong>de</strong> Deos<br />

e seus Divinos attributos, e fosse necessario suffocar <strong>de</strong>n<br />

tro do coração os sentimentos naturaes <strong>de</strong> Religião, que<br />

apparecem em todo o homem, e que essencialmente o<br />

distinguem dos outros animaes. …<br />

Admittimos a existencia da Revelação, e até reco<br />

nhecemos, a sua necessida<strong>de</strong>, para nos ensinar as verda<br />

<strong>de</strong>s religiosas, que a nossa razão, como finita, não pó<strong>de</strong><br />

alcançar aº respeito do Ente Infinito: mas apezar disso<br />

admittimos tambem a existencia da Religião Natural"<br />

pelas razões, que <strong>de</strong>ixames expendidas, e porque não<br />

achamos força alguma nos argumentos dos nossos adver<br />

-<br />

•<br />

SRTIOS. - - -<br />

Todos esses argumentos, como se pó<strong>de</strong> ver em Ber<br />

gier (a), se reduzem: 1.° a que a nossa razão é incapaz<br />

<strong>de</strong> conhecer as Divinas perfeições, e d'organisar um syste<br />

ma completo <strong>de</strong> Religião: 2.º que a Religião primitiva<br />

do homem foi revelada por Deos ao nosso primeiro Pai,<br />

e aos Patriarchas, <strong>de</strong> modo que o homem nunca existio"<br />

sem Revelação, e tanto, que Bergier só admitte esta como<br />

Religião Natural.<br />

-<br />

Confessamos que a nossa razão não pó<strong>de</strong> compre<br />

hen<strong>de</strong>r todas as perfeições Divinas, e que por isso não<br />

pó<strong>de</strong> organisar um systema <strong>de</strong> Religião perfeito, como o<br />

appresentou a Revelação. Porém é para nós evi<strong>de</strong>nte,<br />

que a razão conhece a existencia <strong>de</strong> Deos e d'algumas das<br />

suas infinitas perfeições, e que estes conhecimentos pó<br />

<strong>de</strong>m fundamentar alguns principios <strong>de</strong> Religião Natural:<br />

taes são aquelles, que temos exposto.<br />

"... E tanto é verda<strong>de</strong>, que o homem é <strong>natural</strong>mente<br />

religioso, que em todos os tempos, e em todos os povos<br />

apparecem provas incontestaveis do sentimento religioso<br />

<strong>natural</strong> a todos os homens.<br />

Já Plutarého dizia do seu tempo º encontrareis cida<br />

*<strong>de</strong>s sem muros, sem reis e sem theatros, mas não as<br />

º encontrareis sem <strong>de</strong>oses, e sem sacrificios.» Com effeito<br />

entre todas as Nações, ainda entre as mais barbaras tri<br />

bus, a existencia do sentimento religioso se manifesta<br />

(a) Diction, <strong>de</strong> Théolog, v. Religion, Déiste, Raison, Cuite, ele.<br />


(136)<br />

por praticas exteriores. O Peruviano adora o sol: o ne<br />

gro Jalofe o Oceano, que banha as suas praias: o Indio<br />

das margens do Ganges o rio, que fertiliza os seus cam<br />

pos, etc. Pó<strong>de</strong> encontrar-se um ou outro homem tão<br />

barbaro e estupido, que não dê signaes <strong>de</strong>sta voz inte<br />

rior, que o chama para o seu Creador; o veneravel<br />

D. Fr. Caetano Brandão, nos Diarios <strong>de</strong> suas visitas<br />

pastoraes pelas margens do Amazonas, refere, que en<br />

contrára um Indio e uma India, que, parece, vivião<br />

n'uma inteira ignorancia da Divinda<strong>de</strong>. No entretanto<br />

estes casos são raros, e d’elles não pó<strong>de</strong> tirar-se argu<br />

mento para a universalida<strong>de</strong> do genero humano.<br />

O pouco <strong>de</strong>senvolvimento intellectual do homem, e<br />

o atrazo da civilização não lhe subministrão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo<br />

idêas claras relativamente á Divinda<strong>de</strong>: porém a razão<br />

apura estas idêas, e a Philosophia, guiada pelo sentimen<br />

to religioso, que domina a humanida<strong>de</strong>, e pela razão,<br />

<strong>de</strong>scobre a existencia <strong>de</strong> Deos, que proclama pela voz<br />

<strong>de</strong> Socrates, e procura <strong>de</strong>finir seus attributos pela bri<br />

lhante imaginação <strong>de</strong> Platão. {<br />

Não negamos tambem o facto <strong>de</strong> Revelação aos<br />

nossos primeiros Pais; porém é tambem incontestavel,<br />

que entre muitos Povos não apparecem vestigios alguns<br />

da sua tradição, e muito menos do conhecimento dos<br />

Livros Santos, que a referem. E não obstante a razão do<br />

homem lá appresenta idêas religiosas. E que difficulda<strong>de</strong><br />

ha em abstrahirmos as verda<strong>de</strong>s reveladas, e as separar<br />

mos daquellas, que <strong>de</strong>scobre a razão, <strong>de</strong>ixada ás suas<br />

proprias luzes? Se esta separação fosse impossivel, como<br />

estremar o Direito Divino Positivo do Direito Natural?<br />

Finalmente, se os argumentos da insufficiencia da razão<br />

<strong>natural</strong>, que empregão Bergier e outros Theologos, fos<br />

sem verda<strong>de</strong>iros, provarião <strong>de</strong> mais, do que preten<strong>de</strong>m<br />

{<br />

seus auctores; porque por elles se po<strong>de</strong>ria provar, ou que<br />

não ha Direito Natural, ou que só pó<strong>de</strong> ter o seu funda<br />

mento nos Livros do Velho e Novo Testamento dos<br />

Christãos, contra o que já <strong>de</strong>monstrámos (a); e Bergier -<br />

mesmo admitte Leis Naturaes, e Officios Naturaes para<br />

com Deos, para com nosco, e para com os outros (b).<br />

— • •<br />

(a) , § 9o e seg., Appendix ao C. 1. , … \<br />

(*) Dictionuaire <strong>de</strong> Théolog, v. Loi Naturelle.


$<br />

(137)<br />

…" Por tanto parece-nos claro, que existe a Religião<br />

Natural, com quanto menos perfeita, do que a revelada,<br />

e por isso insufficiente, precisando o homem da Revela<br />

ção, que lhe subministra os conhecimentos, que a sua<br />

razão fraca e limitada não pó<strong>de</strong> alcançar ácerca da Di<br />

vinda<strong>de</strong> e do modo <strong>de</strong> lhe prestar culto.<br />

f = • 326. …<br />

Martini faz com razão differença entre liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Religião, e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciencia. Enten<strong>de</strong> por liber<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> Religião a faculda<strong>de</strong> moral <strong>de</strong> ter ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ter Religião; e por liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> consciencia a faculda<strong>de</strong><br />

moral <strong>de</strong> prestar culto a Deos pelo modo, que o homem<br />

julga mais confórme ás Divinas perfeições in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<br />

temente <strong>de</strong> toda a coacção externa. Que o homem não<br />

tem liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Religião, i. é, <strong>de</strong> ter ou não ter Reli<br />

gião, <strong>de</strong> prestar ou não prestar culto a Deos, é uma con<br />

clusão necessaria da obrigação, que no § antece<strong>de</strong>nte<br />

<strong>de</strong>monstrámos, á qual todo o homem está sujeito.<br />

Porém o homem por Direito Natural goza <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> consciencia para escolher aquelle culto, que lhe parece<br />

mais confórme ás Divinas perfeições, sem po<strong>de</strong>r ser coacto<br />

por outro homem a prestai-o diverso; porque, <strong>de</strong>vendo ser<br />

livres as acções do culto, a coacção fysica <strong>de</strong>stróe a liber<br />

da<strong>de</strong>, porque tira a contingencia. De mais as acções livres<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m do entendimento e da vonta<strong>de</strong>, que não são<br />

sujeitas á coacção fysica: pó<strong>de</strong> o homem ser forçado á<br />

pratica <strong>de</strong> qualquer acção externa; mas essa força, essa<br />

coacção nem o convence, nem o persua<strong>de</strong>, o entendi<br />

mento não a approva, a vonta<strong>de</strong> rejeita-a, a acção não é<br />

livre, e fica sem bonda<strong>de</strong> ou malda<strong>de</strong> moral; e por isso<br />

não pó<strong>de</strong> ser objecto <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>iro culto, com que o<br />

homem satisfaça á obrigação, que tem, <strong>de</strong> o prestar.<br />

Tendo o homem obrigação <strong>de</strong> prestar culto a Deos,<br />

ha <strong>de</strong> ter <strong>direito</strong> a empregar os meios para isso necessa<br />

rios; e os outros <strong>de</strong>vem respeitar o exercicio <strong>de</strong>sse direi<br />

to, alias far-lhe-hão lesão, que elle pó<strong>de</strong> repellir pelo<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção.<br />

Já dissemos, que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção sómente tinha<br />

lugar, quando alguem nos lesava; ora os outros, professan<br />


$.<br />

(138 )<br />

do a Religião, que lhe parece melhor, e prestando culto<br />

a Deos, <strong>segundo</strong> enten<strong>de</strong>m mais acertado, não inva<strong>de</strong>m<br />

o que é nosso, não nos lesão, com quanto nos pareça,<br />

que é falso o culto, que elles prestão a Deos. Neste caso<br />

o que <strong>de</strong>vemos fazer, é procurar convencel-os e persua<br />

dil-os do erro, em que estão, mas não empregar contra<br />

elles a força; porque além <strong>de</strong> sermos injustos, não con<br />

seguiriamos o nosso fim; fariamos hypocritas, mas não<br />

verda<strong>de</strong>iros religiosos ao nosso modo. - -<br />

- º •<br />

•<br />

328. º .… - #<br />

* * *<br />

Demonstra Martini qual é o uso, que <strong>de</strong>pois da Re<br />

velação Divina pó<strong>de</strong> ter a Religião Natural. Primeira<br />

mente só ella pó<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> freio aos povos, que não<br />

reconhecem a auctorida<strong>de</strong> dos Livros Santos. Em segun<br />

do lugar a sua insufficiencia mostra a necessida<strong>de</strong> da Re<br />

velação Divina, porque a razão humana reconhece a sua<br />

fraqueza para comprehen<strong>de</strong>r todas as perfeições do Ente,<br />

Infinito, e o modo mais a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> lhe prestar culto.<br />

A razão pó<strong>de</strong> reconhecer a necessida<strong>de</strong> e existencia <strong>de</strong><br />

uma vida futura, mas não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir os premios e<br />

penas, que Deos nos tem reservado n’ella. Finalmente da<br />

Religião Natural po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir regras, com que pos<br />

samos distinguir a Revelação verda<strong>de</strong>ira das falsas; por<br />

quanto ainda que a Revelação exce<strong>de</strong> a razão, com tudº,<br />

se nas revelações se appresentarem dogmas clara e evi<br />

<strong>de</strong>ntemente contrarios aos principios da Religião Natural,<br />

e ás Divinas perfeições, que a recta razão reconhece, é<br />

força ter essas tradições como falsas; porque sendo Deos<br />

Auctor da Revelação e da Religião Natural, e infinita"<br />

mente Sabio, não pó<strong>de</strong> contradizer-se.<br />

•<br />

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*-*<br />

+ |- -->-<br />

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*--*******<br />

: " ..… ---------- →== •<br />

(139 )<br />

# -* … -- • • ::<br />

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, , , , , CAP. IX. * * * , , , >""<br />

* , , , , : o #<br />

Dos o FBIG1os PARA coM NATURAL, Nosco, ou DA HoMESTIDADE ::<br />

• • ><br />

* * *<br />

Depºis <strong>de</strong> Martini ter expendido a doutrina dos offi<br />

cios para com Deos, segue-se, <strong>segundo</strong> a divisão, que<br />

fez, tractar dos officios para com nosco. Martini chama<br />

a estes officios— honestida<strong>de</strong> <strong>natural</strong>; porque honesto,<br />

como vimos (a), é tudo o que se confórma aos officios .<br />

para com mosco. Bentham (b), homem em tudo origi<br />

mal, <strong>de</strong>u á doutrina relativa aos officios para com nosco<br />

o nome <strong>de</strong> — interesse particular, ou pru<strong>de</strong>ncia pessoal:<br />

assim como á materia dos officios para com os outros<br />

chama— pru<strong>de</strong>ncia extra pessoal, a qual subdivi<strong>de</strong> em<br />

benevolencia effectiva negativa, que diz respeito á mate<br />

ria dos officios <strong>de</strong> justiça para com os outros, e — bené<br />

volencia effectiva positiva, que tem relação ao que cha<br />

mamos officios <strong>de</strong> beneficencia para com os outros. Ben<br />

tham empregou as palavras — interesse particular, que<br />

revelão um systema egoista; porém vai coherente com a<br />

base do seu systema,— a utilida<strong>de</strong> (c): * * *<br />

Po<strong>de</strong>rá alguem dizer, que <strong>segundo</strong> os principios,<br />

que estabelecemos, e que marcão as raias do Direito e<br />

da Moral, os officios e <strong>de</strong>veres para com mosco só po<br />

<strong>de</strong>m pertencer á Philosophia Moral, mas que não po<strong>de</strong>m<br />

entrar na esfera do Direito; porque o homem. sómente<br />

no fôro interno da consciencia pó<strong>de</strong> ser responsavel pelo<br />

cumprimento das obrigações para com sigo. O homem é<br />

senhor do seu <strong>de</strong>stino e dos meios para o conseguir: o<br />

Direito reconhece a liberda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que elle goza a este<br />

respeito: o Direito é todo exterior, e relativo ao homem<br />

social; não se occupa com os actos da vida particular,<br />

com o que acaba no individuo, e não passa aos outros.<br />

No entretanto pó<strong>de</strong> sustentar-se, que officios ha<br />

+ (*)<br />

S. 162. -<br />

(*) Deontologie P. 1. C. 11, 12 - 15 e 14.<br />

(*) Append, ao C. 1.


( 14o ) º<br />

para com nosco, que entrão no dominio do Direito;<br />

por quanto as acções, que são objecto dos officios para<br />

com nosco são exteriores, e pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve o homem ser<br />

forçado a pratical-as ainda contra sua vonta<strong>de</strong>, quando<br />

assim o exigir o bem da socieda<strong>de</strong>. Se o homem não<br />

cumprir os <strong>de</strong>veres para com sigo, nem po<strong>de</strong>rá conservar<br />

se, nem aperfeiçoar-se e <strong>de</strong>senvolver-se, para se habi<br />

litar a cumprir os <strong>de</strong>veres para com Deos e para com os<br />

outros: será um homem inutil para servir os seus simi<br />

lhantes, e só lhe servirá <strong>de</strong> peso. 1<br />

De mais o Direito é a sciencia da condicionalida<strong>de</strong>,<br />

e abrange todas as condições necessarias para o homem<br />

conseguir o seu fim racional, não só social e da huma<br />

nida<strong>de</strong>, mas individual: e com quanto a Moral or<strong>de</strong><br />

ua ao homem em geral o uso das condições, e o con<br />

seguimento do seu fim racional, nada tem com o exame<br />

e exposição <strong>de</strong>ssas condições. Por tanto os officios erga |<br />

nos, que tem por objecto as condições indispensaveis para<br />

o homem conseguir o seu fim racional, entrão na esfera<br />

do Direito, e fazem uma parte do systema <strong>de</strong> Direito<br />

Natural, que regula o homem em todas as suas relações<br />

Para com Deos, para com sigo, e para com os outros, e<br />

abrange todos os <strong>estad</strong>os, em que pó<strong>de</strong> achar-se coloca<br />

do <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o berço até á sepultura, a fóra o da socieda<strong>de</strong><br />

civil, que pela sua importancia constitue um ramo sepa<br />

rado, que se chama Direito Politico Philosophico, ou<br />

Natural (a). -<br />

§ 329.<br />

Demonstra Martini, que o homem tem officios para<br />

com sigo : 1." Porque entre os fins, que Deos propoz<br />

ao homem, foi um o <strong>de</strong> se conservar, aperfeiçoar e amar:<br />

e por consequencia ha <strong>de</strong> o homem ter os <strong>direito</strong>s (que<br />

se <strong>de</strong>duzem da obrigação <strong>de</strong> conseguir aquelle fim), para<br />

pôr em pratica todos os meios necessarios, e por isso of<br />

ficios para com sigo; pois que os officios consistem no<br />

exercício dos <strong>direito</strong>s. Na verda<strong>de</strong> não pô<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se<br />

consi<strong>de</strong>rar a conservação como um fim proximo do ho<br />

meus, porque sem ella o homem não po<strong>de</strong>ria obter os<br />

(*) Ahrens Cours <strong>de</strong> Doi Naur, Part, Spéc. C. 1, § 3º ,<br />

–=>


|- -<br />

( 141 ) |-<br />

outros, que lhe são impostos: o mesmo se pó<strong>de</strong> dizer<br />

da perfeição, que habilita o homem para melhor <strong>de</strong>sem<br />

penhar todos os outros <strong>de</strong>veres: finalmente a obrigação<br />

<strong>de</strong> nos amarmos é tão evi<strong>de</strong>nte, que alguns Philosophos<br />

estabelecêrão o sentimento do amor <strong>de</strong> nós como funda<br />

mento <strong>de</strong> todos os officios para com nosco (a), e La Ro<br />

chefoucault <strong>de</strong>monstrou engenhosamente, que o amor<br />

<strong>de</strong> nós se i<strong>de</strong>ntifica em todos os nossos pensamentos e <strong>de</strong><br />

terminações, e que é a causa primeira e po<strong>de</strong>rosa da maior<br />

parte das nossas acções.<br />

2.° Porque, sem obtermos este fim da nossa con<br />

servação e perfeição, certo não po<strong>de</strong>remos obter o fim<br />

ultimo,— a manifestação da gloria <strong>de</strong> Deos; nem sa<br />

tisfazer aos officios para com os nossos similhantes."Esta<br />

razão <strong>de</strong>sterra a idêa <strong>de</strong>goismo, que apparecia na pri<br />

meira; porque faz entrar como base dos officios para com<br />

nosco a pieda<strong>de</strong>, a justiça e a beneficencia . " * * *<br />

3." Porque os estimulos naturaes impellem o ho<br />

mem á pratica <strong>de</strong> tudo o que é necessario para o homem<br />

se conservar e aperfeiçoar, e por elles a natureza clara<br />

mente lhe indica a existencia <strong>de</strong>stes officios. «Todo o<br />

º ser animado é levado pela natureza á sua propria com<br />

« servação, a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r sua vida e seu corpo, e a evitar<br />

« tudo aquillo, que pó<strong>de</strong> prejudical-o, e a procurar<br />

« tudo o que é necessario á sua existencia (b).» E com<br />

effeito sem este estimulo <strong>natural</strong> a toda a animalida<strong>de</strong><br />

nem se po<strong>de</strong>rião conservar as especies, nem o genero, e<br />

o reino animal teria <strong>de</strong>sapparecido da superficie da ter<br />

Tas . * * * * * * •<br />

4." A recta razão, conhecendo os verda<strong>de</strong>iros hens<br />

e os verda<strong>de</strong>iros males, e a sua ligação com as acções,<br />

<strong>de</strong>scobre, que o homem tem officios para com sigo;<br />

porque conhece, que ha acções para o homem umas<br />

boas, e outras más, e que elle <strong>de</strong>ve praticar aquellas, e<br />

omittir estas (c). º | -<br />

Importa ainda observar, que o homem não tem só<br />

(a) Appendix ao C. 1. »<br />

(b) Cicero <strong>de</strong> Officiis I.4. * . • , ,<br />

*#*#<br />

A (e) , Burlamaq. P. 3. C. 4., Sr. Fortuna L. r. C. tr., Felice Lec. 15.<br />

• 1. Secç. 2. , Lepage C. 2. Art. 3., Droz Philosophie Mo<br />

Jfil é CI, 8. \,<br />

*<br />

X


( 142 )<br />

•<br />

mente o estimulo animal da eonservação, senão tambem<br />

o sentimento racional da felicida<strong>de</strong> e <strong>de</strong> gozar o bem,<br />

sentimento insaciavel e sem limites. O homem pó<strong>de</strong><br />

dar direcção ao raio, elevar-se ás nuvens, atravessar os<br />

mares, dominar os elementos, e ser rei da natureza;<br />

mas não pó<strong>de</strong> saciar o seu coração. Uma sê<strong>de</strong> ar<strong>de</strong>nts<br />

<strong>de</strong> gozar constantemente o atormenta; ainda, não tem<br />

acabado <strong>de</strong> gozar um bem, que muito <strong>de</strong>sejou, quandº<br />

novos <strong>de</strong>sejos nascem e o dominão. … " .……….… … 1<br />

. - ** * * *, *),",",<br />

- ** * * * *, * * * * § 33o. ….……<br />

nº? … …" e º riº<br />

- º Comº cabeça da materia dos officios para com<br />

nosco coloca Martini o <strong>de</strong>ver, que o homem tem <strong>de</strong>sa<br />

conhecer a si mesmo; porque sem o conhecimento das<br />

faculda<strong>de</strong>s, que recebeo da natureza, não pó<strong>de</strong> o homem<br />

saber os bens e perfeições, que é capaz d'obter, nem<br />

os males e imperfeições, que pó<strong>de</strong> evitar; e até pó<strong>de</strong><br />

enganar-se na escolha dos bens e dos males: assim qua<br />

não se po<strong>de</strong>rá conservar e ser feliz. Ora para o lºwem<br />

po<strong>de</strong>r alcançar este conhecimento, tem Gons meios: um<br />

directo, e feito pelo estudo das suas faculda<strong>de</strong>s, tantefy.<br />

icas, como moraes; outro indirecto, examinando a vida<br />

#" , e o modo, por que se tornárão mais<br />

perfeitos ou mais imperfeitos; porque sendo universal, º<br />

cºmprehen<strong>de</strong>ndo a todos os homens a essencia e os prin<br />

gipios constitutivos da natureza humana, facilmente sº<br />

concebe, que po<strong>de</strong>mos applicar a nós os methodos, opos<br />

que vemos que os nossos similhantes melhorárão <strong>de</strong> comº<br />

dição, aproveitando d'esta arte os seus bons exemplos.<br />

- Esta maxima foi olhada, pelos antigos como frudº<br />

mental no exame da verda<strong>de</strong>ira sabedoria. Os Gregos tí<br />

verão-a em tanta consi<strong>de</strong>ração, que a gravárão cºrºº"<br />

tras d’ouro sobre a porta do templo d'Apollo em Del<br />

— TNosé I >EAYTON, i. é, conhece-te. . . … . ! …º<br />

. E verda<strong>de</strong> que, <strong>segundo</strong> observa Cicero (a), º estº<br />

« preceito não mandava a cada um conhecer seus mºnº<br />

« º não bros, são seupropriamente talhe, ou sua aquillo, figura; que porque chamamos ºs cº!Pº<br />

••••• Avis.<br />

.<br />

« Aosce te psim queria pois dizer— apren<strong>de</strong> a conhecer<br />

** - … * * * * *<br />

(a) Tuseul. I. C. 22.


• .<br />

-<br />

• -<br />

( 43)<br />

* atua alma. E com effeito o corpo não é senão o vaso<br />

* da alma, sómente lhe serve <strong>de</strong> habitação. » * * *<br />

|- … Hoje, que as funcções animaes do homem tem sido<br />

melhor estudadas, tem-se dado toda a importancia <strong>de</strong><br />

vida ás faculda<strong>de</strong>s fysicas, até pela luz, que os conhe<br />

cimentos physiologicos <strong>de</strong>rramão sobre a parte moral do<br />

homem. A Anthropologia não se limita sómente ao co<br />

nhecimento da alma e das suas faculda<strong>de</strong>s, mas abrange<br />

tambem o conhecimento das faculda<strong>de</strong>s e funcções <strong>de</strong><br />

corpo. E neste sentido se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r a maxima <strong>de</strong><br />

Martini; porque, como veremos, elle estabelece officios<br />

para … com .. … nosco o º irelativamente - º ":" . ao pensamento e ao corpo<br />

•<br />

* * * * * *<br />

- -<br />

* . §. 331.<br />

, , , Sendo um dos fins naturaes do homem, <strong>segundo</strong><br />

Martini, a perfeição, é evi<strong>de</strong>nte que o homem <strong>de</strong>ve<br />

procurar aperfeiçoar, quanto lhe for possivel, o seu<br />

<strong>estad</strong>o tanto interno, a que pertencem a alma e o corpo<br />

e as suas faculda<strong>de</strong>s, como o externo, a que pertencem<br />

outras qualida<strong>de</strong>s e proprieda<strong>de</strong>s, v.g., os bens da for<br />

$una, a fama, a reputação, etc., isto para po<strong>de</strong>r chegar<br />

ao cumulo das perfeições, i. é, á felicida<strong>de</strong>, e evitar<br />

todas as imperfeições, que produzem a infelicida<strong>de</strong>.<br />

, , . Já se vê, que Martini faz consistir a felicida<strong>de</strong> no<br />

cumulo das perfeições; e nisto vai coherente com todos<br />

os Sectarios da Eschola <strong>de</strong> Wolfio, que estabelecem a<br />

rfeição como base do seu systema, e a ella referem o<br />

bem e a felicida<strong>de</strong>. A<br />

… . O Sr. Fortuna <strong>de</strong>fine a felicida<strong>de</strong> o <strong>estad</strong>o, em que<br />

o homem goza o verda<strong>de</strong>iro prazer, ou tem a percepção<br />

do verda<strong>de</strong>iro bem; infelicida<strong>de</strong> ou miseria o <strong>estad</strong>o, em<br />

que soffre o tédio, ou a dôr, ou tem a percepção do<br />

verda<strong>de</strong>iro mal. A felicida<strong>de</strong> consiste no cumulo das per<br />

feições; a infelicida<strong>de</strong> no cumulo das imperfeições (a).<br />

Segundo Bentham a felicida<strong>de</strong> representa o prazer<br />

num gráo summo, o gozo o mais elevado (b). Felicida<strong>de</strong><br />

é a posse do prazer com isenção da pena. Ella é pre<br />

(a) I. I. C. 1. S. 29.<br />

(b) Deontologie P. 1, C. 5.


( 144 )<br />

porcionada á somma dos prazeres gozados e das penas<br />

evitadas. A virtu<strong>de</strong> é a que mais contribue para a felici<br />

da<strong>de</strong>, maximiza os prazeres e minimiza as penas. O vi<br />

cio pelo contrario diminue a felicida<strong>de</strong>, e eontribue para<br />

a infelicida<strong>de</strong> (a). *<br />

Martini, o Sr. Fortuna, Bentham e outros, todos<br />

concordão na idêa <strong>de</strong> que a felicida<strong>de</strong> é o gozo o mais<br />

elevado dos verda<strong>de</strong>iros bens. A differença está na idêa<br />

<strong>de</strong> bem, que os dous primeiros <strong>segundo</strong> o seu systema<br />

reduzem á perfeição, e Bentham á utilida<strong>de</strong>, que calcula<br />

pela somma dos prazeres, <strong>de</strong>scontadas as penas. Assim,<br />

<strong>segundo</strong> este Philosopho o bem estar tem lagar, quando<br />

## pen<strong>de</strong> para o lado dos prazeres, e o mal estar,<br />

quando pen<strong>de</strong> para o lado das penas.<br />

Todos os Philosophos, que assignão ao homem, co<br />

mo motor das suas acções, a felicida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>duzem os<br />

seus<br />

systemas<br />

systemas<br />

pó<strong>de</strong><br />

do amor<br />

ver-se<br />

<strong>de</strong> nós.<br />

em Droz<br />

A historia<br />

(b).<br />

rapida <strong>de</strong>stes<br />

• :<br />

, - 2<br />

$.332. … - * *<br />

* * * * * * * *<br />

A perfeição da alma, diz Martini, consiste no exer.<br />

cicio recto do entendimento e da vonta<strong>de</strong>; porque<br />

obrando rectamente estas faculda<strong>de</strong>s não só concordão<br />

entre si, e ha harmonia e perfeição (que consiste na<br />

concordia), mas concordão com os seus fins, e as acções<br />

intellectuaes e voluntarias são perfeitas, boas e justas.<br />

A proposição <strong>de</strong> Martini é que o homem tem o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

cultivar as faculda<strong>de</strong>s in cognoscendo, i. é, as <strong>de</strong> sentir,<br />

<strong>de</strong> reflectir, <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> julgar e <strong>de</strong> raciocinar. Por<br />

que sem o uso <strong>de</strong>stas faculda<strong>de</strong>s não pó<strong>de</strong> o entendimen.<br />

to <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong>, evitar os erros e conhecimentos<br />

confusos do honesto e torpe; e por consequencia não pó<br />

<strong>de</strong> o entendimento satisfazer ao seu fim. -<br />

Martini enuméra entre as faculda<strong>de</strong>s intellectuaes<br />

algumas, que os I<strong>de</strong>ologistas mo<strong>de</strong>rnos não contão co<br />

mo verda<strong>de</strong>iras faculda<strong>de</strong>s. Porém <strong>de</strong>ixamos esta mateº<br />

ria, que fica fóra da esfera do Direito.<br />

(a) Loc. cit.<br />

•<br />

(b) Philosophie Morale C, 6. • • •<br />

Todas


( 145)<br />

Todas as faculda<strong>de</strong>s do homem necessitão <strong>de</strong> certa<br />

educação propria, para se <strong>de</strong>senvolverem, e po<strong>de</strong>rem<br />

facil e seguramente preencher os fins, para que forão<br />

<strong>de</strong>stinadas. O recem-nascido parece que pouco ou ne<br />

nhum uso faz das suas faculda<strong>de</strong>s intellectuaes, só os<br />

instinctos são a sua guia; pouco a pouco vai <strong>de</strong>pois o ho<br />

mem exercitando-as, e <strong>de</strong>senvolvendo-as, até que che<br />

gão ao <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> perfeição. }<br />

O estudo é em verda<strong>de</strong> o mais proficuo meio <strong>de</strong> as<br />

aperfeiçoar e <strong>de</strong>senvolver. Os antigos Philosophos consi<br />

<strong>de</strong>ravão a sciencia como um bem <strong>de</strong> tal monta, que não<br />

hesitárão em admittil-a no numero das virtu<strong>de</strong>s. Com ef<br />

feito a vida do homem ignorante não é senão uma cadêa<br />

<strong>de</strong> inconsequencias, que mais ou menos prejudicão á<br />

sua existencia, e causão a sua infelicida<strong>de</strong>. A sua razão,<br />

Offuscada pela ignorancia, não reverbéra do passado so<br />

bre o futuro, nem a experiencia lhe ensina a vaticinar<br />

o que lhe pó<strong>de</strong> convir ou empecer-lhe; para o ignorante<br />

o presente é tudo, a imprevi<strong>de</strong>ncia presi<strong>de</strong> a todas as<br />

suas acções; <strong>de</strong>sconhecendo a influencia dos objectos<br />

exteriores, expõe-se sem precaução, e entrega-se a to<br />

dos os excessos. Pelo contrario o homem sabio possue os<br />

meios mais seguros <strong>de</strong> chegar á felicida<strong>de</strong>.<br />

E em que consiste a sabedoria? Em viver <strong>segundo</strong> as<br />

leis da natureza, e seguir os conselhos dos antigos sa<br />

bios, que or<strong>de</strong>navão que nos conformassemos ao tempo,<br />

— tempori parere, — que obe<strong>de</strong>cessemos á vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deos, — sequi Deum, — que nos conhecessemos, — et<br />

se noscere, — e em fim que evitassemos todo o excesso,—<br />

et nihil nimis.<br />

•<br />

Sendo <strong>de</strong> tal importancia a cultura e <strong>de</strong>senvolvimen<br />

to da intelligencia do homem, o Direito não pó<strong>de</strong> ser in<br />

diferente a este respeito, e <strong>de</strong>ve assegurar a todo o ho<br />

mem as condições para isto necessarias, ou, para usarmos<br />

d’uma expressão mo<strong>de</strong>rna, garantir o <strong>direito</strong>, que todo o<br />

homem tem á sua instrucção. |-<br />

«A investigação da verda<strong>de</strong>, que o homem procura<br />

por meio das sciencias, <strong>de</strong>ve ser livre e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte.<br />

Deve fazer-se sem preoccupação, sem opiniões concebi<br />

das e <strong>de</strong>terminadas d'antemão. Não convém pois que<br />

uma auctorida<strong>de</strong> qualquer imponha ás sciencias uma<br />

* -… - … " … ". . . . IO •<br />

- ". * * * … … " +


•<br />

• • …<br />

( 146 )<br />

doutrina, que não seja o resultado da livre reflexão<br />

daquelles, que a admittem e propõem. Na Sciencia ha<br />

principios fixos e estabelecidos; porém a differença, es<br />

seuçial entre a sciencia livre e a sciencia submettida a<br />

uma doutrina <strong>de</strong>terminada é, que na sciencia livre os<br />

principios fixos são o termo, até on<strong>de</strong> se chega, o resul<br />

tado, a que conduz uma investigação scientifica anterior;<br />

em quanto na outra a doutrina, qualquer que ella seja,<br />

religiosa ou politica, fórma o ponto <strong>de</strong> partida, e não<br />

tem sido submettida a uma discussão anterior. As scien<br />

cias não tem feito progressos, senão <strong>de</strong>pois que forão<br />

emancipadas dos dogmas religiosos. A conservação <strong>de</strong>sta<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia é a primeira condição <strong>de</strong> todo o progres<br />

so ulterior. E impossivel saber que <strong>de</strong>scobertas po<strong>de</strong>m<br />

ainda ser feitas pela intelligencia; mas para que a intel<br />

ligencia as possa fazer, é mister que conserve sua liber<br />

da<strong>de</strong>.<br />

« O ensino, para ser confórme a estes characteres da<br />

sciencia, <strong>de</strong>ve ser igualmente livre; porque só a liber<br />

da<strong>de</strong> pó<strong>de</strong> fazer saír a verda<strong>de</strong>, que é o fim <strong>de</strong> suas in<br />

vestigações, do choque das discussões scientificas, susten<br />

tadas pelas differentes opiniões.<br />

« O Direito não <strong>de</strong>ve , além disto, intervir no movi<br />

mento interior da sciencia. Deve permanecer estranho<br />

ao ensino, da mesma sorte que á Religião e ao culto.<br />

« O Direito indica sómente as condições exteriores,<br />

necessarias para o <strong>de</strong>senvolvimento das sciencias e do<br />

ensino. Estas condições po<strong>de</strong>m ser subministradas pelos<br />

particulares ou pelo Estado. Porém para que encontre.<br />

sua applicacão o principio <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, e para que possa.<br />

<strong>de</strong>finitivamente produzir um resultado não equivoco so<br />

bre a superiorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tal ou tal methodo na instrucção,<br />

importa que as condições sejão iguaes para todos os insti<br />

tutos <strong>de</strong>nsino. •<br />

is … º… - '': ..:<br />

«Em todo o caso o Estado não <strong>de</strong>ve intervir nome<br />

thodo e espirito do ensino: assim como a auctorida<strong>de</strong>:<br />

religiosa não <strong>de</strong>ve impôr um dogma religioso ás scien<br />

cias, assim tambem o Estado não <strong>de</strong>ve impôr um dogma<br />

politico ás sciencias e ensino (a).» e … . …, º irrº #<br />

O mesmo que dizemos das sciencias, se <strong>de</strong>ve dizer das<br />

ballas-artes, das artes uteis, e da industria.....…… ……..<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Géner, C, 3.$ 9.<br />

\


•<br />

( 147 ) -<br />

+<br />

« O Direito, que se refere á arte em geral, não <strong>de</strong>ve<br />

intervir no movimento interior das artes. Deve sómente<br />

subministrar as condições para o seu livre <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento; e por conseguinte o Estado, que tem por fim a<br />

applicação do Direito e da justiça não <strong>de</strong>ve intervir no<br />

exercicio das bellas-artes, nem da industria.<br />

«Quanto á industria, que se refere ás necessida<strong>de</strong>s<br />

constantes, usuaes e quotidianas da vida, pó<strong>de</strong>-se estar<br />

seguro <strong>de</strong> que fará por si mesma todos os progressos pos<br />

siveis, uma vez que se lhe conceda liberda<strong>de</strong>. O Direito<br />

e o Estado não tem necessida<strong>de</strong> d'intervir em seu movi<br />

mento, que repousa sobre leis da vida social, que uma<br />

similhante intervenção não faria senão perturbar.<br />

«Quanto às bellas-artes, pó<strong>de</strong> acontecer, que em cer<br />

tas epochas aquelles, que as cultivão, não encontrem na<br />

socieda<strong>de</strong> bastantes meios para fazel-as prosperar. Então<br />

o Estado pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve vir em ajuda dos artistas, assegu<br />

rando em parte a extracção dos productos da arte; po<br />

rém jámais <strong>de</strong>ve intervir no movimento interno daquillo,<br />

que se chama escholas na arte. +<br />

«O Estado não é <strong>de</strong> nenhuma eschola nem na scien<br />

cia, nem na arte. Não <strong>de</strong>ve favorecer nenhuma com pre<br />

ferencia, e muito menos com <strong>de</strong>trimento das outras. Os<br />

<strong>de</strong>svios na arte, e os erros na sciencia são sempre me<br />

lhor combatidos pela mesma sciencia e pela mesma arte<br />

(b). .<br />

§ 333. |-<br />

. Não basta, que o homem cultive o seu entendimen<br />

to, importa além disso <strong>de</strong>senvolver e aperfeiçoar a sua<br />

vonta<strong>de</strong>, habituando-a a não se <strong>de</strong>terminar senão pe<br />

lo conhecimento do verda<strong>de</strong>iro bem e do verda<strong>de</strong>iro<br />

mal. Serão por certo inuteis as operações intellectuaes<br />

em <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong> e discernir os bens dos males, se<br />

a vonta<strong>de</strong> se <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong>stes conhecimentos, e se <strong>de</strong>ter<br />

minar por outros motivos, v.g., pelos appetites, ou<br />

aversões sensitivas, que nascem da simples representação<br />

do bem , ou do mal, sem que a razão calcule a sua con<br />

veniencia ou <strong>de</strong>sconveniencia mais remota.<br />

(a)<br />

Ahrens loc. cit.


( 148 )<br />

Os estimulos naturaes não inclinão a vonta<strong>de</strong> senão<br />

para appetecer o bem e aborrecer o mal. A Natureza foi<br />

provi<strong>de</strong>nte e as faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> que dotou o homem são<br />

harmonicas. Ha porém falsos estimulos adventicios, que<br />

tem tanta força como os naturaes, e cumpre, que a von<br />

ta<strong>de</strong> se não <strong>de</strong>ixe arrastar por elles. Importa tambem<br />

muitas vezes resistir aos estimulos naturaes, quando pelo<br />

calculo, que a razão faz, se vê, que se nos seguiria me<br />

nor, bem <strong>de</strong> os satisfazer, do que d'obrar contra a sua<br />

ten<strong>de</strong>ncia: assim é muitas vezes forçoso não acce<strong>de</strong>r ao<br />

estimulo do sono; porque o bem superior do estudo faz<br />

pen<strong>de</strong>r a balança da razão para o seu lado. Não se <strong>de</strong>vem<br />

pois <strong>de</strong>sprezar os estimulos, mas <strong>de</strong>vem submetter-se ao<br />

tribunal da razão, e não obrar cegamente por elles.<br />

§ 334.<br />

Não só os estimulos, senão tambem as paixões fazem<br />

<strong>de</strong>sviar a vonta<strong>de</strong> do caminho racional. A experiencia <strong>de</strong><br />

todos os dias justifica o bello dito:— Vi<strong>de</strong>o meliora, pro<br />

boque, <strong>de</strong>teriora sequor. O resto da doutrina <strong>de</strong> Martini<br />

pó<strong>de</strong> reduzir-se como corollario ás tres regras seguintes:<br />

I. Que <strong>de</strong>vemos submetter as paixões ao imperio<br />

da razão: . •<br />

II. Que <strong>de</strong>vemos acalmal-as e cohibil-as, para que<br />

nos não forcem a actos illegaes: -<br />

III. Que finalmente <strong>de</strong>vemos procurar tirar das<br />

paixões o partido possivel, exaltando as que nos incitão<br />

para as virtu<strong>de</strong>s, e nos <strong>de</strong>svião dos vicios, e que por<br />

isso po<strong>de</strong>m coadjuvar as <strong>de</strong>cisões do entendimento (a).<br />

Assim a paixão do amor proprio não só nos dirige<br />

para os nossos bens fysicos, senão ainda para tndo o que<br />

pó<strong>de</strong> lisonjear nossas ten<strong>de</strong>ncias, nossas fraquezas, nossa<br />

vaida<strong>de</strong>, e moralmente nos cariciar. O eu é o nosso fa<br />

vorito, a quem procuramos ornar e aformosear o mais<br />

que po<strong>de</strong>mos; e logo que elle pó<strong>de</strong> apparecer com vam<br />

tagem aos olhos dos outros, e inspirar-lhes uma alta<br />

idêa das suas faculda<strong>de</strong>s e virtu<strong>de</strong>s, tornamo-nos ufanos,<br />

porque esperamos encontrar na estima geral aquella sa<br />

ta) Cicero De of L. I. C. 29., Burlam. P. a. C. 4. S. 23. :


(149)<br />

tisfacção<br />

da<strong>de</strong>.<br />

interior, que tanto contribue para a • |-<br />

felici<br />

O amor proprio acompanha o guerreiro ao campo<br />

da batalha, e o segue no meio dos perigos; sustenta o<br />

animo do navegante em suas viagens perigosas; volteia<br />

em torno da luz nocturna do sabio; em fim não ha acção<br />

heroica, em que não entre este po<strong>de</strong>roso motor das fa<br />

culda<strong>de</strong>s humanas. Porém, assim como engendra gran<br />

<strong>de</strong>svirtu<strong>de</strong>s, assim tambem muitas vezes precipita o ho<br />

mem em abysmos, don<strong>de</strong> já mais pó<strong>de</strong> saír com honra;<br />

v. g., mette a espada na mão ao mancebo impru<strong>de</strong>nte,<br />

que por um falso ponto d'honra põe em risco a sua vi<br />

da, ou vinga uma leve injuria, como se fosse um crime<br />

atTOZ,<br />

Do que temos dito, se vê, que o homem <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>senvolver-se não sómente com relação á sua intelli<br />

gencia pelo estudo das sciencias e das artes, mas tam<br />

bem com relação á sua vonta<strong>de</strong>, que é particularmente<br />

sua faculda<strong>de</strong> d'acção. Se a intelligencia tem por fim a<br />

verda<strong>de</strong>, a vonta<strong>de</strong> tem por fim o bem e a moralida<strong>de</strong>.<br />

Tambem hoje se enten<strong>de</strong> por moralida<strong>de</strong> o <strong>de</strong>sinte<br />

resse da acção, o que acontece todas as vezes que fa<br />

zemos o bem só porque é bem, e porque a nossa conscien<br />

cia nos presereve o fazêl-o. A consciencia pó<strong>de</strong> na ver<br />

da<strong>de</strong> enganar-se, e o homem fazer realmente um mal<br />

apezar da sua boa intençãº; porém a moralida<strong>de</strong> do ho<br />

mem fica salva. Neste caso <strong>de</strong>ve o homem tractar só<br />

mente <strong>de</strong>sclarecer a sua consciencia, unico meio <strong>de</strong> o<br />

conduzir a fazer com moralida<strong>de</strong> o que realmente é bem.<br />

O Direito, com respeito á moralida<strong>de</strong>, sómente<br />

<strong>de</strong>ve subministrar condições necessarias para o <strong>de</strong>senvol<br />

vimento moral do homem. D'estas condições umas são<br />

positivas, taes são a instrucção e a educação, outras<br />

são negativas, e que o Direito <strong>de</strong>ve respeitar, para não<br />

violar a convicção e a consciencia dos individuos. Assim,<br />

v. g., o Direito não pó<strong>de</strong> prescrever juramentos contra<br />

rios á consciencia daquelles, que os prestão; porque alias<br />

sómente produziria a mentira e a hypocrisia, reprovadas<br />

pela Moral (a). •<br />

… (a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Spéc. C. 3. S. 9.<br />

Y


- • !<br />

( 150 )<br />

Em fim o Direito nunca <strong>de</strong>ve dirigir-se á livre von<br />

ta<strong>de</strong> e á boa intenção; porque os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong>sta natureza<br />

só pertencem á Moral. Não pó<strong>de</strong> o Direito fazê-as exe<br />

entar pela força; porque per<strong>de</strong>rião todo o seu mereci<br />

mento: v. g., se o <strong>de</strong>ver do reconhecimento for cum<br />

, prido pela força, a acção não terá valor moral; se um<br />

homem soccorre a um <strong>de</strong>sgraçado não com a intenção<br />

<strong>de</strong> fazer bem, mas por ostentação, faz na verda<strong>de</strong> um<br />

bem ao <strong>de</strong>sgraçado, porém não obra <strong>de</strong>sinteressada<br />

mente, sua acção não é moral. A Moral exige por um<br />

lado a boa vonta<strong>de</strong>, a pureza dos motivos e o <strong>de</strong>interes<br />

se, e por outro a ausência <strong>de</strong> toda a violencia. Don<strong>de</strong><br />

se vê, que as obrigações da Moral são diversas das do<br />

Direito; porém que este as <strong>de</strong>ve respeitar, e nunca sub<br />

mettêl-as ao emprego da força, que lhe é propria.<br />

+ §<br />

\<br />

335.<br />

Principia a falar dos officios relativos ao nosso cor.<br />

po, e estabelece duas regras: 1." Que <strong>de</strong>vemos procu<br />

rar conservar, quanto nos for possivel, a sau<strong>de</strong> no cor<br />

po; porque constando o homem <strong>de</strong> duas substancias -<br />

alma e corpo, — se precisamos daquella para mandar,<br />

tambem precisamos <strong>de</strong>ste para servir; Martini não segue<br />

a opinião daquelles Philosophos, que dizião, que o cor<br />

po era um carcere da alma, e que por isso só era razão<br />

enten<strong>de</strong>r na cultura e <strong>de</strong>senvolvimento da alma. 2. Que<br />

<strong>de</strong>vemos trabalhar por augmentar a habilida<strong>de</strong> das nos<br />

sas faculda<strong>de</strong>s fysicas, i. é, a sua aptidão e promptidão<br />

para obrar com perfeição, por meio do exércicio e da<br />

arte. Verda<strong>de</strong>iramente só por estes dous meios conjun<br />

ctos po<strong>de</strong>mos levar a nossa habilida<strong>de</strong> ao seu <strong>estad</strong>o <strong>de</strong><br />

perfeição: as sciencias subministrão as idêas geraes,<br />

as theorias; a arte faz a applicação aos objectos espe<br />

ciaes; o exercicio ou a pratica executa: a habilida<strong>de</strong> pois<br />

é filha da arte e do habito, que provém do exercicio. Só<br />

assim, diz Martini, os orgãos do nosso corpo, <strong>de</strong>stina<br />

dos ou para transmittir as sensações internas e externas,<br />

ou para os outros movimentos, po<strong>de</strong>ráõ tornar-se cada<br />

vez mais idoneos para satisfazer ao seu fim. Nisto con<br />

•<br />

#"|<br />

}<br />

|


• -<br />

( 151 )<br />

siste a perfeição connata e adquirida da maquina do corr<br />

| po (a). …<br />

Com effeito difficilmente po<strong>de</strong>mos conhecer as van<br />

tagens, que o exercicio e o trabalho nos po<strong>de</strong>m trazer;<br />

porque a medida da perfectibilida<strong>de</strong> humana é ainda<br />

<strong>de</strong>sconhecida. É porém, como mostra a experiencia,<br />

incontestavel, que pelo exercicio os nossos sentidos ad<br />

quirem mais activida<strong>de</strong>, promptidão e segurança, e que<br />

a agilida<strong>de</strong>, a força, a graça são qualida<strong>de</strong>s do corpo,<br />

que pelo mesmo exercicio po<strong>de</strong>mos adquirir até um pon:<br />

to espantoso.<br />

*<br />

O exercicio pela repetição dos actos produz os habi<br />

tos. Estes po<strong>de</strong>m ser bons ou máos. Cumpre combater<br />

estes logo no principio, antes <strong>de</strong> lançarem profundas rai<br />

zes; porque chegão a obter um imperio sobre o homem,<br />

quasi igual ao da natureza. O homem conhece os máos<br />

resultados, do habito; porém a sua vonta<strong>de</strong> não tem<br />

força para lhes resistir, e vive elle sujeito a uma escravi<br />

dão, que <strong>de</strong>testa, e <strong>de</strong> que não pó<strong>de</strong> livrar-se. * *<br />

. E necessaria gran<strong>de</strong> energia não só para veneer,<br />

senão ainda para combater o habito, quando <strong>de</strong> novo se<br />

appresenta o objecto, que produzio um gran<strong>de</strong> appetite,<br />

um <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado. A pru<strong>de</strong>ncia pois aconselha,<br />

que se evite a occasião, e que durante a ausencia <strong>de</strong>lla<br />

procuremos por actos contrarios excitar <strong>de</strong>sejos oppostos,<br />

e adquirir habitos novos, que<br />

nossa<br />

dêm<br />

sensibilida<strong>de</strong>.<br />

uma nova direcção 4<br />

• - -<br />

A duração <strong>de</strong>ste trabalho está sempre na razão da<br />

duração do habito, da profun<strong>de</strong>za das suas raizes, da<br />

maior ou menor sensibilida<strong>de</strong> dos orgãos, em que resi<strong>de</strong><br />

o habito, e finalmente da maior ou menor força, que a<br />

vonta<strong>de</strong>, apezar do habito, tem conservado. * #<br />

, Seja porém qual for a força do habito, é certo, que<br />

nenhum ha, que uma vonta<strong>de</strong> constante em applicar os<br />

lar remedios, e vencer. <strong>de</strong> que temos fallado, não acabe por <strong>de</strong>belº<br />

•<br />

§. 336,<br />

Nada ha mais torpe, diz Martini, i, é, nada ha<br />

(*) S. 12,<br />

- T=


• (a)<br />

( 15a )<br />

mais contrario aos officios para com mosco, do que <strong>de</strong>bi<br />

litarmos as nossas forças pela molleza, pôrmos temeraria<br />

mente em risco a nossa sau<strong>de</strong>, inutilizarmos os nossos<br />

membros, e suicidar-nos; porque primeiramente aquel<br />

Ie, que se mata, <strong>de</strong>serta do posto, em que Deos o col<br />

locou, e falta visivelmente ás suas or<strong>de</strong>ns; em <strong>segundo</strong><br />

lugar <strong>de</strong>stróe a perfeição essencial, que consiste na liga<br />

ção e commercio da alma com o corpo; e finalmente<br />

priva-se da occasião [e por isso pecca (a)] <strong>de</strong> satisfazer á<br />

obrigação, que tem, <strong>de</strong> se conservar e aperfeiçoar, e <strong>de</strong><br />

manifestar a gloria <strong>de</strong> Deos, fim ultimo da sua creação.<br />

Adiante voltaremos ao suicidio, e tractaremos a que<br />

stão ácerca <strong>de</strong>lle, * #<br />

* * * * • §. 337.<br />

Toda a obrigação é acompanhada <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s para o<br />

seu cumprimento. A obrigação pois, que a natureza nos<br />

impõe, <strong>de</strong> velar sobre a conservação da nossa existencia,<br />

e <strong>de</strong> nos aperfeiçoarmos, traz com sigo o <strong>direito</strong> a todas<br />

as cousas, que são para isso condições necessarias. A<br />

nossa existencia é subordinada aos objectos exteriores, º<br />

que estão em relação com ella: necessitamos <strong>de</strong> fructos e<br />

outros alimentos para nos sustentarmos, <strong>de</strong> vestidos para<br />

resistirmos ás intemperies atmosfericas, <strong>de</strong> remedios para<br />

restabelecer a sau<strong>de</strong>, d'um asylo para repousarmos, etc.<br />

Por tanto temos <strong>direito</strong> stricte tal, ou antes obrigação<br />

<strong>de</strong> adquirir as cousas externas, que nos são necessarias<br />

para nossa conservação e aperfeiçoamento, e <strong>de</strong> usar <strong>de</strong>l<br />

las d'um modo conveniente para obter estes fins.<br />

Como havemos <strong>de</strong> tractar amplamente do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, dos modos da sua acquisição, e do uso,<br />

que <strong>de</strong>lla <strong>de</strong>vemos fazer, só nos limitamos neste lugar a<br />

observar em geral: 1.° que com quanto tenhamos <strong>direito</strong><br />

a adquirir as cousas externas, que po<strong>de</strong>m ser condições<br />

para a nossa existencia, <strong>de</strong>senvolvimento e perfeiçoamen<br />

to; todavia esta acquisição <strong>de</strong>ve ser feita por meios ho<br />

nestos e justos. Aquelle, que corre á felicida<strong>de</strong>, adqui<br />

rindo por meios criminosos, abraça a nuvem por Juno. A<br />

vindicta publica, a perda da boa reputação, e os remorsos<br />

S. 81. º, º<br />

•<br />

}


*,<br />

(153 )<br />

da consciencia no meio da abundancia, o tornão infeliz<br />

e <strong>de</strong>sgraçado (a). . . . . • * *<br />

Pelo que pertence ao uso das cousas externas, nem<br />

o homem# conduzir-se como o avarento, que volum<br />

tariamente se con<strong>de</strong>mna ao supplicio <strong>de</strong> Tantalo, faltam<br />

do ás suas necessida<strong>de</strong>s presentes, sempre inquieto sobre<br />

as futuras; nem tambem <strong>de</strong>ve ser prodigo, dissipando os<br />

bens sem necessida<strong>de</strong>, e sepultando-se em uma indigen<br />

cia voluntaria, tanto mais horrorosa, quanto ordinaria<br />

mente é sem remedio; porque o <strong>de</strong>sprezo, <strong>de</strong> que se co<br />

bre o prodigo d’uma gran<strong>de</strong> fortuna, repelle toda a com<br />

miseração (b).<br />

No uso, que o homem <strong>de</strong>ve fazer dos bens da for<br />

tuna, não <strong>de</strong>vem esquecer os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> beneficencia<br />

para com os infelizes e <strong>de</strong>sgraçados. Porém disto falla<br />

remos a seu tempo.<br />

* - - > - - -<br />

+<br />

§ 338. - * *<br />

, , Principia Martini <strong>de</strong>finindo o que seja trabalho e<br />

ocio. Trabalho é todo o exercicio das nossas faculda<strong>de</strong>s,<br />

acompanhado d'algum <strong>de</strong>sprazer e incommodo, e prin<br />

cipalmente aquelle, que consiste em adquirir e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r<br />

as cousas necessarias á vida. Ocio é o contrario, a isen<br />

cão do trabalho. Todo o homem tem obrigação <strong>de</strong> tra<br />

balhar, e fugir do ocio: 1.° porque todo o homem é obri<br />

gado a praticar acções indispensaveis para obter o fim,<br />

que se propõe, e certo o não pó<strong>de</strong> conseguir sem traba<br />

lhar; a." porque o homem não pó<strong>de</strong> aperfeiçoar-se, co<br />

#mo <strong>de</strong>ve, sem algum incommodo, e muito exercicio das<br />

suas faculda<strong>de</strong>s; 3." porque, sendo necessarias as cousas<br />

exteriores para a vida e perfeicão, o homem não pó<strong>de</strong><br />

adquiril-as, <strong>de</strong>fendêl-as, nem preparal-as <strong>de</strong> modo que<br />

possa usar <strong>de</strong>llas, sem empregar a sua activida<strong>de</strong>, sem<br />

trabalhar. As forças da natureza, e o trabalho do homem<br />

são os agentes da producção das riquezas (c): -<br />

O trabalho é fadario da humanida<strong>de</strong>. Nenhum<br />

(a) Burlamaq. P.3.C. 4., Perreau P. 1. Secç. 2. e P. 2. Secç. 1.<br />

(b) Burlamaq. P.3.C. 4. S. 18., Lepage C. 2. Art. 5.<br />

• (c) - Droz Économie Politique L. 1. # 5. - - * *


•<br />

(154)<br />

homem pó<strong>de</strong> viver sem trabalhar; porque além das ne<br />

cessida<strong>de</strong>s reaes e facticias, que o homem cria, e a que<br />

é força satisfazer, a activida<strong>de</strong> <strong>natural</strong> do homem e o<br />

<strong>de</strong>sprazer da inacção o impellem para o exercicio e traba<br />

lho: por isso disse com razão Themistocles, que a ociosi<br />

da<strong>de</strong> era—otumulo do homem vivo. O homem pois não<br />

pó<strong>de</strong> permanecer ocioso; e se não se oceupa em alguma<br />

cousa boa, inevitavelmente se applica ao mal. Daqui vem<br />

6 adagio, — a ociosida<strong>de</strong> é a mãi dos vicios.<br />

º §. 389. •<br />

+ "… * * * .<br />

* * •* * *,<br />

><br />

Como um dos fins da acquisição das cousas é o <strong>de</strong> sa<br />

tisfazer aos officios para com nosco, dá Martini cinco re<br />

gras sobre o uso, que <strong>de</strong>llas po<strong>de</strong>mos e <strong>de</strong>vemos fazer:<br />

I. Que <strong>de</strong>vemos ser mo<strong>de</strong>rados nas comidas e bebi<br />

restabelecimento das, e não tomarda senão sau<strong>de</strong>: os remedios convenientes para o<br />

II. Que <strong>de</strong>vemos usar <strong>de</strong> vestidos idoneos para evi<br />

tar resguardo os incommodos da <strong>de</strong>cencia: da intemperie das estações, e para<br />

• * * * * * * * -> ,<br />

daveis: III. Que <strong>de</strong>vemos procurar casas commodas e sau<br />

• , , • * *<br />

1V. Que <strong>de</strong>vemos evitar o trabalho excessivo, que<br />

abate as forças, e inhabilita o homem para o futuro: …"<br />

- V. Que <strong>de</strong>vemos regular os nossos trabalhos <strong>de</strong> mo<br />

do, que <strong>de</strong> per meio possamos gozar d'alguns prazeres<br />

honestos, aindaque não sejão senão os que resultão do<br />

ocio <strong>de</strong>pois d'um trabalho longo ou penoso; porque d'otr<br />

tra sorte <strong>de</strong>bal<strong>de</strong> correriamos atraz da felicida<strong>de</strong>. Assim a<br />

par do trabalho pó<strong>de</strong> o homem gozar, divertir-se e <strong>de</strong>s<br />

cançar. …….… "<br />

$. 34o.<br />

Martini enumera entre os officios erga nos o <strong>de</strong><br />

cultivar as virtu<strong>de</strong>s da temperança e do <strong>de</strong>coro, e o fu<br />

gir dos vicios oppostos; porque tanto aquelles são con<br />

ducentes para a conservação e perfeição do homem, co<br />

mo estes prejudiciaes. -<br />

A temperança pó<strong>de</strong> tomar-se num sentido lato pelo<br />

habito <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rar todos os <strong>de</strong>sejos do homem <strong>de</strong> modo


- .»<br />

+<br />

( 155)<br />

que não <strong>de</strong>generem em excessos; ou num sentido mais<br />

estricto, <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rar os prazeres dos sentidos. Nesta acce<br />

pção são synonymos — temperança e frugalida<strong>de</strong>. — A<br />

temperança, quando pó<strong>de</strong> ser observada pelos outros, e<br />

merece a sua approvação, diz-se <strong>de</strong>coro. +<br />

A virtu<strong>de</strong> da temperança divi<strong>de</strong>-se nas seguintes:<br />

1.° abstinencia nas comidas; 2.° sobrieda<strong>de</strong> nas bebidas;<br />

3. castida<strong>de</strong> nos prazeres venereos; 4.° diligencia nos tra<br />

balhos; 5. liberalida<strong>de</strong> nos beneficios e esmolas; 6."par<br />

cimonia nas <strong>de</strong>spesas. \ -<br />

A estas virtu<strong>de</strong>s oppoem-se os vicios: 1.” da gula;<br />

2. da embriaguez; 3.° da luxuria; 4." da preguiça ou ocio;<br />

5.° da prodigalida<strong>de</strong>; e 6.° da avareza (a). , * *<br />

|-<br />

* * * * * *<br />

$ 341. r = ; # … e ,<br />

•<br />

1 -<br />

Devemos escolher alguma occupação certa ou genero<br />

<strong>de</strong> vida; porque a natureza foi tão liberal em dar aos ho<br />

meus differentes modos <strong>de</strong> viver, que nenhum homem<br />

tem tantas forças fysicas e intellectuaes, que sejão suffi<br />

cientes para se entregar a todos. E como é razão que<br />

todos os homens trabalhem (b), tambem é força, que<br />

cada um escolha certo genero <strong>de</strong> vida. E qual ?. Martini<br />

respon<strong>de</strong>, que aquelle, que for mais accommodado ao<br />

seu <strong>natural</strong>, e <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>r tirar mais perfeições."<br />

A primeira vista esta necessida<strong>de</strong>, que cada um <strong>de</strong><br />

nós tem, <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar a certo genero <strong>de</strong> vida, parece ac<br />

cusar imprevi<strong>de</strong>ncia da natureza; porque cada um, dos<br />

homens só pó<strong>de</strong> obter productos <strong>de</strong> uma especie, pro<br />

prios da occupação, a que se <strong>de</strong>dica, quando a expe<br />

riencia mostra, que as necessida<strong>de</strong>s da especie humana<br />

são muito variadas, e que o homem carece por isso <strong>de</strong><br />

productos tambem variados, que não pó<strong>de</strong> alcançar por<br />

uma só occupação. Porém n'isto, que parece imprevi<strong>de</strong>n<br />

cia, está a gran<strong>de</strong> sabedoria e providência do Auctor da<br />

natureza; porque, creando o homem para a socieda<strong>de</strong>,<br />

esta necessida<strong>de</strong> é um vinculo, que o pren<strong>de</strong> aos seus<br />

similhantes com reciproco proveito. A divisão do traba<br />

lho é um admiravel ineio d'aperfeiçoamento da industria<br />

—TH<br />

(a) Sr. Fortuna L. 1. C. 1. $. ººi. C “s, Perreau P. 1- Secç ºs<br />

(*) S. 338. - - -


|- III.<br />

( 156 )<br />

Thumana; e os homens, trocando entre si os sobejos dos<br />

productos da sua industria, obtem todos aquelles, <strong>de</strong><br />

que necessitão, melhores, e com menos incommodo. De<br />

"modo que a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os homens se <strong>de</strong>dicarem a<br />

differentes occupações é um principio incontestavel <strong>de</strong> fe.<br />

licida<strong>de</strong> para o genero humano (a).<br />

.<br />

- - ---* , , , $ 342.<br />

Agora diz Martini como <strong>de</strong>vemos escolher o genero<br />

<strong>de</strong> vida, e feita a escolha, como <strong>de</strong>vemos conduzir-nos<br />

no <strong>de</strong>sempenho da profissão, que adoptámos. A doutrina<br />

<strong>de</strong> Martini pó<strong>de</strong> reduzir-se a cinco regras. As quatro pri<br />

meiras são<br />

que <strong>de</strong>vemos<br />

relativas á<br />

ter<br />

escolha;<br />

na nossa<br />

a ultima<br />

occupação.<br />

ao procedimento,<br />

•<br />

I. Que nos não <strong>de</strong>vemos implicar em genero al<br />

gum <strong>de</strong> vida, sem primeiro examinarmos, se para nós se<br />

rá o melhor.<br />

II. Que para isto <strong>de</strong>vemos consultar as nossas for<br />

ças fysicas, e moraes, i. é, o nosso engenho e indole.<br />

Que <strong>de</strong>vemos ter em attenção as nossas facul<br />

da<strong>de</strong>s externas, i. é, os nossos meios. … -<br />

IV. Que <strong>de</strong>vemos consultar a vonta<strong>de</strong> daquelles,<br />

que gozão d'imperio.<br />

•<br />

V. Que, escolhido finalmente o genero <strong>de</strong> vida,<br />

para que tivermos vocação, nos <strong>de</strong>vemos conduzir <strong>de</strong><br />

modo, que nada <strong>de</strong>ixemos a <strong>de</strong>sejar no cumprimento dos<br />

<strong>de</strong>veres da nossa profissão.<br />

Estas regras são tão obvias e claras, que só nos limi<br />

taremos a observar, quanto á quarta, que ella só po<strong>de</strong>rá<br />

ter lugar no Direito Natural Politico, ou quando muito<br />

no Direito Natural Hypothetico, i. é, na socieda<strong>de</strong> pa<br />

rental, enten<strong>de</strong>ndo por imperio a auctorida<strong>de</strong> dos pais<br />

sobre os filhos; porque os homens, <strong>natural</strong>mente consi<br />

<strong>de</strong>rados, todos são iguaes, e gozão da liberda<strong>de</strong> a subje<br />

etione; principios, que Martini estabeleceo (5), e <strong>de</strong> que<br />

parece aqui esquecer-se.<br />

! #<br />

#<br />

|<br />

{<br />

*<br />

do<br />

|fa<br />

}<br />

|- (c) Droz Économie Politique L. I. C. 5.<br />

(b) S. 157 e 142.


( 157 ) •<br />

§ 343, e<br />

Reputação é todo o juizo, que os nossos similhantes<br />

fazem das nossas perfeições ou imperfeições moraes. Esta<br />

juizo, quando sôa ao longe, chama-se fama. Uma e outra<br />

divi<strong>de</strong>m-se 1.° em boas, quando se referem ás nossas per<br />

feições; emás, quando se referem ás nossas imperfeições:<br />

2.° em verda<strong>de</strong>iras, quando se estribão em fundamentos<br />

solidos; e falsas, quando são fundadas em motivos ficti<br />

cios. Por isso Virgilio, fallando da fama, disse:— Tam<br />

ficti, pravique tenax, quam nuntia veri. — A boa reputa<br />

ção subdivi<strong>de</strong>-se em simples ou <strong>natural</strong>, qual a que com<br />

pete ao homem, que ainda não praticou acções más (a),<br />

e intensiva ou adventicia, i. é, aquella, que se <strong>de</strong>duz das<br />

perfeições adquiridas por factos do homem. Esta ainda se<br />

subdivi<strong>de</strong> em louvor, quando é manif<strong>estad</strong>a por palavras;<br />

honra, quando por factos (b); e gloria, quando tem por<br />

objecto o consenso dos homens bons e peritos sobre o<br />

merito eminente d'alguem. Ao louvor oppõe-se o vi<br />

tuperio; á honra o <strong>de</strong>sprezo; á gloria a infamia e o op<br />

probrio. Das <strong>de</strong>finições d'aquellas especies <strong>de</strong> boa repu<br />

tação adquirida facilmente po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>duzir as <strong>de</strong>finições<br />

<strong>de</strong>stas especies <strong>de</strong> má reputação.<br />

$ 34% e<br />

Entre os officios para com nosco, diz Martini, não<br />

pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> se contar o <strong>de</strong> guardar e augmentar a boa<br />

reputação. Martini diz — guardar e augmentar, e não<br />

diz— adquirir; porque todo o homem é dotado pela na<br />

tureza da boa reputação simples; a intensiva pois, que<br />

º homem <strong>de</strong>ve adquirir, é sómente um accrescentamento<br />

àquella; e tanto uma, como a outra, <strong>de</strong>ve o homem guar<br />

Tº<br />

. Quanto ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> guardal-a; porque a reputação<br />

simples entra no seu absoluto, e a adventicia no seu ad<br />

quirido (e). Assim que não só cada um <strong>de</strong>ve guardar o<br />

que é seu, mas ainda <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>l-o, precavendo-se contra<br />

(…) 'S 169. •<br />

|<br />

{*} (*) Bentham S. 144. Principes<br />

•<br />

<strong>de</strong> Législation C.<br />

--<br />

9, * * *<br />

* -<br />

•|-


( 158 )<br />

as lesões dos outros (a). Quanto ao <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> augmentar<br />

a boa reputação; porque ela subministra occasião <strong>de</strong><br />

adquirirmos maiores perfeições. O homem verda<strong>de</strong>ira<br />

mente não pó<strong>de</strong> seu o auxilio dos outros aperfeiçoar-se:<br />

ora, para que elles sejão dispostos a ajudal-o, importa<br />

muito, que lhes mereça as suas sympathias, e para isto<br />

muito contribue o favoravel juizo, que elles fazem a seu<br />

respeito, ou a sua boa reputação (b).<br />

Mas como ha <strong>de</strong> o homem augmentar a sua repu<br />

tação, se por melhor juizo que faça a seu respeito, e por<br />

mais bem que diga <strong>de</strong> si, a sua reputação não está no<br />

seu juizo, senão no dos outros, que é totalmente in<strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong>nte? O meio mais seguro é <strong>de</strong>svelar-se o hemem<br />

em praticar boas acções, pelas quaes mereça o louvor e<br />

a honra. Se porém, apezar <strong>de</strong>stes esforços, não podér<br />

impôr silencio á calumnia, <strong>de</strong>ve consolar-se com o teste<br />

munho <strong>de</strong> sua propria consciencia. Deve porém ser inse<br />

paravel <strong>de</strong>stes trabalhos a mo<strong>de</strong>stia, i. é, a virtu<strong>de</strong>, pela<br />

qual o homem, dirigindo suas acções <strong>segundo</strong> as Leis<br />

Naturaes, procura a honra e o louvor, mostrando-se<br />

digno, e não esperando mais, do que merece. A mo<br />

<strong>de</strong>stia oppõe-se a ambição, ou o <strong>de</strong>sejo immo<strong>de</strong>rado das<br />

honras e dos louvores; e a arrogancia, que é o vicio,<br />

com que se manchão aquelles, que se julgão dignos <strong>de</strong><br />

louvores e honras só obtidas por perfeições ou ficticias ou<br />

fortuitas.<br />

, - . "… §. 345.<br />

{ '; # • •<br />

Nem a fortuna prospera pó<strong>de</strong> ser objecto <strong>de</strong> louvor,<br />

nem a adversa <strong>de</strong> vituperio; porque os acontecimentos<br />

inevitaveis da fortuna não são imputaveis a quem os sofre<br />

(e). O <strong>de</strong>ver do homem quanto a ella é ter gran<strong>de</strong>za d'ak<br />

ma, i. é, a virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> regular as suas acções <strong>segundo</strong> a lei<br />

na presença dos perigos, mo<strong>de</strong>rando o temor, e cohibindº<br />

a temerida<strong>de</strong>. Esta virtu<strong>de</strong> na fortnna adversa chama-se<br />

constancia, á qual se oppõe o vicio da pusillanimida<strong>de</strong>;<br />

e na prospera diz-se mo<strong>de</strong>ração, que tem por vicios op<br />

postos a insolencia, a soberba, etc. " ,<br />

(a) S. 151. … … … " ><br />

(b) Bentham Principes <strong>de</strong> Législation C. 9.<br />

(c) S. 183. •


-<br />

§.<br />

-<br />

- - -<br />

(159)<br />

Martini ºbserva, que importa ao homem, para ter<br />

gran<strong>de</strong>za d'alma, estar preparado para os acontecimen<br />

tos futuros. Outras consi<strong>de</strong>rações concorrem para, o me<br />

smo fim. Na fortuna adversa o lembrar-se: 1," que não<br />

estava na sua mão o evitar similhantes males; 2.° que se<br />

<strong>de</strong>ve conformar com a provi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> Deos; 3." que na<br />

da ganha, senão ainda per<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ixando abater o espirito,<br />

e tornando-se pusillanime; 4." que outros ainda têm sof<br />

frido mais. Na prospera o lembrar-se: 1." que a fortuna<br />

é inconstante; 2.° que a insolencia e soberba o tornaráõ<br />

odioso e insupportavel aos outros; 3." que fica coberto<br />

<strong>de</strong> ludibrio aquelle, que <strong>de</strong> muito alto cáe (a). '+<br />

- * *<br />

•<br />

* * S. 346.<br />

1, º<br />

Para ser totalmente perfeito o <strong>estad</strong>o do homem,<br />

importa que haja concordia não só entre os officios<br />

para com nosco, senão tambem entre elles todos e os<br />

fins, geral (manifestação da gloria <strong>de</strong> Deos), e especial<br />

(genero <strong>de</strong> vida, que escolhemos); porque na concordia<br />

está a perfeição (b). Daqui <strong>de</strong>duz Martini o corollario,—<br />

que não <strong>de</strong>vemos procurar obter as perfeições do <strong>estad</strong>o<br />

externo com tal cuidado, que <strong>de</strong>sprezemos as do <strong>estad</strong>o<br />

interno, ou vice versa; i. é, que <strong>de</strong>vemos procurar satis<br />

fazer a todos os <strong>de</strong>veres para com nosco; — porque o<br />

cumprimento d'uns não pó<strong>de</strong> escusar-nos da falta <strong>de</strong> cum<br />

primento dos outros, excepto se a isso formos forçados<br />

pela necessida<strong>de</strong>, como vamos a vêr no<br />

-<br />

..! •<br />

347, * * *<br />

…; . -<br />

Ha lances, em que o homem não pó<strong>de</strong> satisfazer a<br />

todos os officios, ou porque carece dos meios para isso<br />

necessarios, ou porque se dá o concurso, ou conflicto dos<br />

ºficios. Por falta <strong>de</strong> meios sómente pó<strong>de</strong> o homem <strong>de</strong>i<br />

Mar <strong>de</strong> ser responsavel, quando essa falta for tal, que se<br />

ache colocado no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> absoluta e sim<br />

Ples, tanto interior, como exterior (c); porque estas ne<br />

(2) Sr. Fortuna L. 1. C. 11.S.314.<br />

(b) S. 14. * - -<br />

(e) S. 38,<br />

-<br />

{d 5.184.<br />

*


• |- ,<br />

:<br />

(16o)<br />

tessida<strong>de</strong>s excluem toda a contingencia, ó arbitrio, al<br />

berda<strong>de</strong>, a moralida<strong>de</strong>, e a imputação (d): daqui vem o<br />

adagio — necessitas caret lege. - «» )<br />

… O Sr. Fortuna (a) equipara á necessida<strong>de</strong> simples<br />

a extrema, que tem lugar todas as vezes que d'obrar<br />

contra ella resulta risco á nossa existencia. Parece-nos po<br />

rém, que esta especie <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser regulada<br />

<strong>segundo</strong> a doutrina <strong>de</strong> Martini na segunda parte do $.;<br />

orque casos ha, em que <strong>de</strong>vemos preferir a morte ávio<br />

# <strong>de</strong> certos e importantes <strong>de</strong>veres naturaes, quaes são<br />

os negativos para com Deos (b), [o que reconhece o Sr.<br />

Fortuna (c)], e outros, <strong>de</strong> que havemos <strong>de</strong> fallar. . .<br />

Pelo que pertence ao <strong>estad</strong>o do conflicto, ou con<br />

curso dos officios, a necessida<strong>de</strong> que d'elle provém, não<br />

é absoluta, senão hypothetica; porque não repugna ás<br />

nossas forças obrar d'outro modo, e até do opposto. Neste<br />

<strong>estad</strong>o, diz Martini, que <strong>de</strong>vemos sempre preferir o<br />

obrar <strong>de</strong> modo, que obtenhamos maiores perfeições; e<br />

para isto dá as seguintes regras: .<br />

I. Preferir o fim ao meio; visto que aquelle é mais<br />

nobre e importante, do que este:<br />

II. Preferir o mal menor ao maior; porque o mal<br />

menor, que exclue o maior, é um bem comparativo (d):<br />

III. Preferir o mal incerto ao mal certo; porque<br />

caeteris paribus, a incerteza torna mais favoravel a opção<br />

daquelle, pois que pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> verificar-se; excepto<br />

o caso <strong>de</strong> ser o mal certo tão pequeno e insignificante;<br />

que fique a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, comparado com o mal<br />

incerto. Assim, todas as vezes que com um mal certo,<br />

mas mui pequeno, podérmos evitar um mal incerto<br />

gran<strong>de</strong>, a pru<strong>de</strong>ncia aconselha esta excepção a favor do<br />

mal certo.<br />

•<br />

$. 349. . … 2" |<br />

.…<br />

}<br />

! #<br />

-<br />

!"<br />

#<br />

Continúa a dar outras regras, <strong>segundo</strong> as quaes <strong>de</strong><br />

vemos <strong>de</strong>cidir-nos no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> conflicto ou concursº<br />

• 2.<br />

== = |- –<br />

— — —<br />

• •——— • • • - |-<br />

, … … " … . --. , ; , ; cf.<br />

• *<br />

- (a). L.I.C.11. S. 317. — — — — . { #<br />

(b) (c) L. S, 524. I. C. 2. S. 67. , :<br />

(d) S. 34.


• (<br />

161 )<br />

dos officios: I, a preferir as perfeições das faculda<strong>de</strong>s do<br />

animo ás do corpo; porque estas sem aquellas <strong>de</strong> nada<br />

valem: v. g., um mentecapto ou furioso, posto que<br />

tenha as faculda<strong>de</strong>s fysicas perfeitamente <strong>de</strong>senvolvidas,<br />

não pó<strong>de</strong> d’ellas tirar partido; pelo contrario as do espi<br />

rito: v. g. o paralytico, que não pó<strong>de</strong> fazer uso das fa<br />

culda<strong>de</strong>s fysicas, sempre tira partido das da alma e pó<strong>de</strong><br />

satisfazer aos officios para com Deos, prestando-lhe culto<br />

interno.<br />

II. Preferir o <strong>de</strong>ver da conservação ao da perfei<br />

ção<br />

aquella<br />

pelo<br />

é<br />

estudo<br />

inutil.<br />

das sciencias e das artes; porque esta sem<br />

|- •<br />

III. Preferir a perfeição <strong>de</strong> todo o corpo á d'algu<br />

ma ou algumas das suas partes; porque a perfeição do<br />

todo é maior e mais importante, do que a da parte: e<br />

antepôr os males, que dizem relação ás faculda<strong>de</strong>s ex<br />

ternas, v. g., bens da fortuna, reputação, etc., aos<br />

males do corpo; porque, caeteris paribus, estes tocão mais<br />

<strong>de</strong> perto á existencia do homem, do que aquelles.<br />

IV. No conflicto da perda dos membros do corpo,<br />

ou das cousas externas, preferir aquella, que menos pre<br />

judica á conservação.<br />

§ 35o.<br />

Accrescenta ainda outra regra para o conflicto dos<br />

officios— preferir as cousas necessarias ás uteis, e as uteis<br />

ás agradaveis; porque são mais importantes os resultados<br />

das primeiras, do que os das segundas, e os <strong>de</strong>stas, do que<br />

os das terceiras. As <strong>de</strong>finições não <strong>de</strong>ixão dúvida a este<br />

respeito. Cousas necessarias são aquellas, sem as quaes<br />

não po<strong>de</strong>mos conservar a vida, nem o corpo; uteis aquel<br />

las, que servem para o homem passar a vida sem tédio<br />

nem <strong>de</strong>sgosto; agradaveis aquellas, que servem só para<br />

<strong>de</strong>leitar os sentidos externos.<br />

Todas estas regras são subordinadas ao principio,<br />

que Martini estabeleceo, — que <strong>de</strong>vemos no concurso<br />

Preferir aquelles officios, don<strong>de</strong> nos provierem maiores<br />

Perfeições; porque estas obrigações são maiores e mais<br />

fortes (a). Por on<strong>de</strong> é tambem facil <strong>de</strong> ver, que no con<br />

(*) S. 171,<br />

II


•<br />

( 162 )<br />

curso dos officios e <strong>direito</strong>s nem sempre é possivel a re",<br />

ducção, como preten<strong>de</strong> Ahrens (a). * **<br />

• *<br />

$ 351.<br />

Entra na questão, se pó<strong>de</strong> dar-se tal conflicto dos<br />

officios, que seja licito o suicidio, ou a morte volunta<br />

ria do homem. Martini segue a opinião negativa. Esta<br />

questão tem sido tractada pro e contra por muitos Phi<br />

losophos antigos e mo<strong>de</strong>rnos (b). Faremos primeiro a ex<br />

posição da doutrina <strong>de</strong> Martini, e <strong>de</strong>pois examinaremos,<br />

outros argumentos, que têm empregado tanto os que <strong>de</strong><br />

fen<strong>de</strong>m, como os que combatem o suicidio.<br />

Martini entra na questão, estabelecendo o conflicto<br />

entre o <strong>de</strong>ver da conservação e os officios para com nosco<br />

.351 e 352.), e os officios para com Deos, tanto negatiº<br />

vos (§ 453.), como affirmativos (S.354). E não exami<br />

na a questão com relação aos officios erga alios, porque<br />

ainda não tractou <strong>de</strong>stes. A seu tempo consi<strong>de</strong>raremos<br />

a questão <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sse ponto <strong>de</strong> vista.<br />

Não pó<strong>de</strong> dar-se conflicto d’officios erga nos, diz<br />

Martini, em que seja licito o suicidio; porque todas as<br />

nossas faculda<strong>de</strong>s internas e externas, a liberda<strong>de</strong>, a re<br />

• \ /* • • • " .<br />

putação, a saú<strong>de</strong> e inteireza do corpo, são bens muito<br />

inferiores ao bem da vida; visto que a vida é o funda-.<br />

mento <strong>de</strong> todos os bens temporaes e a occasião dos eter<br />

nos, i. é, sem a vida não ha bens temporaes, não ha li<br />

berda<strong>de</strong>, reputação, saú<strong>de</strong>, etc., e sem a vida não se pó<br />

<strong>de</strong> satisfazer ao fim ultimo da creação (c), nem praticar as<br />

acções, pelas quaes possamos merecer os bens e premios,<br />

que a razão conhece, que a infinita justiça e bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Deos certo ha <strong>de</strong> conferir além <strong>de</strong>sta vida, para remune<br />

rar cotidignamente os observadores das Leis Naturaes (d).<br />

Demais a perda dos bens, afóra a vida, que são objecto<br />

(a) S. 88, Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part. Gén. C 3, § 3.<br />

(3)_Sr. Fortuna L. 1. C. 11.S. 19. e seg.; Felice Leç. 16., Burla<br />

maq. P. 3. C. 6., Plutarch. Vida <strong>de</strong> Zenão, Seneca Epist. 7o... Marco<br />

Aurelio L. 5. S. 3o., Maupert. Essai <strong>de</strong> Philosoph, Morale C. 5.. Rous<br />

seau Science la du Nouvelle Droit C. Héloise 2. Art. P. 2. 3. Lettre S. 5. 21. et aa,, Lepage Élements <strong>de</strong> la<br />

(c) S. 59. •<br />

(d) S. 94.<br />

#


( 163 )<br />

dos officios para com nosco, nunca é tal, que não admit<br />

ta alguma <strong>de</strong>mora, ou sustentação: v. g. a boa reputa<br />

ção, a liberda<strong>de</strong>, a saú<strong>de</strong>, etc., são na verda<strong>de</strong> bens <strong>de</strong><br />

gran<strong>de</strong> monta, porém nem a sua perda será por ventura<br />

rapida, nem irreparavel. A boa reputação perdida pó<strong>de</strong><br />

recuperar-se á força d'acções virtuosas; o homem, a<br />

quem por força roubárão a liberda<strong>de</strong>, pó<strong>de</strong> por igual<br />

meio obter a sua restituição; para a saú<strong>de</strong> ha remedios;<br />

para os bens externos continúa a industria e trabalho,<br />

que os produz, etc. Porém nada disto acontece com o<br />

suicidio; porque com a morte do homem não só acaba<br />

a vida sem remedio, pois o homem não resuscita, mas<br />

com a vida acabão todos os bens, que o homem lhe<br />

antepoz. Assim que aquelle, que se suicida, não só pre<br />

fere os meios ao fim, senão ainda o bem da parte ao<br />

bem do todo, fazendo uma falsa excepção (a). Por on<strong>de</strong><br />

fica evi<strong>de</strong>nte, que o <strong>de</strong>ver da conservação é superior,<br />

mais importante e mais forte, do que todos os outros of<br />

ficios para com nosco; e por isso que <strong>de</strong>ve ser preferido<br />

(b) b).<br />

+ $ 352;<br />

Continúa Martini a sustentar a sua opinião, figu<br />

rando a hypothese mais favoravel aos <strong>de</strong>fensores do sui<br />

cidio, e vem a ser— quando nos achamos no conflicto<br />

entre a morte voluntaria e presente, e uma morte futu<br />

ra, certa e acompanhada <strong>de</strong> tormentos crueis; v. g., quan<br />

do um homem se acha con<strong>de</strong>mnado a uma morte tor<br />

mentosa e infamante, que tem certo <strong>de</strong> soffrer <strong>de</strong>ntro<br />

em poucos dias ou talvez <strong>de</strong> poucas horas. Neste caso<br />

parece que o homem, suicidando-se, não só nada per<strong>de</strong>,<br />

pois a morte é certa, senão ainda ganha, procurando<br />

voluntariamente um genero <strong>de</strong> morte facil; pois evita os<br />

tormentos, a infamia e o opprobrio.<br />

Martini respon<strong>de</strong>, que aquelle, que se suicidasse neste<br />

caso, faria uma falsa excepção; porque <strong>de</strong>vemos preferir<br />

o mal incerto ao certo, o futuro ao presente. E com ef<br />

feito; por mais certa que pareça a morte futura, a espe<br />

rança<br />

(c)<br />

nunca<br />

s. 557 e<br />

abandona<br />

349 |<br />

o homem; e a experiencia mostra<br />

-- - - - - - - - - - - - - • 7<br />

(b) S. 171, 179 e 347.


* (164)<br />

todos os dias, que mil inci<strong>de</strong>ntes imprevistos transtornão<br />

todos os calculos sobre o futuro. Na verda<strong>de</strong>, é razão<br />

preferir um mal presente menor a um futuro maior; mas<br />

isto quando o mal futuro, apezar <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>scontos,<br />

é tão grave, que o mal presente fica, comparado com<br />

elle, a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista, e a balança pen<strong>de</strong> para o lado do<br />

mal futuro. O que verda<strong>de</strong>iramente não acontece na hy<br />

pothese em que estamos; porque, para qualquer dos la<br />

dos que nos voltemos, o mal é sempre a morte; e a<br />

questão <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>cidir-se pelas circumstancias attenuantes<br />

ou aggravantes, que a acompanhão. As circumstancias<br />

da morte futura— tormentos, opprobrio e infamia — são<br />

em verda<strong>de</strong> graves males. Porém nesta somma <strong>de</strong> mal<br />

<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>scontar-se: 1.° o bem da vida, que vai <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

morte presente até a futura, que, por menor que seja o<br />

espaço, é um bem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> preço: 2.° o bem da con<br />

tingencia da morte futura, que, por mais certa que pa<br />

reça, pó<strong>de</strong> por ventura não acontecer; este bem, alimen<br />

lado pela esperança, é sem dúvida muito gran<strong>de</strong>: 3.° o<br />

bem da contingencia do opprobrio e dos tormentos, ain<br />

da quando a morte se verifique; porque recursos po<strong>de</strong><br />

ráõ <strong>de</strong>scobrir-se para os evitar, e pelo menos terá o ho<br />

mem occasião <strong>de</strong> mostrar a sua gran<strong>de</strong>za d'alma, sof<br />

frendo-os com valor, que mereça a admiração dos espe<br />

ctadores, e que lhe concilie a estima e commiseração,<br />

evitando assim em gran<strong>de</strong> parte o opprobrio do supplicio,<br />

e talvez a infamia da sua memoria; quanto mais, que a<br />

infamia e opprobrio <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da opinião dos homens,<br />

que é mudavel, e não é raro ver, que hoje morre como<br />

infame aquelle, que ámanhãa é proclamado por um he<br />

TOC,<br />

Martini accrescenta ainda duas razões a posteriori: 1."<br />

Que aquelle, que se suicidasse neste caso, mostraria um<br />

animo fraco e a poucado. Não achamos neste argumento a<br />

força, que a Martini pareceo ter; por quanto, se fosse<br />

verda<strong>de</strong>iro, os <strong>de</strong>fensores do suicidio terião ganhado a<br />

causa, <strong>segundo</strong> os principios <strong>de</strong> Martini; porque po<strong>de</strong>rião<br />

concluir necessariamente, que o mal da morte futura era<br />

superior ao mal da morte presente, e por isso este pre<br />

ferivel aos olhos da razão. E porque não retorquiráó el<br />

les o argumento, dizendo, que maior prova d'animo


( 165 )<br />

fraco e cobar<strong>de</strong> dá aquelle, que não é capaz d'arrostar<br />

uma morte voluntaria e immediata? Não será fraco<br />

aquelle, que <strong>de</strong>ixa progredir o mal, temendo o golpe do<br />

bistorí?<br />

O que nos parece, imparcialmente falando, é, que<br />

o optar por um ou outro genero <strong>de</strong> morte, salvas as<br />

circumstancias, que po<strong>de</strong>m influir na escolha, não é cer<br />

tamente prova nem <strong>de</strong> fraqueza nem <strong>de</strong> cobardia. Bruto,<br />

Gassio e Catão <strong>de</strong>sesperando <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r salvar a patria,<br />

suicidárão-se, e ninguem até hoje se atreveo a infamar<br />

<strong>de</strong> fracos tão illustres varões. Pelo contrario, seria por<br />

fraqueza e cobardia que Regulo preferio ao suicidio o ir<br />

expôr-se em Carthago a uma morte affrontosa e cheia <strong>de</strong><br />

tormentos? Napoleão, que tantas vezes encarou a morte<br />

nos campos <strong>de</strong> batalha, reputava, sobre o penhasco <strong>de</strong><br />

Santa Helena, uma fraqueza o suicidio, apezar <strong>de</strong> se<br />

julgar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> caído do throno <strong>de</strong> França, como con<br />

<strong>de</strong>mnado ás galés, <strong>segundo</strong> ele dizia, e apezar do a vil<br />

tante procedimento, que todos os dias para com ele ti<br />

nha Sir Hudson Lowe, governador da ilha, a quem Na<br />

poleão chamava o seu carcereiro (a). Seria um fraco o<br />

esforçado Cavalleiro Egas Moniz por se não matar, e<br />

e por se entregar com a mulher e filhos ao Rei inimigo<br />

em <strong>de</strong>sempenho da lealda<strong>de</strong> da sua palavra?<br />

2." Que aquelle, que opta pelo suicidio, per<strong>de</strong> a<br />

occasião d'exercitar a sua paciencia, <strong>de</strong> mostrar a gran<br />

<strong>de</strong>za d'alma, que todo o homem <strong>de</strong>ve ostentar nos pe<br />

rigos e conflictos dos officios, e finalmente <strong>de</strong> colocar a<br />

sua confiança na provi<strong>de</strong>ncia e bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deos; nou<br />

tros termos, per<strong>de</strong> a occasião <strong>de</strong> cumprir os officios para<br />

com Deos, a que po<strong>de</strong>ria satisfazer durante o periodo,<br />

que <strong>de</strong>via <strong>de</strong>correr <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a morte voluntaria até a futura:<br />

e por isso pecca contra as Leis Naturaes (b). Esta con<br />

si<strong>de</strong>ração, ainda quando a balança não pen<strong>de</strong>sse já con<br />

tra o suicidio, seria bastante para a fazer pesar contra elle.<br />

$ 353;<br />

Continúa o exame da questão no conflicto entre o<br />

(a) O'Meara Memorias da vida <strong>de</strong> Napoleão em Santa Helena.<br />

(b) S. 81. -


( 166 )<br />

<strong>de</strong>ver da conservação e os officios para com Deos. E co<br />

mo estes po<strong>de</strong>m ser negativos e affirmativos, tracta pri<br />

Ineiro do conflicto com os negativos neste $., e <strong>de</strong>pois<br />

com os affirmativos no §. seguinte.<br />

No conflicto do <strong>de</strong>ver da conservação com os officios<br />

negativos para com Deos, preferem estes; porque só <strong>de</strong><br />

vemos conservar a vida e todas as nossas faculda<strong>de</strong>s, em<br />

quanto são meios para conseguir o fim ultimo da creação,<br />

— a manifestação da gloria <strong>de</strong> Deos. Aquelle pois, que<br />

preferisse á morte o obscurecer a gloria <strong>de</strong> Deos, faria<br />

uma falsa excepção, porque preferiria o meio ao fim (a).<br />

Além <strong>de</strong> que, já <strong>de</strong>monstrámos que estes officios obrigão<br />

semper et pro semper (b). Assim os Martyres preferírão a<br />

morte a curvar os joelhos diante dos <strong>de</strong>oses do pagaui<br />

smo, ou a abjurar a verda<strong>de</strong>ira Religião.<br />

§ 354.<br />

O contrario sustenta Martini no conflicto dos officios<br />

affirmativos erga Deum com o <strong>de</strong>ver da conservação: 1.'<br />

porque estes officios só tem lugar dada a occasião, a qual<br />

não existe com o impedimento do risco <strong>de</strong> perda da vi<br />

da; 2." porque outro tempo e lugar nos hão <strong>de</strong> <strong>de</strong>parar<br />

occasião <strong>de</strong> satisfazer a estes officios, e <strong>de</strong> provarmos a<br />

nossa obediencia ás Leis da Religião Natural; 3.° porque<br />

optando neste conflicto pela conservação da vida, com<br />

quanto não praticamos a acção pia, que occasionava a<br />

nossa morte, todavia por outras po<strong>de</strong>remos mostrar a<br />

nossa pieda<strong>de</strong>, e até d’ella po<strong>de</strong>m dar testemunho todas<br />

as nossas acções, se as referirmos a Deos.<br />

Como pecca contra a Lei não só aquelle, que <strong>de</strong>ixa<br />

<strong>de</strong> praticar uma acção mandada, senão aquele tambem,<br />

que per<strong>de</strong> a occasião d'obe<strong>de</strong>cer á Lei; pó<strong>de</strong> ainda dizer<br />

se, que no conflicto, em que o homem per<strong>de</strong>ria a vida<br />

pelo cumprimento d'um <strong>de</strong>ver affirmativo para com<br />

Deos, se o cumprisse, peccaria mais, do que não o cum<br />

prindo; porque, para cumprir um <strong>de</strong>ver, inhabilitou-se<br />

<strong>de</strong> cumprir outros muitos, e per<strong>de</strong>o a occasião <strong>de</strong> satis<br />

fazer a todos. /<br />

i!<br />

#<br />

# {<br />

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{|<br />

|<br />

}<br />

180 |<br />

* #C)<br />

l0$(<br />

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km<br />

qut<br />

–=+<br />

a)<br />

{ } 6.347.<br />

}} $ 32.4 *4.


( 167 )<br />

Tanto na antiguida<strong>de</strong>, como nos tempos mo<strong>de</strong>rnos,<br />

não tem faltado escriptores, que tem impugnado ou <strong>de</strong><br />

fendido o suicidio. Os discipulos <strong>de</strong> Pythagoras e todos os<br />

que ensinárão o dogma da metempsychose, não só incul<br />

cavão como licito o suicidio, senão ainda o proclamavão<br />

como uma acção heroica. A morte pouco horror <strong>de</strong>via<br />

inspirar áquelles, que accreditassem esta doutrina. Por<br />

isso a esta attribue Cesar a coragem, com que os Gallos,<br />

se expunhão á morte (a); por esta crença é, que o fa<br />

moso Sala recebeo corajosamente a morte em Milão em<br />

1775, e houve uma pasmosa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suicidios em<br />

Cremona <strong>de</strong>pois que aquelle fanatico alli prégou a me<br />

tempyschose. •<br />

Cicero nos Livros <strong>de</strong> Officiis tambem tractou esta<br />

questão, e sustenta, que nunca é licito o suicidio, senão<br />

quando a vida é calamitosa, ou <strong>de</strong> pouca duração; por<br />

quanto Deos, que nos colocou na alternativa ou <strong>de</strong> nos<br />

matarmos, ou <strong>de</strong> passarmos uma vida cheia <strong>de</strong> miserias,<br />

claramente nos indica, que po<strong>de</strong>mos impunemente sui<br />

cidar-nos. Porém o Sr. Fortuna respon<strong>de</strong>, que em quan<br />

to Deos nos não manda effectivamente a morte, todo<br />

outro signal não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser duvidoso sobre a ver<br />

da<strong>de</strong>ira vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deos: quanto mais, que a experiencia<br />

mostra, que todos aquelles, que voluntariamente se pri<br />

vão da vida, não tem um perfeito uso <strong>de</strong> razão, mas antes<br />

são arrastados por alguma paixão ou doença, que per<br />

turba a sua intelligencia.<br />

Voltaire (b) transcreve algumas passagens <strong>de</strong> Duver<br />

ger <strong>de</strong> Hauranne, Abba<strong>de</strong> <strong>de</strong> S. Cyrano, extrahidas do<br />

seu Traetado sobre o suicidio (16o9). Estes fragmentos re<br />

duzem-se aos argumentos seguintes: •<br />

1.” Na generalida<strong>de</strong> do preceito do Decalogo — não<br />

matarás — certo se comprehen<strong>de</strong> o suicidio. Ora assim<br />

como este preceito tem excepções relativas á morte dos<br />

outros, tambem as <strong>de</strong>ve ter quanto á nossa. A razão pois<br />

<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>cidir, quando é licito attentar contra a propria<br />

•<br />

vida. •<br />

2." A auctorida<strong>de</strong> pública, que faz as vezes <strong>de</strong><br />

(a) Comment. <strong>de</strong> bello Gallico L. 6. C. 13.<br />

(b) Comment, sur le Livre <strong>de</strong>s Délits et <strong>de</strong>speines S. 2o.


( 168 )<br />

Deos, pô<strong>de</strong> dispôr da nossa vida; ora a razão do homem<br />

faz as vezes da Razão <strong>de</strong> Deos; porque é um raio da Luz<br />

eterna: logo a razão pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir dos casos, em que ao<br />

homem é permittida a morte voluntaria.<br />

A similhança do Abba<strong>de</strong> <strong>de</strong> S. Cyrano tem querido<br />

alguns argumentar a favor do suicidio com o Velho e No.<br />

vo Testamento, e outros com as Leis positivas d'alguns<br />

Povos, como se aquelles Livros Divinos, ou estas Leis<br />

fossem principios domesticos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração na Scien<br />

cia do Direito Natural. Nesta só admittimos o Codigo da<br />

Natureza, promulgado pela razão humana: o invocar<br />

qualquer outra auctorida<strong>de</strong> seria confundir os limites da<br />

Sciencia, e transtornar os seus principios elementares.<br />

Bastaria esta consi<strong>de</strong>ração para resvalarem os argu<br />

mentos <strong>de</strong> Duverger; mas sempre diremos, que por ter<br />

excepções o preceito do Decalogo, relativas á morte dos<br />

nossos similhantes, não se segue necessariamente que as<br />

tenha relativamente á nossa: e que por mais que exalte<br />

mos a razão humana, resta sempre <strong>de</strong>cidir, se ela appro"<br />

va, ou não, o suicidio, i. é, resta <strong>de</strong>cidir, se ella <strong>de</strong>scobre,<br />

que o suicidio seja licito <strong>segundo</strong> a Legislação Natural.<br />

Iriamos contra o nosso proposito, se ainda mesmo em<br />

breve resumo quizessemos dar noticia dos argumentos<br />

todos, que tem sido produzidos pro e contra o suicidio. As<br />

duas Cartas <strong>de</strong> Rousseau (a) nada <strong>de</strong>ixão que <strong>de</strong>sejar em<br />

eloquencia e força logica sobre esta questão. E por issº<br />

só faremos as seguintes breves reflexões.<br />

O <strong>de</strong>ver da conservação, que a razão do homem<br />

facilmente <strong>de</strong>scobre, acha-se escudado pelo amor da Wi<br />

da e horror da morte, que invencivelmente arrastão toda<br />

a animalida<strong>de</strong>. E em quanto os <strong>de</strong>fensores do suicídio<br />

não appresentarem exemplos <strong>de</strong> homens, que volunº<br />

tariamente <strong>de</strong>pois d'um calculo frio da razão se privem<br />

da existencia, e sáião da vida com a mesma facilida<strong>de</strong>,<br />

com que se sáe d'um theatro, será verda<strong>de</strong> o dizer-se»<br />

que aquelles, que se suicidão, ou são fanaticos como Sa"<br />

la, ou arrastados por alguma violenta paixão, ou em<br />

fim que alguma doença lhe alterou a saú<strong>de</strong>, e os privo"<br />

do uso da razão. O homem, que não per<strong>de</strong>o a intelli<br />

R:<br />

tl<br />

|$<br />

{\{<br />

#<br />

lém<br />

}<br />

llll<br />

} (a) La Nouvelle Hélcise Lettre 21, et 22. Recommendamos a sua<br />

ºitUII d.<br />


( 169 )<br />

gencia, por maiores que sejão as miserias, que sofra,<br />

tem sempre por companheira inseparavel a esperança <strong>de</strong><br />

po<strong>de</strong>r melhorar <strong>de</strong> condição, a esperança, que constan<br />

temente <strong>de</strong>rrama algumas gôtas <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> no licor<br />

envenenado dos males, que o enfeliz bebe a longos tra<br />

gos,<br />

Mas diz-se: — quando a vida é um mal para o ho<br />

mem, <strong>de</strong>ve este ter o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fugir d’ella, assim como<br />

tem <strong>direito</strong> a procurar os bens e a fugir dos males. —<br />

Porém neste mundo não ha bens nem males absolutos;<br />

tudo é relativo; e assim como não ha bens sem males,<br />

tambem não ha males sem bens. Por isso é que Bentham<br />

faz consistir a felicida<strong>de</strong> na maior somma <strong>de</strong> prazeres, e<br />

na menor dos males. A questão pois é, para assim dizer,<br />

arithmetica. E certo se não ha <strong>de</strong> appresentar exemplo,<br />

em que a somma dos males seja maior, do que a dos<br />

bens. E que certeza tem aquelle, que se suicida, <strong>de</strong> que<br />

melhorará <strong>de</strong> condição privando-se da vida? Nenhuma<br />

(a). As razões <strong>de</strong> Martini são sufficientes para se vêr que<br />

a balança dos bens e males da vida pen<strong>de</strong> sempre para o<br />

lado da conservação, e contra o suicidio.<br />

De mais a questão não se <strong>de</strong>ve olhar só pelo lado<br />

egoista; a Natureza impoz ao homem obrigações para<br />

com Deos e para com os outros, as quaes <strong>de</strong>vem entrar<br />

em consi<strong>de</strong>ração na questão do suicidio. E por mais infe<br />

liz que seja o homem, sempre é util á humanida<strong>de</strong>, só<br />

porque existe; e nenhum passo dá sobre a terra, sem que<br />

possa <strong>de</strong>sempenhar algum <strong>de</strong>ver (b).<br />

(a) Felice Leg. 16.<br />

(b) Rousseau lac. cit, Lettre 22.


( 17e )<br />

CAP. X.<br />

»A xquIDADE NATURAL, ou Dos oFFICros IMPERFEIros.<br />

Depºis <strong>de</strong> Martini ter tractado dos officios para com<br />

Deos, e para com nosco, segue-se tractar dos officios<br />

erga alios. Estes divi<strong>de</strong>m-se em officios imperfeitos, e<br />

officios perfeitos. Aquelles consistem in faciendo, e são<br />

affirmativos. Alguns lhes chamão officios d'humanida<strong>de</strong><br />

ou <strong>de</strong> beneficencia, e Bentham benevolencia effectiva po<br />

sitiva. Martini chama-lhes tambem equida<strong>de</strong> <strong>natural</strong>;<br />

porque por equida<strong>de</strong> enten<strong>de</strong> tudo o que é conforme aos<br />

officios imperfeitos, e por justiça o que é conforme aos<br />

officios perfeitos. Martini principia pelos imperfeitos neste<br />

Capitulo, e no seguinte tracta dos perfeitos.<br />

§ 355.<br />

Coherente com as noções <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s perfeitos e im<br />

perfeitos, diz Martini, que as leis, e as nossas obrigações<br />

e officios perfeitos provém do seu dos outros, e que os<br />

imperfeitos se <strong>de</strong>duzem do seu merecimento ou dignida<strong>de</strong><br />

(a). Portanto o cumprimento dos <strong>de</strong>veres ou officios per<br />

feitos pó<strong>de</strong> ser exigido pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção, que acom<br />

panha os <strong>direito</strong>s perfeitos, que lhes são relativos. Não<br />

assim os imperfeitos, cujo cumprimento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da li<br />

berda<strong>de</strong> <strong>natural</strong> das pessoas, a quem pertencem as obri<br />

gações, que lhes são relativas (5). Tanto uns, como os<br />

outros, se subdivi<strong>de</strong>m em absolutos ou universaes, e hy<br />

potheticos ou singulares. Aquelles tem o seu titulo na na<br />

tureza humana, estes na natureza conjunctamente com -<br />

algum facto, ou circumstancia occorrente. Dos primeiros<br />

tracta Martini n'este Capitulo e nos dons seguintes, dos<br />

<strong>segundo</strong>s no Capitulo XIV. e nos seguintes.<br />

(a) S. 155 e 156.<br />

(b) S. 37 a.


(171 )*A<br />

•<br />

§. 356. "<br />

Os homens <strong>de</strong>vem reunir suas forças e faculda<strong>de</strong>s,<br />

para cada um po<strong>de</strong>r obter o fim, que se propõe; porque<br />

é tal a fraqueza humana, que cada um necessita do au<br />

xilio dos outros para se po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>senvolver e aperfeiçoar.<br />

Esta reunião <strong>de</strong> forças, que é conforme os <strong>de</strong>signios do<br />

Creador, o qual certo quer igualmente a perfeição <strong>de</strong> to<br />

dos, está em harmonia com o instincto ou sentimento<br />

<strong>natural</strong> da sociabilida<strong>de</strong> (a).<br />

•<br />

A esta reunião <strong>de</strong> forças chama-se hoje associação,<br />

e ao <strong>direito</strong>, que lhe diz respeito, <strong>direito</strong> d’associação.<br />

Pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se associação a reunião <strong>de</strong> pessoas, que põem<br />

em commum seus capitaes ou industria para um fim<br />

<strong>de</strong>terminado.<br />

« E conforme á natureza do bruto, diz Ahrens (5),<br />

o viver isoladamente, ou ao menos limitar-se á associa<br />

ção a mais simples, provocada pelo instincto <strong>de</strong> sua na<br />

tureza; porque o bruto não pó<strong>de</strong> elevar-se a conceber<br />

fins nem para si, nem para o genero dos seres, a que<br />

pertence. Está reduzido á sua propria individualida<strong>de</strong>;<br />

não procura senão a satisfacção immediata das necessida<br />

<strong>de</strong>s, que experimenta. Porém o homem pó<strong>de</strong> abranger<br />

com sua intelligencia, com seu sentimento e com a sua<br />

vonta<strong>de</strong> todas as relações, que existem entre os homens,<br />

e entre o homem e o mundo inteiro. Pó<strong>de</strong> conceber tu<br />

do, e é capaz <strong>de</strong> sympathia por tudo o que existe, por<br />

que pó<strong>de</strong> comprehen<strong>de</strong>r e sentir a união, estabelecida<br />

entre todos os seres. Por causa <strong>de</strong>ste character sympathi<br />

co o homem é um ser sociavel; e esta sociabilida<strong>de</strong> pó<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong>ve applicar-se a todos os fins racionaes da vida hu<br />

Illalla. »<br />

A faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação tem sido nos ultimos tem<br />

pos objecto d'um exame particular e profundo. Mr. De<br />

cor<strong>de</strong> (c) <strong>de</strong>riva a faculda<strong>de</strong> d'associação daquillo, que<br />

ele chama instincto moral ou sympathico, sensibilida<strong>de</strong><br />

moral, ou sentimento. Este instincto, diz elle, obra em<br />

(a) S. 49. •<br />

(b) Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part Spéc. C. 1. S. 5. •<br />

(c) Des facultés humaines comme élemens originaires <strong>de</strong> la civilisa<br />

*ºn et <strong>de</strong>s progrès. - - -


• Que<br />

•<br />

(172 )<br />

duas direcções. Leva o homem até o seu similhante, para<br />

fazer com que participe da vida collectiva da humanida<strong>de</strong>;<br />

e além disso eleva o coração do homem até ao Auctor <strong>de</strong><br />

todas as cousas, até Deos: <strong>de</strong> maneira que este instincto<br />

é ao mesmo tempo o fundamento da Religião e da socie<br />

d'um da<strong>de</strong>. principio Smith tambem moral, — <strong>de</strong>rivou a sympathia. a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação<br />

A faculda<strong>de</strong> d'associação, em nosso enten<strong>de</strong>r, não<br />

tem a sua origem n'um só principio da natureza humana;<br />

e accreditamos que é o resultado completo das differentes<br />

disposições e ten<strong>de</strong>ncias do homem. A sensibilida<strong>de</strong>, os<br />

sentimentos e a intelligencia concorrem para a gran<strong>de</strong><br />

obra da associação: os sentidos, pondo-nos em com mer<br />

cio com as cousas exteriores, e dando-nos a conhecer a<br />

sua natureza e utilida<strong>de</strong>; os sentimentos d'amiza<strong>de</strong> , <strong>de</strong><br />

reconhecimento e <strong>de</strong> beneficencia, ligando-nos aos nos<br />

sos similhantes; e a intelligencia, <strong>de</strong>scobrindo a conve<br />

niencia e necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reunirmos as nossas forças fysi<br />

cas e intellectuaes ás forças fysicas e intellectuaes dos<br />

outros, para po<strong>de</strong>rmos progredir e chegar ao nosso <strong>de</strong>s<br />

tino. As ten<strong>de</strong>ncias primitivas <strong>de</strong>scobrem o germen <strong>de</strong>sta<br />

faculda<strong>de</strong>, e a intelligencia vem logo em seu auxilio<br />

para tornal a mais fecunda e <strong>de</strong>senvolvel-a em toda a sua<br />

extensão. Esta parece ser tambem a opinião <strong>de</strong> Martini.<br />

a associação é uma necessida<strong>de</strong> para o <strong>de</strong>sen<br />

volvimento e progresso do homem em todos os fins ra<br />

cionaes, que pó<strong>de</strong> escolher <strong>segundo</strong> a sua vocação, é hoje<br />

tão evi<strong>de</strong>nte, que quasi não necessita <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração.<br />

O homem isolado pouco pó<strong>de</strong>, associado pó<strong>de</strong> tudo. A<br />

vida d'um homem e as suas poucas forças não po<strong>de</strong>m<br />

prestar-lhe todas as condições necessarias á vida: porém<br />

reunido pelo espirito d'associação aos seus similhantes,<br />

não soffre necessida<strong>de</strong>, que não possa ser satisfeita, não<br />

se propõe fim, a que faltem os meios.<br />

A associação é ainda tão util nas sciencias e nas ar- .<br />

tes, cujos ramos são hoje tão vastos, que é impossivel que<br />

um só homem os possa levar ao seu <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> perfeição:<br />

porém associados os homens, po<strong>de</strong>m pelo concurso <strong>de</strong><br />

sua intelligencia e <strong>de</strong> sua activida<strong>de</strong> executar trabalhos,<br />

que serião superiores ás forças isoladas <strong>de</strong> cada um. O<br />

mesmo se pó<strong>de</strong> dizer relativamente á industria e comº<br />

*


•<br />

( 173 )<br />

mercio. A associação reúne capitaés e industria <strong>de</strong> diver<br />

sas pessoas, e habilita para empresas superiores a cada<br />

um dos associados. Sem a associação não haveria os ca<br />

minhos <strong>de</strong> ferro, pelos quaes com o que vôa o homem<br />

d’uma provincia para outra, nem as carreiras dos barcos<br />

<strong>de</strong> vapor, que tem feito quasi visinhos os povos mais<br />

distantes. - - … … :<br />

« Ha duas especies principaes d'associação: uma,<br />

que abrange toda a vida das pessoas associadas; outra,<br />

que comprehen<strong>de</strong> certos fins particulares, sem obrigar<br />

a personalida<strong>de</strong> inteira por toda a vida. Estas duas espe<br />

cies d’associação constituem duas series, que correspon<br />

<strong>de</strong>m ás duas series <strong>de</strong> fins principaes da vida humana.<br />

« Pertencem á primeira especie:<br />

A associação matrimonial e da familia;<br />

A associação municipal;<br />

A associação nacional;<br />

A associação ou confe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> muitos povos;<br />

A associação <strong>de</strong> toda a humanida<strong>de</strong>.<br />

« Entrão na segunda especie: +<br />

A associação religiosa ou instituição das Igrejas;<br />

A associação scientifica, comprehen<strong>de</strong>ndo todas as<br />

instituições das sciencias e <strong>de</strong>nsino;<br />

A associação artistica;<br />

A associação industrial e commercial;<br />

A associação para o Direito ou a associação civil e<br />

politica, chamada <strong>estad</strong>o. -<br />

«. Não só o Direito e a Justiça requerem, que esta<br />

faculda<strong>de</strong> possa livremente <strong>de</strong>senvolver-se, pois o Direi<br />

to d'associação consiste nas condições para isso necessa<br />

rias, senão ainda a Moral exige, que se favoreça por todos<br />

os meios possíveis. Porque, como a associação faz predo<br />

minar o interesse commum, e muitas vezes o <strong>de</strong>sinteresse,<br />

sobre o interesse individual e o egoismo, que, como<br />

principios d'acção, são reprovados pela Moral: a associa<br />

ção é um meio <strong>de</strong> tornar os homens mais moraes, culti<br />

vando nelles os motivos moraes d'acção, como a sympa<br />

thia, a benevolencia, o <strong>de</strong>sinteresse, que elevão o ho<br />

mem acima da personalida<strong>de</strong> egoista.<br />

. « De mais, a faculda<strong>de</strong> d'associação é uma das con<br />

dições do progresso pacifico. E o preservativo mais po


( 174 )<br />

<strong>de</strong>roso contra as revoltas e revoluções, porque as recla<br />

mações em lugar <strong>de</strong> serem reduzidas ao silencio, ou<br />

violentamente suffocadas, sem que se cure a causa, po<br />

<strong>de</strong>m abrir caminho, e pôr muitas vezes a auctorida<strong>de</strong><br />

superior em <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> comprehen<strong>de</strong>r, que não são pre<br />

tenções individuaes, mas reclamações d'uma classe intei<br />

ra d'homens, que merecem ser tomadas em consi<strong>de</strong>ra<br />

«… S. 357.<br />

Diz-se, que ajuda a outro aquelle, que com o uso<br />

das suas forças concorre para que elle consiga o fim,<br />

que se propoz. Por esta <strong>de</strong>finição, e pela doutrina do S.<br />

antece<strong>de</strong>nte dá Martini por <strong>de</strong>monstrada a proposição—<br />

que qualquer homem <strong>de</strong>ve ajudar os outros na <strong>de</strong>fesa e<br />

augmento <strong>de</strong> suas perfeições; — ou, como diz o axioma,<br />

que fundamenta os officios imperfeitos — que <strong>de</strong>vemos<br />

fazer aos outros o que queremos que elles nos fação (5).<br />

— Se nós temos obrigação <strong>de</strong> reunir as nossas forças com<br />

as dos nossos similhantes, para que todos possamos che<br />

gar aos fins, que escolhemos (e), a associação produz ne<br />

cessariamente o reciproco adjutorio dos associados. As<br />

sim quando eu com as minhas forças associadas concor<br />

ro para que outrem se <strong>de</strong>senvolva, e consiga o seu<br />

<strong>de</strong>stino, ajudo-o; quando pelas forças dos outros, reu<br />

nidas ás minhas, eu obtenho o meu fim, sou ajudado,<br />

os outros me ajudão.<br />

Martini observa: 1.º que o adjutorio pó<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> dif.<br />

ferentes especies, <strong>segundo</strong> aquelle, que ajuda, concorre<br />

com o trabalho do espirito ou do corpo, ou com as fa<br />

culda<strong>de</strong>s exteriores, que entrão na associação; 2.° que,<br />

visto como na conjuncção <strong>de</strong> varias cousas consiste a uni ·<br />

da<strong>de</strong>, todos aquelles, que reunírão suas forças, se po<br />

<strong>de</strong>m ter por um só todo.<br />

Muitas razões persua<strong>de</strong>m a existencia da obrigação<br />

<strong>natural</strong> <strong>de</strong> ajudarmos aos outros. Já mostrámos a gran<strong>de</strong><br />

conveniencia, que tinhamos em merecer a estima e ap<br />

(a) Ahrens cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Gén. C. 1.5.3.<br />

(b)<br />

(c)<br />

S. 157.<br />

S. 356. •<br />

}


•<br />

( 175 )<br />

provação dos outros, não só pelo prazer, que dahi nos<br />

provém, senão ainda pela facil disposição para nos au<br />

xiliarem. E que diz a experiencia, que é a mestra da vida<br />

e a mãi dos <strong>de</strong>senganos? Diz, que o caminho mais se<br />

guro para conseguirmos a benevolencia e soccorros dos<br />

outros é o sermos da nossa parte benevolos e beneficos<br />

para com elles.<br />

Os Estoicos pensavão, que tudo o que a natureza<br />

produzio, tinha sido para uso dos homens; e que estes<br />

havião nascido uns para os outros, e se <strong>de</strong>vião mutua<br />

mente ajudar. « Não nascemos para nós sós, nascemos<br />

para a patria, para nossos parentes e amigos» escreveo<br />

Platão (a).<br />

A socieda<strong>de</strong> é sem dúvida um commercio d’officios<br />

reciprocos entre os homens. Sem o mutuo adjutorio a<br />

socieda<strong>de</strong> ficaria reduzida a uma convivencia esteril e<br />

inutil, não teria fim razoavel. Verda<strong>de</strong>iramente, se os<br />

homens todos hão mister os serviços nns dos outros,<br />

aquelle, que trabalha pelo seu <strong>de</strong>senvolvimento e aper<br />

feiçoamento, habilita-se para melhor po<strong>de</strong>r servir aos<br />

outros; aquelle, que enten<strong>de</strong> no aperfeiçoamento e <strong>de</strong>s<br />

envolvimento dos outros, serve á sua propria eausa, em<br />

quanto cuida em os elevar a um <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> perfeição, em<br />

que elles mais facilmente o possão coadjuvar. Os vincu<br />

los pois da socieda<strong>de</strong> humana são tão estreitos, que o<br />

trabalhar pela felicida<strong>de</strong> da parte é trabalhar pela felici<br />

da<strong>de</strong> do todo ou da humanida<strong>de</strong>.<br />

Por isso é que Martini diz, que muitas pessoas<br />

reunidas em socieda<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m reputar como uma só:<br />

por isso é, que essas pessoas se dizem tambem uma<br />

pessoa moral. Na verda<strong>de</strong>, assim como um individuo tem<br />

seu fim, para o qual <strong>de</strong>vem conspirar todas as suas fa<br />

culda<strong>de</strong>s, empregando todos os meios ou condições ao<br />

seu alcance para o conseguir: assim muitas pessoas<br />

unidas pelos laços da socieda<strong>de</strong> tem seu fim commum,<br />

ao qual todas se <strong>de</strong>vem dirigir, e para obter o qual <strong>de</strong><br />

vem todas empregar os meios necessarios. Assim comº<br />

a natureza une todas as faculda<strong>de</strong>s do homem, assim<br />

a socieda<strong>de</strong> liga todos os socios. Esta analogia justifica<br />

=-<br />

(a) Cicero <strong>de</strong> Officiis L. I. C. 7.


•<br />

( 176)<br />

a <strong>de</strong>nominação <strong>de</strong> pessoa moral, dada a todos os mem<br />

humanida<strong>de</strong>. bros d’uma socieda<strong>de</strong>, e principalmente da socieda<strong>de</strong> da .<br />

• •<br />

$. 358. •<br />

Pelo que fica dito, facilmente se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar,<br />

que temos para com os outros os mesmos officios, que<br />

para com nosco. A existencia <strong>de</strong> officios para com os ou<br />

tros fica <strong>de</strong>monstrada pela obrigação da reunião das for<br />

ças (a), e pela <strong>de</strong> os ajudar (b). Agora, que os officios<br />

para com os outros são os mesmos, que os officios para<br />

com nosco, só resta provar. A natureza pelo imperio<br />

irresistivel. da necessida<strong>de</strong> tornou a todos os homens <strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong>ntes uns dos outros. Sem o mutuo adjutorio nem<br />

se po<strong>de</strong>rião conservar, nem muito menos aperfeiçoar-se<br />

e ser felizes: <strong>de</strong> modo que o trabalhar pela felicida<strong>de</strong><br />

dos outros equival a trabalhar pela nossa. Por isso as<br />

obrigações para com nosco não po<strong>de</strong>m separar-se das<br />

obrigações para com os outros; e assim como <strong>de</strong>vemos<br />

procurar para nós as perfeições, e evitar as imperfeições,<br />

assim<br />

evitar<br />

<strong>de</strong>vemos<br />

o causar-lhes<br />

trabalhar<br />

imperfeições.<br />

pelas perfeições dos outros, e<br />

Nem pense o egoista, que, trabalhando pela felici<br />

da<strong>de</strong> dos outros, prejudica aos seus interesses; porque,<br />

trabalhando os outros igualmente pela sua, não só não<br />

per<strong>de</strong> neste commercio igual d’officios reciprocos, senão<br />

ainda ganha. O proprio solipsismo, se calcular bem as<br />

suas conveniencias, ha <strong>de</strong> encontrar gran<strong>de</strong> interesse<br />

na igualda<strong>de</strong> das obrigäções para com nosco e para com<br />

os outros, apezar <strong>de</strong> parecer totalmente <strong>de</strong>sinteressado.<br />

Pó<strong>de</strong> para aqui applicar-se o dito d'um homem <strong>de</strong>spi<br />

rito: — Se os velhacos soubessem o que era ser honrado,<br />

serião honrados os velhacos por velhacaria.— º<br />

•<br />

|- §<br />

359.<br />

O amor dos outros é o habito da nossa vonta<strong>de</strong> em<br />

promover as perfeições dos outros, e a propensão para<br />

(a) S. 556.<br />

(b) S. 357.


•<br />

( 177 )<br />

nos <strong>de</strong>leitarmos com isso. O que sendo assim, facilmente<br />

nos convenceremos <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos ainar aos outros<br />

como a nós mesmos; não só porque são iguaes os officios<br />

para com nosco e os officios para com os outros, senão<br />

meios tambem iguaes porque parao amor se obter <strong>de</strong> onós fimeultimo.<br />

o amor dos outros são<br />

Na verda<strong>de</strong>, se o amor <strong>de</strong> nós se pó<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar<br />

como o fundamento dos officios erga nos, o amor dos<br />

outros pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve fundamentar os officios erga alios : e<br />

como o cumprimento <strong>de</strong> uns e outros officios é indispen.<br />

savel para o <strong>de</strong>senvolvimento e aperfeiçoamento do ho<br />

mem, e para se habilitar a po<strong>de</strong>r obter o fim ultimo, fica<br />

evi<strong>de</strong>nte, que <strong>de</strong>vemos amar aos outros como a nós<br />

• • $. 361.<br />

-<br />

{<br />

* Quando ha conflicto do amor para com nosco, e do<br />

exercicio do amor para com os outros, cuja virtu<strong>de</strong> se<br />

chama carida<strong>de</strong> ou philanthropia, <strong>de</strong>ve, caeteris paribus,<br />

preferir aquelle a esta, e por isso <strong>de</strong>vem preferir os offi<br />

cios para com nosco aos officios para com os outros, por<br />

que somos na verda<strong>de</strong> obrigados a amar aos outros tanto<br />

como a nós, mas não mais. Ora sem cumprirmos os offi<br />

cios para com nosco, certo não po<strong>de</strong>mos cumprir os offi<br />

cios para com os outros. Aquelles concorrem directa<br />

mente para a nossa conservação, perfeição e felicida<strong>de</strong>,<br />

estes só indirectamente. E por tanto verda<strong>de</strong>iro o adagio<br />

— a carida<strong>de</strong> principia por nós.—<br />

- O principio, que se <strong>de</strong>duz <strong>de</strong>sta doutrina, é que no<br />

conflicto entre os officios para com nosco e os officios para<br />

com os outros, sendo iguaes os seus resultados, <strong>de</strong>vem<br />

preferir os officios para com nosco; e muito principal<br />

mente, se do cumprimento dos <strong>de</strong>veres para com nosco<br />

resultarem maiores perfeições. Mas se resultarem maiores<br />

Perfeições tros? Martini do respon<strong>de</strong> cumprimento no dos offieios para com os on<br />

• •<br />

§. 362. •<br />

A regra <strong>de</strong> que— a carida<strong>de</strong> principia por nós -<br />

não tem applicação ao conflicto, em que do cumprimen<br />

l 2<br />

\


•<br />

{ 128 ?<br />

to dos officios para com os outros# maiores par<br />

feições, do que do cumprimento dos officios para com<br />

nosco; porque, diz Martini, o bem do todo <strong>de</strong>ve prefe<br />

rir ao bem da parte. Esta razão porém comprehen<strong>de</strong> só<br />

mente o conflicto entre os <strong>de</strong>veres para com nosco, e os<br />

que são relativos a toda a humanida<strong>de</strong>. Apezar disso é<br />

verda<strong>de</strong>ira a proposição <strong>de</strong> Martini, ainda quando se tra<br />

cte sómente dos officios restrictos a alguns ou algum dos<br />

nossos similhantes, pela regra <strong>de</strong> que <strong>de</strong>vemos preferir<br />

o bem maior ao menor (a). E não faça dúvida, o ser o<br />

bem maior para os outros, e o menor para nós, porque<br />

fica já <strong>de</strong>monstrada a igualda<strong>de</strong> d'uns e outros officios<br />

(b). Além <strong>de</strong> que, Deos, creando e unindo todos os ho<br />

mens pelos vinculos da natureza em a socieda<strong>de</strong> univer<br />

sal da humanida<strong>de</strong>, não podia ter em vista senão a feli<br />

cida<strong>de</strong> do genero humano, e seria visivel absurdo o<br />

dizer, que a sua sapientissima vonda<strong>de</strong> preferia o bem<br />

menor ou d'algum individuo ao bem maior ou do todo<br />

O homem pela razão conhece esta vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deos, que<br />

é para elle Lei sagrada. Portanto <strong>de</strong>vemos sempre pre<br />

ferir o maior bem no conflicto dos officios para com<br />

nosco e para com os outros, ainda quando está do lado<br />

dos nossos similhantes. =<br />

Bentham, que estabeleceo a utilida<strong>de</strong> como base<br />

do seu systema <strong>de</strong> legislação e da sua Deontologia, repelle<br />

com força a utilida<strong>de</strong> particular, e só admitte a utilida<strong>de</strong><br />

geral.<br />

Tendo sido creados os homens pela natureza para<br />

viver em socieda<strong>de</strong>, é seu <strong>de</strong>ver e seu interesse o contri<br />

buir, quanto lhe for possivel, para o bem geral da socie<br />

da<strong>de</strong>; porque o interesse individual, guiado pela pru<br />

<strong>de</strong>ncia, se confun<strong>de</strong> com o interesse geral; não se pó<strong>de</strong><br />

ºffen<strong>de</strong>r aquelle, sem atentar contra este, e vice versa.<br />

Sei muito bem, que o interesse particular é um<br />

conselheiro occulto, que constantemente nos falta ao<br />

ouvido, e frequentes vezes nos illu<strong>de</strong>, para que prefira<br />

mos um bem, que nos parece proximo e evi<strong>de</strong>nte, a um<br />

bem distante, que não pó<strong>de</strong> influir sobre nós senão pas<br />

(a) S. 347 e seg.<br />

(b) S. 358.


(179).<br />

sando. pela socieda<strong>de</strong>. Não pó<strong>de</strong> em geral censurar-se<br />

esta preferencia, nem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> a admittir nos termos <strong>de</strong><br />

artini. Porém é necessario ter cautela contra os sofismas<br />

do egoismo, i. é, do amor excessivo <strong>de</strong> nós, que é máo<br />

conselheiro, e praticar sempre a maxima <strong>de</strong> Terencio:<br />

Homo sum º humani nihil a me alienum puto.<br />

$ 363.<br />

Amigo é aquelle, que nos ama; aquelle, que nos<br />

aborrece, é inimigo. Tanto os amigos, como os inimigos,<br />

Po<strong>de</strong>m ser internos ou externos: internos, quando a ami<br />

za<strong>de</strong> ou inimiza<strong>de</strong> não passão além dos sentimentos <strong>de</strong><br />

amor ou d'odio; e externos, quando aquelles sentimentos<br />

são acompanhados d'acções exteriores, que lhes são con<br />

fórumes. Que <strong>de</strong>vemos ser amigos internos <strong>de</strong> todos, facil<br />

mente se <strong>de</strong>duz da obrigação <strong>de</strong> amar os outros homens<br />

(…); e que <strong>de</strong>vemos, além d’isso, ser amigos externos,<br />

todas as vezes, que as nossas forças o permittirem, <strong>de</strong><br />

duz-se da obrigação d'ajudar aos outros (b). É pois evi<br />

<strong>de</strong>nte, que não <strong>de</strong>vemos ser inimigos <strong>de</strong> ninguem.<br />

Na generalida<strong>de</strong> da obrigação d'amar, e <strong>de</strong> sermos<br />

amigos dos nossos similhantes, comprehen<strong>de</strong> Martini os<br />

proprios inimigos; porque, pelos outros violarem a Lei<br />

Natural <strong>de</strong> nos amarem, não se segue, que tenhamos<br />

<strong>direito</strong> a violal-a tambem. Por isso <strong>de</strong>vemos procurar re<br />

concilial-os com nosco, ou pelo menos abrandar o seu<br />

ºdio, para que menos nos prejudiquem.<br />

E notavel a <strong>de</strong>finição, que dá Bentham d'amiza<strong>de</strong><br />

(c) « Sympathia, diz elle, é a disposição, que nos faz<br />

º encontrar prazer na felicida<strong>de</strong> dos outros seres sensi<br />

º veis, e tomar parte em suas penas. Se esta disposição<br />

* é relativa a utu só individuo, chama-se amiza<strong>de</strong>; se ás<br />

º pessoas, que soffrem, pieda<strong>de</strong> ou compaixão; se abraça<br />

* uma classe subordinada d’individuos, espirito <strong>de</strong> cor<br />

“poração, ou <strong>de</strong> partido; se abraça toda uma nação,<br />

º espirito publico ou patriotismo; se se exten<strong>de</strong> a todos<br />

* os homens, humanida<strong>de</strong>. » :<br />

(*) S-359. * . . . . . •<br />

b) S. 557. |- *<br />

*) rincipès <strong>de</strong> Lºgislation C. 9.


•<br />

( 189 )<br />

Quanto á obrigação d'amar os inimigos. Os inimí<br />

gos ou são taes, porque nós démos causa á sua inimiza<strong>de</strong>,<br />

ou sem culpa nossa por sua pura perversida<strong>de</strong>. Em qual<br />

quer dos casos o nosso interesse bem entendido está<br />

em sermos antes clementes, do que vingativos. No pri<br />

meiro caso remontando-nos á origem da inimiza<strong>de</strong>, se<br />

quizermos ser francos e <strong>de</strong> boa fé, <strong>de</strong>vemos confessar,<br />

que os males, por maiores que sejão, que nos fazem os<br />

inimigos, tiverão por causa primeira a nossa injustiça e<br />

as nossas paixões: e por isso reconheceremos tambem<br />

lº é justo, e para nós vantajoso o sacrificar á felicida<br />

e da paz alguma cousa d'um <strong>direito</strong>, cujo rigoroso<br />

exercicio não <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> trazer, como resultado, os<br />

males incalculaveis das rixas e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns. No <strong>segundo</strong><br />

caso a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sermos tolerantes e clementes para<br />

com os outros é <strong>de</strong>monstrada pela necessida<strong>de</strong>, que<br />

temos tambem, da sua toleraneia e elemencia pelas nossas<br />

faltas para com elles. Ainda a este proposito é verda<strong>de</strong> o<br />

ser a socieda<strong>de</strong> um commercio d’officios, no qual nada<br />

recebemos senão em razão do que damos.<br />

$.364.<br />

Benevolencia é a ten<strong>de</strong>ncia do nosso espirito para<br />

aperfeiçoar os outros: chama-se tambem benignida<strong>de</strong>.<br />

Differe porém da beneficencia e officiosida<strong>de</strong> em quanto<br />

estas consistem no exercicio exterior da benevolencia.<br />

Tambem differe a beneficencia da officiosida<strong>de</strong>; por<br />

que a beneficencia só tem por objecto os actos <strong>de</strong> benevo<br />

lencia sem esperança <strong>de</strong> retribuição; é <strong>de</strong>spida <strong>de</strong> todo<br />

o interesse: pelo contrario a o/fíciosida<strong>de</strong> consiste nos<br />

actos <strong>de</strong> benevolencia acompanhados da esperança <strong>de</strong> re<br />

tribuição.<br />

Dadas estas <strong>de</strong>finições, <strong>de</strong>monstra Martini: 1.º que <strong>de</strong><br />

vemos cultivar a benevolencia; 2.° que <strong>de</strong>vemos exercitarr<br />

quanto couber em nossas forças, a beneficencia; 3. que<br />

<strong>de</strong>vemos trabalhar por merecer a benevolencia e benefi<br />

cencia dos nossos similhantes.<br />

Dos principios expostos facilmente se <strong>de</strong>duz, que<br />

<strong>de</strong>vemos ser benevolos. Já provámos que <strong>de</strong>viamºs<br />

amar aos outros, e vimos que o amor era o habito dº


• 1.°<br />

•<br />

•<br />

( 181 ) |-<br />

promover as suas perfeições: o habito adquire-se pela<br />

repetição dos actos, e dos habitos resulta aptidão, faci<br />

lida<strong>de</strong> e ten<strong>de</strong>ncia para praticar os actos, que são o seu<br />

objecto: ora sendo a benevolencia a ten<strong>de</strong>ncia para aper<br />

feiçoar os outros; é evi<strong>de</strong>nte, que a benevolencia é um<br />

resultado do amor para com os nossos similhantes; e por<br />

consequencia que a obrigação da benevolencia é uma<br />

consequencia necessaria da obrigação do amor (a). . *<br />

Quanto á obrigação da beneficencia, ella <strong>de</strong>ve <strong>de</strong><br />

duzir-se da obrigação <strong>de</strong> ajudar os outros na acquisição<br />

e <strong>de</strong>feza das suas perfeições (5); visto que a beneficencia<br />

consiste nos actos exteriores, pelos quaes contribuimos<br />

para as perfeições d'outrem. Martini com razão limita<br />

esta obrigação <strong>de</strong>ntro da esfera das nossas forças; porque<br />

a beneficencia é exhaurivel, como veremos no §. seguin<br />

tC. +<br />

Finalmente, que <strong>de</strong>vemos procurar merecer abe<br />

nevolencia e beneficencia dos outros, tambem não pó<strong>de</strong><br />

haver dúvida, pela necessida<strong>de</strong>, que temos, do seu adju<br />

torio e beneficios. • •<br />

Martini refere por fim algumas acções, que não po<br />

<strong>de</strong>m, posto que o pareção á primeira vista, ser actos <strong>de</strong><br />

beneficencia ou beneficios verda<strong>de</strong>iros. Taes são asse<br />

guintes:<br />

Os bens, que fazemos aos outros, e que não<br />

são accommodados ás suas necessida<strong>de</strong>s, pois ainda que<br />

em geral se possão dizer bens, todavia não o são para<br />

aquelles, a quem os fazemos; porque, <strong>segundo</strong> os princi<br />

pios <strong>de</strong> Martini, o bem resulta da perfeição, que está na<br />

concordia (c), e os bens, que não concordão com as<br />

necessida<strong>de</strong>s das pessoas, ás quaes se dirigem, não po<br />

<strong>de</strong>m ser para ellas nem perfeições, nem bens, nem por<br />

consequencia beneficios, que só po<strong>de</strong>m consistir em bens<br />

e perfeições.<br />

2." Os bens, que não são motivados pelo amor das<br />

pessoas, ás quaes os fazemos; porque a beneficencia con<br />

siste no exercicio da benevolência, que é um resultado


- «A<br />

- (a)<br />

*<br />

-<br />

(18a)<br />

do amor dos outros. Não negamos, que estes bens o ser<br />

jão realmente para as pessoas, que os recebem; porém<br />

falta-lhes a qualida<strong>de</strong> moral da boa vonta<strong>de</strong> ou da bene<br />

volencia, sem a qual não ha verda<strong>de</strong>iros beneficios. Ben<br />

thana comprehen<strong>de</strong>o bem esta idêa <strong>de</strong> que a beneficencia<br />

<strong>de</strong>ve ser acompanhada da benevolencia: e por isso para<br />

a exprimir usou das palavras — benevolencia effectiva<br />

positiva; porque, diz elle (a):<br />

benevolencia, sem a beneficencia, é uma ar<br />

vore sem fructo, e nada ajunta absolutamente á feli<br />

cida<strong>de</strong>; a beneficencia, separada da benevolencia,<br />

não é uma virtu<strong>de</strong>, não é uma qualida<strong>de</strong> moral; e<br />

tanto pó<strong>de</strong> pertencer a um tronco d'arvore ou a um<br />

rochedo, como a um ser humano. ».<br />

3." Os bens, que aos outros fazemos por ignoram<br />

cia, i. é, ou porque ignoramos que erão bens para as<br />

pessoas, ás quaes dirigimos as acções, ou porque igno<br />

ramos, que fossem recaír sobre as pessoas, que effecti<br />

vamente se aproveitárão d’ellas. A razão é a falta da be<br />

nevolencia. * - - -<br />

4." Os bens, que fazemos por conveniencia propria,<br />

ou seja com a esperança <strong>de</strong> remuneração, ou seja para<br />

eonquistarmos a amiza<strong>de</strong> e graças das pessoas, que os<br />

recebem (officiosida<strong>de</strong>), ou seja para fazermos ostentação<br />

das nossas riquezas e animo benefico. Nestes bens não<br />

entra o <strong>de</strong>sinteresse do espirito <strong>de</strong> benevolencia.<br />

« O que dá todo o preço aos beneficios, é o cora<br />

ção; por isso é que aquelle, que dá pouco, mas corn<br />

bom coração e liberalmente, nos obriga tanto, como<br />

se nos désse muito (b).» -<br />

5." Os bens, que fazemos não com a intenção <strong>de</strong><br />

beneficiar, mas sim <strong>de</strong> prejudicar. Por isso Cicero, fal<br />

lando das precauções, com que <strong>de</strong>vemos fazer bem aos<br />

nossos similhantes para po<strong>de</strong>r ser d’uma maneira liberal<br />

relativamente a nós e util aos outros, diz:<br />

: «A primeira precaução, que <strong>de</strong>vemos ter, é a <strong>de</strong><br />

termos cautela, que o bem, que queremos fazer a<br />

alguem,<br />

tTen1, º<br />

se não converta em seu prejuizo ou no dou<br />

• •<br />

Déontologie P. T. C. 1. •<br />

(b) Seneca De beneficiis,<br />

* * *


( 183 )<br />

Na verda<strong>de</strong> a beneficencia, exercitada com pureza e<br />

discernimento, é um <strong>de</strong>ver, ou antes diremos uma con<br />

veniencia da maior importancia para o homem, que vive<br />

na socieda<strong>de</strong>; porque ainda que o numero dos ingratos<br />

seja gran<strong>de</strong>, com tudo ella cedo ou tar<strong>de</strong> nos in<strong>de</strong>mniza<br />

<strong>de</strong> todos os nossos sacrificios, remunerando-nos, ainda<br />

contra nossa vonta<strong>de</strong>, com bens, que nenhum infortu<br />

mio nos pó<strong>de</strong> arrancar. Por isso M. Antonio, quando a<br />

fortuna o abandonava, disse com tanta sensibilida<strong>de</strong> e ra<br />

zão— Tenho pelo menos ainda tudo o que <strong>de</strong>i —(a).<br />

$. 365.<br />

A benevolencia nem é exhaurivel, nem pó<strong>de</strong> estar em<br />

conflicto com os outros officios para com os nossos sinti<br />

lhantes; o contrario porém se <strong>de</strong>ve dizer da beneficencia.<br />

Quanto á benevolencia; porque só <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da constan<br />

cia da vonta<strong>de</strong> e da boa intenção, que são qualida<strong>de</strong>s do<br />

animo, a que se não po<strong>de</strong>m assignar limites; os sen<br />

timentos do coração são em certo modo infinitos, e po<br />

<strong>de</strong>m coexistir com todas as <strong>de</strong>terminações da vonta<strong>de</strong>,<br />

necessarias para o cumprimento <strong>de</strong> quaesquer officios para<br />

com os outros e mesmo para com mosco. A beneficencia<br />

porém é exhaurivel; porque, consistindo em actos exter<br />

nos, não só as nossas forças são limitadas, senão, como<br />

mostra a experiencia, sempre são mais as pessoas, que ne<br />

cessitão do nosso soccorro, do que as que po<strong>de</strong>mos soc<br />

correr. Finalmente taes concursos <strong>de</strong> circumstancias oc<br />

correm na vida social, que muitas vezes nos achamos em<br />

conflicto não só entre o <strong>de</strong>ver da beneficencia e os <strong>de</strong>ve<br />

res para com nosco, ou para com os outros, senão ainda<br />

a concurrencia <strong>de</strong> muitas pessoas, ás quaes todas não po<br />

<strong>de</strong>mos beneficiar, nos <strong>de</strong>pára muitas vezes conflictos, em<br />

que temos <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir quaes são aquellas, que <strong>de</strong>vem ser<br />

preferidas. O modo <strong>de</strong> fazer nestes casos a excepção ve<br />

remos no S. 368. #<br />

Bentham divi<strong>de</strong> a beneficencia, a que chama bene<br />

voleneia effectiva, em positiva e negativa. Aquella exer<br />

cita-se pela acção, e tem por objecto o augmento do pra<br />

(a) Perreau Élémens <strong>de</strong> Lig. Nat, pag. 89.


*<br />

( 184 )<br />

zer; esta exercita-se pela abstinencia da acção, e tem por<br />

objecto a diminuição da pena. Para a primeira é neces<br />

sario po<strong>de</strong>r e vonta<strong>de</strong>, para a segunda basta só a vonta<strong>de</strong>.<br />

A primeira tem limites, a segunda não. #<br />

«E doloroso, diz Bentham, o pensar, que a somma<br />

da felicida<strong>de</strong>, que um homem, ainda o mais po<strong>de</strong>roso,<br />

pó<strong>de</strong> produzir, é pequena, comparada á somma dos<br />

males, que pó<strong>de</strong> crear para si, ou para outrem : não<br />

que, na raça humana, a proporção da infelicida<strong>de</strong> exceda<br />

a da felicida<strong>de</strong>; porque a somma da infelicida<strong>de</strong> é limi<br />

tada em gran<strong>de</strong> parte pela vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem a soffre, que<br />

tem á sua disposição os meios <strong>de</strong> minorar seus males.<br />

« Além <strong>de</strong> que a benevolencia effectiva ten<strong>de</strong> a ac<br />

crescentar-se pelo exercicio. Ella é um thesouro; quanto<br />

mais lhe tiramos, para <strong>de</strong>rramar as riquezas sobre aquelles,<br />

que nos cercão, mais nossas riquezas se multiplicão. A<br />

nossa opulencia cresce na razão do consumo, que faze<br />

mos <strong>de</strong> nossos thesouros. Quem se assegura um prazer,<br />

ou se evita uma pena, contribue para a sua felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

uma maneira directa; quem assegura um prazer, ou<br />

evita uma pena a outrem, contribue indirectamente para<br />

a sua propria felicida<strong>de</strong> (a), »<br />

§. 366.<br />

Os officios imperfeitos divi<strong>de</strong>m-se em in<strong>de</strong>finidos ,<br />

quando são relativos a todos os homens em geral; e <strong>de</strong><br />

finidos, quando dizem respeito a certas e <strong>de</strong>terminadas<br />

pessoas. Tanto uns como outros só po<strong>de</strong>m satisfazer-se<br />

dada a occasião, diz Martini; porque, como já dissemos,<br />

estes officios são afirmativos, e sómente se cumprem por<br />

acções ou actos positivos. E facil comprehen<strong>de</strong>r o objecto<br />

dos officios <strong>de</strong>finidos: porém para se fazer juizo dos in<strong>de</strong><br />

finidos, appresenta Martini alguns exemplos. Cumprem<br />

os officios in<strong>de</strong>finidos: 1.° aquelle, que escolhe <strong>segundo</strong><br />

a sua vocação um modo <strong>de</strong> vida (b) com o fim <strong>de</strong> se tor<br />

nar mais apto para coadjuvar os outros: 2.° os que tra<br />

balhão por <strong>de</strong>scobrir inventos uteis á humanida<strong>de</strong>; assim<br />

cumprírão os officios in<strong>de</strong>finidos os inventores da imº<br />

(a) péontologie P. 1. C. 1. -- * * * *<br />

(8) S. 341. • * * " …" , " ,<br />

*<br />

* *<br />

*> *<br />

/*


(185)<br />

prensa, da bússola, da applicação do vapor aos transpor:<br />

tes por mar e por terra, etc.: 3." aquelles, que com º<br />

proprio exemplo tornão recommendaveis as virtu<strong>de</strong>s mo<br />

raes e intellectuaes. Faltão a estes officios aquelles, que<br />

não se <strong>de</strong>dicão a modo algum <strong>de</strong> vida, como os vadios<br />

e ociosos; os que propagão doutrinas falsas e pernicio<br />

sas, ou occultão ou criminão as uteis e verda<strong>de</strong>iras. Po<br />

Se aquelle, que semeia entre o povo uma verda<strong>de</strong><br />

util, faz uma esmola eterna ás gerações futuras, como<br />

disse um homem <strong>de</strong>spirito, tambem nós po<strong>de</strong>mos dizer,<br />

que aquelle, que <strong>de</strong>rrama entre o povo erros pernicio<br />

sos, ou occulta as verda<strong>de</strong>s uteis, que <strong>de</strong>scobrio, com<br />

mette<br />

cios in<strong>de</strong>finidos<br />

um crime<br />

para<br />

<strong>de</strong> lesa-humanida<strong>de</strong>,<br />

com os outros.<br />

ou viola os offi<br />

•<br />

§. 367. -<br />

}<br />

• *<br />

Subdivi<strong>de</strong>m-se os officios <strong>de</strong>finidos em officios inno<br />

3riae utilitatis, que são aquelles, que po<strong>de</strong>mos cumprir sem<br />

o mais pequeno <strong>de</strong>trimento do que é nosso, e em officios<br />

noxiae utilitatis, que só po<strong>de</strong>mos cumprir com algum<br />

prejuizo das nossas forças. Aquelles chamão-se tam<br />

bem officios d'humanida<strong>de</strong>; estes, <strong>de</strong> beneficencia. Tanto<br />

uns como outros, por serem affirmativos, carecem d'occa<br />

sião para serem cumpridos; e no conflicto <strong>de</strong>vemos pre<br />

ferir os que provém d'obrigação mais forte.<br />

Alguns estabelecêrão como principio objectivo dos<br />

officios innoaciae utilitatis o axioma — Quod tibi non no<br />

cet, et alteri pro<strong>de</strong>s?, ad id obligatus es. — E com ef<br />

feito se nós somos obrigados a beneficiar os outros á<br />

custa e com <strong>de</strong>trimento do que é nosso (a), muito mais<br />

º não <strong>de</strong>vemos prejudicão. ser, quando os beneficios, que fazemos, nos<br />

• • •<br />

Pertencem aos officios innoxiae utilitatis:<br />

1.° o <strong>de</strong><br />

aconselhar os outros: 2.° indicar o caminho ao viandante,<br />

que vai errado: 3.° permittir, que outrem accenda da<br />

nossa a sua luz: 4.° permittir que outrem apague a sê<strong>de</strong><br />

na nossa fonte, ou se refresque á sombra da nossa arvore:<br />

5.° respon<strong>de</strong>r urbanamente a quem nos saúda ou fal<br />

(º $ 357 e 364 |


•<br />

•<br />

( 186 )<br />

la. Tambem se contão entre os officios innoxiae utilitaris:<br />

6." o dar alguma cousa daquellas, <strong>de</strong> que temos tal<br />

abundancia, que o que damos, não nos causa <strong>de</strong>trimento<br />

sensivel: não <strong>de</strong>ssemos, 7." o dar etc. aquelas (a). cousas, que perecerião, se as<br />

O Sr. Fortuna é <strong>de</strong> opinião, que <strong>de</strong>vemos cumprir<br />

os <strong>de</strong>veres innoriae utilitatis não só para com os inimigos,<br />

que nos aborrecem [inimici] (b), mas para com os inimi<br />

gos, que nos fazem a guerra [hostes] (c). Pelo# tocá<br />

aos primeiros, pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir-se esta obrigação da outra<br />

<strong>de</strong> os amar (d). * . * ><br />

Com relação aos <strong>segundo</strong>s, enten<strong>de</strong>mos, que é ra<br />

zão exceptuar o caso, em que pelo cumprimento dos of<br />

ficios innoxiae utilitatis nós formos accrescentar as suas<br />

forças, e habilital-os para nos fazerem a guerra; por<br />

que similhante obrigação a par do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violen<br />

cia, que temos contra elles (e), são cousas, que entre<br />

si não dizem bem. Devemos porém prestar-lhes todos<br />

os outros, com o cumprimento dos quaes não peora<br />

mos <strong>de</strong> situação, nem melhoramos a condição bellige<br />

rante dos nossos inimigos (f). Por isso cumprio um <strong>de</strong><br />

ver o Marechal Gérard, quando no cerco da cida<strong>de</strong>lla<br />

d'Antuerpia mandou uma botica ao General Chasses, por<br />

terem as bombas <strong>de</strong>struido a dos cercados; visto que era<br />

força, que a cida<strong>de</strong>lla se ren<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>ntro em poucos<br />

tempo<br />

dias. A<br />

a<br />

botica<br />

força dos<br />

salvava<br />

cercados.<br />

muitas vidas, e não augmentava a<br />

$ 368.<br />

Com quanto não possa haver conflicto entre o amor<br />

<strong>de</strong> nós e dos outros, todavia a beneficencia tem limites,<br />

e muitas vezes necessitão dos nossos beneficios mais indi<br />

viduos, do que nós po<strong>de</strong>mos beneficiar. Neste conflicto<br />

, como <strong>de</strong>vemos fazer a excepção, i. é, quaes <strong>de</strong>vemos<br />

preferir? Devemos preferir sempre a obrigação maior á<br />

—<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. C. 12. S. 332 e 333.<br />

(b) S. 563. {<br />

(e) S. 159.<br />

(d) S. 363,<br />

(e) S. 158 e 159.<br />

(f) . Sr. Fortuna L. 1, C. 12. S 334.


•<br />

•<br />

(187 )<br />

menor: e visto como, além dos vinculos da humanida<br />

<strong>de</strong>, outros nos po<strong>de</strong>m ainda ligar aos nossos similhantes,<br />

v. g., os do sangue, da gratidão e da amiza<strong>de</strong>; estes vin<br />

culos reforção e augmentão a nossa obrigação; por on<strong>de</strong> é<br />

razão que prefiramos esta obrigação composta á simples.<br />

Justificadas por estes principios estabelece Martini<br />

duas proposições relativas ao exercicio da beneficencia:<br />

1.º que o benefico não <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>sprezar-se a si, i. é,<br />

que na collisão entre os officios para com nosco e os <strong>de</strong><br />

beneficencia, caeteris paribus, <strong>de</strong>vem preferir aquelles,<br />

pela regra <strong>de</strong> que — a carida<strong>de</strong> principia por nós;— 2.°<br />

que no conflicto entre diversas pessoas <strong>de</strong>vemos preferir<br />

aquella, ou aquellas, que nos forem mais ligadas. E para<br />

fazermos esta escolha com acerto, importa ter em vista<br />

as cios regras <strong>de</strong>vemos seguintes, ser justos. pois até na distribuição dos benefi<br />

, , 1.° Preferir os parentes aos estranhos:<br />

2." Entre os parentes preferir os mais proximos aos<br />

mais remotos; porque a força da obrigação não provém<br />

só do numero dos motivos, senão tambem da sua força<br />

e intensida<strong>de</strong>: - -<br />

3." Entre os estranhos preferir os bem feitores.<br />

4." Entre os bem feitores preferir aquelles, a quem<br />

<strong>de</strong>vemos maiores beneficios.<br />

5." Não havendo bem feitores, entre os estranhos<br />

preferir os amigos aos que o não são. -<br />

sempre 6." osEm quecircumstancias mais necessitão. iguaes <strong>de</strong>vemos preferir<br />

7.° Regular os nossos beneficios <strong>de</strong> modo que soc<br />

corramos o maior numero <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>s, que nos for<br />

possivel, não esgottando a fonte da generosida<strong>de</strong> com uns,<br />

para po<strong>de</strong>rmos acudir a outras necessida<strong>de</strong>s talvez maio<br />

res (a).<br />

Somos finalmente dispensados da beneficencia para<br />

com aquellas pessoas, que tem as forças necessarias para<br />

conseguirem o fim, que se propõem, e que não tem ne<br />

cessida<strong>de</strong> dos nossos beneficios; porque só serviráõ para<br />

lhes promover o ocio, que é prohibido pela Lei Natural<br />

(b),<br />

ºs nossos<br />

e <strong>de</strong>ixariamos<br />

soccorros.<br />

<strong>de</strong> beneficiar a outros, que hão mister<br />

•<br />

+• (a) Cicero De Officiis.<br />

(*) S. 338, .


(188)<br />

§. 369. … " # -* * -*<br />

É verda<strong>de</strong>iro o antigo adagio — invito non datur<br />

Beneficium — i. é, que a beneficencia não <strong>de</strong>ve ser feita<br />

á força e contra vonta<strong>de</strong> do beneficiado; porque se este<br />

rejeita os nossos bens, é porque os não julga taes para si<br />

Os interesses da vida humana são tão variados e diversos,<br />

que não é raro, que aquillo, que é bem para uns, para<br />

outros não só não seja bem, senão ainda seja um mal;<br />

o verda<strong>de</strong>iro juiz pois do que convém a qualquer pessoa,<br />

é essa pessoa , e no conflicto da nossa opinião e da sua a<br />

este proposito a d’elle <strong>de</strong>ve certo prevalecer. Demais o<br />

beneficio feito por força parece mais um documento<br />

d'odio, do que d'amor para com o beneficiado; <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

ser filho da benevolencia, e per<strong>de</strong> a natureza <strong>de</strong> benefi<br />

cio; será tudo, menos um acto <strong>de</strong> pura beneficencia.<br />

Casos po<strong>de</strong>m occorrer, diz Martini, em que não seja<br />

applicavel aquella regra, e em que por força <strong>de</strong>vemos<br />

ser beneficos, v. g., para evitar que qualquer se enfor<br />

que. Verda<strong>de</strong>iramente po<strong>de</strong>mos empregar a força para<br />

conferir um beneficio, quando temos evi<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> que<br />

na realida<strong>de</strong> o é, e que o beneficiando o ha mister com<br />

tal urgencia, que a sua repulsa mostra, que ele se acha<br />

fóra do uso da razão, ou arrastado por alguma paixão<br />

violenta e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada, sem po<strong>de</strong>r conhecer o que lhe<br />

convém ; porque a sua resistencia nestes casos não é li<br />

vre, e só prova o seu infeliz <strong>estad</strong>o. Devemos porém ter<br />

cautela em que o uso da força, que empregamos, não vá<br />

causar ao beneficiado maior mal, do que aquelle, que<br />

preten<strong>de</strong>mos evitar, ou um mal tal, que, comparado<br />

com elle, fique a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o bem, com que o be<br />

neficiamos. O beneficio seria <strong>de</strong> perda para o beneficia<br />

ter do; emnão vista seria o conselho beneficio, d'Ovidio: seria maleficio. Devemos pois<br />

•<br />

Tantum nenoceas, dum vis pro<strong>de</strong>sse, vi<strong>de</strong>to.<br />

§. 370.<br />

Diz-se gratidão ou animo grato o amor para com os<br />

bemfeitores. Este amor do agra<strong>de</strong>cido é maior, do que º<br />

amor simples para com os outros: porque o produzenº


(* 1892),<br />

duplicados principios — a humanida<strong>de</strong>, e os bénefi<br />

, cios recebidos.— Por isso <strong>de</strong>vemos ser gratos; porque,<br />

se <strong>de</strong>vemos amar a todos os homens, tambem <strong>de</strong>vemos<br />

ter o amor da gratidão para com os auctores da nossa fe<br />

licida<strong>de</strong>. A maior obrigação exige um amor mais fino, e<br />

manif<strong>estad</strong>o por todos os meios ao nosso alcance, retri<br />

buindo pelos nossos bens, obras e palavras os beneficios<br />

recebidos. E quando o não possamos fazer, ao menos<br />

<strong>de</strong>vemos ter viva memoria <strong>de</strong>lles, e um coração disposto<br />

para os confessar em toda a parte, e para aproveitar a<br />

Primeira occasião <strong>de</strong> os remunerar. #<br />

+ • • … $.37r.<br />

Ingratidão consiste no odio, ou pelo menos na falta<br />

d'amor para com os bemfeitores. Divi<strong>de</strong>-se em negativa<br />

ou simples, que tem lugar, quando não remuneramos<br />

com beneficios os beneficios recebidos; e positiva, atroz,<br />

ou pregnante, quando pagamos os beneficios com ma<br />

leficios. O vicio da ingratidão é mais feio, do que o da<br />

<strong>de</strong>shumanida<strong>de</strong>. O ingrato é peor, do que as féras, e<br />

quebra duplicados vinculos, em quanto o <strong>de</strong>shumano só<br />

<strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser homem. Será porém tanto maior a ingrati<br />

recebeo. dão, quanto maiores forem os beneficios, que o ingrato<br />

•<br />

Aquelles bens, que dissemos (a) não entravão na<br />

esfera da beneficencia, não exigem da parte <strong>de</strong> quem os<br />

recebeo um animo grato. Aquelle, que os fez, não foi<br />

benefico. -<br />

e º , S. 372.<br />

Os <strong>de</strong>veres imperfeitos, <strong>de</strong> que temos tractado, º<br />

que tem por objecto o amor, amiza<strong>de</strong>, benevolencia,<br />

beneficencia, gratidão, etc., com quanto impostos pela<br />

Lei Natural, com tudo não po<strong>de</strong>m ser exigidos pela<br />

força: 1-" porque a beneficencia <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> o ser, logo<br />

que fosse extorquida, visto que é da sua essencia o ser<br />

filha primogenita da benevolencia: 2.° porque, po<strong>de</strong>ndo<br />

sómente cumprir-se estes <strong>de</strong>veres por actos positivos,<br />

(a) S. 364.


( 198 );" |<br />

que careeem doecasião, po<strong>de</strong>ria qualquer ser violentado<br />

a mais, do que permittem suas forças: 3.° porque se <strong>de</strong>s<br />

truiria a liberda<strong>de</strong>, que todo o homem tem, d'obrar sé»<br />

gundo lhe apraz. • •<br />

$. 373.<br />

O que não obstante, nem por isso se pó<strong>de</strong> dizer<br />

váa a obrigação <strong>de</strong> prestar os officios imperfeitos. Por<br />

que muitos e graves motivos fundamétitão similhante<br />

obrigação, e convencem o homem da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> a<br />

cumprir: 1." porque, não o fazendo, per<strong>de</strong> a boa repu<br />

tação e <strong>de</strong>safia o odio dos outros; e por isso corre o<br />

risco d'elles per<strong>de</strong>rem a disposição <strong>de</strong> o ajudarem, e lhe<br />

pagarem na mesma moeda: 2." sujeita-se a soffrer, além<br />

das penas <strong>de</strong>sta vida, as da vida futura (a). Além d’isto<br />

estes <strong>de</strong>veres, em quanto consistem em actos externos,<br />

po<strong>de</strong>m ser corroborados: 1." pelo imperio do superior<br />

(b): 2." por uma necessida<strong>de</strong> mais urgente, que no con<br />

flicto com os officios erga nos nos obrigue a cumpril-os<br />

(c): 3.° por algum facto novo, v. g., um contracto, ve<br />

rificando-se imperfeitos em <strong>de</strong>sta perfeitos. arte a metamorphose <strong>de</strong>stes officios <strong>de</strong><br />

|- •<br />

Reconhecemos, que rigorosamente os officios im<br />

perfeitos só pertencem á Moral, porque são <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<br />

tes da consciencia e da boa vonta<strong>de</strong>; a força não os pó<strong>de</strong><br />

extorquir. Já nos explicámos assás a este proposito (d).<br />

… E verda<strong>de</strong>, que se pó<strong>de</strong> fazer a sua transformação<br />

d'imperfeitos em perfeitos. Porém o imperio não se veri<br />

fica entre os homens, consi<strong>de</strong>rados <strong>natural</strong>mente (e), e o<br />

facto, v. g., o pacto transportaria esta doutrina dos offi<br />

cios imperfeitos para a materia das convenções. Elles não<br />

serião absolutos. Finalmente a maior necessida<strong>de</strong> por<br />

occasião da collisão tambem os não pó<strong>de</strong> arrancar á esfera:<br />

da Moral; porque sempre ficão <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da conscien<br />

cia e boa vonta<strong>de</strong> do homem.<br />

fa} S. 131,<br />

(b) S. 342.<br />

(c) S. 362.<br />

(d) S. 534.<br />

(*) S. 34a.<br />

« F* * *__*


( 19 )<br />

Apesar distº, como entre os fins racionáes do ho<br />

mem se conta tambem o moral, para conseguir o qual o<br />

Direito <strong>de</strong>ve subministrar as condições; como a sua dou<br />

trina é importante; e como finalmente sem o conheci<br />

mento da materia <strong>de</strong>stes officios muito difficilmente po<strong>de</strong><br />

riamos comprehen<strong>de</strong>r as materias posteriores, que Martini<br />

ligau entre si, e tornou <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>sta; pareceo-nos<br />

conveniente, tulo. e ainda necessaria, a exposição <strong>de</strong>ste Capi<br />

•<br />

| =><br />

* . . * CAP. XI. * - -<br />

| … Dos oFFrcIos ABsolutos PERFEITos, ou DA susraçA<br />

*<br />

TOMADA NO SENTIDO STRICTO,<br />

| •<br />

Ji se vê, que vamos tractar dos officios, que consistem<br />

in non faciendo, e que se <strong>de</strong>duzem do seu <strong>de</strong> qualquer.<br />

Os <strong>de</strong>veres naturaes perfeitos são relativos aos <strong>direito</strong>s<br />

perfeitos, que são acompanhados do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção,<br />

Pelo qual quem goza <strong>de</strong>stes <strong>direito</strong>s, pó<strong>de</strong> compellir<br />

aquelle, sobre o qual pesão os <strong>de</strong>veres perfeitos, a cum<br />

pril os (a).<br />

Martini chama-lhes absolutos, porque se fundão no<br />

titulo geral da natureza humana (5). Outros <strong>de</strong>veres ou<br />

ºficios perfeitos ha, que são hypotheticos, e <strong>de</strong> que fal<br />

laremos a seu tempo. • "<br />

Emprega tambem como synonymos— officios per<br />

feitos, e justiça no sentido stricto; — porque neste senti<br />

do Martini chama justo a tudo o que é confórme a estes<br />

officios (c). º<br />

Bentham chama á materia <strong>de</strong>stes officios benevolen4<br />

eia efectiva negativa (d). - -<br />

Depois <strong>de</strong> tractarmos dos officios imperfeitos, com<br />

razão tractamos agora dos perfeitos, porque o dominiº<br />

da equida<strong>de</strong> é limitrofe do da justiça. Não que uma seja<br />

| s#= • 4-<br />

——á-<br />

(a) S. 156.<br />

(b) S. 136.<br />

(c) §. 162. •<br />

(*) Déontologie P. 1. C. 13.


(192 )<br />

companheira inseparavel da outra; mas porque ambas<br />

servem <strong>de</strong> fundamento á socieda<strong>de</strong>, para que a Natureza<br />

<strong>de</strong>stinou os homens. Não basta fazer bem, é mister não<br />

fazer mal. Se pela beneficencia positivamente concorre<br />

mos para a felicida<strong>de</strong> da humanida<strong>de</strong>, pela justiça con<br />

corremos negativamente. Equida<strong>de</strong> e Justiça; eis os dous<br />

pólos, gislaçãosobre Natural. que <strong>de</strong>scança e gyra toda a maquina da Le<br />

- • •<br />

•• ---- $<br />

374.<br />

Já dissemos, * CI que o axioma, 3 d’on<strong>de</strong> se ppodião <strong>de</strong>du<br />

zir todas nossas obrigações <strong>de</strong> justiça, ou perfeitas, era<br />

—Não faças a outrem o que não queres que te fação—<br />

{ , i. é, que <strong>de</strong>vemos não lesar (b) ou injuriar com pa<br />

avras (c) aos outros, e que nos <strong>de</strong>vemos abster do alheio,<br />

<strong>de</strong>ixando a cada um o que for seu. Para provar ésta obri<br />

gaç㺠em geral produz Martini varias razões: … . * * * * *<br />

aº 1.° Porque se temos obrigação <strong>de</strong> beneficiar aos on<br />

tros, por maioria <strong>de</strong> razão <strong>de</strong>vemos ser justos; porque<br />

custa menos a justiça, do que a beneficencia. Para ser<br />

mos justos, nada gastamos do que é nosso, nem ainda<br />

havemos mister o trabalho <strong>de</strong> praticar uma acção. -<br />

c; a." Deduzida dos estimulos; argumento, que não<br />

admittimos; porque só reconhecemos como principio<br />

cognostitivo subjectivo do Direito Natural a intelligencia<br />

do homem. 4.<br />

- 3." Porque a razão conhece, que a justiça é necessa<br />

ria para se conseguirem os fins, que teve em vista o Crea<br />

dor.—Fiat justitia, ne pereat mundus.—O mundo social<br />

na verda<strong>de</strong>, como o creou a Natureza, só a justiça o pó<strong>de</strong><br />

preservar da sua ruina (d); sem ella não po<strong>de</strong>ria haver<br />

tranquillida<strong>de</strong>, e até seria impossivel a união <strong>de</strong> duas<br />

pessoas, que accreditassem permittido o serem injustas<br />

uma para com a outra. *- +<br />

, 4." . Porque a injustiça acarreta sobre o injusto os<br />

consectarios do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, que ha <strong>de</strong> empregar<br />

(a) S. 157.<br />

(b) S. 146, •<br />

(c) S. 147. •<br />

(4) Ahreas Cours <strong>de</strong> Droit Vat. Part, Gén. C. 1.S. 2.


( 193)<br />

o lesado, ou para <strong>de</strong>sviar a lesão, ou para forçar o in<br />

justo á in<strong>de</strong>mnização do damno causado. .<br />

Este conhecimento <strong>de</strong>ve ser um freio para o homem,<br />

contra as lesões. O homem <strong>de</strong>ve temer não só os effeitos.<br />

do <strong>direito</strong> do lesado, senão ainda os da sua vingança;<br />

pois ainda que esta não é permittida por Direito Natu<br />

ral, não se <strong>de</strong>ve menos temer da parte d'um adversario,<br />

que talvez não saiba conter o seu resentimento (a).<br />

.." E raro que se inflija um mal qualquer, sem que<br />

haja reacção da parte d'aquelle, que é victima. Nenhum<br />

homem pó<strong>de</strong> aborrecer a outro, sem <strong>de</strong>safiar contra si<br />

alguma porção da sua raiva. Não pó<strong>de</strong> obrar contra ou<br />

trem d'uma maneira hostil, sem per<strong>de</strong>r alguma cousa das<br />

suas affecções amigaveis. Toda a voz, ou seja benevola,<br />

ou seja malevola, tem um écho; ha uma vibração, que<br />

respon<strong>de</strong> a todo o acto, bom ou mão (b).»<br />

Mas, pó<strong>de</strong> dizer-se, o amor <strong>de</strong> nós é o primeiro<br />

motor das acções do homem; assim o <strong>de</strong>monstrou muito<br />

bem La Rochefoucauld. Por on<strong>de</strong> é facil <strong>de</strong> ver, que o<br />

homem tudo refere a si, e <strong>natural</strong>mente procura a sua<br />

felicida<strong>de</strong>, ainda á custa da <strong>de</strong> seu similhante. Os <strong>de</strong>veres<br />

pois <strong>de</strong> justiça estão em contradicção com o primeiro e<br />

mais po<strong>de</strong>roso sentimento, <strong>de</strong> que a natureza dotou o ho:<br />

IllCIIl, |-<br />

Nós já reconhecemos a existencia <strong>de</strong>ste amor, e o<br />

seu gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (c); porém dissemos, que no homem não<br />

era um sentimento puramente instinctivo, mas sim diri<br />

gido pela nobre faculda<strong>de</strong> da razão. Sendo pois um senti<br />

mento racional, não pó<strong>de</strong> em geral produzir o egoismo,<br />

que consiste no <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> tudo attrahir a si, sem se inquie<br />

tar com o <strong>direito</strong> d'outrem. O egoismo é antes o <strong>de</strong>sar<br />

ranjo do amor <strong>de</strong> nós, ou o amor proprio em <strong>de</strong>sacordo<br />

com a razão, a qual <strong>de</strong>ve sempre dirigi-o."<br />

O homem <strong>de</strong>ve conhecer, que em faculda<strong>de</strong>s fysi<br />

Cas e moraes não exce<strong>de</strong> aos seus similhantes, como aos<br />

brutos, e que por mais forte que seja individualmente,<br />

º sempre fraco relativamente; porque dous, ou muitos<br />

· Rousseau Disconrs sur les fon<strong>de</strong>ments <strong>de</strong> l'inégalité parini les<br />

Om/77 es.<br />

(b) Bentham Déontologie P. 1. C. 13.<br />

(e) S. 329. •<br />

+ 13


( fg4 )<br />

hómens se po<strong>de</strong>m reunir e opprimi-º por um attaque colº<br />

lectivo, e ainda um só individuo mais fraco o pó<strong>de</strong> veri<br />

cer por surpresa ou por astucia. A razão pois enfreia o<br />

amor proprio, bradando ao homem:—Se attacas o teu<br />

visinho, ou este é mais forte, e te epprimirá; ou, se é mais<br />

fraco e ficar vencido, voltará ámanhãa com seus pa<br />

rentes e amigos, e te fará succumbir ; daqui nasceráó<br />

guerras interminaveis, e a tua vida e os teus bens esta<br />

rão constantemente ameaçados e em perigo. Pelo con<br />

trario se tu respeitares a sua pessoa e bens, o seu inte<br />

resse bem entendido o ensinará a respeitar tambem a tua<br />

pessoa e os teus bens—(a). • -<br />

Se o homem pe<strong>de</strong>sse viver solitario, po<strong>de</strong>ria ce<strong>de</strong>r<br />

a todas as insinuações do amor proprio; porém a neces<br />

sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> eonviver com os outros o fórça a tornar em con<br />

si<strong>de</strong>ração as ten<strong>de</strong>ncias do sentimento da sociabilida<strong>de</strong>.<br />

Assim estes dous sentimentos mutuamente se corrigem,<br />

e por entre elles surge triunfante a justiça. Pelo amor<br />

<strong>de</strong> si o homem procura a sua felicida<strong>de</strong>, pelo sentimento<br />

da sociabilida<strong>de</strong> procura a convivencia. Pelo primeiro<br />

não se abandona aos cuidados alheios, pelo <strong>segundo</strong> não<br />

se entrega aos excessos do egoismo. A razão combina<br />

estes dous sentimentos <strong>de</strong> modo, que o amor <strong>de</strong> nós, mo<br />

dificado pelo sentimento da sociabilida<strong>de</strong>, é o mais po<strong>de</strong><br />

FOSO meio, que a natureza podia empregar para assegu<br />

rar a felicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um e <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong>; por<br />

que trabalhando cada um dos niembros da socieda<strong>de</strong><br />

particularmente pela conservação do seu bem, o corpo<br />

social fica seguro em cada uma das suas partes, e no todo<br />

solidamente estabelecido. -<br />

$. 375.<br />

Entre os <strong>de</strong>veres perfeitos põe em primeiro lugar<br />

Martini o <strong>de</strong> não violarmos es <strong>direito</strong>s conhatos d'igual<br />

da<strong>de</strong> e liberda<strong>de</strong> dos outros. Porque estes <strong>direito</strong>s entrão<br />

no seu <strong>de</strong> eada um (b), e a sua violação seria uma le<br />

são (e): lesão, que acabámos <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar ser prohi<br />

bida pelas Leis Naturaes perfeitas (d). - - - - —<br />

(a) Rousseau loc, cit,<br />

fb.) S 144.<br />

(c) S. 147.<br />

(d) S. 574.


(195 )<br />

Martini <strong>de</strong>duz <strong>de</strong>sta doutrina os corollarios: 1.º que<br />

é injusto aquelle, que no <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> se arroga al<br />

gum po<strong>de</strong>r sobre as acções d'outrem (a); 2.° que é in<br />

justo o qué com arrogancia recebe e tracta aos outros,<br />

porque este vicio repugna ao amor e benevolencia, que<br />

lhes <strong>de</strong>vemos; 3." que é injusto finalmente aquelle, que<br />

oppõe usurpa, aoqualquer <strong>direito</strong> d'igualda<strong>de</strong> prerogativa(b). ou prece<strong>de</strong>ncia, que se<br />

• |- •<br />

Martini pela segunda vez proclama o gran<strong>de</strong> princi<br />

pio da liberda<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia <strong>natural</strong> do homem; e<br />

<strong>de</strong>clara como uma violação dos <strong>de</strong>veres perfeitos do<br />

homem o menor attentado contra este sagrado <strong>direito</strong>.<br />

Martini dá neste lugar um documento da sua illustração<br />

e philanthropia, <strong>de</strong>clarando injusto não só o usurpador<br />

da liberda<strong>de</strong> do homem, senão ainda aquelle, que por<br />

qualquer modo embaraça o seu exercicio, ou se attribue<br />

qualquer prerogativa ou prece<strong>de</strong>ncia (c).<br />

...… Com estes principios lança por terra toda a escravi<br />

dão. Não fallaremos do infame trafico da escravatura,<br />

que julgamos mais proprio do Direito das Gentes (d),<br />

nem tão pouco dos escravos dos Governos <strong>de</strong>spoticos, o<br />

que pertence ao Direito Politico; e só examinaremos a<br />

escravidão pelo Direito Natural. -<br />

Depois que Montesquieu e Rousseau provárão,<br />

ue a liberda<strong>de</strong> do homem era um <strong>direito</strong> inalienavel;<br />

# que o profundo metafysico Kant <strong>de</strong>monstrou,<br />

que a primeira lei pratica da razão era, que todo o ser<br />

razoavel é para si seu proprio fim, que em nenhuma si<br />

tuação <strong>de</strong>ve servir <strong>de</strong> meio á vonta<strong>de</strong> arbitraria d'outrem,<br />

e que por consequencia não pó<strong>de</strong> alienar sua liberda<strong>de</strong>,<br />

nem prejudicar á liberda<strong>de</strong> alheia (e), a questão da escra<br />

vidão ficou <strong>de</strong>cidida na republica das letras. , , …<br />

Por isso receando enfraquecer os principaes argu<br />

mentos, <strong>de</strong> que se servírão Montesquieu e Rousseau,<br />

sómente os verteremos em linguagem vulgar. Só escolhe<br />

remos os mais fortes. * ". |-<br />

+ • -<br />

(a) S. 16o.<br />

(b)<br />

(c)<br />

S. 138.<br />

S. 142.<br />

(d) Vejão-se os nóssos Elementos <strong>de</strong> Direito das Gentes Secç. 2.<br />

Art. 4. S. 38 e seg. * * * - -<br />

(e) Kant Principes Metaphysiques da Droit, Introduction.


( 196 )<br />

«Ninguem accreditaria jámais, que a escravidão fos<br />

se estabelecida por motivo <strong>de</strong> compaixão, e que para isso<br />

fosse consi<strong>de</strong>rada <strong>de</strong> tres modos. O Direito das Gentes<br />

quiz que os prisioneiros fossem escravos, para evitar que<br />

fossem mortos. O Direito Civil dos Romanos permittio aos<br />

<strong>de</strong>vedores, a quem seus crédores podião maltratar, o<br />

ven<strong>de</strong>rem-se a si mesmos. E o Direito Natural quiz que<br />

os filhos, que o pai escravo não podia alimentar, fossem<br />

escravos como seu pai. .<br />

« Estas razões dos JCtos não são sensatas. E falso<br />

que seja permittido na guerra o matar, afóra o caso <strong>de</strong><br />

necessida<strong>de</strong>: porém <strong>de</strong>pois que um homem fez a outro<br />

escravo, não se pó<strong>de</strong> dizer que tenha tido necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> o matar, visto que assim o não fez... |-<br />

«Não é verda<strong>de</strong>, que um homem livre se possa ven<br />

<strong>de</strong>r. A venda suppõe um preço; ven<strong>de</strong>ndo-se o homem<br />

como escravo, todos os seus bens entrão, na proprieda<strong>de</strong><br />

do senhor; o senhor pois nada daria, e o escravo nada<br />

receberia. . . . Se a liberda<strong>de</strong> tem um preço para quem a<br />

compra, fica sem preço para quem a ven<strong>de</strong> (a).<br />

«Dizer que um homem se dá gratuitamente, é dizer<br />

uma cousa absurda e incomprehensivel; um tal acto é<br />

ilegitimo e nullo, só porque aquelle, que o pratíca,<br />

mostra não ter o simples bom senso.... * #<br />

«Renunciar á liberda<strong>de</strong> é renunciar á sua qualida<strong>de</strong><br />

d'homem, aos <strong>direito</strong>s da humanida<strong>de</strong>, e até mesmo a<br />

seus <strong>de</strong>veres. Não ha in<strong>de</strong>mnização possivel para aquelle,<br />

que renuncía a tudo. Uma tal renuneia é incompativel<br />

com a natureza do homem; é tirar toda a moralida<strong>de</strong> a<br />

suas acções o tirar toda a liberda<strong>de</strong> á sua vonta<strong>de</strong> (b).<br />

« O terceiro modo é o nascimento. Este cáe com os<br />

outros dous. Pois, se um homem se não podia ven<strong>de</strong>r,<br />

muito menos pó<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r seu filho antes <strong>de</strong> nascido. Se<br />

um prisioneiro <strong>de</strong> guerra não pó<strong>de</strong> ser reduzido á escra<br />

vidão, muito menos seus filhos (c), , , |-<br />

« Quando cada um se po<strong>de</strong>sse alienar a si mesmo,<br />

não po<strong>de</strong>ria alienar seus filhos; elles nascem homens e<br />

(a) Montesquieu Esprit <strong>de</strong>s Lois L. 15. C. 2.<br />

(b) - Rousseau Contrat Social L. 1. C. 4. ' ' . .<br />

(c) Montesquieu loc. cit, r.<br />

—<br />

4. * * * *


•<br />

(197)<br />

livres; a sua liberda<strong>de</strong> lhes pertence, ninguem tem direi<br />

to <strong>de</strong> dispôr <strong>de</strong>lla senão elles. Antes que toquem a ida<strong>de</strong><br />

da razão pó<strong>de</strong> seu pai, em nome <strong>de</strong>lles, estipular con<br />

dições para a sua conservação, para o seu bem; mas não<br />

dal-os irrevogavelmente é sem condição: pois um tal<br />

dom é contrario ás leis da natureza, e exce<strong>de</strong> os <strong>direito</strong>s<br />

da paternida<strong>de</strong> (a).<br />

« Aristoteles (b) disse, que os homens não são na<br />

turalmente iguaes, mas que uns nascião para a escravi<br />

dão, e outros para a dominação. Aristoteles tinha ra<br />

zão, mas tomava o effeito pela causa. Todo o homem<br />

nascido na escravidão, nasce para a escravidão; nada ha<br />

mais certo. Os escravos per<strong>de</strong>m tudo em seus ferros, e<br />

até o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sair d'elles. Amão sua servidão, como os<br />

companheiros d'Ulysses amavão a sua condição d’embru<br />

tecidos. Se ha pois escravos por natureza, é porque tem<br />

havido escravos contra a natureza. A força fez os primei<br />

ros escravos; sua cobardia os tem perpetuado (e). »<br />

Se todos os homens nascem livres; se a conservação<br />

da vida é a condição tacita, com que os prisioneiros se<br />

entregãº, não se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir a origem da escravatura<br />

nem do nascimento, nem da guerra. A alienação da li<br />

berda<strong>de</strong> propria e dos filhos é nulla. Que outro princi<br />

pio po<strong>de</strong>rá procurar-se para justificar a escravidão ? A<br />

força ? •<br />

« Porém a força é um po<strong>de</strong>r fysico; eu não vejo que<br />

moralida<strong>de</strong> pó<strong>de</strong> resultar <strong>de</strong> seus effeitos. Ce<strong>de</strong>r á força<br />

é um acto <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>; quando mui<br />

to, é um acto <strong>de</strong> Pru<strong>de</strong>ncia. Em que sentido po<strong>de</strong>rá ser<br />

um <strong>de</strong>ver? .<br />

« Supponhamos por um momente o pretendido di<br />

reito da força. Eu digo, que <strong>de</strong>lle não resulta mais do<br />

que uma inexplicavel confusão <strong>de</strong> palavras; pois logo que<br />

a força faz <strong>direito</strong>, o effeito muda com a causa: toda a<br />

força, que vence a primeira, succe<strong>de</strong> em seu <strong>direito</strong>.<br />

Logo que se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cer impunemente, pó<strong>de</strong>-se<br />

legitimamente; e, visto como o mais forte tem sempre<br />

razão, não se cuidará senão em ser mais forte. Ora que é<br />

(a) Rousseau los. cit. =><br />

(b) Politic. L. T. C. 5. •<br />

(c) Rousseau loc, cit. C. 2. :


- -<br />

•<br />

-<br />

(198 )<br />

um <strong>direito</strong>, que morre, quando a força cessa? Se é ne<br />

«essario obe<strong>de</strong>cer por força, não ha necessida<strong>de</strong> d'obe<br />

<strong>de</strong>cer por <strong>de</strong>ver....<br />

«Obe<strong>de</strong>cei aos po<strong>de</strong>res. Se isto quer dizer—ce<strong>de</strong>i á<br />

força, o preceito é bom, mas superfluo; eu afianço, que<br />

nunca será violado.... Por ventura, quando um saltea<br />

dor me surpren<strong>de</strong>, não só é necessario por força dar-lhe<br />

a bolsa, senão ainda, quando eu possa subtrahir-lha,<br />

sou obrigado em consciencia a dar-lh'a ? Por quanto a<br />

pistola, que elle tem na mão, tambem é um po<strong>de</strong>r.<br />

« Concor<strong>de</strong>mos pois, que a força não faz <strong>direito</strong>; e<br />

que não temos obrigação <strong>de</strong> obe<strong>de</strong>cer, senão aos po<strong>de</strong><br />

res legitimos . . . (a).<br />

Por tanto nem o nascimento, nem a guerra, nem a<br />

alienação, nem a força po<strong>de</strong>m justificar a escravidão. O<br />

Direito humana. Natural não legitima esta <strong>de</strong>gradação da especie<br />

•<br />

§ 376.<br />

Continúa Martini a referir outros <strong>de</strong>veres perfeitos,<br />

relativos aos bens do animo, do corpo e do <strong>estad</strong>o exter<br />

no dos nossos similhantes. Estes bens todos entrão no<br />

seu <strong>de</strong> qualquer, e po<strong>de</strong>m ser objecto <strong>de</strong> lesão, que <strong>de</strong><br />

vemos evitar. Quanto ao <strong>estad</strong>o interno: •<br />

1.° Que não <strong>de</strong>vemos induzir outrem a erro, prin<br />

cipalmente com relação ao conhecimento do honesto e<br />

sigo, do torpe, e para i. com é, dos outros <strong>de</strong>veres(b).<br />

para com Deos, para com<br />

2. Que não <strong>de</strong>vemos corromper a vonta<strong>de</strong> e costu<br />

mes d'outrem; <strong>de</strong>sviando-lhe a vonta<strong>de</strong> da sua ten<strong>de</strong>ncia<br />

<strong>natural</strong> para querer o bem e fugir do mal, e inclinam =<br />

do-a para os vicios e transgressões da Lei Natural.<br />

3." Que não <strong>de</strong>vemos seduzir a outrem por palavras,<br />

factos ou exemplo. #-<br />

4." Que não <strong>de</strong>vemos commetter homicidio, nem<br />

doloso, nem culposo. º º<br />

5." Que não <strong>de</strong>vemos attentar contra a saú<strong>de</strong> dos<br />

outros, nem feril-os, nem mutilar seus membros, ou<br />

causar-lhes outros males similhantes. -<br />

(a) Rousseau Contrat Social L. I. C. 3.<br />

(b) S. 161. •


•<br />

(199 )<br />

6." Que não <strong>de</strong>vemos por dólo ou força attentar<br />

contra a sua pu<strong>de</strong>cicia.<br />

Destes <strong>de</strong>veres os tres primeiros são relativos ás le<br />

sões dos bens do espirito, os tres ultimos ás lesões dos<br />

bens do corpo. E como o primeiro <strong>de</strong>ver é relativo ao<br />

entendimento e o <strong>segundo</strong> á vonta<strong>de</strong>, comprehen<strong>de</strong> Mar<br />

tini todas as faculda<strong>de</strong>s da alma; porque ás faculda<strong>de</strong>s<br />

in cognoscendo chama entendimento, e a todas in appe<br />

tendo chama vonta<strong>de</strong>.<br />

S. 377,<br />

Quanto aos <strong>de</strong>veres perfeitos relativos ao <strong>estad</strong>o<br />

externo dos outros, a que pertencem os bens, ou cousas<br />

externas, que são uteis á vida, e principalmente a boa<br />

reputação, é razão: 1.° que não tiremos a outrem os<br />

seus bens; porque fariamos lesão, e faltariamos aos nos<br />

sos <strong>de</strong>veres perfeitos (a): 2.º que não attaquemos a sua<br />

reputação e fama; pois já vimos a importancia <strong>de</strong>stes<br />

bens para a vida social (6), e <strong>de</strong>monstrámos que todo o<br />

attaque ao seu d'outrem era lesão (c).<br />

Destes principios <strong>de</strong>duz Martini, que são contra os<br />

nossos <strong>de</strong>veres perfeitos: 1." o vituperio e <strong>de</strong>sprezo (d);<br />

porque violamos a reputação dos outros, que antes são<br />

dignos <strong>de</strong> louvor e honra: 2.° as injurias no sentido stri<br />

cto, feitas por palavras, factos, ou escriptos. Já dissemos,<br />

que injuria em geral, ou no sentido amplo, era tudo o que<br />

se fazia contra <strong>direito</strong>, e offendia o seu d'outrem; era e<br />

mesmo que lesão;—quod non jure fit, injuria feridici<br />

tur– é regra <strong>de</strong> Direito (e): no sentido stricto porém<br />

injuria é a lesão da boa reputação e fama d'alguem, ou<br />

antes é tudo o que se diz, faz, ou escreve com o projecto<br />

<strong>de</strong> offen<strong>de</strong>r alguem na sua honra e boa reputação,<br />

A injuria, como indica Martini, divi<strong>de</strong>-se em ver<br />

bal, escripta, e real: a verbal diz-se toda a palavra, que<br />

ten<strong>de</strong> directa ou indirectamente a offen<strong>de</strong>r alguem ; a<br />

(a)<br />

(*)<br />

S. 374.<br />

S. 345 e 344.<br />

(c) S. 146.<br />

(d) S. 345.<br />

(*) S. 147., Engrclop. Méthod. Jurisp. v. Injure.


-<br />

(2oo )<br />

escripta é a que se faz por libellos famosos, satyras,<br />

pasquins, retratos, pinturas, ou gravuras, que po<strong>de</strong>m<br />

prejudicar a boa reputação d'alguem; finalmente a real<br />

é a que se commette por acções, com que se faz violen<br />

cia, ou maltrata a alguem (a). A injuria escripta é mais<br />

grave do que a verbal; a verbal com cedo se apaga, a<br />

escripta permanece; porisso disse com razão Horacio:<br />

Segnius irritant animos <strong>de</strong>missa per aurem,<br />

Quam quae sunt occulis subjecta fi<strong>de</strong>libus.....<br />

A real exce<strong>de</strong> a todas em gravida<strong>de</strong>; porque a of<br />

fensa da honra por factos geralmente se reputa mais<br />

qualificada, pois ajunta algum prejuizo causado na pes<br />

soa ou bens, -<br />

Tambem se divi<strong>de</strong> a injuria em simples, quando não<br />

é acompanhada <strong>de</strong> circumstancias aggravantes, e quali<br />

ficada ou atroz, a que é acompanhada <strong>de</strong> circumstancias<br />

aggravantes, relativas ás pessoas, ao lugar, ao modo,<br />

ao motivo, ao tempo, etc. (b).<br />

Não po<strong>de</strong>mos resistir ao <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> referir aqui uma<br />

lei dos Imperadores Theodosio, Arcadio e Honorio, por<br />

que lhes faz honra, como documento <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> e <strong>de</strong><br />

politica. Por esta lei mandárão, que seus officiaes não pu<br />

nissem aquelles, que fallassem contra o Imperador —<br />

quoniam, diz a lei, si ex levitate, contemnendum, si exe<br />

insania, miseratione dignissimum; si ab injuria, remit<br />

tendum. * * * * * •<br />

Martini observa por fim, que com quanto o homem<br />

não seja obrigado a respeitar mais do que a boa reputa<br />

ção simples, que, por oriunda da natureza, se presume<br />

em todos os homens (c); com tudo o offen<strong>de</strong>r a alguem<br />

na sua reputação adquirida é sem dúvida uma lesão do<br />

seu adquirido, e por isso uma violação dos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong><br />

justiça. |-<br />

", "r §. 378.<br />

* A verda<strong>de</strong> do convicio, diz Martini, não exime do<br />

animo <strong>de</strong> injuriar, quando é com o projecto d'offen<strong>de</strong>r<br />

a alguem na sua honra e boa reputação, excepto se é <strong>de</strong><br />

(a) Encyclop, loc. cit.<br />

(b) I<strong>de</strong>u.<br />

(c) S. 169.<br />

º


*<br />

(2o1 )<br />

pessoa, que usa do <strong>direito</strong> d'imputar nos termos, que já<br />

dissemos (a). •<br />

* * * *<br />

Na verda<strong>de</strong> é menor injuria o exprobrar a outrem as<br />

imperfeições e vicios, que ele adquirio, do que os que<br />

não tem. Porém bastaria a falta <strong>de</strong> <strong>direito</strong> d'imputar<br />

para tornar illicitas as injurias, com quanto o seu objecto<br />

seja verda<strong>de</strong>iro, e para não <strong>de</strong>verem ser toleradas em<br />

beneficio da paz, que <strong>de</strong>ve haver entre todos os homens,<br />

ediz que Ahrens ellas constantemente (b): perturbão. Porisso com razão<br />

• +<br />

… " O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> comprehen<strong>de</strong> ao mesmo<br />

tempo o <strong>direito</strong> ao respeito da dignida<strong>de</strong> e da honra<br />

inherentes ao homem por causa da sua natureza racional<br />

e moral. E verda<strong>de</strong> que o homem, que obra contra as<br />

leis da razão e da moral, não pó<strong>de</strong> neste caso aspirar<br />

ao respeito da parte dos outros: porém esta perda <strong>de</strong><br />

respeito e da honra nunca pó<strong>de</strong> nem <strong>de</strong>ve ser completa;<br />

não só porque não ha homem totalmente immoral, se<br />

não tambem porque o homem é sempre capaz <strong>de</strong> corri<br />

gir seu procedimento; e a perda <strong>de</strong> toda a estima lhe tor<br />

maria impossivel sua refórma para um melhor procedi<br />

mento, tirando-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver entre os seus<br />

similhantes. As leis não <strong>de</strong>vem permittir, que se persi<br />

ga com injurias publicas os homens, que por seus actos<br />

se hão privado do respeito <strong>de</strong> seus similhantes. Se estes<br />

actos são contrarios ás leis, o homem <strong>de</strong>ve ser punido;<br />

porém, <strong>de</strong>pois do castigo, <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rado como<br />

reintegrado no seu <strong>direito</strong> ao respeito publico.<br />

« Quando os actos não são dignos <strong>de</strong> castigo segun<br />

do a lei juridica, ainda que sejão immoraes, cada um<br />

pó<strong>de</strong> sempre reclamar o <strong>direito</strong> á estima publica. Em<br />

qualquer caso todo o homem pó<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r, que se<br />

respeite n'elle a natureza humana, que nunca se per<strong>de</strong><br />

inteiramente. º<br />

º "Os vituperios falsos, diz Martini, e as calumnias<br />

augmentão a quantida<strong>de</strong> da lesão, i. é, são lesões mais<br />

graves, do que as injurias verda<strong>de</strong>iras; porque á lesão da<br />

honra accresce a falsida<strong>de</strong> e a mentira. { 1.<br />

Em geral, calumniador diz-se aquelle, que fere a<br />

*T (a) S. 176.<br />

(b) Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part Spéc. C. 1.


( ao? )<br />

Honra, e a reputação <strong>de</strong> qualquer com mentiras e falsas<br />

imputações. Estas especies <strong>de</strong> mentiras chamão-se ed<br />

lumnias. -<br />

No sentido dos JCtos enten<strong>de</strong>-se tambem por ca<br />

lumnia a acção daquelle, que diante d'um tribunal en<br />

carregado <strong>de</strong> punir os crimes accusa um innocente d'um<br />

•<br />

crime, ou <strong>de</strong>licto, que elle não commetteo.<br />

Tambem dizem calumnia uma acção intentada por<br />

quem sabe que não tem <strong>direito</strong> para isso. Assim, se<br />

chama juramento <strong>de</strong> calumnia o que presta o auctor, do<br />

que está persuadido que tem justiça em sua acção, ou<br />

accusaçao. * * * * * *<br />

Entre as calumnias, diz Martini, as mais graves são<br />

as criminações vagas, pelas quaes o calumniador offen<strong>de</strong><br />

a reputação alheia, attribuindo a alguem vicios geral e<br />

in<strong>de</strong>finidamente; pois ainda que sómente po<strong>de</strong>m ser im<br />

putaveis as acções singulares (a), e se <strong>de</strong>vão ter por fal<br />

sos similhantes convicios, com tudo ao assim infamado<br />

não se <strong>de</strong>ixa meio <strong>de</strong> se po<strong>de</strong>r justificar. Assim será uma<br />

calumnia mais grave o dizer, que Pedro é assassino, do<br />

# o dizer, que ele assassinara Paulo em certo lugar,<br />

ia e hora. * . * . *<br />

No entretanto parece-nos, que uma calumnia ur<br />

dida com arte, e revestida das circumstancias do lugar,<br />

tempo e modo, é mais verosimil, e produz mais impres<br />

são sobre os ouvintes, do que uma criminação vaga, que,<br />

por isso mesmo |" é vaga, não pó<strong>de</strong> ser provada pelo<br />

calumniador, e <strong>de</strong>ve ser votada ao <strong>de</strong>sprezo por todas as<br />

pessoas sensatas. Estas criminações prejudicão mais, co<br />

mo ao calumniado. documento <strong>de</strong> maledicencia, ao calumniador, do que<br />

• . *<br />

*<br />

Mas, diz Martini, não ha meio <strong>de</strong> as rebater. Se o<br />

calumniador não usou <strong>de</strong> provas, porque ha <strong>de</strong> o calu<br />

mniado precisar d’ellas? Acaso não bastará a este fazer<br />

conhecido o character do calumniador para plenamente se<br />

justificar? De mais, não pó<strong>de</strong> a calumnia <strong>de</strong>finida ser te<br />

cida com tal subtileza, que seja difficillimo, e até impos<br />

sivel provar a sua falsida<strong>de</strong>? E ainda quando se possa<br />

provar, não po<strong>de</strong>m os estragos, causados na reputação,<br />

(a) S. 174.<br />

–_***


S.<br />

•<br />

(…)<br />

ser irreparaveis, ou pela ausercia das pessoas, que lhe<br />

meiras <strong>de</strong>rão crédito, impressões? ou pela difficulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir as pri<br />

•<br />

E porém incontestavel, que <strong>de</strong> todas as calumnias,<br />

cacteris paribus, as mais graves são as proferidas diante<br />

dos juizes pelos accusadores e testemunhas, que ajuntão<br />

ao character infame <strong>de</strong> <strong>de</strong>latores o crime odioso <strong>de</strong> falsa<br />

rios; porque o juiz, induzido a erro pela calumnia, pó<strong>de</strong><br />

proferir uma sentença injusta contra o innocente, e fa<br />

zer-lhe per<strong>de</strong>r seus bens, ou a sua honra, ou a sua vida.<br />

Tem seu parentesco com a calumnia a graça offen<br />

siva, que é um dicto, cuja galantaria e pico exeita a<br />

admiração e alegria dos circumstantes á custa daquelles,<br />

cnjas pessoas, factos ou palavras se censurão, ridiculi<br />

zando-as. Quando o homem pelas suas acções públicas<br />

se não faz digno <strong>de</strong> riso, é uma gran<strong>de</strong> injustiça fazel-o<br />

<strong>de</strong>scahir do <strong>direito</strong>, que tem á estima dos seus similhan<br />

tes, propondo-o <strong>de</strong> sorte, que se faça objecto do diver<br />

timento e <strong>de</strong>sprezo dos outros. E ainda que o gracejador<br />

retexte as suas galantarias com o motivo <strong>de</strong> simples<br />

mente divertir,<br />

certo não pó<strong>de</strong> excusar-se da responsa<br />

bilida<strong>de</strong>, que lhe resulta da lesão, que faz na reputação<br />

•<br />

alheia,<br />

§. 379.<br />

Viola as leis perfeitas, ou falta aos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> justi<br />

ça, aquelle, que embaraça a outro no exercicio dos seus<br />

<strong>direito</strong>s imperfeitos, visto que é lesão o impedimento<br />

do uso dos <strong>direito</strong>s alheios (a). De mais, não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> se dizer lesante aquelle, que obsta a que alguem<br />

augmente as suas perfeições; porque inva<strong>de</strong> a sua liber<br />

da<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, e por isso attaca o alheio. Por on<strong>de</strong> é facil<br />

<strong>de</strong> ver tambem, que será injusto aquelle, que <strong>de</strong>sper<br />

suadir ou embaraçar a outrem <strong>de</strong> auxiliar, ou evitar<br />

males a alguem. , - , º , º<br />

Os <strong>direito</strong>s imperfeitos não são acompanhados do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção para constranger ao cumprimento das<br />

obrigações, que lhes são correlativas; porém, como<br />

parte do seu <strong>de</strong> qualquer, se uma terceira pessoa obstar<br />

(…) • 147.


( ao4 )<br />

ao uso <strong>de</strong>stes <strong>direito</strong>s, commette lesão, e a personalida<br />

<strong>de</strong>, investida <strong>de</strong>sses <strong>direito</strong>s, tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção<br />

para a sua <strong>de</strong>fesa; e com relação ao lesante os <strong>direito</strong>s<br />

imperfeitos são perfeitos. O lesante pois <strong>de</strong>stes <strong>direito</strong>s<br />

imperfeitos é injusto, ou falta aos seus <strong>de</strong>veres perfei<br />

tos (…): v. g., o <strong>direito</strong>, que o pobre tem a pedir esmola<br />

ao rico, é imperfeito; porque não tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> vio<br />

lencia para o compellir a dar-lh'a: se porém uma tercei<br />

ra pessoa obstar a que o pobre peça esmola ao rico,<br />

embaraça o exercicio do <strong>direito</strong> do pobre, inva<strong>de</strong> o seu,<br />

causa-lhe lesão; o pobre tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção contra<br />

o lesante; o <strong>direito</strong> do pobre, que com relação ao rico<br />

era imperfeito, com relação ao lesante é perfeito. O rico,<br />

não dando esmola, falta aos <strong>de</strong>veres imperfeitos, se a<br />

podia dar; o lesante falta aos <strong>de</strong>veres perfeitos.<br />

O que <strong>de</strong>spersua<strong>de</strong>, ou obsta a que alguem por<br />

actos affirmativos ou negativos <strong>de</strong> beneficencia auxilie os<br />

outros, i. é, lhes faça bem , ou evite o mal, que pó<strong>de</strong>,<br />

lesa aquelle, que podia ser beneficiado, e torna-se para<br />

com elle injusto; por quanto, ainda que a sua injustiça<br />

não opére directa e immediatamente sobre o benefi<br />

ciando, com tudo por via do que pretendia ser bemfei<br />

tor vem reagir sobre aquelle, e inutilizar o seu <strong>direito</strong>,<br />

invadir o seu, e causar-lhe lesão. O que assim se conduz<br />

na<br />

veres<br />

socieda<strong>de</strong>,<br />

perfeitos.<br />

é sem dúvida injusto, e falta aos seus <strong>de</strong>=<br />

•<br />

§ 38o,<br />

Pelo contrario aquelle, que <strong>de</strong>ixa, ainda po<strong>de</strong>ndo,<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>sviar <strong>de</strong> outrem os males, que lhe estão imminen.<br />

tes, nem por isso falta aos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> justiça, posto que<br />

falte aos <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>. Falta a esta, porque é obrigado á<br />

beneficencia, que se exercita por actos affirmativos e ne<br />

gativos [ou, como diz Bentham, á beneficencia effectiva,<br />

positiva e negativa] (b). Porém não falta aos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong><br />

justiça; porque contendo-se na esfera do que é seu, nãº<br />

lesa a outrem, pois os actos negativos não operão a le<br />

º s ss.<br />

(b) S. 364.<br />


• e<br />

-<br />

.*<br />

(2o5 )<br />

são: será iniquo, mas não injusto, abstendo-se assim do<br />

alheio; excepto se o que era <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, for con<br />

vertido em <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> justiça, por algum dos modos, que<br />

já indicámos (a). Além <strong>de</strong> que, como a qualquer se <strong>de</strong>ve<br />

<strong>de</strong>ixar o <strong>de</strong>cidir, se pó<strong>de</strong>, ou não, beneficiar aos outros<br />

(b), ninguem, na hypothese em questão, tem <strong>direito</strong> a<br />

exigir pela coacção fysica o cumprimento do <strong>de</strong>ver <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sviar-lhe males. " . + = *_* # =<br />

q .……… " . |-<br />

º , …º º "… §. 3813 ** . * … " .. .<br />

, , , o gºs… º …. rs »<br />

E po<strong>de</strong>rá dizer-se o mesmo relativamente áquelle,<br />

que se nega aos officios innoxiae utilitatis? Martini respon<br />

<strong>de</strong> fazendo distincção entre officios innoxiae utilitatis<br />

affirmativos e negativos. Quanto aos affirmativos, que<br />

consistem in agendo, e em actos positivos <strong>de</strong> beneficen<br />

cia, certo não é injusto aquelle, que em beneficio alheio<br />

os não pratíca, <strong>segundo</strong> os principios, que já estabelece<br />

mos (c). Porém sustenta o contrario quanto aos negati<br />

vos, que consistem in non agendo, e que se preenchem<br />

com simplices omissões, sem trabalho ou uso algum das<br />

nossas faculda<strong>de</strong>s, o que prova no<br />

§. 382. • •<br />

"…" — - - * * * . . •<br />

+<br />

- "Todo o homem tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer o que não re<br />

pugna aos officios para com Deos, para com sigo, e para<br />

com os outros, ou, como hoje se diz, tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fa<br />

zer livremente o que a lei não prohibe, ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

fazer o que ella não manda. Por tanto qualquer tem di<br />

reito a aproveitar-se do alheio, quando não prejudica a<br />

seu dono, e quando para isso não ha mister acto algum<br />

positivo <strong>de</strong>ste; porque o senhor da cousa por um <strong>de</strong>ver<br />

innoxiae utilitatis lh'o <strong>de</strong>ve consentir. Por tanto o senhor,<br />

oppondo-se e resistindo ao exercicio do <strong>direito</strong> incon<br />

testavel d'outrem, pratíca um, acto positivo, com que<br />

embaraça o seu <strong>direito</strong>, e o lesa: e por isso falta a una,<br />

<strong>de</strong>ver perfeito. y ", " ; ; * *<br />

(a) S. 373. -<br />

(b) S. 572. * * *<br />

(c) S. 372, . .<br />

- \,


• §<br />

• •<br />

( ao6)<br />

Mas dir-se-ha: — aquelle, que se nega a satisfazer por<br />

aetos positivos aos <strong>de</strong>veres innoxida utilitatis affirmativos,<br />

também embaraça e inutiliza o <strong>direito</strong> d'outrem; e por<br />

isso parece que o lesa, e é injusto. — Porém a differença<br />

toda está em que neste caso só ha actos negativos, que<br />

não produzem a lesão, porque as omissões não são in<br />

vasões do alheio; e no uso dos officios innotiae utilitatis<br />

negativos aquelle, que obsta sem utilida<strong>de</strong> alguma ao<br />

<strong>direito</strong> d'outrem, pratíca actos positivos, passa além das<br />

raias bem## do que lhe interessa, e obstando ao<br />

exercicio do <strong>direito</strong> d'outrem, inva<strong>de</strong> o seu, e faz-lhe le<br />

são: v. g., aquelle, que a uma necessitado não dá dos<br />

fructos, que tem em sua casa, e que estão a ponto <strong>de</strong><br />

apodrecerem, falta aos officios innohiae utilitatisaffirma<br />

tivos, é omisso e iniquo, más não lesa, não é injusto:<br />

aquelle porém, que emprega a força para que outrem se<br />

não aproveite da sombra da sua arvore, cuja rama pen<br />

<strong>de</strong> sobre a estrada pública, sem ter nisso prejuizo algum,<br />

traspõe as raias, que a boa razão presereve ao seu, e,<br />

embaraçando um <strong>direito</strong> incontestavel do viandante,<br />

inva<strong>de</strong> por um acto positivo o alheio, faz-lhe lesão, e é<br />

Injusto. •<br />

383.<br />

Aquelle, que preten<strong>de</strong> aproveitar-se do que outro<br />

lhe é obrigado a prestar por um <strong>de</strong>ver innoxiae utilitatis<br />

negativo, <strong>de</strong>ve, antes <strong>de</strong> o fazer, pedir, que este consin<br />

ta, ou antes soffra, que o primeiro se aproveite da cóusa?<br />

Martini com Grocio (a) e Daries (b)seguem a affirmativa;<br />

porque só po<strong>de</strong>mos ter <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção, quando ti<br />

vermos certeza <strong>de</strong> que nenhum prejuizo causamos, e se<br />

nos faz uma resistencia injnsta. Porém pó<strong>de</strong> muito bem:<br />

acontecer, que aquillo, que nos parece innoxiae utilita<br />

tis, realmente º não seja, e cause algum <strong>de</strong>trimento ao<br />

seu do outro. É por isso necessario pedir, e ouvi-o pri<br />

nueiro; e só <strong>de</strong>pois d’isso º certificados nós <strong>de</strong> que sem<br />

prejuizo e injustamente não só não consente na nossa pre<br />

tenção, senão ainda se oppõe violentamente, po<strong>de</strong>re*-<br />

- - * * * *<br />

(a) De Jur Belli ac Pac. L. 2, C. 2.<br />

(b) Observat. J. W. LII, S. 18.<br />


", ( ao7)<br />

"os pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção empregar a força, e violen<br />

tal-o a <strong>de</strong>ixar-nos usar do nosso <strong>direito</strong>.<br />

Querendo subtilizar mais esta materia, po<strong>de</strong>mos<br />

º dizer que casos ha, em que não vigora a razão, com que<br />

se preten<strong>de</strong> provar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir o consenti<br />

mento: v. g., quando o viandante na estrada pública<br />

quer aproveitar-se da sombra da arvore alheia, ou saciar<br />

a sê<strong>de</strong> com a agua corrente, que pertence ao dominio<br />

d'outrem, ou accen<strong>de</strong>r uma luz do lume, que ahi encon<br />

tra, e que alguem accen<strong>de</strong>o e conserva com a sua lenha.<br />

N’estas e n'outras hypotheses, que se po<strong>de</strong>m figurar, ha<br />

toda a certeza <strong>de</strong> que nenhum prejuizo se causa, e fôra<br />

ocioso e inutil o pedir o consentimento daquelle, que tem<br />

o <strong>de</strong>ver innoxiae utilitatis relativo ao nosso <strong>direito</strong>. Se<br />

porém para accen<strong>de</strong>r a nossa luz tivermos d’entrar pela<br />

casa do visinho, ou para beber da sua agua for mister<br />

atravessar o seu campo, ainda que nos pareção inoxiae<br />

utilitatis estes actos, com tudo circumstancias pó<strong>de</strong> haver,<br />

que nós <strong>de</strong>sconheçamos, que lhes tirem esta natureza, e<br />

o visinho realmente receba algum prejuizo. Nestas e<br />

noutras similhantes hypotheses é razão, que primeiro<br />

nos dirijamos ao senhor da cousa, paralhe# que<br />

soffra o exercicio do nosso <strong>direito</strong>. . .<br />

{ º • §. 384.<br />

É, ou não, verda<strong>de</strong>ira a regra – Volenti nulla fit in<br />

juria?- Ou esta regra tem por objecto um <strong>direito</strong> stricte<br />

tal, e é falsa; ou um <strong>direito</strong> permissivo, e é verda<strong>de</strong>ira.<br />

Por quanto o <strong>direito</strong> stricte tal é connexo com a obrigaçã6<br />

<strong>de</strong> praticar as acções mandadas, e <strong>de</strong> omittir as prohibi<br />

das pela lei (a). Aquelle pois, que tem este <strong>direito</strong>, não<br />

pó<strong>de</strong> voluntariamente renuncial-o, ou consentir qué<br />

*utrem o prive d'elle, ou embarace o seu uso; porque<br />

isto equivaleria a <strong>de</strong>sonerar-se da obrigação, que a lei<br />

lhe impõe; o que certo não pó<strong>de</strong> fazer, porque a lei é<br />

superior á sua vonta<strong>de</strong>, e <strong>de</strong>sta in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Portanto<br />

aquelle, que consente, faz o que não pó<strong>de</strong>, obra sem<br />

<strong>direito</strong> e injustamente, e o seu consentimento, por ille<br />

*- • + – —º<br />

(a) S. 85, - e , , …" … … … º<br />

" … :)<br />

-


• (2o8<br />

,<br />

) •<br />

gal, é nullo, e como se não existíra: e por consequencia<br />

o consentimento, por nullo, não tira ao acto a natureta<br />

d'injurioso ou lesivo, que realmente tem. Por on<strong>de</strong> é fa<br />

cil <strong>de</strong> concluir, que falta aos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> justiça queni<br />

com o pretexto do consentimento corrompe o entendi<br />

mento e vonta<strong>de</strong> d'alguem, ou o priva da vida, da saú<br />

<strong>de</strong>, da fama e das cousas necessarias á vida, ou por<br />

qualquer modo diminue as suas perfeições, Finalmente<br />

se a regra versa sobre <strong>direito</strong>s permissivos, que são <strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong>ntes da liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, e <strong>de</strong> que o homem pó<strong>de</strong><br />

usar ou <strong>de</strong>ixar d’usar, <strong>segundo</strong> lhe apraz, a regra é ver<br />

da<strong>de</strong>ira; porque o consentimento é valido, e, tira ao<br />

acto a natureza <strong>de</strong> lesivo, ou injurioso e injusto.<br />

* • • $. 385.. * • , •<br />

Damno é todo o mal, que resulta da lesão (a). Não<br />

pó<strong>de</strong> pois dizer-se damno o mal, que resulta a outrem<br />

do uso do nosso <strong>direito</strong>, pela regra — qui jure suo utitur,<br />

nemini facil injuriam; — nem o mal, que outrem soffre,<br />

por não termos carida<strong>de</strong>, i. é, por não o beneficiarmos;<br />

porque em ambos os casos não os lesamos. Aon<strong>de</strong>, pois<br />

não houver lesão, <strong>segundo</strong> os principios estabelecidos,<br />

não pó<strong>de</strong> haver damno.<br />

O damno divi<strong>de</strong>-se: .1.", <strong>segundo</strong> a natureza da le<br />

são, em fysico, fortuito, ou casual, o que resulta da<br />

lesão fysica; e em moral ou injuria datum, o que provém<br />

da lesão moral; e este subdivi<strong>de</strong>-se em doloso, o que<br />

provém do dolo, e culposo, o que nasce da culpa: 2.",<br />

em razão do modo e da causa, em immediato, o que é<br />

Produzido por uma causa ou modo immediato, v. g., º<br />

mal que é effeito, proximo da lesão; e mediato, o que é<br />

produzido por uma causa ou modo mediato, v. g., o<br />

mal que é o effeito remoto da lesão (b). Tirei a agua ao<br />

meu visinho: a perda da agua é damno immediato; a<br />

perda da seára, por falta d'aquella, é damno mediato;<br />

porém a perda da agua, se eu a tirei, por mim , , é<br />

ao Sr. Fortuna L. r. C. 13. S. 36o., Grocio De Jure Belli <strong>de</strong> Paciº<br />

I...-1. C. 17. S-*. ------ - - -- * * •


(299 )<br />

damnoimmediato; se a man<strong>de</strong>i tirar por outrem, é damno<br />

mediato: 3.° em razão do facto e da lei em damno <strong>de</strong><br />

commissão, o que resulta d'um acto positivo, pelo qual<br />

fazemos o que a lei nos prohibe, v. g., o roubo; e em<br />

damno d'omissão, o que resulta d'um acto negativo, pelo<br />

qual <strong>de</strong>ixamos <strong>de</strong> fazer o que ella nos manda, v. g., o pre<br />

juizo ou perdas, que resultão <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixarmos <strong>de</strong> dar aquil<br />

lo, á que eramos obrigados por um contracto. Alguns<br />

accrescentão, diz Martini, outra divisão <strong>de</strong> damno em<br />

positivo, quando tiramos a ºutrem o bem, que lhe perten<br />

ce; e negativo, quando lhe negamos o bem, que elle tem<br />

<strong>direito</strong> perfeito <strong>de</strong> adquirir. Estas especies <strong>de</strong> damno<br />

são as mesmas, que as <strong>de</strong> damno immediato e mediato.<br />

Ao damno positivo tambem chamão <strong>de</strong> commissão, dire<br />

eto, ou damno emergente; e ao negativo d'omissão, in<br />

directo, ou lucro cessante (a). {<br />

• As palavras — damnum injuria datum— são tiradas<br />

do Direito Romano, aon<strong>de</strong> significão o damno causa<br />

do por um homem livre; e differia da nova, que era o<br />

damno causado pelos escravos, e da pauperies, que era o<br />

causado pelos animaes.<br />

§. 386.<br />

; Diz-se resarcir ou reparar o damno o preencher o<br />

lesado dos bens, que lhe forão tirados pelo lesante. A<br />

reparação divi<strong>de</strong>-se em restituição, que tem lugar quan<br />

do-se entrega a propria cousa singular, que foi tirada<br />

pela lesão; e satisfacção, que tem lugar quando se dão<br />

cousas equivalentes áquellas, que forão tiradas ao lesado.<br />

Nalguns casos pó<strong>de</strong> verificar-se a reparação pela restitui<br />

ção; noutros porém sómente é possivel pela satisfacção:<br />

v. g., a reparação do damno da perda da vida, ou dal<br />

gum membro, e das offensas da honra ou da fama.<br />

Só se po<strong>de</strong>rá dizer plena a reparação, quando o le<br />

sado for <strong>de</strong> tal modo resarcido do damno, que lhe pare<br />

ça indifferente uma nova lesão com igual in<strong>de</strong>mnização,<br />

i. é, quando o bem, que elle recebe, for igual ao mal,<br />

que lhe resultou da lesão.<br />

(a)<br />

Sr. Fortuna loc. cit., Daries loe, cit.<br />

14


• 2.°<br />

(21o )<br />

A satisfacção pó<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> differentes especies:<br />

1.° Satisfacção pecuniaria. Ainda que o dinheiro se<br />

ja uma compensação efficaz para muitos males, todavia<br />

nem sempre o lesante o pó<strong>de</strong> pagar, nem ao lesado con<br />

vém recebêl-o. Offerecer a um homem d'honra ultraja<br />

do o preço Satisfacção d'um insulto, feita por é fazer-lhe attestação. uma Senova o malaffronta.<br />

é resul<br />

tado d’uma mentira, d'uma opinião falsa sobre um ponto<br />

<strong>de</strong> facto, a satisfacção verifica-se por uma attestação legal<br />

da verda<strong>de</strong>, publicada d'um modo adaptado a <strong>de</strong>sfazer<br />

as primeiras impressoes.<br />

3." Satisfacção substituida. Dá-se quando alguem se<br />

acha responsavel por seus bens em lugar do lesante, co<br />

mo seu substituto.<br />

A restituição é indispensavel, quando se tracta <strong>de</strong><br />

cousas, que tem um valor d’estimação: v. g., as immo<br />

veis em geral, os animaes domesticos, antiguida<strong>de</strong>s,<br />

manuscriptos, quadros, em fim tudo o que é unico ou o<br />

parece ser. Porém não só nestes casos, mas sempre que<br />

seja possivel, <strong>de</strong>ve ser preferida á satisfacção, porque as<br />

cousas equivalentes, que o lesado recebe, não são ver<br />

da<strong>de</strong>iramente taes, quando é forçado a recebêl-as. A se<br />

gurança da socieda<strong>de</strong> sem a restituição não é completa.<br />

Todas as vezes pois que for impossivel a restituição<br />

i<strong>de</strong>ntica, <strong>de</strong>verá ser substituida por outra restituição<br />

d’uma cousa o mais similhante que for possível: v.g.,<br />

se o possuidor d’uma medalha rara roubou outra irmãa,<br />

e a per<strong>de</strong>o, ou por qualquer modo a <strong>de</strong>sencaminhou, a<br />

melhor reparação é sem dúvida o entregar ao roubado a<br />

do roubador.<br />

Para a reparação ser completa não basta restituição<br />

da cousa singular, ou d'outra o mais similhante que for<br />

possivel; é ainda mister, que o lesante satisfaça os lucros<br />

cessantes e damnos emergentes, que soffreo o lesado<br />

durante o tempo, que esteve privado da eousa, que lhe<br />

foi tirada pela lesão. Em <strong>segundo</strong> lugar importa, que o<br />

lesado seja in<strong>de</strong>mnizado das <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s da cousa,<br />

que lhe foi tirada (a).<br />

(a)<br />

Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Pénal P. 2. G. 6 e seg.


•<br />

( 2 1 1 )<br />

o . $ 387.<br />

Diz-se, que presta o damno aquelle, que é obrigado .<br />

á sua reparação. Aquelle, que por dólo ou culpa lesou a<br />

outro, <strong>de</strong>ve reparar-lhe totalmente o damno; porque,<br />

Sendo o auctor d'um facto responsavel pelos seus conse<br />

ctarios(a), e sendo o damno um resultado ou consecta<br />

rio da lesão, é evi<strong>de</strong>nte, que o lesante é responsavel pelo<br />

damno, e por isso, que o <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizar cabalmente.<br />

De mais, se o lesante não fosse obrigado á in<strong>de</strong>mnização<br />

total do damno, os effeitos da lesão pesarião sobre o le<br />

sado e não sobre o lesante, e far-se-hia uma imputação<br />

absurda, attribuindo a moralida<strong>de</strong> da acção não ao agen<br />

te livre, mas sim ao paciente forçado, contra todos os<br />

principios da imputação.<br />

Se a Lei Natural não obrigasse á plena reparação<br />

do damno, callejada a consciencia do criminoso á força<br />

<strong>de</strong> commetter crimes, e carregado com o <strong>de</strong>sprezo pú<br />

blico, quasi que seria inutil o prohibir ella as lesões. A<br />

reparação do damno é uma das penas mais efficazes da<br />

sancção da Lei Natural.<br />

Sem a obrigação <strong>de</strong> reparar o damno, os mais fracos<br />

serião constantemente victimas dos mais fortes, a socie<br />

da<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>ria subsistir, e a historia do genero huma<br />

no se conteria em poucas paginas (b). -<br />

§ 388.<br />

Deci<strong>de</strong> a questão — se os furiosos,<br />

mentecaptos,<br />

infantes, e todos aquelles, que não tem uso <strong>de</strong> razão,<br />

são, ou não, obrigados a resarcir o damno, lº causárão.<br />

Se existe a cousa, que elles tirárão ao lesado, são obri<br />

gados a restituil-a; porque o facto da lesão fysica não faz<br />

per<strong>de</strong>r o <strong>direito</strong>, que o lesado tem n’ella, pela regra —<br />

res, ubicumque est, sui domini est.—Se pois o lesado con<br />

serva o seu <strong>direito</strong> sobre a cousa, <strong>de</strong>ve necessariamente<br />

ter tambem o <strong>direito</strong> a havêl-a; porque sem este aquelle<br />

seria inutil: e se o lesado tem <strong>direito</strong> a recuperal-a, é<br />

(a) S. 175. -<br />

P (b) Lepage G. 2. Art. 4. S. 4., Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Pénal<br />

. 2. C. 8.


Caiº )<br />

forçoso que lhe corresponda a obrigação <strong>de</strong> a restí<br />

tuir; visto que <strong>direito</strong> e obrigação são cousas correlati<br />

vas (a). r; · · ·<br />

Se a cousa pereceo, ou o lesante augmentou o seu<br />

patrimonio, ou não. No primeiro caso, como conserva o<br />

valor da cousa, <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizar o lesado, porque a le<br />

são, ainda que fysica, não pó<strong>de</strong> justificar, que qualquer<br />

se locuplete com a jactura alheia; a força não produz di<br />

reito (b) para o lesante reter legitimamente o valor da<br />

cousa alheia. Se pois o não pó<strong>de</strong> reter por falta <strong>de</strong> direi<br />

reito, é evi<strong>de</strong>nte, que o <strong>direito</strong> pertence áquelle, <strong>de</strong> quem<br />

era a cousa, que se acha substituida por esse valor.<br />

Se porém o lesante não augmentou o seu patrimo<br />

nio, e a cousa pereceo, ainda que por facto seu, como<br />

não tinha uso <strong>de</strong> razão, e por isso não obrou livremente,<br />

não pó<strong>de</strong> ter imputação; a lesão foi simplesmente fy<br />

sica, foi um infortunio, pelo qual ninguem é respon<br />

savel, pela regra — casus nemo praestat, — Devemo-nos<br />

compa<strong>de</strong>cer <strong>de</strong>stes infelizes, e não aggravar a sua sorte.<br />

A doutrina <strong>de</strong> Martini relativa á hypothese da cousa<br />

perecer sem augmentar o patrimonio do lesante, <strong>de</strong>ve<br />

applicar-se ás <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s da cousa, e aos lucros ces<br />

santes e damnos emergentes, que soffreo o lesado duran<br />

te o tempo, que tem <strong>estad</strong>o privado da cousa: são infor<br />

tunios sujeitos á regra—casus nemo praestat.—<br />

. . E como dissemos, que as pessoas, encarregadas da<br />

vigilancia e direcção d'outras, erão responsaveis pelos<br />

factos <strong>de</strong>stas, se por culpa ou dólo d'aquellas forão pra<br />

ticados (c): é evi<strong>de</strong>nte, que <strong>de</strong>vem reparar pela sa<br />

tisfacção o damno, quando a cousa pereceo ou foi <strong>de</strong>te<br />

riorada, ou o lesado soffreo lucros cessantes ou damnos<br />

emergentes (d).<br />

§. 389.<br />

Quando se tracta <strong>de</strong> reparação, importa <strong>de</strong>terminar<br />

Bem a quantida<strong>de</strong> do damno, que resultou immediata<br />

(a) S. 85.<br />

(b) S. 375.<br />

(c) S. 183.<br />

(d). Lepage C. 2. Art. 4.S. 4.


(213)<br />

eu mediatamente ao lesado, para que este não receba<br />

nem <strong>de</strong> mais, nem <strong>de</strong> menos. Porque, se receber <strong>de</strong> me<br />

nos, o damno não é totalmente resarcido: tanto <strong>de</strong>ixa o<br />

lesante <strong>de</strong> receber, quanto é o damno, que ainda sub<br />

siste, e que o lesante tem obrigação <strong>de</strong> reparar, como<br />

reparou o <strong>de</strong> mais. Se pelo contrario receber <strong>de</strong> mais, re<br />

cebe o alheio, e <strong>de</strong> lesado passa a lesante; porque recebe<br />

jure aquillo, fit, ainjuria que não fieri tinha dicitur. <strong>direito</strong>, — pela regra — Quod non<br />

•<br />

E quem ha <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a quantida<strong>de</strong> do damno,<br />

ou avalial-o ? Deverá ser o lesado, ou o lesante? Parece<br />

arriscada a avaliação <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong>lles: o interesse <strong>de</strong><br />

ordinario é conselheiro pouco justo. A pru<strong>de</strong>ncia e a<br />

razão aconselhão, que um e outro se compromettão em<br />

* ou pessoas <strong>de</strong> sua escolha e confiança para o ava<br />

iarem. Porém disto fallaremos a seu tempo. -<br />

Se occorrer dúvida na avaliação do damno, <strong>de</strong> mo<br />

do que este pelas circumstancias occorrentes se não pos<br />

sa estimar á risca parece que, caeteris paribus, <strong>de</strong>ve<br />

pen<strong>de</strong>r a balança contra o lesante: 1." porque sobre o le<br />

sante <strong>de</strong>vem pesar todos os resultados da lesão; 2." por<br />

que qualquer excesso produz o effeito <strong>de</strong> servir <strong>de</strong> pre<br />

caução para se não repetirem outras lesões; e a diminui<br />

ção é um mal não satisfeito, é a continuação da lesão,<br />

é um objecto <strong>de</strong> triunfo para o <strong>de</strong>linquente (a).<br />

§ 39o.<br />

Se forem muitos os lesantes, como ha <strong>de</strong> ser por elles<br />

feita a reparação do damno ? Martini, seguindo a Puf<br />

fendorf (b), faz distincção entre damno divisivel e indi<br />

visivel. Diz-se divisivel (ou distributivo) aquelle damno,<br />

no qual se pó<strong>de</strong> assignar a cada um dos lesantes a parte,<br />

que resultou da lesão, que fez: v. g., tres homens atta<br />

cão a outro, um ofere na cabeça, outro num braço, e<br />

o terceiro lhe tira um olho. Diz-se indivisivel (ou colle<br />

ctivo) o damno, para que concorrêrão muitos lesantes <strong>de</strong><br />

tal modo, que o facto <strong>de</strong> cada um foi bastante para o pro<br />

(a) Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Pénal P. 2, C. 9.<br />

(*) De Jure Maturae L. 3, C. 1, § 5.


(214 )<br />

duzir, e por isso não se pó<strong>de</strong> assignar a cada um uma<br />

parte certa, que elle causasse: v. g., se tres pessoas simul<br />

taneamente lançárão o fogo a uma casa, o facto <strong>de</strong><br />

cada um foi bastante para o incendio <strong>de</strong>lla, ainda<br />

que os outros a não tivessem tambem incendiado (a). No<br />

Primeiro caso é evi<strong>de</strong>nte, que cada um <strong>de</strong>ve respon<strong>de</strong>r<br />

pela parte do damno, que causou, alias a lesão e o<br />

danino não se imputarião ao seu auctor, e viria algum<br />

dos lesantes a!" pelas acções alheias (b). Sendo<br />

porém indivisivel o damno, diz Martini, que todos os<br />

lesantes collectivamente tomados <strong>de</strong>vem prestar o damno,<br />

ou fazer in solidum a reparação; porque todos forão<br />

causas iguaes do damno, e tanto, que cada um, sem os<br />

outros, pelo que fez, o teria produzido; e como o<br />

damno é indivisivel, todos elles conjunctamente são in<br />

solidum responsaveis, e o <strong>de</strong>vem prestar em partes iguaes.<br />

Supponhamos porém, que alguns dos lesantes se<br />

ausentárão ou fallírão <strong>de</strong> bens:, po<strong>de</strong>rá o lesado exigir<br />

d'um só dos lesantes todo o damno, quando este for<br />

indivisivel; ou noutros termos, será cada um dos lesantes<br />

responsavel in solidum º Parece que sim, porque o facto<br />

<strong>de</strong> cada um <strong>de</strong>lles foi sufficiente para produzir todo o<br />

damno, ainda que os outros não tivessem concorrido para<br />

a lesão (e). |-<br />

Se um dos lesantes reparou o damno, o <strong>direito</strong> do<br />

lesado ficou preenchido, expirou; e por isso nada mais<br />

pó<strong>de</strong> pedir aos outros co-réos da lesão.<br />

Devendo todos os lesantes resarcir o damno igual<br />

mente; se um só fez a reparação total, tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

haver dos outros co-réos as suas partes respectivas; por<br />

que, prestando todo o damno, pagou mais do que a<br />

parte, que lhe tocava, pagou pelos outros; e por isso<br />

como que se transferio o <strong>direito</strong>, que o lesado tinha<br />

contra elles, para o co-réo, que pagou, o qual pó<strong>de</strong><br />

ctiva compellir parte a (d). cada um dos co-réos a pagar-lhe a sua respe<br />

• - •<br />

•<br />

(a) Daries Obs. 56. S. 26.<br />

(b) S. 183 e 387.° • •<br />

(e) Puffendorf loc. cit., Lepage C. 2.<br />

(…) Lepage loc. sit. |-<br />

Art. 4. S. 4,


(215 )<br />

§ 391.<br />

Assim como pó<strong>de</strong> haver conflicto entre os officios<br />

para com nosco e os <strong>de</strong> beneficencia para com os outros<br />

(a), tambem pó<strong>de</strong> dar-se entre os officios para com nosco<br />

e os <strong>de</strong> justiça. E como se ha <strong>de</strong> fazer a excepção? Mar<br />

tini respon<strong>de</strong> neste $., e nos seguintes.<br />

No conflicto entre os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> commodida<strong>de</strong> para<br />

com nosco, ou para com algum dos nossos similhantes,<br />

e os <strong>de</strong> justiça para com outros, <strong>de</strong>vemos preferir estes,<br />

i. é, não <strong>de</strong>vemos para commodida<strong>de</strong> nossa, ou d'algum<br />

nosso similhante, tirar a outro alguma cousa do seu pa<br />

trimonio. Quanto á nossa commodida<strong>de</strong>: 1.° porque os<br />

outros só tem o <strong>de</strong>ver imperfeito <strong>de</strong> concorrerem para<br />

ella, quando podérem, e elles assim o enten<strong>de</strong>rem ; nós<br />

não temos para este fim senão um <strong>direito</strong> imperfeito,<br />

mão temos#<strong>de</strong> coacção; portanto se para commo<br />

dida<strong>de</strong> nossa lhes tirarmos parte do que é seu, obraremos<br />

sem <strong>direito</strong>, seremos injustos: 2.° se nós tivessemos <strong>direito</strong><br />

a preferir os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> commodida<strong>de</strong> para com nosco aos<br />

<strong>de</strong> justiça, do mesmo <strong>direito</strong> se julgarião assistidos os<br />

outros, e haveria um <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> guerra permanente, em<br />

que seria impossivel a socieda<strong>de</strong> do genero humano,<br />

para a qual a natureza <strong>de</strong>stinou a todos os homens (b).<br />

Martini não prova a outra parte da proposição rela<br />

tiva á commodida<strong>de</strong> dos nossos similhantes, que <strong>de</strong>ve<br />

mos procurar por um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> beneficencia: porém é<br />

razão que no conflicto entre um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> commodida<strong>de</strong><br />

alheia, e outro <strong>de</strong> justiça, este seja preferido; porque,<br />

sendo o fundamento dos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> beneficencia o amor<br />

para com os outros, e não seudo nós obrigados a amal os<br />

mais do que a nós (c); é evi<strong>de</strong>nte, que assim como <strong>de</strong><br />

vemos preferir os <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> justiça aos <strong>de</strong> commodida<br />

<strong>de</strong> para com mosco, assim tambem os <strong>de</strong>vemos preferir<br />

aos <strong>de</strong> commodida<strong>de</strong> para com os outros.


(216 )<br />

§ 392.<br />

No conflicto entre os <strong>de</strong>veres d'incolumida<strong>de</strong> para<br />

com nosco ou para algum <strong>de</strong> nossos similhantes, e os <strong>de</strong><br />

veres <strong>de</strong> justiça para com outros, salva porém a incolu<br />

mida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stes, <strong>de</strong>vemos preferir os <strong>de</strong>veres d'incolumi<br />

da<strong>de</strong>. Dizem-se <strong>de</strong>veres d'incolumida<strong>de</strong> aquelles, cujo<br />

cumprimento é indispensavel para o homem não per<strong>de</strong>r<br />

asiçao:<br />

vida. Martini dá duas razões para provar a sua propo•<br />

1." Porque tendo nós um <strong>direito</strong> connato á nossa<br />

conservação, aquelle, que se recusasse a dar-nos cousas<br />

necesssarias para nós, e para si sómente uteis, tendo-as<br />

nós pedido, causaria impedimento ao exercicio do nosso<br />

<strong>direito</strong>, far-nos-hia lesão, e subministrar-nos-hia occa<br />

sião <strong>de</strong> usarmos do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção contra elle.<br />

Admittimos a doutrina da proposição <strong>de</strong> Martini;<br />

mas parece-nos, que a doutrina da razão se acha em<br />

contradicção com os proprios principios <strong>de</strong> Martini; e<br />

por isso, que é inadmissivel. Primeiramente o nosso<br />

similhante, negando-se a dar-nos o que nos é necessario<br />

e a elle util, conserva-se na esfera do que é seu, não<br />

nos causa lesão (a). O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>du<br />

zir-se sómente da obrigação para com nosco (b). O <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> nos subministrar as cousas necessarias consiste em<br />

actos positivos, é um <strong>de</strong>ver imperfeito, e não temos<br />

senão um <strong>direito</strong> imperfeito relativo, que não é acom<br />

panhado do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia (c). Portanto, precisando<br />

nós que alguem nos dê cousas, que nos são necessarias,<br />

<strong>de</strong>vemos pedil-as a seu dono, e submetter-nos ao seu jui<br />

zo, e vonta<strong>de</strong>; porque a elle pertence o <strong>de</strong>cidir, se tem,<br />

ou não, a occasião <strong>de</strong> nol-as conce<strong>de</strong>r (d). Finalmente o<br />

impedimento, que o nosso similhante causa ao exercicio<br />

do nosso <strong>direito</strong> neste caso, é resultado do exercício do<br />

seu <strong>direito</strong>, e por isso não nos causa lesão (e), pela regra<br />

— qui jure suo utitur, nemini facil injuriam.—<br />

(4) .S. 153.<br />

(b) S. 154.<br />

(c) S. 155, 156 e 356.<br />

$tl


(217)<br />

2." Porque na collisão entre o que é necessario a<br />

um, e util ou agradavel a outro, <strong>de</strong>ve preferir a neces<br />

sida<strong>de</strong> á utilida<strong>de</strong> e prazer (a); porque resultão maiores<br />

perfeições <strong>de</strong> se satisfazer a uma necessida<strong>de</strong>, que, não<br />

sendo satisfeita, priva da existencia, do que á commodi<br />

da<strong>de</strong> e prazeres da vida. O nosso similhante pois não <strong>de</strong>ve ,<br />

negar-nos essas cousas, que são in<strong>de</strong>spensaveis para sal<br />

varmos a vida. E como somos forçados pela necessida<br />

<strong>de</strong> extrema, po<strong>de</strong>mos lançar mão d’ellas, ou porque<br />

suppomos, que o nosso similhante nol-as conce<strong>de</strong>ria, se<br />

lhas pedissemos, ou porque temos animo <strong>de</strong> lhe in<strong>de</strong><br />

mnizar plenamente o damno, <strong>de</strong> modo que nenhum pre<br />

juizo lhe redun<strong>de</strong>. " " " . * * * * * * •<br />

Na verda<strong>de</strong> comparados os males, que resultão <strong>de</strong><br />

não satisfazermos aos <strong>de</strong>veres d'incolumida<strong>de</strong> para com<br />

nosco, com os males, que resultão <strong>de</strong> tirarmos aos outros<br />

as cousas <strong>de</strong> mera commodida<strong>de</strong>, é facil <strong>de</strong> ver, que estes<br />

ficão a per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista; que <strong>de</strong>vemos suppôr, que o nos<br />

so similhante se não negaria a dar-nos as cousas, <strong>de</strong> que<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a nossa existencia, sem <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser homem,<br />

encontrando todos os sentimentos da humanida<strong>de</strong>. Fi<br />

malmente, usando nós das cousas alheias com o proposito<br />

<strong>de</strong> reparar plenamente o damno, nem moralmente viola<br />

mos a Lei da Natureza; a nossa intenção é pura; o<br />

damno totalmente reparado é como se não existíra; o<br />

lesado fica como se o não tivera sido; a necessida<strong>de</strong> ex<br />

trema não admitte nem <strong>de</strong>mora, nem reparação dos ma<br />

les, que causa, não sendo satisfeita; o homem morto<br />

não resuscita. |- |-<br />

Para nos aproveitar pois o favor da necessida<strong>de</strong> (b)<br />

é necessario: 1." que nos achemos no <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> conflicto<br />

sem dólo, ou culpa da nossa parte; 2.° que a necessi<br />

da<strong>de</strong> seja tal, que não haja outro meio <strong>de</strong>vitar a morte;<br />

3. que só tiremos das cousas alheias quanto baste para<br />

salvar a vida, e quanto exigir a necessida<strong>de</strong>; 4.º que te<br />

nhamos o proposito <strong>de</strong> reparar o damno, e que effectiva<br />

mente o prestemos, se para isso tivermos occasião (c).<br />

(o S. 362.<br />

(b) S. 88. •<br />

{} S, 152.» Sr. Fortuna L. 1, C. 13.9.368, Burlamaq. P.3.C.8.<br />

*


(218)<br />

Se <strong>de</strong>vemos fazer excepção a favor dos <strong>de</strong>veres d'in<br />

columida<strong>de</strong> para com nosco, quando concorrem com os<br />

<strong>de</strong> commodida<strong>de</strong> para com os outros, <strong>de</strong>vemos dizer<br />

outro tanto dos officios <strong>de</strong> incolumida<strong>de</strong> para com algum<br />

dos nossos similhantes; porque já dissemos, que a obri<br />

gação <strong>de</strong> cumprir os <strong>de</strong>veres imperfeitos para com os<br />

outros não é menor, do que a <strong>de</strong> cumprir os <strong>de</strong>veres para<br />

com mosco (a). O amor dos outros <strong>de</strong>ve ser igual ao amor<br />

<strong>de</strong> nós mesmos (b).<br />

§ 393.<br />

E como <strong>de</strong>veremos fazer a excepção, quando hou<br />

ver concurso da nossa incolumida<strong>de</strong> com a incolumida<strong>de</strong><br />

d'outrem ? Esta questão é gravissima, não só pelos seus<br />

resultados, senão ainda pela diversida<strong>de</strong> d'opiniões dos<br />

Philosophos, que a tem tractado. Alguns entendêrão,<br />

que <strong>de</strong>viamos, dadas certas condições, preferir a to<br />

do o custo os <strong>de</strong>veres d'incolumida<strong>de</strong> para com nosco:<br />

Taes forão Puffendorf (c), Heineccio (d), Burlamaqui<br />

(e) e Felice (f). Porém Martini e o Sr. Fortuna (g) sus<br />

tentão, que nesta terrivel hypothese, sendo iguaes os<br />

<strong>direito</strong>s, não se <strong>de</strong>ve fazer excepção alguma, antes é ra<br />

zão, que as cousas permaneção no mesmo <strong>estad</strong>o, lan<br />

çando-nos nos braços da Divina Provi<strong>de</strong>ncia.<br />

1." Porque sendo iguaes o nosso <strong>direito</strong> e o do<br />

nosso similhante, assim como são iguaes os <strong>de</strong>veres<br />

da conservação, não pó<strong>de</strong> prevalecer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ne<br />

nhum (h). -<br />

2. Porque não se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir razão alguma, pela<br />

qual aquelle, que tem meio <strong>de</strong>scapar á morte, seja pri<br />

|vado d'elle por quem o não tem. -<br />

3." Porque se qualquer legitimamente <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> este<br />

(a) . S. 358.<br />

(b) S 359., Groc. L. a.C.2., Puffendorf I a.C. 6.<br />

(c) De Jure Naturae L. 2. C. 6. S. 4.<br />

(d) De Jure Naturae et Gent, L. 1- C. 7.<br />

(e) Principes du Droit Naturel P. 3. C. 8.<br />

(f) Lee, 18.<br />

(g) L, 1. C. 15.S. 57o e seg.<br />

(*) S, 154, ,<br />

–*


(2 19 )<br />

meio d'evitar a morte, seria injusto aggressor todo aquel<br />

le, que lh'o quizesse extorquir,<br />

4." Porque repugna á sabedoria <strong>de</strong> Deos o dotar os<br />

homens <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s repugnantes; e por isso neste caso<br />

nenhum tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> obrar <strong>de</strong> modo, que prive a outro<br />

da sua existencia.<br />

Tambem subscrevemos a esta doutrina, enten<strong>de</strong>n<br />

do-se bem as palavras— <strong>direito</strong>s iguaes. — Porque se um<br />

for aggressor injusto, <strong>de</strong>vem-lhe ser imputados todos os<br />

consectarios da sua aggressão; o mesmo se <strong>de</strong>ve afirmar<br />

daquelle, que por dólo ou culpa sua se coloca neste con<br />

flicto d’officios d'incolumida<strong>de</strong>. Em todos estes casos a<br />

sua condição é inferior á do outro; os <strong>direito</strong>s não são<br />

iguaes; a excepção <strong>de</strong>ve ser contra elle.<br />

A doutrina d'Ahrens (a), que refutámos com rela<br />

ção ao injusto aggressor, pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve ser applicavel á<br />

hypothese, <strong>de</strong> que estamos tractando<br />

Na verda<strong>de</strong>, sendo iguaes os <strong>direito</strong>s, só aquelles,<br />

que estabelecem o interesse como fundamento do Direi<br />

to e da Moral, po<strong>de</strong>ráõ justificar o acto, pelo qual ma<br />

tarmos a outrem só para evitarmos a morte. Porém re<br />

jeitado o principio egoista, como vicioso e immoral, não<br />

pó<strong>de</strong> admittir-se o argumento, — que val mais matar a<br />

outrem, do que <strong>de</strong>ixar-se morrer.<br />

Burlamaqui diz a este proposito: «No caso, em<br />

que por uma necessida<strong>de</strong> sem remedio um <strong>de</strong> dous ho<br />

mens tenha <strong>de</strong> morrer, é indifferente, com relação á fe<br />

licida<strong>de</strong> dos homens, que seja salvo este ou aquelle;<br />

basta á socieda<strong>de</strong> humana, que um d'elles se conserve.<br />

O <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> conservar os outros per<strong>de</strong> então toda a sua<br />

força, porque a razão cessa: mas a obrigação <strong>de</strong> se con<br />

servar a si mesmo subsiste sempre. Em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta<br />

obrigação somos obrigados <strong>de</strong> nos salvar na extremida<strong>de</strong><br />

do perigo, antes do que salvarmos os outros.»<br />

Porém pouca reflexão basta para se ver, que estas<br />

razões, que parecem justificar a excepção a nosso favor,<br />

militão com igual força a favor do outro, com o qual<br />

concorremos no conflicto. E a não querer <strong>de</strong>cidir-se a<br />

questão pela força, o que é improprio <strong>de</strong> entes racio<br />

(a) S. 152,


(22o )<br />

maes e capazes <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s e obrigações, porque a força<br />

não produz <strong>direito</strong>, parece impossivel <strong>de</strong>scobrir razão<br />

<strong>de</strong> preferencia para algum dos lados, e po<strong>de</strong>r-se fazer ex<br />

cepção, que possa justificar-se por Direito Natural.<br />

Para se tornar mais sensivel quanto é razoavel a dou<br />

trina <strong>de</strong> Martini, cumpre afastar do conflicto a idêa da<br />

personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> nós, e figural-a entre dous<br />

dos nossos similhantes. Se qualquer <strong>de</strong> nós então fosse<br />

por elles eleito juiz arbitro, ser-lhe-hia impossivel <strong>de</strong>ci<br />

dir a questão entre elles. *<br />

§. 394.<br />

Martini applica os principios expostos a varios ca<br />

sos, que po<strong>de</strong>m occorrer:<br />

1." Aquelle, que certo vai morrer á fome, não pó<strong>de</strong><br />

tirar a outro o pão, que lhe é igualmente necessario; não<br />

só porque o <strong>direito</strong> do primeiro não é superior ao do se<br />

gundo, senão ainda inferior; porque a favor do segun<br />

do está o ser senhor do pão; a sua condição é melhor.<br />

2." A ninguem é licito matar a outro, ainda que<br />

consinta, para se alimentar com a sua carne no caso <strong>de</strong><br />

extrema necessida<strong>de</strong>; porque já vimos que nestes casos<br />

era falsa a regra— volenti non fit injuria (a).<br />

3." Não po<strong>de</strong>mos extorquir o batel ou taboa, em<br />

que outro se acha, para salvarmos a vida n'um naufragio,<br />

pela igualda<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s da conservação, e superior<br />

condição do outro pela priorida<strong>de</strong> da apprehensão; em<br />

bora o nosso bom Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto (b) sustente o<br />

contrario pelo adagio, que em taes lances— Nem o pai<br />

pelo filho, nem o filho pelo pai. — * *<br />

4." Não po<strong>de</strong>mos, para salvar a vida fugindo ao<br />

inimigo, matar aquelle, que occupa o caminho, e que,<br />

sem po<strong>de</strong>r retirar-se, nos embaraça <strong>de</strong>scapar á morte;<br />

porque os nossos <strong>direito</strong>s são iguaes.<br />

Martini observa, que se pelo lado da justiça se não<br />

pó<strong>de</strong> fazer a excepção nestes conflictos, com tudo pó<strong>de</strong><br />

ser confórme aos <strong>de</strong>veres <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, que um homem<br />

ceda a outro, quando da conservação da vida d’este re<br />

(a) S. 384. |-<br />

(6) Peregrinação C. 179.


• • •• -<br />

•<br />

(221 )<br />

sultão maiores perfeições á humanida<strong>de</strong> (a): v. g., no<br />

conflicto entre a perda da vida d'um soldado e a d'um<br />

general, <strong>de</strong> cuja existencia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a conservação do<br />

exercito, o bom exito d'uma guerra justa, e a salvação da<br />

patria,<br />

par á morte<br />

o soldado<br />

(b).<br />

<strong>de</strong>ve ce<strong>de</strong>r ao general o meio <strong>de</strong> esca<br />

•<br />

==>=<br />

CAP. XII.<br />

nos orvicros AcEncA DA SIGNIFICAÇÃo do PENSAMENTo.<br />

Som… forçados pela estreiteza do tempo a sobresaltar<br />

a doutrina <strong>de</strong>ste Gap., contentando-nos com expôr o<br />

pouco, que a este respeito diz Ahrens.<br />

« Consi<strong>de</strong>rão-se como Direitos Naturaes <strong>direito</strong>s,<br />

que o não são. Muitos auctores, por exemplo, estabele<br />

cem um <strong>direito</strong> <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong>.<br />

«Em primeiro lugar é evi<strong>de</strong>nte, que este <strong>direito</strong><br />

não pó<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r-se no sentido <strong>de</strong> que cada um possa<br />

exigir, que tudo o que é verda<strong>de</strong>, lhe seja communicado<br />

pelos outros. *<br />

« A verda<strong>de</strong> é <strong>de</strong> differentes especies. E ou scienti<br />

fica, racional; ou verda<strong>de</strong> relativa aos factos, que tem<br />

passado na vida.<br />

« Pelo que toca ás verda<strong>de</strong>s scientificas, é evi<strong>de</strong>nte<br />

que cada um <strong>de</strong>ve dirigir-se ás fontes, que lhe parece<br />

rem melhores. Esta escolha <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>, como toda a esco<br />

lha, da propria reflexão e liberda<strong>de</strong>.<br />

« Em quanto á verda<strong>de</strong> dos factos concernentes á vi<br />

da social, cada homem pó<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r com effeito, que<br />

os outros lhe não communiquem erros, que contrariem<br />

sua activida<strong>de</strong> fysica e moral. Quando um homem, por<br />

exemplo, mostra, sabendo-o, a outro um caminho falso,<br />

o mentiroso ha violado certamente um <strong>direito</strong> do outro,<br />

porque nisto se pó<strong>de</strong> chegar a suppôr um contracto tacito.<br />

(a) S. 562. •<br />

(b)<br />

Sr. Fortuna L. I. C. 13.S.392,


•<br />

(222 )<br />

Na verda<strong>de</strong>, tanto que se respon<strong>de</strong> á pergunta, pelo só<br />

facto da resposta se entra em um laço social, que consti<br />

tue uma convenção. A cada um neste caso é livre o não<br />

respon<strong>de</strong>r; porém, tanto que respon<strong>de</strong>, é responsável<br />

da sua parte pelos effeitos, que produz sua resposta; e a<br />

mentira entra tambem na responsabilida<strong>de</strong> geral, que<br />

cada actos, ume que <strong>de</strong>vepodia soffrer, prever. dos effeitos, que resultão <strong>de</strong> seus<br />

«A mentira, quando não tem effeitos visiveis, é só.<br />

mente um acto immoral; não entra no dominio do Di<br />

reito, senão quando <strong>de</strong>lla resultão effeitos exteriores,<br />

que prejudicão aos outros. O <strong>direito</strong> á veracida<strong>de</strong> não é<br />

pois mais do que condicional. A veracida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve exi.<br />

gir-se senão nos casos, em que ella chega a ser motivo,<br />

que <strong>de</strong>termina uma acção, ou quando entra como con<br />

dição, já expressa, já tacita, d'uma convenção (4).»<br />

FIM DA PARTE I.<br />

15<br />

lº<br />

*<br />

|0<br />

i<br />

(a) Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part, Spéc. C. 1, § 3. •


(223 )<br />

Pag.<br />

24<br />

26<br />

28<br />

34 |<br />

T_A B E L L A<br />

Dos erros e correcções.<br />

Linh. Erros Emendas.<br />

32 Drpz Droz<br />

2o e 21 Grot. (Grocio) Grocio<br />

9 indidual individual -<br />

24 quando com- quando seus effeitos<br />

• - cordão , , , , concordão<br />

8 <strong>de</strong> que, que neste <strong>de</strong> que neste<br />

36 §. 71 e 72 § 7o e 71.<br />

37 $ 6. § 7.<br />

38 $.3 e 6. §. 3 e 7.<br />

22 ab officiendo ab efficiendo<br />

37 pareee parece<br />

7 insufficiente insufficiente. E tam<br />

bem o pó<strong>de</strong> ser o<br />

• perfeito<br />

99<br />

1 15<br />

I 18<br />

137<br />

15o<br />

155<br />

8 CAP. IV: CAP. V.<br />

4 3.º quando porém quando<br />

12 voluntaria involuntaria<br />

25 sujeitas sujeitos<br />

3 fazel-as fazel-os<br />

16 homeus homens


-<br />

•<br />

IMPUTAção,<br />

( 324 )<br />

"I N. DIC E<br />

Das Materias contidas na I. Parte.<br />

"\ ".<br />

AdvERTENCIA . . . . . . . . . . . . . .<br />

CAP. I. DA NATUREZA E ESTADO MoRAL Do HoMEM<br />

ArPENDIX . . . . . . . . . . . . . . . . .<br />

CAP. II. DA obarGAção, LEI E DIREITo EM GERAL,<br />

E EM ESPECIAL DO DIREITO NATURAL<br />

CAP. III., Dos PRINCIPIos E PROPRIEDADES DAs LEIs<br />

NATURAES - - - - - - - - - -<br />

CAP. IV. Dos DIREITos UNIVERSAEs dos HoMENs, e<br />

na pirrrmençº das Acções. MoRAEs,<br />

QUE D ELLES SE DEDUZ . . . . . . .<br />

CAP. V. DA DIVERSA MoRALIDADE DAs Acções, DA<br />

E DA conseIENCIA .<br />

CAP.<br />

.<br />

VIII. Dos oFFicios Erga Deum, ou DA PIE<br />

DADE NATURAL . » e « » . .<br />

CAP. IX. Dos oFFICIos PARA coM Noseo, ou DA<br />

HONESTIDADE NATURAL . . . . . . .<br />

CAP. X. DA EQUIDADE NATURAL, ou Dos oFFI<br />

cIes IMPERFEITOS . . . . . . .<br />

CAP. XI. Dos oFF1cios ABsolUTos PERFEITos, ou<br />

DA JUSTIÇA ToMADA No SENTIDo srRI<br />

CTO • • • • • • • • • • • •<br />

CAP. XII. Dos oFr1cros A'cencA DA s1GNIFICAÇÃo<br />

DO PENSAMENTO . . . . . . .<br />

TABELLA Dos ERRos e coamrcçóEs . . . . .<br />

71<br />

99<br />

127<br />

17o.<br />

191<br />

22 r<br />

223


|<br />

C U R $ ()<br />

DE<br />

DIREITO<br />

NATURAL,


(C U R S (C)<br />

DE<br />

DIREITO NATURAL,<br />

SEGUNDO O ESTADO ACTUAL DA SCIENCIA ,<br />

PRINCIPALMENTE EM ALLEMANHA ,<br />

PROFESSADO<br />

NO 1º ANNO DA FACULDADE DE DIREITO<br />

DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA,<br />

PoR<br />

%ena 3%…e… 9&o


:<br />

Como Cidadão livre do Imperio da Razão, procurará<br />

o professor (<strong>de</strong> Direito Natural) a verda<strong>de</strong>, a<br />

or<strong>de</strong>m, a <strong>de</strong>ducção, o methodo, e a <strong>de</strong>monstra<br />

ção, on<strong>de</strong> quer que a achar.<br />

EsrAr. DA UNIv. Liv. 2. T. 3. Cap. 5. § 6.


II.<br />

DIREITO NATURAL HYPOTHETICO.<br />

II. -<br />

15


•<br />

•<br />

(C U R S (0)<br />

• DE<br />

DIREITO NATURAL<br />

PARA o ANNo LECTIvo<br />

DE 1842 — 1843.<br />

–—=#>Q-394 -*<br />

+ MArini<br />

Do DOMINIO,<br />

CAP. XIII;<br />

E no MoDo DE o ADQUIRIR<br />

SIMPLESMENTE ORIGINARIO ,<br />

ou DA occupAção.<br />

principia o seu tractado do Direito Natural<br />

Hypothetico pelo dominio e modos <strong>de</strong> o adquirir. Procura<br />

dos a razão titulos e base e modos juridica da sua da proprieda<strong>de</strong>, acquisição. e por isso tracta<br />

Martini chama á occupação modo originario <strong>de</strong> ac<br />

quirir; porque, como veremos, os modos d’acquirir são<br />

originarios, quando as cousas são nullius, e <strong>de</strong>rivativos,<br />

quando são proprias d'alguem (a). Pela occupação se<br />

acquirem as primeiras.<br />

Chama tambem á occupação modo originario sim<br />

plesmente tal, fazendo allusão á subdivisão, que fez Puf<br />

fendorf, dos modos originarios em simplesmente tal, ou<br />

occupação, quando apprehen<strong>de</strong>mos alguma substancia<br />

com animo <strong>de</strong> a ter como propria, e secundum quid, ou<br />

accessão, pelo qual acquirimos os fructos, ou qualquer<br />

augmento da cousa já occupada (b).<br />

Neste Cap. tracta da occupação, e no Cap. XIV. da<br />

accessão.<br />

•<br />

(a) . S. 424.<br />

(b) Sr. Fortuna P. 2, C. 2. S. 446.


(23o )<br />

§ 416.<br />

Depois <strong>de</strong> tractarmos do Direito Natural Absoluto,<br />

segue-se tractarmos do Direito Natural Hypothetico (a).<br />

Principiaremos pelo <strong>direito</strong> ás cousas, pois com quanto já<br />

falámos <strong>de</strong>ste <strong>direito</strong> (b), foi só em geral e in<strong>de</strong>termi<br />

nadamente; agora consi<strong>de</strong>ral-o-hemos em especial e como<br />

inherente a certas e <strong>de</strong>terminadas cousas pelo facto do<br />

homem. A'quelle chamámos absoluto e universal; porque<br />

se <strong>de</strong>riva sómente da natureza, e compete a todos os<br />

homens; a este hypothetico e singular, por ser proprio só<br />

mente da pessoa, que por algum facto o acquirio (c).<br />

Vamos pois entrar em uma questão vital, e das mais<br />

importantes para a socieda<strong>de</strong>, — a da proprieda<strong>de</strong>. Por<br />

isso <strong>de</strong>vemos examinar, ainda que brevemente, as dou<br />

trinas e theorias mais celebres, pelas quaes se tem preten<br />

dido <strong>de</strong>terminar a origem, divisão, latitu<strong>de</strong> e effeitos<br />

do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>; e, <strong>segundo</strong> o nosso proposito,<br />

a par das doutrinas <strong>de</strong> Martini referiremos aquellas.<br />

E visto como só po<strong>de</strong>mos appresentar alguns excer<br />

ptos, que iremos cesendo ás doutrinas <strong>de</strong> Martini (pois<br />

somos obrigados a seguil-o, como Compendio adoptado),<br />

importa consultar as obras, d’on<strong>de</strong> os tirámos, as quaes<br />

citaremos, <strong>segundo</strong> o nosso costume, para se po<strong>de</strong>r fa<br />

zer juizo cabal <strong>de</strong> cada uma das theorias.<br />

Seguiremos principalmente a Ahrens, não só porque<br />

nos dá a conhecer muitos systemas, senão porque a sua<br />

theoria é das mais notaveis, e melhor <strong>de</strong>senvolvida.<br />

Aproveitamos já a occasião para appresentar as suas re<br />

flexões preliminares, e a sua doutrina ácerca da proprie<br />

da<strong>de</strong> em geral e das suas especies, e ácerca do <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>.<br />

(a) S. 136 e 355.<br />

(b)<br />

(c)<br />

S. 149 e 557.<br />

S. 136,


•<br />

•<br />

(231 )<br />

Reflexões preliminares.<br />

« O mundo está organizado <strong>de</strong> maneira, que tudo<br />

existe n'elle ou para si mesmo, tendo um fim proprio,<br />

por exemplo, os homens, ou existe para outro ser, sendo<br />

sómente um meio, sem ter um fim proprio. Tudo o que<br />

tem fim proprio, é uma pessoa; tudo o que não tem fim<br />

proprio, é cousa. Porém como no mundo não existe cou<br />

sa alguma, que não tenha um fim, e como as cousas não<br />

o tem em si mesmas, é mister que seu fim se encontre<br />

nas pessoas, e que as cousas lhes sirvão <strong>de</strong> meios para<br />

sua conservação e <strong>de</strong>senvolvimento. Tal é a razão da<br />

supremacia das pessoas sobre as cousas, e da relação esta<br />

belecida entre ellas, como fins e meios.<br />

« Esta razão <strong>de</strong>duz-se da organização do universo. E<br />

como este arranjo harmonico <strong>de</strong> todos os seres não pó<br />

<strong>de</strong> ser producto do acaso, senão que revéla uma intelli<br />

gencia suprema, que tem or<strong>de</strong>nado tudo <strong>de</strong> maneira que<br />

um seja o fim e outro o meio, pó<strong>de</strong>-se dizer, que a<br />

submissão <strong>de</strong> todas as cousas ás pessoas é a intenção <strong>de</strong><br />

Deos, que quer que os seres pessoaes se sirvão dos obje<br />

ctos impessoaes como meios para a conservação e <strong>de</strong>sen<br />

volvimento <strong>de</strong> sua vida.<br />

« Para saber quaes são os seres pessoaes, e quaes as<br />

cousas, distincção importante para a proprieda<strong>de</strong>, é ne<br />

cessario <strong>de</strong>terminar os characteres da personalida<strong>de</strong>. A<br />

qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoa é inherente a todos os seres, que são<br />

dotados <strong>de</strong> sentimento, e principalmente áquelles, que<br />

são dotados <strong>de</strong> consciencia propria e <strong>de</strong> razão. E como os<br />

brutos são dotados <strong>de</strong> sentimento, e até um certo ponto<br />

<strong>de</strong> reflexão, o que faz que possuão eu parte os characte<br />

res <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, não <strong>de</strong>vem tractar-se inteiramente<br />

como cousas. Ainda que material, tem seu fim, o con<br />

seguimento das sensações agradaveis, o qual os homens<br />

<strong>de</strong>vem respeitar, em quanto se concilia com o fim mais<br />

elevado, a que aspirão.<br />

«Só as cousas pois po<strong>de</strong>m totalmente ser emprega<br />

das para os differentes fins e necessida<strong>de</strong>s do homem; e<br />

da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste emprego resulta o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

prieda<strong>de</strong>.<br />

« A questão da proprieda<strong>de</strong> é uma das mais impor


(232 )<br />

tantes e das mais complicadas do Direito. Nesta questão<br />

encontrão-se <strong>de</strong> novo todas as hypotheses estabelecidas<br />

ácerca do Direito Natural em geral. Por causa <strong>de</strong>sta di<br />

vergencia <strong>de</strong> doutrinas é necessario fixar bem o modo<br />

como <strong>de</strong>ve tractar-se esta questão, e manifestar o erro<br />

das hypotheses, pelas quaes tem sido muitas vezes com<br />

fundida.<br />

« Tracta-se em primeiro lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar o di<br />

reito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, e não a sua origem historica. E indif<br />

ferente ao Direito o modo como a proprieda<strong>de</strong> foi intro<br />

duzida na vida social dos póvos; esta questão pertence á<br />

historia. Porém assim como a historia em geral não pó<br />

<strong>de</strong> ser fonte do Direito, como vimos em outra parte (a),<br />

do mesmo modo a origem da proprieda<strong>de</strong>, que alias<br />

tem sido muito differente nos diversos póvos, não pó<strong>de</strong>º<br />

dar-nos base alguma para o Direito da mesma. As dif<br />

ferentes maneiras, pelas quaes tem nascido a proprie<br />

da<strong>de</strong>, não constituem os titulos da proprieda<strong>de</strong> em Di<br />

reito Natural, assim como os modi adquirendi, sancciona<br />

dos pelo Direito positivo, não constituem o titulo do Di<br />

reito positivo. -<br />

« Tracta-se <strong>de</strong> conhecer a razão e a base juridica<br />

da proprieda<strong>de</strong>. Esta questão <strong>de</strong>ve resolver-se <strong>segundo</strong> os<br />

principios, que <strong>de</strong>senvolvemos sobre o Direito em geral.<br />

O Direito Natural só estabelece a base geral do Direito<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Mas sobre esta base po<strong>de</strong>m estabelecer<br />

se na vida dos póvos diferenças e modificações necessa<br />

rias, attento o seu <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> cultura nas diversas épochas<br />

do seu <strong>de</strong>senvolvimento. Só pelo Direito Natural não po<br />

<strong>de</strong>rá pois <strong>de</strong>cidir-se, se o <strong>estad</strong>o da proprieda<strong>de</strong> tal, como<br />

existe num povo, em uma épocha dada, é bom ou máo,<br />

porque nesta apreciação <strong>de</strong>ve entrar tambem o exame do<br />

gráo <strong>de</strong> cultura d'um povo nesta épocha, e a differença<br />

<strong>de</strong> cultura pó<strong>de</strong> legitimar as differenças da organização<br />

da proprieda<strong>de</strong>. E mister não esquecer, que a questão<br />

da proprieda<strong>de</strong> é uma questão <strong>de</strong> Direito e <strong>de</strong> Politica<br />

ao mesmo tempo. E para que esta questão seja bem com<br />

prehendida, importa indicar ao menos os pontos <strong>de</strong> vista<br />

principaes, sobre os quaes <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar-se a proprie<br />

| da<strong>de</strong> na realida<strong>de</strong> da vida social. •<br />

(*) Append, ao C, I.<br />

= = —


(233)<br />

« O exame da questão da proprieda<strong>de</strong> divi<strong>de</strong>-se<br />

em duas partes. A primeira contém a theoria geral, ou<br />

abstracta da proprieda<strong>de</strong>: a segunda algumas consi<strong>de</strong>ra<br />

ções politicas sobre a organização da proprieda<strong>de</strong> na vida<br />

social.<br />

Da proprieda<strong>de</strong> em geral e das suas especies.<br />

« O primeiro ponto consiste em <strong>de</strong>terminar o que<br />

se <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r por proprieda<strong>de</strong>, e quaes são as suas<br />

differentes especies.<br />

«Primeiro que tudo é necessario distinguir bem a<br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> do <strong>direito</strong> da proprieda<strong>de</strong>, distinc<br />

ção, que em geral não tem feito os Auctores, apezar <strong>de</strong><br />

ser muito importante.<br />

• •<br />

«Em quanto á noção <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, é evi<strong>de</strong>nte<br />

que é uma noção mais geral, do que a <strong>de</strong> Direito, pois<br />

nem tudo o que é proprieda<strong>de</strong>, entra no dominio do Di<br />

reito,<br />

«Proprieda<strong>de</strong> em geral é o que como qualida<strong>de</strong><br />

está inherente a uma cousa, e estas qualida<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m<br />

ser fysicas, ou intellectuaes. Por isto se diz, que um obje<br />

cto tem tal ou qual proprieda<strong>de</strong>. Mas esta noção é muito<br />

extensa para o Direito.<br />

« Em Direito não se pó<strong>de</strong> chamar proprieda<strong>de</strong>, se<br />

não a uma cousa, que tem qualida<strong>de</strong>s, que a tornão pro<br />

pria para satisfazer directa ou indirectamente alguma au<br />

algumas das nacessida<strong>de</strong>s do homem. Em fim, em Direi<br />

to, proprieda<strong>de</strong> é a cousa, que é um meio, ou uma con<br />

dição <strong>de</strong> conservação e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da vida hu<br />

mana. Nisto consiste a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> ou proprie<br />

da<strong>de</strong> juridica, que é preciso distinguir <strong>de</strong> qualquer outra<br />

especie <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Os conhecimentos, que um ho<br />

mem pó<strong>de</strong> ter acquirido, e que lhe pertencem, consti<br />

tuem tambem uma proprieda<strong>de</strong>; porém proprieda<strong>de</strong>, que<br />

é intellectual, e que, como tal, não entra no dominio do<br />

Direito. Só quando estes conhecimentos tem sido mani<br />

f<strong>estad</strong>os ou publicados d'um modo qualquer, passando<br />

assim ao dominio publico, vem a ser um meio d. <strong>de</strong>sen<br />

volvimento para a vida social, e o Direito <strong>de</strong>ve regular<br />

os efeitos <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong>, * *-


-<br />

(234)<br />

. « Ha outra especie <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, que se pó<strong>de</strong><br />

chamar proprieda<strong>de</strong> moral. Por exemplo, a reputação, a<br />

honra, o amor mesmo são uma proprieda<strong>de</strong> moral. Po<br />

rém os attaques feitos a esta especie <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não<br />

se punem, nem <strong>de</strong>vem ser punidos pelo Direito, em<br />

quanto <strong>de</strong>lles não resultão effeitos exteriores susceptiveis<br />

<strong>de</strong> ser provados, v.g., o adulterio. O mesmo succe<strong>de</strong><br />

com as outras qualida<strong>de</strong>s moraes, a honra, a reputação;<br />

são tambem verda<strong>de</strong>iras proprieda<strong>de</strong>s, porém proprie<br />

da<strong>de</strong>s moraes, que, como taes, não entrão no dominio<br />

do Direito, pelo que este não pó<strong>de</strong> fazer mais do que<br />

garantir a inviolabilida<strong>de</strong> e o respeito exteriores.<br />

« Po<strong>de</strong>m-se pois estabelecer tres especies principaes<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>: a proprieda<strong>de</strong> intellectual; a proprie<br />

da<strong>de</strong> moral; e a proprieda<strong>de</strong> juridica, ou <strong>de</strong> <strong>direito</strong>.<br />

« A ultima pertence tudo o que é meio, condição<br />

exterior para o <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual do<br />

homem. A proprieda<strong>de</strong> juridica distingue-se das outras<br />

em ter um character exterior, que consiste nas condições<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, condições, que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>termi<br />

Moral. nadas e reconhecidas, sem que se toque no terreno da<br />

•<br />

« As outras proprieda<strong>de</strong>s são todas interiores. Po<br />

<strong>de</strong>m existir, sem produzir effeitos externos. Um homem<br />

pó<strong>de</strong> ter acquirido muitos conhecimentos, possuir segre<br />

dos, que são sua proprieda<strong>de</strong>, sem manifestal-os. Mas<br />

por esta razão a socieda<strong>de</strong>, em quanto elles se não tor<br />

não exteriores, não pó<strong>de</strong> dar-lhes a garantia, que dá<br />

sempre á proprieda<strong>de</strong> juridica. ,<br />

« Por ultimo cumpre distinguir a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>, ou juridica, do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />

« Em todos os tempos e situações o homem tem pos<br />

suido uma proprieda<strong>de</strong> qualquer, ainda que geralmente<br />

se lhe não tenha dado este nome. Porque sem proprie<br />

da<strong>de</strong>, i. é, sem meios d'existencia, meios, que consti<br />

tuem a proprieda<strong>de</strong>, o homem não po<strong>de</strong>ria viver; a pro<br />

pria vida é a prova da existencia d’uma proprieda<strong>de</strong>.<br />

Porém esta proprieda<strong>de</strong>, que ha existido sempre, ainda<br />

no <strong>estad</strong>o selvagem, pó<strong>de</strong> ser mais ou menos extensa.<br />

« A repartição dos meios d'existencia e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento pó<strong>de</strong> ser mais ou menos confórme ao Direito, i. é,


•<br />

(235 )<br />

mais eu menos proporcionada ás necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada<br />

homem; e os modos d’acquirir a proprieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser<br />

mui differentes, e até contrarios aos principios da Justiça<br />

Natural. Tracta-se pois <strong>de</strong> fundar a proprieda<strong>de</strong> sobre os<br />

prieda<strong>de</strong>. principios do Direito, e nisto consiste o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

Do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />

« Para <strong>de</strong>terminar em que consiste o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

prieda<strong>de</strong>, é mister recordar, que o Direito em geral con<br />

siste no complexo das condições necessarias para o <strong>de</strong>sen<br />

volvimento fysico e intellectual do homem, em quanto<br />

estas condições são <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da vonta<strong>de</strong> humana. Ora<br />

do que acabámos <strong>de</strong> dizer ácerca da noção <strong>de</strong> proprieda<br />

<strong>de</strong>, se <strong>de</strong>duz, que a noção <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> na sua essencia<br />

e a mesma que a do Direito, porque a proprieda<strong>de</strong> con<br />

siste tambem nos meios proprios para satisfazer as neces<br />

sida<strong>de</strong>s, que se fundão na natureza do homem, e estas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s são provocadas pela do seu <strong>de</strong>senvolvimento<br />

'fysico e intellectual. Com tudo, apezar <strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ntida<br />

<strong>de</strong>, ha uma differença essencial entre estas duas noções.<br />

«Em primeiro lugar o Direito sómente exprime a<br />

relação totalmente geral entre o homem e os meios ne<br />

cessarios para o seu <strong>de</strong>senvolvimento. A proprieda<strong>de</strong> pelo<br />

contrario exprime a realização <strong>de</strong>sta relação, i. é, a<br />

união real das cousas com a personalida<strong>de</strong> humana, <strong>de</strong><br />

maneira que esta pó<strong>de</strong> servir-se daquella immediatamen<br />

te. Po<strong>de</strong>m dar-se <strong>direito</strong>s ás cousas, sem que esses di<br />

reitos sejão realizados, sem possuir já essas cousas para<br />

as appropriar ás necessida<strong>de</strong>s, sobre as quaes se fundão<br />

os <strong>direito</strong>s. Assim a noção <strong>de</strong> Direito é mais geral, do que<br />

a da proprieda<strong>de</strong> juridica. E certo porém, e isto é uma<br />

prova da exactidão da noção, que démos, <strong>de</strong> Direito, que<br />

a proprieda<strong>de</strong> é uma expressão, um resultado do Direito.<br />

Pó<strong>de</strong> dizer-se, fallando rigorosamente, que a proprieda<br />

<strong>de</strong> particular. juridica é a realização • •<br />

do Direito para uma pessoa<br />

« A proprieda<strong>de</strong> é pois o <strong>direito</strong> particular <strong>de</strong> cada<br />

um, a realização do Direito proprio <strong>de</strong> cada um. O que<br />

Se <strong>de</strong>ve individualmente a cada homem, é o que constitue


•<br />

(236)<br />

o seu <strong>direito</strong> á sua proprieda<strong>de</strong>. A <strong>de</strong>finição pois exacta<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> juridica é esta: a proprieda<strong>de</strong> é a reali<br />

zação do complexo dos meios e condições necessarias para<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento, quer fysico, quer intellectual <strong>de</strong> cada<br />

individuo na quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong> conformes ás suas<br />

necessida<strong>de</strong>s.<br />

«Por esta <strong>de</strong>finição se vê, que a proprieda<strong>de</strong> não só<br />

é fundada em <strong>direito</strong>, senão sobre o Direito mesmo,<br />

por isso que ella é uma applicação particular <strong>de</strong>ste á<br />

esfera individual <strong>de</strong> cada pessoa. A proprieda<strong>de</strong> pois<br />

com o Direito tem o mesmo fundamento. Tem sua base<br />

mas necessida<strong>de</strong>s do homem taes, quaes resultão dos dif<br />

ferentes fins racionaes, a que ele se dirige para seu <strong>de</strong>s:<br />

envolvimento. Cada homem, qualquer que seja sua voca<br />

ção, ou o fim, a que aspira, ou seja religioso, ou scien<br />

tifico, artistico, etc., <strong>de</strong>ve ter uma proprieda<strong>de</strong> propor<br />

cionada ás suas necessida<strong>de</strong>s, as quaes resultão por um la<br />

do <strong>de</strong> sua natureza humana em geral, e por outro da pro<br />

fissão particular, que tem abraçado. A proprieda<strong>de</strong> é pois<br />

para cada homem uma condição <strong>de</strong> sua vida e do seu<br />

<strong>de</strong>senvolvimento; e assim como é certo que o homem se<br />

<strong>de</strong>ve <strong>de</strong>senvolver em todas as suas faculda<strong>de</strong>s, assim tam<br />

bem é justo que todo o homem possua uma proprieda<strong>de</strong><br />

proporcionada ás suas necessida<strong>de</strong>s. Não ha outra base,<br />

outra razão para a proprieda<strong>de</strong>. |-<br />

« A proprieda<strong>de</strong> é tambem a applicação do <strong>direito</strong><br />

particular <strong>de</strong> cada um ás cousas, que são meios <strong>de</strong> sua<br />

existencia e do seu <strong>de</strong>senvolvimento. Depois <strong>de</strong> haver<br />

<strong>de</strong>terminado em que consiste a proprieda<strong>de</strong> juridica, va<br />

mos consi<strong>de</strong>rar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />

« Como a proprieda<strong>de</strong> é o <strong>direito</strong> realizado <strong>de</strong> cada<br />

um o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> explica evi<strong>de</strong>ntemente um<br />

<strong>direito</strong> para a realisação d'um <strong>direito</strong>, i. é, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

# contém e implica as condições, <strong>de</strong>baixo das<br />

quaes uma pessoa pó<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r, que se lhe dê uma pro<br />

prieda<strong>de</strong> confórme ás suas necessida<strong>de</strong>s,<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> encerra pois as condições<br />

e os meios para a acquisição, conservação e empregº da<br />

proprieda<strong>de</strong>, e contém ao mesmo tempo as acções judi<br />

ciaes, concedidas á pessoa competente, já para a aequisi<br />

{ão, já para a recuperação ou reivindicação, já para º<br />

uso da proprieda<strong>de</strong>.


* ( 237 )<br />

« O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> contém pois um duplica<br />

do <strong>direito</strong>. E, por assim dizer, o Díreito em segunda<br />

potencia (à la secon<strong>de</strong> puissance); porque se tem <strong>de</strong><br />

monstrado, que a proprieda<strong>de</strong> por si mesma exprime já<br />

um <strong>direito</strong>, o <strong>direito</strong> proprio <strong>de</strong> cada um; por tanto o<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é o <strong>direito</strong> a um <strong>direito</strong>, i. é, o<br />

<strong>direito</strong> á acquisição, á protecção, e ao emprego <strong>de</strong>ste<br />

<strong>direito</strong> proprio, que constitue a proprieda<strong>de</strong>. .<br />

« A distincção entre a proprieda<strong>de</strong> juridica e o di<br />

reito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é pois essencial e importante na<br />

applicação.<br />

«Tracta-se agora <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar com miu<strong>de</strong>za a união<br />

da proprieda<strong>de</strong> e do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Como a pro<br />

prieda<strong>de</strong> não sómente é fundada sobre o Direito, senão<br />

ainda exprime o Direitº em quanto se applica a uma pes<br />

soa particular, a proprieda<strong>de</strong> participa necessariamente<br />

<strong>de</strong> todos os characteres do Direito. Tem o mesmo fun<br />

damento e o mesmo fim, que o Direito. A proprieda<strong>de</strong><br />

é pois fundada sobre a natureza do homem, e suas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s fysicas e intellectuaes; e o seu fim é procu<br />

rar a cada um tudo aquillo, que é necessario para sa<br />

tisfazer ás suas necessida<strong>de</strong>s. Não ha outra razão, nem<br />

outro fim para a existencia da proprieda<strong>de</strong>. Porém como<br />

esta razão é commum a todos os homens, <strong>de</strong>ve haver<br />

uma proprieda<strong>de</strong> para todos os homens indistinctamente.<br />

« Os limites do <strong>direito</strong> proprio são tambem os limi<br />

tes da proprieda<strong>de</strong>; e como o <strong>direito</strong> proprio <strong>de</strong> cada um<br />

se limita ao complexo das condições necessarias para o<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual, cada um, se<br />

gundo o Direito Natural, não pó<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r mais, do<br />

que a proprieda<strong>de</strong> sufficiente para as necessida<strong>de</strong>s, que<br />

lhe resultão da necessida<strong>de</strong> do seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

« O titulo <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> é assim constituido para<br />

cada um pelas suas necessida<strong>de</strong>s. Quando estas necessida<br />

<strong>de</strong>s estão satisfeitas, e em tanto, quanto estão satisfeitas,<br />

extingue-se o titulo por Direito Natural, e não ha outra<br />

razão para a proprieda<strong>de</strong>, senão a varieda<strong>de</strong> das necessi<br />

da<strong>de</strong>s da natureza humana. Mas como a proprieda<strong>de</strong> se<br />

refere ás necessida<strong>de</strong>s já fysicas, já intellectuaes, que<br />

resultão necessariamente do <strong>de</strong>senvolvimento da natureza<br />

humana, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como um


(238 )<br />

<strong>direito</strong> primitivo e absoluto, e não como um <strong>direito</strong> con<br />

dicional e hypothetico. Porque não é necessario que pre<br />

ceda um acto qualquer da parte d'uma pessoa para ac<br />

quirir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.<br />

«A proprieda<strong>de</strong> resulta immediatamente da natureza<br />

do homem. Não são actos particulares, como a occupa<br />

ção, a convenção, etc., os que constituem o titulo da<br />

proprieda<strong>de</strong>. Basta ser homem para ter <strong>direito</strong> a uma<br />

proprieda<strong>de</strong>.<br />

« Depois <strong>de</strong> ter estabelecido a doutrina geral da<br />

proprieda<strong>de</strong> tal qual nasce do principio, que temos esta<br />

belecido, vamos examinar as theorias oppostas, que par<br />

tem d'um principio differente; porém que todas se con<br />

formão em não consi<strong>de</strong>rarem a proprieda<strong>de</strong> como um di<br />

reito, que resulta immediatamente da natureza humana,<br />

mas como o producto d'um acto qualquer da vonta<strong>de</strong>, ou<br />

da activida<strong>de</strong> humana, taes, por exemplo, como a occu<br />

pação, a especificação, a convenção, e outros. E, <strong>segundo</strong><br />

o que se disse sobre o character dos <strong>direito</strong>s primitivos ou<br />

naturaes por excellencia, é evi<strong>de</strong>nte que todas estas theo<br />

rias não olhão a proprieda<strong>de</strong> como um <strong>direito</strong> <strong>natural</strong>,<br />

mas como um <strong>direito</strong> <strong>de</strong>rivado, secundario, hypotheti<br />

co, que não existe senão na supposição <strong>de</strong> certos actos do<br />

homem ou da socieda<strong>de</strong> humana. Segundo a nossa theo<br />

ria, proprieda<strong>de</strong> é um Direito Natural, e qualquer que<br />

seja a natureza <strong>de</strong>sta proprieda<strong>de</strong>, a base se <strong>de</strong>scobre no<br />

Direito Natural; base, que sómente encontra modifica<br />

ções na vida social. Tracta-se pois d'examinar se os actos,<br />

indicados pelas theorias oppostas, po<strong>de</strong>m constituir a ra<br />

zão ou o fundamento da proprieda<strong>de</strong> (a).<br />

$. 417.<br />

Principia Martini a expôr a sua theoria sobre o mo<br />

do, por que <strong>natural</strong>mente se estabeleceo o <strong>direito</strong> dos ho<br />

mens sobre cousas certas e <strong>de</strong>terminadas, i. é, a pro<br />

prieda<strong>de</strong>. Martini não procura o que <strong>de</strong> facto aconteceo,<br />

o que foi realmente, esta questão pertence á historia;<br />

mas o que <strong>de</strong>vêra acontecer, <strong>segundo</strong> a natureza dos<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Spéc. 1. Divis. Chap. 2.


• I."<br />

( 239.)<br />

homens e das cousas, e das relações, que ha entre estas<br />

e aquelles; esta questão pertence á Philosophia Juridica<br />

e ao Direito Natural. . \<br />

Martini estabelece a hypothese d’uma communhão<br />

primeva, a que chama negativa, na qual as cousas erão<br />

isentas <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, e por isso <strong>de</strong> ninguem. Nenhum ho<br />

mem tinha <strong>direito</strong>s proprios, ou fixados sobre certas<br />

e <strong>de</strong>terminadas cousas, que trarião necessariamente com<br />

sigo alguma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, contra os principios, que<br />

estabeleceo, <strong>de</strong> que os <strong>direito</strong>s naturaes absolutos são<br />

iguaes em todos os homens (a).<br />

§ 418.<br />

Deduz tres corollarios da sua communhão primeva;<br />

Que neste <strong>estad</strong>o todos os homens tinhão direi<br />

to a todas as cousas, mas sem po<strong>de</strong>rem excluir ninguem.<br />

Este corollario á primeira vista parece não ser uma<br />

conclusão necessaria da doutrina da communhão negati<br />

va, em que as cousas erão nullius. Todavia erão nullius<br />

quanto ao <strong>direito</strong> proprio inherente a certas e <strong>de</strong>termi<br />

nadas cousas, porque similhante <strong>direito</strong> as extrahiria da<br />

communhão, mas estavão sujeitas ao <strong>direito</strong> geral e in<br />

<strong>de</strong>finido, que cada um dos homens tinha ás cousas ne<br />

cessarias para a sua conservação e mais fins, para que o<br />

homem fôra <strong>de</strong>stinado. Deste <strong>direito</strong> é que Martini falla. "<br />

Ninguem podia excluir os outros, porque dada a<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, se um tivesse o <strong>direito</strong> da exclu<br />

são, todos os outros homens o terião tambem, e além<br />

d'haver <strong>direito</strong>s repugnantes para a exclusão <strong>de</strong> todos,<br />

contra o que <strong>de</strong>monstrámos (b), o <strong>direito</strong> d'exclusão <strong>de</strong><br />

struiria o <strong>direito</strong> absoluto ás cousas necessarias á vida<br />

humana.<br />

2." Que tanto os fructos, que a terra produzia<br />

espontaneamente, como os productos da industria e tra<br />

balho dos homens, entravão na communhão negativa, e<br />

não erão proprios <strong>de</strong> pessoa alguma; porque todos os<br />

homens por preceito da Lei Natural erão obrigados a<br />

trabalhar para a sua mutua felicida<strong>de</strong>.<br />

(*) S. 137 e seg.<br />

(b) S. 393.


• (<br />

•<br />

24o )<br />

Nestas poucas palavras parece, que Martini não<br />

admitte o trabalho como fonte da proprieda<strong>de</strong>, <strong>segundo</strong><br />

tem pretendido alguns Philosophos mo<strong>de</strong>rnos, e que se<br />

acosta á communhão <strong>de</strong> bens, que muitos Philosophos<br />

antigos e mo<strong>de</strong>rnos tem preferido ao systema da proprie<br />

da<strong>de</strong>.<br />

•<br />

systemas.<br />

Aproveitamos a occasião para examinar estes dous<br />

•<br />

.<br />

« Exposição e exame da theoria, que fundamenta o di<br />

reito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> no trabalho, ou, como se diz, na<br />

transformação e especificacão das cousas pelo trabalho.<br />

« Nos tempos mo<strong>de</strong>rnos, em que se tem concedido<br />

mais valor, respeito e garantia ao trabalho e á industria,<br />

muitos Auctores tem abandonado a antiga doutrina da<br />

occupação, e tem buscado o titulo da proprieda<strong>de</strong> e sua<br />

origem no trabalho e industria, que uma pessoa tem<br />

posto em uma cousa; porque lhe tem impresso, por as<br />

sim dizer, o sello da sua personalida<strong>de</strong>, transformando-a,<br />

e utilizando-se <strong>de</strong>lla para satisfazer as suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

«Esta doutrina, chamada tambem a da appropriação<br />

das cousas pelo trabalho, é sem dúvida mais racionavel,<br />

do que a da occupação. Desembaraça a questão da pro<br />

prieda<strong>de</strong> das hypotheses gratuitas, e das ficções inuteis<br />

d'um <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong> primitivo, e d’uma convenção sub<br />

sequente; e em vez <strong>de</strong> fazer <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r o estabelecimento<br />

da proprieda<strong>de</strong> da <strong>de</strong>cisão do acaso, a funda pelo con<br />

trario sobre um facto constante, que subsiste sempre e em<br />

todas as partes — a activida<strong>de</strong> do homem. Com tudo esta<br />

doutrina não indica a verda<strong>de</strong>ira razão da proprieda<strong>de</strong>.<br />

Os que a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, dizem, que o não-reconhecimento<br />

ou a lesão d’uma cousa transformada pelo trabalho d’ou<br />

trem seria um attentado dirigido á personalida<strong>de</strong> do ho<br />

mem, e manifestaria um <strong>de</strong>sprezo do <strong>direito</strong>, que cada<br />

um tem, <strong>de</strong> fazer tudo o que não prejudica aos interes<br />

ses d'outrem; que não reconhecer uma proprieda<strong>de</strong> assim<br />

cutada acquirida, semseria<br />

prejuizo <strong>de</strong>sconhecer dos outros. a pessoa em sua obra exe<br />

•<br />

«E porém erroneo este raciocinio <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> muitas<br />

relações. Primeiramente não se po<strong>de</strong>ria applicar senão á


(241 )<br />

primeira épocha da historia dos póvos, na qual havia<br />

um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong> cousas não appropriadas pelo tra<br />

balho. Só em similhantes tempos po<strong>de</strong>ria tal appropriação<br />

constituir um titulo <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Mas esta theoria<br />

presuppõe tambem uma épocha, em que as cousas não<br />

estavão occupadas; e sómente em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivar o titulo<br />

ou o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> da occupação, não olha a oc<br />

cupação senão como o primeiro facto material, pelo qual<br />

uma pessoa entra <strong>de</strong> posse d'uma cousa, facto, que apezar<br />

<strong>de</strong> tudo seria insufficiente, se a cousa occupada não fos<br />

se <strong>de</strong>pois transformada pelo trabalho. E visto como esta<br />

theoria presuppõe um <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> não-occupação das cou<br />

sas, é pouco susceptivel d'applicação actual; pois que<br />

na realida<strong>de</strong> é evi<strong>de</strong>nte, que hoje pelo facto da trans<br />

formação d’uma cousa ninguem chega a ser proprietario<br />

<strong>de</strong>lla. Se assim não fosse, po<strong>de</strong>r-se-hia qualquer ap<br />

propriar <strong>de</strong> muitas materias primas não trabalhadas.<br />

« Por tanto o trabalho ou a industria não bastão<br />

para constituir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. E condição<br />

preliminar, que a cousa, que se transforma, não pertença<br />

a ninguem. Porém aqui é on<strong>de</strong> está a questão da pro<br />

prieda<strong>de</strong>. Só o proprietario tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> transformar<br />

uma cousa <strong>segundo</strong> suas necessida<strong>de</strong>s. A transformação<br />

não eria a proprieda<strong>de</strong>, presuppõe-na. Suppondo mesmo,<br />

que apo<strong>de</strong>rando-se qualquer d'uma materia para a trans<br />

formar, não causa prejuizo a pessoa alguma, não se pó<strong>de</strong><br />

admittir, que tudo o que o homem é capaz <strong>de</strong> transfor<br />

mar, chegue a ser justamente sua proprieda<strong>de</strong>. Por quan<br />

to, suppondo um terreno, que um só homem pó<strong>de</strong> culti<br />

var, mas que produz fructos, com que po<strong>de</strong>m viver tres<br />

homens, e suppondo que uma aggregação <strong>de</strong> homens<br />

existe nesta proporção d'um para tres em todo um paiz,<br />

seria injusto seguramente, que a terça parte dos mem<br />

Bros da socieda<strong>de</strong>, prevalecendo-se do trabalho e da in<br />

dustria, preten<strong>de</strong>sse possuir só em proprieda<strong>de</strong> todos os<br />

terrenos e todas as industrias, e tornar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua<br />

boa vonta<strong>de</strong> a vida das outras duas partes. Vê-se pois<br />

que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> envolve sempre uma justa<br />

limitação da proprieda<strong>de</strong>, <strong>segundo</strong> o numero e as neces<br />

sida<strong>de</strong>s daquelles, que são <strong>de</strong>stinados pela natureza a<br />

viver juntos no mesmo terreno.<br />

*


(242 )<br />

« Esta limitação necessaria não se <strong>de</strong>ixa conhecer<br />

nem pela transformação, nem pela occupação, e por<br />

conseguinte estes dous factos não po<strong>de</strong>m constituir o ti<br />

tulo ou o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> (a).<br />

Exame dos dous systemas— proprieda<strong>de</strong> individual,<br />

e communhão <strong>de</strong> bens,<br />

“...Até agora não se tem conhecido senão dous syste<br />

mas d'organização da proprieda<strong>de</strong> na vida social; o<br />

systema da proprieda<strong>de</strong> individual e particular, á qual se<br />

tem reservado quasi exclusivamente o nome <strong>de</strong> proprie<br />

da<strong>de</strong>; e o systema da proprieda<strong>de</strong> commum ou da com<br />

munh㺠<strong>de</strong> bens. O primeiro existe, quando uma pessoa<br />

tem a disposição livre e exclusiva das cousas, que tem<br />

acquirido por um titulo <strong>de</strong> Direito. O <strong>segundo</strong> estabelece<br />

se, quando uma communida<strong>de</strong>, como tal, é a unica, que<br />

está investida do po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dispôr livremente dos bens<br />

materiaes, e que distribue a cada um <strong>de</strong> seus membros<br />

º Parte, que consi<strong>de</strong>ra sufficiente para satisfazer suas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s, prescrevendo-lhe o uso, que <strong>de</strong>ve fazer <strong>de</strong>lla.<br />

O Principio dominante no primeiro modo d'organização<br />

é evi<strong>de</strong>ntemente o individualismo; em quanto o ou<br />

trº <strong>de</strong>scança mais ou menos sobre a absorção do indivi<br />

duo em uma communida<strong>de</strong>, ou ser moral e collectivo<br />

mais geral.<br />

|-<br />

«Julgando estes dous systemas <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

gundo os principios<br />

se<br />

exclusivos, sobre<br />

e<br />

que<br />

o outro<br />

<strong>de</strong>scanção,<br />

<strong>de</strong>verião<br />

um<br />

ser con<strong>de</strong>mnados á luz da razão,<br />

não admitte<br />

que<br />

como systema verda<strong>de</strong>iro senão<br />

saiba conciliar<br />

aquelle, que<br />

o principio da liberda<strong>de</strong>, cuja<br />

no<br />

origem<br />

individuo,<br />

está<br />

com o principio da associação, que é o da<br />

humanida<strong>de</strong> como ser collectivo.<br />

« No exame das razões, que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m um<br />

systema<br />

ou outro<br />

sobre a proprieda<strong>de</strong>,<br />

cão,<br />

e das<br />

só temos<br />

objecções,<br />

que examinar<br />

que os atta<br />

estes systemas por um lado,<br />

porque as vantagens d'um são os inconvenientes do ou<br />

tTO.<br />

«Submettendo ao nosso exame o systema<br />

da<strong>de</strong><br />

da proprie<br />

particular, temos primeiramente <strong>de</strong> reconhecer<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Natur. Part Spéc. Chap, a. P. M. S.II.<br />

que


(243 )<br />

que elle é o mais antigo, g e o mais geralmente 3 adoptado p<br />

por todos os póvos da antiguida<strong>de</strong>, e dos tempos mo<br />

<strong>de</strong>rnos. Apezar disto a antiguida<strong>de</strong> e mesmo a adopção<br />

geral d'uma instituição não são em si mesmas um titulo<br />

<strong>de</strong> Direito, porque as leis viciosas po<strong>de</strong>m manter-se muito<br />

tempo e ser adoptadas por muitos póvos sem serem boas<br />

e justas. Com tudo taes factos historicos <strong>de</strong>vem sempre<br />

reter o espirito reflectido para não con<strong>de</strong>mnar com li<br />

geireza uma instituição, sem examinar maduramente, se<br />

tem seu fundamento na natureza humana, ou ao menos<br />

rio <strong>de</strong>senvolvimento social das épochas e dos póvos, que<br />

a tem consagrado. E quanto mais fundamental é uma<br />

instituição, quanto mais toca a numerosas relações da<br />

vida e da activida<strong>de</strong> social, tanto mais difficil é que o<br />

bom senso dos póvos se tenha enganado completamen<br />

te; ou se tenha posto em opposição com a razão illustra<br />

da. Assim que, <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>sta relação, ha poucas insti<br />

tuições, que possão comparar-se com a da proprieda<strong>de</strong>,<br />

e não ha nenhuma, que appresente nos differentes póvos,<br />

em quanto ao principio, tanta homogeneida<strong>de</strong> na organi<br />

zação. E preciso pois que haja razões mui fortes no esta<br />

do social <strong>de</strong> todos os póvos para dar a este systema uma<br />

applicação tão geral. … *,<br />

« Facilmente se <strong>de</strong>scobrem estas razões, e basta<br />

enuncial-as para se vêr o seu gran<strong>de</strong> peso.<br />

… «… 1." A razão principal a favor do modo actual da<br />

organização da proprieda<strong>de</strong> consiste sem contradicção<br />

em que a proprieda<strong>de</strong> particular é o motor principal do<br />

trabalho e da activida<strong>de</strong> dos homens, que permanecerião<br />

na ociosida<strong>de</strong>, se não fossem obrigados a buscar condi<br />

ções <strong>de</strong> sua existencia fysica pelo emprego <strong>de</strong> suas facul<br />

da<strong>de</strong>s intellectuaes e <strong>de</strong> suas forças fysicas. A proprieda<br />

<strong>de</strong> particular é pois, attenta a moralida<strong>de</strong> actual dos ho—<br />

mens, uma condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento individual e so."<br />

cial, a origem dos melhoramentos e dos <strong>de</strong>seobrimentos<br />

os mais importantes sobre tudo na industria, cujo pro<br />

gresso é uma das condições primeiras para facilitar pela<br />

multiplicação dos meios d'existencia fysica o <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento intellectual e moral do homem. . ":" . , ,<br />

« 2." Este systema é causa <strong>de</strong> que muitos trabalhos<br />

penosos, porém uteis para a prosperida<strong>de</strong> material da so<br />

I. 16


.<br />

(244)<br />

cieda<strong>de</strong>, sejão actualmente executados pela mão dos ho<br />

mens, trabalhos; a que ninguem se sujeitaria voluntaria<br />

mente, se não se visse obrigado a isso pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

ganhar pelo trabalho os meios d'existencia.<br />

+ « 3." A proprieda<strong>de</strong> particular mantém, pela <strong>de</strong>s<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> sua distribuição entre os homens, uma<br />

subordinação necessaria sobre tudo nas gran<strong>de</strong>s empresas<br />

mechanicas e industriaes. O systema contrario conduziria<br />

facilmente a uma igualda<strong>de</strong> mal entendida, na qual todos<br />

quererião mandar, e ninguem obe<strong>de</strong>cer.<br />

º 4.° Este systema corta um gran<strong>de</strong> numero <strong>de</strong><br />

questões, que infallivelmente nascerião hoje entre os ho<br />

mens ácerca da distribuição ou partilha constante dos<br />

bens sociaes, se o systema contrario se estabelecesse.<br />

«Entre os argumentos a favor da proprieda<strong>de</strong> par<br />

ticular não citaremos o facto moral, que pó<strong>de</strong> ser a causa<br />

da beneficencia e da carida<strong>de</strong> individual; porque estas<br />

qualida<strong>de</strong>s encontrarião todavia em outra or<strong>de</strong>m social<br />

bastantes occasiões d'exercitar-se por actos intellectuaes<br />

e continuos, sem que houvesse necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> meios ma<br />

.teriaes, cujo donativo é geralmente facto d'um momen<br />

to; e em todos os casos valeria mais que não houvesse<br />

<strong>de</strong>sgraçados, cuja sorte <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da carida<strong>de</strong> acci<strong>de</strong>ntal<br />

dos individuos. **<br />

« As razões, que acabamos d'expôr, provão assás,<br />

que o systema da proprieda<strong>de</strong> particular está intimamen<br />

<strong>de</strong> ligado com todo o modo <strong>de</strong> pensar e dobrar da so<br />

cieda<strong>de</strong> actual, que é a base <strong>de</strong> sua organização, e a<br />

condição <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

« Não obstante, os partidarios da communhão <strong>de</strong><br />

bens fazem contra este systema objecções, cuja justiça e<br />

gravida<strong>de</strong> não po<strong>de</strong>ráó contradizer-se. As principaes são<br />

. 4S seguintes: •<br />

" " . .….….<br />

… & 1.° Este systema funda-se sobre o principio do<br />

egoismo e individualismo, que é uma das causas, que º<br />

fortifição e tornão permanente; por isso é contrario á Mo<br />

ral, que reprova estes motivos dacção, preserevendo aº<br />

Homém que primeiro que tudo consi<strong>de</strong>re o bem geral,<br />

e que posponha seu interesse proprio ao da socieda<strong>de</strong><br />

.humana em geral. . * . .<br />

- 2.° Consagrando o principio do egoismo º dº Ira<br />

}


• «<br />

•<br />

•<br />

( 245)<br />

teresse proprio, o systema da proprieda<strong>de</strong> particular esta<br />

belece e sustenta uma lucta contínua entre os individuos,<br />

que em seu <strong>de</strong>sejo d’acquirir a maior somma possivel <strong>de</strong><br />

bens necessariamente se hão <strong>de</strong> causar prejuizo uns aos<br />

outros. |-<br />

3." Este systema <strong>de</strong>sune e separa as forças e faeul<br />

da<strong>de</strong>s do homem e da socieda<strong>de</strong>, susceptiveis <strong>de</strong> serem<br />

muito melhor empregadas na associação, que daria a<br />

todos direcção, e entre elles sustentaria a harmonia.<br />

Pelo contrario este systema <strong>de</strong>sunindo os homens, e as<br />

suas faculda<strong>de</strong>s, multiplica sem medida os objectos, que<br />

po<strong>de</strong>rião utilizar a muitas pessoas, e que não era preciso<br />

que existissem em tão gran<strong>de</strong> numero.<br />

, « 4." A proprieda<strong>de</strong> particular é a fonte principal<br />

da maior parte dos <strong>de</strong>lictos e dos crimes, que se comet<br />

tem na socieda<strong>de</strong>.<br />

« 5." E a causa d’uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong>,<br />

que não está <strong>de</strong> modo algum em relação com o verda<br />

<strong>de</strong>iro merito dos homens.<br />

... - «6." Em fim este systema funda-se, qüanto aos<br />

modos d’acquirir a proprieda<strong>de</strong>, mais sobre o acaso, do<br />

que sobre os talentos e activida<strong>de</strong> do homem.<br />

, « Por estas razões muitos auctores celebres se tem<br />

<strong>de</strong>clarado contra o systema da proprieda<strong>de</strong>, e a lista<br />

<strong>de</strong>stes escriptores não se fórma sómente <strong>de</strong> Philosophos<br />

e philanthropos, taes como Platão na antiguida<strong>de</strong> , Cam<br />

panella, Rousseau, Fichte, Owen, e S. Simão em tem<br />

pos mo<strong>de</strong>rnos, senão ainda entre elles se encontrão ho<br />

mens, uns, que estiver㺠á frente da administração dos<br />

negocios públicos do seu paiz, como Thomaz Moore, e<br />

outros profundamente versados no conhecimento das le<br />

gislações positivas, taes como Hugo, que <strong>de</strong>sapprovou o<br />

systema da proprieda<strong>de</strong>, porque o julgou contrario á<br />

razão e a uma justa organização social. - (a). »<br />

Outros argumentos contra a communhão <strong>de</strong> bens se<br />

po<strong>de</strong>m ver em Bentham (b) e Burlamaqui (e), os quaes<br />

por brevida<strong>de</strong> omittimos.<br />

, (a) Ahrens Cours du Droit Nat. Part Spéc. Chap. 2. P. º º I. e ao<br />

… (b) Principes du Co<strong>de</strong> civil P. 2, C. 6. :<br />

(e)*#Part; 4.C. 3.9 . …" -- "º . *, * * * * . * - -


•<br />

(246 )<br />

3." O terceiro corollario, que Martini <strong>de</strong>duz da<br />

communhão primeva, é, que todo o homem tinha di<br />

reito <strong>de</strong> praticar os actos necessarios para o exercicio do<br />

<strong>direito</strong> connato ás cousas, v.g., o da caça das feras, da<br />

colheita dos fructos, da edificação da casa, e do transito<br />

por qualquer lugar, com tanto que não lesasse a nin<br />

guem.<br />

Com effeito admittida a hypothese da communhão<br />

negativa, e dado um <strong>direito</strong> absoluto e in<strong>de</strong>terminado ás<br />

cousas, este <strong>direito</strong> seria inutil, senão fosse acompanhado<br />

d'outro, que o tornasse effectivo pelos actos para isso ne<br />

cessarios. Com tanto que não lesasse a alguem, accrescen<br />

ta Martini; o que sómente se pó<strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r do caso<br />

d'alguem embaraçar por esses actos o exercicio do <strong>direito</strong><br />

d'outrem, v. g., apprehen<strong>de</strong>ndo cousas já apprehendi<br />

das, ou mais do que precisava, e que a outrem erão<br />

necessarias. #* .<br />

S. 419<br />

º Continúa Martini <strong>de</strong>senvolvendo a sua theoria da<br />

occupação como origem da proprieda<strong>de</strong>, e principia <strong>de</strong>fí.<br />

nindo o que seja apprehen<strong>de</strong>r ou apprehensão. Appre<br />

hen<strong>de</strong>r alguma cousa é sujeital-a qualquer ao seu po<strong>de</strong>r,<br />

submettel-a ás suas forças fysicas <strong>de</strong> modo, que se possa<br />

servir <strong>de</strong>lla com exclusão dos outros. Apprehensão pois é<br />

o acto ou acção <strong>de</strong> sujeitar a cousa ao nosso po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> tal<br />

modo, que possamos usar <strong>de</strong>lla com exclusão dos outros.<br />

IMartini estabelece, que da apprehensão das cousas fun<br />

giveis, que se consomem com o uso, ou da apprehensão do<br />

uso resulta um <strong>direito</strong>, e que este <strong>direito</strong> é perfeito. Ar<br />

gumenta, dizendo, que o uso <strong>de</strong> uma cousa fungivel, v.<br />

g., dos fructos das arvores, só pó<strong>de</strong> aproveitar a uma pes<br />

soa, que usa <strong>de</strong>lla; e com quanto todas as cousas esti<br />

vessem na communhão negativa e todos os homens tives<br />

sem igual <strong>direito</strong> a ellas, todavia <strong>de</strong>pois do facto da ap<br />

prehensão, a condição do que apprehen<strong>de</strong>o, tornou-se<br />

melhor, do que a dos outros homens, porque ao <strong>direito</strong><br />

connato, e in<strong>de</strong>terminado ás cousas, que todos tinhão<br />

igualmente, accresceo a favor daquelle a circumstancia da<br />

apprehensão da cousa, e não seria razão, que outrem lh'a<br />

cxtorquisse para usar <strong>de</strong>lla. Aquelle, que apprehen<strong>de</strong>o,


.<br />

(247)<br />

estabeleceo na causa, apprehendida o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> usar com<br />

exclusão dos outros. Este <strong>direito</strong> entrou no seu daquelle,<br />

que o acquirio (a), e quem quizesse tirar-lhe a cousa ou<br />

o uso d'ella, invadiria o seu, far-lhe-hia lesão (b), e da<br />

ria lugar ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia (e), que torna perfeito o<br />

<strong>direito</strong>, ao qual açompanha (d) , ºs – f… , , , , ;<br />

Vê-se, pois, que Martini justifica (a acquisição do<br />

<strong>direito</strong> sobre o uso da cousa apprehendida pelas regras<br />

dos JCtos — Caetaris paribus, nélio; est conditio possi<br />

<strong>de</strong>ntis— 4miprior est in tempore, potiorest in jure, — …<br />

… . . 2-9 # …oººo, Bººnin fºi º ºite, ºs e cºi<br />

* # !!…i e ºs o ebioge:Jeroe º up : #*# .…………\<br />

ºi, , …off, #, ao º .……….S.42o. . … :om o "a" * " ".<br />

#o – ories colºrebi … . . . .….! e "fºº"… * . . . ..."<br />

# . Como porém, a proprieda<strong>de</strong> geralmente, admittida<br />

em todos os póvoscomprehen<strong>de</strong>ainda as cousas não fun<br />

giveis, i. é, que se não consomem com o uso, procura<br />

Martini justificar a introducção <strong>de</strong>sta especie <strong>de</strong> proprie<br />

da<strong>de</strong>. Por quanto, se é <strong>natural</strong>, que o genero humano no<br />

seu principio comprehen<strong>de</strong>sse poucas pessoas, e que os<br />

fructos espontaneos da terra {" sufficientes para a<br />

sua sustentaçãº, tambem é <strong>natural</strong>, que pouco a pouco<br />

se augmentasse e chegasse a tal numero, que os fructos<br />

a terra não po<strong>de</strong>ssem satisfazer as suas necessida<strong>de</strong>s.<br />

<strong>natural</strong> que então os homens <strong>de</strong>seobrissem, que a cultu<br />

ra forçava a terra a produzir maior quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fru<br />

ctos, e se convencessem da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar.<br />

Chegados os homens a esta épocha, é <strong>natural</strong> que nem to=<br />

dos os homens trabalhassem com iguai activida<strong>de</strong>, que<br />

alguns se entregassem ao ocio, fugindo ao incommodo do<br />

trabalho, e quizessem viver á custa dos outros, que traba:<br />

lhavão; é <strong>natural</strong> que estes se <strong>de</strong>sgostassem <strong>de</strong> severem<br />

Privados do fructo do suor do seu rosto, e que, da<br />

qui nascessem dissenções e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns; é <strong>natural</strong> que<br />

então a necessida<strong>de</strong> forçasse cada um a apprehen<strong>de</strong>r as<br />

cousas <strong>de</strong> todas as especies indispensaveis para seu uso,<br />

(a) |- s. 144.<br />

→<br />

*#*!! |-<br />

.……….……… … " : —(*)_S. 146.….. •• •- ………………--*---………- ' --- - - --- -- -- " - .<br />

-<br />

- - - (c) S. 15a. e 153. ## e º . " º , , , , ] , arro" a {<br />

(d) S. 156, |-<br />

* . * . * 1<br />

si .. … … :º) - “ … … " ";


(248 );<br />

a accumula-as e <strong>de</strong>tel-as com animo <strong>de</strong> as ter como pro<br />

prias; i. é, possui!-as (a); , | ……… __<br />

Eis a origem, que Martini com muitos Philosophos<br />

antigos assignão á proprieda<strong>de</strong>. Já vimos a noção <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> <strong>segundo</strong> Ahrens (b); os antigos entendião<br />

por proprieda<strong>de</strong>—proprietas —(euja etymologia <strong>de</strong>du<br />

Zião a prope esse) tudo o que era particular d'alguem. Os<br />

JGtos enten<strong>de</strong>m por proprieda<strong>de</strong> já o mesmo que o domi<br />

nio, e já o dominio sem o usufructo. O Sr. Fôrtuna <strong>de</strong>fi<br />

ne a proprieda<strong>de</strong> todos os bens, perfeições e <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong><br />

que goza certa e <strong>de</strong>terminada pessoa. Divi<strong>de</strong>-a 1.° em<br />

pessoal, aquella, que comprehen<strong>de</strong> todas as faculda<strong>de</strong>s<br />

internas, tanto moraes, como fysicas, e os <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong><br />

que se acha investida a pessoa, consi<strong>de</strong>rados como facul<br />

da<strong>de</strong>s moraes d'obrar; é real, aquella, que comprehen<strong>de</strong><br />

as cousas por qualquer modo acquiridas: "2" em <strong>natural</strong>,<br />

aquella, que o homem recebeo só da natureza; e aequi<br />

rida, a que lhe veio d'algum facto ou instituição so<br />

cial (e). …o o c, p .…..… a 1 e . "…i' * * *<br />

cº - … " ", ti …)::( $. 421. …" ";" º "!" " "; "…<br />

* .. …….…", : , tro: …" ……… …) - c * * * * * * * * *<br />

*". Diz Martini o que seja occupação e os requisitos<br />

para ella ter lugar. Occupação é a apprehensão duma<br />

cousa nullius com animo <strong>de</strong> a ter como própria. ***: *"<br />

- " Desta <strong>de</strong>finição se vê, que Martini consi<strong>de</strong>ra a occu<br />

pação como modo originario d’acquirir a proprieda<strong>de</strong>,<br />

porque a limita ás cousas nulius, e o seu fim é tornal-as<br />

proprias do occupante.….……… :* * * * * * * * * * *<br />

" Os requisitos são: … " … ******** * *<br />

". 1." Que as cousas sejão nullius; porque sendo pro<br />

prias d'alguem, sómente se po<strong>de</strong>m acquirir por um modo<br />

<strong>de</strong>rivativo, <strong>de</strong> que fallaremos: sem o consentimento do<br />

senhor da cousa, aquelle, que as occupasse, violaria o<br />

alheio, e faria lesão. * * * * * * * * * *<br />

"2." Que entrevenha um facto, que tire as cousas<br />

dº communhão negativa, elas submetta a proprieda<strong>de</strong><br />

Particular; pois pela natureza não ha cousa certa, que<br />

seja propria d'alguem. \<br />

. * *<br />

(a) (b) Sr. S. 416. Fortuna L. 1. P. 2.<br />

•<br />

C. 1.S. 499 e seg. "<br />

|-<br />

'<br />

*'<br />

(c) Sr. Fortuna loc. cit. S. 424.<br />

*__


| (249 )<br />

…, 3.° Que este facto seja tal, que por elle a cousa fiº<br />

que sujeita ao nosso po<strong>de</strong>r fysico, i. é, que haja appre-º<br />

hensáo e <strong>de</strong>tenção da cousa — posse corporal." * 1<br />

294." Que esta <strong>de</strong>tenção seja com animo <strong>de</strong> a ter co<br />

mo propria — posse juridica. . . # ". . * . . - *<br />

… O Sr. Fortuna, segue que a theoria <strong>de</strong> Martini, diz,<br />

que a posse— possessio— se <strong>de</strong>riva a posse se<strong>de</strong>re, e que<br />

é a <strong>de</strong>tenção da cousa para servir aos usos do possuidor<br />

com exclusão dos outros (a)." * * * . * # , 18<br />

o Divi<strong>de</strong> a posse: 1.° em razão do modo <strong>de</strong> possuiry<br />

em corporal, quando retemos a cousa <strong>de</strong>baixo da nossa<br />

guarda; e mental ou moral, quando possuimos com o ani<br />

mo, sem termos a cousa <strong>de</strong>baixo do nosso po<strong>de</strong>r fysico:<br />

2.° em razão da causa, em juridica ou civil, quando<br />

<strong>de</strong>temos a cousa ou corporal ou mentalmente, por um<br />

justo titulo e como propria; e <strong>natural</strong> ou posse núa,<br />

quando retemos a cousa sim, mas não como nossa: 3.°<br />

em razão do objecto, em verda<strong>de</strong>ira, ou propria, se a<br />

cousa é corporal; e analogica, ou quasi posse, se a cou<br />

sa é incorporea: v. g., os <strong>direito</strong>s e obrigações (b).<br />

º Pelo que fica dito, é facil <strong>de</strong> ver, que Martini, <strong>de</strong><br />

duzindo a proprieda<strong>de</strong> da occupação, vai buscar a sua<br />

origem á apprehenção e <strong>de</strong>tenção da cousa, i. é, á posse.<br />

Martini consi<strong>de</strong>ra a posse como causa da proprieda<strong>de</strong>,<br />

que é daquella um effeito ou resultado: porém Ahrens<br />

com razão sustenta, que, bem analysada a posse, antes<br />

se<br />

da<br />

<strong>de</strong>ve<br />

proprieda<strong>de</strong>.<br />

consi<strong>de</strong>rar como um effeito, do que eomo causa<br />

- • • •<br />

« A theoria da posse, diz elle, mais geralmente ad<br />

mittida, a consi<strong>de</strong>ra como o facto preliminar, indispen<br />

savel da proprieda<strong>de</strong>; <strong>segundo</strong> esta theoria a proprieda<strong>de</strong><br />

pó<strong>de</strong> nascer d’uma posse larga e <strong>de</strong> boa fé. Porém a pos<br />

se não pó<strong>de</strong> constituir o titulo da proprieda<strong>de</strong>. A posse<br />

não pó<strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rada como um <strong>direito</strong> distincto da<br />

proprieda<strong>de</strong> e anterior a ella, senão como um <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

rivado do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, como um <strong>direito</strong> par<br />

ticular contido neste <strong>direito</strong> geral. Por quanto a relação<br />

entre a proprieda<strong>de</strong> e a posse é esta: para que haja posse,<br />

- - º<br />

(a) Sr. Fortuna L. 1. P. 2. C. T.S. 434. ( )<br />

(*) I<strong>de</strong>m loc. cit. S. 435,


#!"<br />

• .………<br />

*<br />

(25o )<br />

cessario, que se tenha provado o titulo da proprieda<strong>de</strong>,<br />

Quando um proprietario tem provado o seu titulo, pó<strong>de</strong><br />

reclamar a posse. Assim bem longe <strong>de</strong> constituir ou <strong>de</strong><br />

rece<strong>de</strong>r o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, a posse se <strong>de</strong>riva <strong>de</strong>l<br />

E. é, para assim o dizer, a sua materialização. ; , , …"<br />

…….… O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> pó<strong>de</strong> existir sem a posse,<br />

mas então é incompleto; a posse o completa; porque<br />

como a proprieda<strong>de</strong> está constituida em razão da neces<br />

sida<strong>de</strong> <strong>de</strong> satisfazer certas exigencias da vida, não po<strong>de</strong><br />

ria produzir seu effeito sem a posse, que põe os meios<br />

<strong>de</strong> as satisfazer no po<strong>de</strong>r real do homem (a).»º vºº, º "º<br />

* * * ! - ….………… º ***<br />

- c …, , …" ; … … e § 422, ……… * …:. .:: … …"<br />

* * * , , , , , , , , ; , …"? O *.* * * * * *<br />

Do facto da occupação nasce para o occupante o<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> dispôr da substancia da cousa e dos seus con<br />

sectarios <strong>segundo</strong> lhe aprouver, com tanto que não lese<br />

a ninguem, e para os outros a obrigação correlativa <strong>de</strong><br />

se absterem da cousa occupada; porque d'outro modo<br />

seria inutil a occupação. A este <strong>direito</strong> chamão os JCtos<br />

dominio, que <strong>de</strong>finem um <strong>direito</strong> real, ou jus in re,<br />

que compete a uma pessoa na cousa sem respeito a algu<br />

ma outra pessoa. - - - - - * * * e º oertº<br />

. . Não só muitos auctores antigos (b), senão ainda Bene<br />

tham, sustentão o systema da occupação originaria , co<br />

mo fundamento primitivo da proprieda<strong>de</strong>. São originaes<br />

e dignas <strong>de</strong> notar-se as razões, com que o justifica este<br />

JCto Philosopho: - * * * . .<br />

iv. 1." O <strong>de</strong>ixar ao primeiro occupante, ou ao que fez<br />

a <strong>de</strong>scoberta, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, poupa-lhe a pena<br />

<strong>de</strong> se ver privado da cousa, que occupou primeiro que<br />

OS OUltrOS. •<br />

* * * • É º • ,<br />

, , , , , , " " " …,<br />

2.° Evitão-se contestações e <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>ns entre o oc<br />

cupante e os concorrentes successivos.…… .:: .::<br />

- ?, 3.° Produzem-se gozos, que sem este <strong>direito</strong> do ocº<br />

cupante não existirião para pessoa alguma; porque o<br />

Pruneiro occupante, tremendo <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r o que tinha<br />

–(a)— Ahrens cours da Droit Nat. Part Spéc. chap.…. P.….S-3--<br />

Direito (b) da Burlamaq. NaturezaP. e 4. dasC. Gentes 8, Barbeyrac <strong>de</strong> Puffendorf.: Notas .. ao C. 4. do L. 4. do<br />

•<br />

… > > * …" * * ** *- •<br />

º<br />


(25r)<br />

<strong>de</strong>scoberto, não ousaria gozar"publicamente com medo<br />

<strong>de</strong> sei trahir a si mesmo, º estudo o que não po<strong>de</strong>sse<br />

consumir num instante; não teria para elle valor algum.<br />

gritº 4." Porque esté bem, que se lhe assegura a titulo<br />

<strong>de</strong> recompensa, sérium gaguilhão á industria dos outros<br />

para procurarem iguaes bens; e a riqueza geral é o re<br />

sultado <strong>de</strong> todas estas acquisições individuaesi * * *<br />

e é 5." Se a cousa não appropriada não fosse do pri<br />

meiro occupante, seria sempre a presa do mais forte; os<br />

fracos vivirião num<br />

, : iii…e a<br />

<strong>estad</strong>o<br />

gí, zo,<br />

<strong>de</strong> continua<br />

ou … º ºrbºiº…<br />

oppressão (a).<br />

# o! # º sumº<br />

…e sigº! estionetº e… # $.i 423. oiºiº *"; …ºººººº<br />

*o o cabou aº º i -ei….…# 1" e "3"#** b …" e<br />

*Martini, estabelecendo a hypothese d'uma commu<br />

nhão primeva, <strong>de</strong>u-lhe o character <strong>de</strong> negativa (b); re<br />

jeitando a opinião <strong>de</strong> Puffendorf, que a tinha estabele<br />

cido comorpositiva, e seguindo a Burlamaqui (c); ape<br />

zarporém da <strong>de</strong>scripção, que fez, da communhão "ne<br />

gativa, para a distinguir das outras especies <strong>de</strong> comtuuº<br />

pháo, diz ainda o que seja communhão positiva e mista.<br />

Dá-se a communhão positiva ou condominio, quando<br />

muitas pessoas occupão a mesma cousa, º tem todas igual<br />

<strong>direito</strong> sobre ella, e po<strong>de</strong>m excluir os <strong>de</strong>mais. Dá-se a<br />

communhão mista, o quando nenhuma das pessoas, que<br />

entrão nella, tem parte <strong>de</strong> <strong>direito</strong> proprio, e as consas,<br />

que são o seu objecto, pertencem a universida<strong>de</strong>, ou<br />

corporação, v. g., os mosteiros. … ( , " * * * * *, .")<br />

… Por on<strong>de</strong> facilmente se enten<strong>de</strong> o que sejão cousas<br />

proprias, communs, e nullius. As primeiras e as segundas<br />

estão sujeitas ao dominio ou proprieda<strong>de</strong>; as ultimas<br />

não, mas po<strong>de</strong>m vir a estal-o. , . . ".<br />

* * * *<br />

…" #; ...; … * . ***<br />

|- º<br />

sº #, o , , ' … - S. 424. * … "… * * * * * * -<br />

*<br />

• |-<br />

* * * * * * * * #>\ …<br />

* * * * * * * * \ssº, ºs -><br />

. Martini primeiro <strong>de</strong>fine o título e o modo da acqui<br />

sição da proprieda<strong>de</strong>; e divi<strong>de</strong> os modos em originarios<br />

quisição e <strong>de</strong>rivativos; primevada <strong>de</strong>poisproprieda<strong>de</strong>. diz qual foi o titulo e modo da ac<br />

• • • ……… …<br />

---- — —— — —<br />

(2 Bentham Principes da co<strong>de</strong> civil P. 2. C. 1. * * *<br />

– (*) - S.4.17. - - - - - - - - - - - - -- -- - - - -----<br />

(9,"… r. 4. cº. 1. * * * ******* * site dá …;<br />


|-<br />

(252 )<br />

oi, o Modo é aquillo, que serve <strong>de</strong> meio sufficiente pará<br />

a acquisição; titulo é a razão, que justifica aiacquisiçãº<br />

Os modos,são ou originarios, se as cousas são nullius, ou<br />

<strong>de</strong>rivativos, se são alicujus. Ao titulo tambem se chama<br />

causa remota, e ao modo causa proximada acquisição."<br />

-, , Martini com todos os JCtos distinguem o titulo e o<br />

modo da acquisição das proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira, que<br />

pó<strong>de</strong> existir um sem o outro; porém Ahrens sustenta º<br />

contrario.….… dº aº gºl e ….……e é º , …" º "i" ";<br />

«. Em Direito. Natural, não pó<strong>de</strong> haver distinoção<br />

entre o título da proprieda<strong>de</strong> e os modos <strong>de</strong> a acquirir,<br />

enten<strong>de</strong>ndo-se por modo d’acquirir as maneiras legitimas<br />

e justas d’acquirir a proprieda<strong>de</strong>. Estes modos são os<br />

indicados pelos principios <strong>de</strong> Direito. Assiiniio modo<br />

d'acquirir se confun<strong>de</strong> em Direito Natural com o título,<br />

ou º <strong>direito</strong>. O homem, não tem <strong>direito</strong> a uma proprie<br />

da<strong>de</strong>, e não acquire uma proprieda<strong>de</strong>, senão quando suas<br />

uecessida<strong>de</strong>s, à necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento em<br />

uma ou outra direcção, exigem a posse, como condição<br />

<strong>de</strong>ste <strong>de</strong>senvolvimento, e da satisfacção das necessida<strong>de</strong>s 1<br />

ae, <strong>de</strong>lle resultão. Por conseguinte os differentes mo<br />

#### , estabelecidos pelas leis positivas, como,<br />

por exemplo, a accessão, a alluvião, a especificação, não<br />

constituem por si mesmas um <strong>direito</strong>. Porque temos<br />

visto, que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>rivar-se<br />

<strong>de</strong> nenhum facto pessoal, fysico, ou puramente intelle<br />

ctual do homem. Assim que a aluvião, a accessão, a es<br />

pecificação não são mais do que factos fysicos, que po<br />

<strong>de</strong>m sim augmentar a proprieda<strong>de</strong> e, ser objecto <strong>de</strong>lla 3)<br />

porém não constituir por si mesmos o <strong>direito</strong>(a), º<br />

Na segunda parte do $, <strong>de</strong>duz Martini dos princi<br />

pios até aqui estabelecidos a conclusão — que o titulo da<br />

acquisição do dominio, ou da proprieda<strong>de</strong> foi o <strong>direito</strong><br />

connato d'occupar; e que o modo da acquisição fôra o<br />

mesmo acto da occupação, que é o unico modo origi<br />

nário simplesmente tal <strong>de</strong> acquirir,<br />

-<br />

, Alguns Philosophos, admittindo a occupação como<br />

origem da proprieda<strong>de</strong>, exigem certos requisitos, v.g.,<br />

uma convenção, porém Ahrens rejeita completamente a<br />

theoria da occupação, como fonte da proprieda<strong>de</strong>.<br />

(a) Ahrens Cours du Droit. Nat, Part, Spec. Chap, 1.P. 1. § 5.


( a53 )<br />

…or… A occupaç㺠das cousas, diz elle, que não tem<br />

àono, tem sido mais geralmente, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os tempos mais<br />

antigos consi<strong>de</strong>rada como: o principal titulo, que con<br />

fere a proprieda<strong>de</strong>." º supos #Tet , eoir: º .……… …<br />

foi « Os JCtos romanos tinhão admitti<strong>de</strong>º este principio<br />

em suas <strong>de</strong>cisões, e a compilação <strong>de</strong> Justiniano o consa<br />

como um principio legislativo, , , , , , ""<br />

##p «Accreditava-se pois que a razão estabelecia este<br />

principio, e esta tem sido a opinião <strong>de</strong> quasi todos os<br />

auctores, que tem escripto-sobre a proprieda<strong>de</strong> (a). ***".<br />

sº… Sem embargo, muitos: Jotos e principalmente os<br />

dos tres ultimos seculos, que tem estabelecido este prin<br />

eipio, não e tem consi<strong>de</strong>rado como bastante por si só<br />

para conferir a uma pessoa o uso exclusivo d'uma cousa.<br />

Tem notado com razão, que era necessario que as outras<br />

pessoas, que não tinhão occupado a cousa, fossem obri<br />

gadas a reconhecer e a respeitar a posse acquirida por<br />

meio da oceupação. Para justificar esta obrigação tem-se<br />

supposto em primeiro lugar, que ao principio todos os .<br />

homens tinhão tido um <strong>direito</strong> igual a todas as cousas;<br />

porémique, para possuil-as como proprias, havião con<br />

vencionado tacitamente entre si o renunciar cada um<br />

por sua parte áquelle <strong>direito</strong> universal sobre todas as<br />

cousas, com a eondição, que todos reconhecessem como<br />

proprieda<strong>de</strong> exclusiva a parte do terreno, que uma pes<br />

soa tivesse sido a primeira a occupar. …" …"-" º "2"<br />

na º « Examinando esta doutrina, que funda a proprie<br />

da<strong>de</strong> na occupação, é necessario notar em primeiróºlu<br />

gar, que confun<strong>de</strong> a questão do principio, ou do direi<br />

io <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, com a da sua origem historica. E certo<br />

que a proprieda<strong>de</strong> territorial <strong>de</strong>ve em geral a sua origem<br />

á occupação, que os homens fizerão do sólo e das cousas<br />

materiaes; mas o só facto da occupação d’uma cousa não<br />

pó<strong>de</strong> constituir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, e na realida<strong>de</strong><br />

esta primeira oecupação não tem jámais sido respeitada;<br />

porque sempre os homens, que primeiro entrárão em um<br />

paiz <strong>de</strong>shabitado, se tem visto forçados, apezar <strong>de</strong> seus<br />

* * |- - - • • —<br />

|-<br />

*<br />

+. (…) Gracio D. Jure Belli ac Pacis Lib. 2. C. 2., Puffendorf pe<br />

Jure Naturae et Gentium L. 4. C. 6.. Blackstone Commentarios sobre<br />

as leis inglesas, Burlamaq. P. 4. G. 8, … . * * *


(…)<br />

<strong>de</strong>sejos contrarios, a dar partes <strong>de</strong>lle aos que posterior<br />

mente chegárão, se erão assás fortes para fazer valerasuas<br />

pretenções. Segundo a theoria da occupação, em ultima<br />

analyse seria antes a força do que a primeira occupação;<br />

a que <strong>de</strong>veria ser consi<strong>de</strong>rada como o principio e o titulo<br />

da proprieda<strong>de</strong>; porém, a força não pó<strong>de</strong> produzir di<br />

reito. .nvida:-23 · · · 11 * # : ;… =**<br />

e, , « Os partidarios <strong>de</strong>sta doutrina tem conhecido, que<br />

o só facto material da occupação não podia obrigaria<br />

terceiras pessoas cáquelle, assentimentº e respeito pela<br />

cousa occupada, respeito; sem o qual não existe a-pro<br />

prieda<strong>de</strong>. Por esta razão lhes foi mister imaginar a hypo.<br />

these d'uma convenção geral, formada entre os homens<br />

no principio da socieda<strong>de</strong>, convenção, que jámais existio<br />

nem expressa, nem tacitamente. Nos primeiros tempossôs<br />

mente a força podia fazer respeitar a occupação. Verda<strong>de</strong><br />

é que numa épocha <strong>de</strong> civilização mais adiantada", na<br />

qual tem sido reconhecidos pelos póvos cultos certos prin<br />

cipios do Direito das Gentes, sei consignou n’elles, co<br />

mo meio <strong>de</strong> acquirir a proprieda<strong>de</strong>, o principio da pri<br />

imeira occupação. Mas nos primeiros tempos tal principio<br />

não foi reconhecido por nenhuma convenção nem expresº<br />

sa, nem tacita. A hypothese d'uma convenção feitas entre<br />

os homens, para se assegurarem reciproeamente a posse<br />

d’uma cousa occupada, é em primeiro lugar falsa, e em<br />

<strong>segundo</strong> nada explica; por quanto ainda mesmo que ra<br />

zoavelmente se po<strong>de</strong>sse admittir uma convenção expressa,<br />

ou tacita, seria ainda necessario que ella fosse renovada<br />

sem cessar pelos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos primeiros pactuantes,<br />

IJm contracto, não é obrigatorio, senão para as pessoas,<br />

que nelle forão estipulantes. Não pó<strong>de</strong> obrigar a um ter<br />

ceiro, e muito menos ás gerações futuras. E seria poucº<br />

menos do que insultar a <strong>de</strong>sgraça, o suppor, que os mi<br />

lhões <strong>de</strong> homens, que vivem na miseria, tenhão volunta<br />

riamente renunciado o <strong>direito</strong>, que tinhão originariamenº<br />

te ás cousas, cuja privação constitue a sua infelicida<strong>de</strong>.<br />

, « Vê-se pois que confundindo assim a questão dº<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> com a da sua origem historica, º<br />

mister recorrer a uma h pothese, que não faz mais, do<br />

que augmentar as difficulda<strong>de</strong>s em vez <strong>de</strong> resolvê-as:<br />

""" º Demais, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong>ste erro historicº»


(a55)<br />

5 facto da occupação já mais po<strong>de</strong>ria constituir o "justo<br />

-titulo da proprieda<strong>de</strong>. Pois, se assim fosse; teria <strong>de</strong> ad<br />

-mittir-se que o acaso pó<strong>de</strong> ser a fonte do Direito, por<br />

que a primeira occupação não é mais do que um acontê<br />

- cimento, produzido por circunstancias fortuitas, que<br />

com igual razão podéra favorecer a qualquer outro. Além<br />

disso não po<strong>de</strong>rá admittir-se, que um tal acaso possa fá<br />

zera um individuo dono d'uma quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> objectos,<br />

<strong>de</strong> que não tenha necessida<strong>de</strong> alguma, os quaes serião<br />

-mais justamente empregados; se estivessem divididos e<br />


,<br />

|- • • ,<br />

(…)<br />

a simples apprehensão, da cousa sem aquella", intenção<br />

certo não tira a cousa da communhão negativa, não pro<br />

duz a proprieda<strong>de</strong>, ou o dominiq. E necessario, que pos<br />

safrsicamente; porque as forças iysicas s㺠indispensaveis<br />

para praticar o facto da apprehensão, sem o qual não pó<br />

1 <strong>de</strong> haver occupação. Finalmente é necessario que possa<br />

moralmente; porque se a occupação for prohibida pela<br />

, Lei Natural, ou, noutros termos, se for moralmente im<br />

possivel (a), v. g., quando a cossa já foi occupada e não<br />

é nullius, ou o occupante apprehen<strong>de</strong> mais do que neces<br />

sita para seu uso, como veremos, pois haveria contradic<br />

ção em a Lei Natural prohibir um facto, e ao mesmo<br />

tempo permittir, que <strong>de</strong>lle nascesse um <strong>direito</strong> legitimo.<br />

…, II. Que aquelle, que primeiro apprehen<strong>de</strong>o, fica<br />

com melhor <strong>direito</strong>, pela regra — Quiprior esá in tem<br />

pºre, potior est in jure.— Todos tem igual <strong>direito</strong> in<strong>de</strong><br />

terminadamente ás cousas (b): mas o facto da appre<br />

hensão torna mais favoravel a condição do primeiro oc<br />

eupante, e no concurso <strong>de</strong>ste com qualquer posterior<br />

concorrente a balança pen<strong>de</strong> a favor do primeiro, que<br />

radicou o seu <strong>direito</strong> na cousa apprehendida. ####1,<br />

III. Que a cousa pela nossa occupação entra no<br />

nosso patrimonio, e a apprehendida pelos outros entra<br />

no seu, e não pó<strong>de</strong> tirar-se a seu dono, sem lhe fazer le<br />

são. Na verda<strong>de</strong>, se o dominio provém da occupação, e<br />

se um effeito do dominio é o po<strong>de</strong>r o senhor dispôr da<br />

cousa com exclusão dos outros, facil é <strong>de</strong>ver, que tanto<br />

o <strong>direito</strong> real, como a cousa, que lhe serve d'objecto,<br />

entrão no seu acquirido (c) do occupante; e por conse<br />

quencia que o tirar-lh'a seria uma invasão no seu, e uma<br />

lesão (d).<br />

•<br />

IV. Que o dominio não é um <strong>direito</strong> connato, mas<br />

acquirido, porque a natureza só <strong>de</strong>o ao homem o direi<br />

to in<strong>de</strong>terminado ás cousas; e o <strong>direito</strong> inherente a cer<br />

tas e <strong>de</strong>terminadas cousas, ou o dominio, nascendo do<br />

facto da occupação (e), é um <strong>direito</strong> hypothetico ou aº<br />

quirido, e não connato (f). -<br />

.<br />

(a), S. 83. -<br />

|-<br />

e, (b) S. 418. . . ""+" | …<br />

(c) - S. 144. •<br />

,<br />

(d) S. 146, º * * * *<br />

(e) S. 427. * - - •<br />

(f) S. 136.


|-<br />

•<br />

*<br />

-<br />

…<br />

- - 1<br />

|-<br />

(( 257.)<br />

….……V., Que a introducção do dominio fez cessar parte<br />

do <strong>estad</strong>o originario, e produzio entre os homens di<br />

reitos diversos e alguma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. Cessou parte do<br />

<strong>estad</strong>o originario; porque a occupação extrahio muitas<br />

cousas da communhão primeva (a), se bem que ella cou<br />

tinuou com respeito ás cousas não ocoupadas. Produzio<br />

diversos <strong>direito</strong>s e alguma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> entre os homens,<br />

#i. é, <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> hypothetica e <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s acquiri<br />

dos (5), subsistindo sempre a igualda<strong>de</strong> dos <strong>direito</strong>s abso<br />

ilutos, oriundos da simples natureza, que são inaliena<br />

veis e imprescriptiveis (c) Com effeito não po<strong>de</strong>ndo<br />

ser i<strong>de</strong>nticas as occupações na quantida<strong>de</strong> e extensão dos<br />

objectos apprehendidos, os <strong>direito</strong>s reaes, <strong>de</strong>duzidos<br />

<strong>de</strong>llas, necessariamente havião <strong>de</strong> ser diversos na quan<br />

tida<strong>de</strong> e intensão (d).<br />

Martini contenta-se para a introducção do dominio<br />

com uma occupação moralmente possivel, i. é, que não<br />

seja contraria á Lei Natural: porém alguns Philosophos<br />

mo<strong>de</strong>rnos olhão como insufficiente similhante acqnisição<br />

para produzir o respeito e a segurança da proprieda<strong>de</strong>,<br />

e tem procurado o seu fundamento nos actos, que po<br />

<strong>de</strong>m_produzir obrigações geraes; taes são a lei e a con<br />

venção. Examinemos agora a º "º<br />

* *) , , " "<br />

Theoria, que faz <strong>de</strong>rivar a proprieda<strong>de</strong> da lei."<br />

, , , … "<br />

« Montesquieu (e) foi o primeiro, que fez <strong>de</strong>rivar<br />

da lei a proprieda<strong>de</strong>, ainda que dá a esta opinião muito<br />

poucos <strong>de</strong>senvolvimentos, porque o fazê-o não entrava<br />

no plano da sua obra. Admittindo com Grocio e Puffen<br />

dorf um primeiro <strong>estad</strong>o <strong>natural</strong>, no qual todos os bens<br />

erão communs: « Assim como os homens; diz, renun<br />

ciárão á sua in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia <strong>natural</strong> para viverem <strong>de</strong>bai<br />

xa das leis politicas, tambem renunciárão á communhão<br />

<strong>natural</strong> <strong>de</strong> bens para viverem <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> leis civís. Pelas<br />

--> *—*_*_<br />

→<br />

: , : " " + , , * *<br />

(a) ## { |- |- :: …": " .. …><br />

|-<br />

(b) S. 14o. . .… … ."<br />

|-<br />

(c) S. 136.<br />

(d) §. 137. . .-- - - - - • - - - -- - - - ———— — —<br />

(e) Esprit <strong>de</strong>s Lois Liv, 26. Chap. 15. . . * * * * * *<br />

, !


,<br />

…<br />

* prieda<strong>de</strong><br />

(258)<br />

primeiras leis acquirem a liberda<strong>de</strong>, pelas segundas a<br />

proprieda<strong>de</strong>.» • … ….……… o oitº gº<br />

. « Antes <strong>de</strong> passar ao exame <strong>de</strong>ste systema, importa<br />

conhecer as opiniões analogas, expostas por outros escri<br />

-ptores. … , . -<br />

, , ,……………… ………»<br />

…, ... « Bentham, o JCto especulativo, que sem dúvida<br />

nos tempos mo<strong>de</strong>rnos tem mostrado mais in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia<br />

"e originalida<strong>de</strong> em suas doutrinas, profundou muito<br />

pouco, a questão da proprieda<strong>de</strong>. E o que é mais singu<br />

lar, ; elle, que nas mais theorias é claro e preciso, é na<br />

questão da proprieda<strong>de</strong> d'uma obscurida<strong>de</strong> quasi estuda<br />

da.A idêa fundamental, a saber, que a proprieda<strong>de</strong> não<br />

é senão o resultado da lei, é todavia expressa e clara<br />

mente explicada ; , porém a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>sta idêa ,<br />

acha-se falta <strong>de</strong> precisão e <strong>de</strong>senvolvimento. _ "#"<br />

, inº, Diz em seu Tractado <strong>de</strong> Legislação (a): «Para me<br />

|lhor fazer conhecer o beneficio da lei, procuremos formar<br />

uma idêa, clara da proprieda<strong>de</strong>. Veremos que não ha pre<br />

prieda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, e que é unicamente obra da lei. A pro<br />

não é mais do que uma base <strong>de</strong>sperança <strong>de</strong> ti<br />

rar certas vantagens da cousa, que qualquer se diz possuir<br />

em consequencia das relações, em que se acha colocado<br />

em frente <strong>de</strong>lla. Não ha pintura, não ha expressão vi<br />

sivel, que possão explicar esta relação, que constitue a<br />

proprieda<strong>de</strong>; porque não é material, senão metafysi<br />

ca; toda ella pertence á concepção.<br />

….….…", A idêa da proprieda<strong>de</strong> consiste em uma esperança<br />

fundada, na persuasão <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r tirar tal ou qual vantá<br />

gem <strong>segundo</strong> a natureza do caso. Mas esta persuasão,<br />

esta esperança, não pó<strong>de</strong> ser senão obra da lei. Eu não<br />

posso contar com o gozo do que consi<strong>de</strong>ro como meu,<br />

senão <strong>de</strong>baixo das promessas da lei, que mo assegura."<br />

-, « A proprieda<strong>de</strong> e a lei nascèrão juntas, e juntas<br />

morreráó tambem. Antes das leis não houve proprieda<br />

<strong>de</strong>; acabai com as leis, e toda a proprieda<strong>de</strong> acabará.<br />

« Por consequencia <strong>segundo</strong> Montesquien e Ben<br />

tham a lei civil é a origem da proprieda<strong>de</strong>. E por lei civil<br />

enten<strong>de</strong>m ambos a <strong>de</strong>claração d'um po<strong>de</strong>r investido das<br />

funcções legislativas. , 3 * *<br />

(a) Principes du Co<strong>de</strong> civil P. 2. Chap. 8. | \* * *<br />

Bentham,


(259 )<br />

« Bentham, sustentando além disto que não ha pro<br />

prieda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, parece tambem suppôr um <strong>estad</strong>o an<br />

terior á socieda<strong>de</strong>, chamado <strong>estad</strong>o da natureza, hy<br />

pothese, que tinha combatido no começo da sua exposí<br />

ção. Porém se a proprieda<strong>de</strong> não resulta immediatamente<br />

da natureza do homem, se não é mais do que um puro<br />

effeito da lei, entendida esta no sentido, em que a to<br />

mão Montesquieu e Bentham, a proprieda<strong>de</strong> vem a ser<br />

uma cousa exposta ás <strong>de</strong>cisões as mais arbitrarias. Se os<br />

<strong>de</strong>cretos do po<strong>de</strong>r legislativo constituem sós a proprieda<br />

<strong>de</strong>, não seria possivel fazer distincção entre a organiza<br />

ção justa e a injusta da proprieda<strong>de</strong>, pois então todas as<br />

leis em todos os paizes imprimirião na proprieda<strong>de</strong> o<br />

mesmo character legal, todas serião igualmente justas,<br />

não haveria differença, com relação á justiça, entre o<br />

modo, como foi regulada pelo Codigo <strong>de</strong> Napoleão e pe<br />

los <strong>de</strong>cretos do Imperador da Turquia. Todo o po<strong>de</strong>r;<br />

qualquer que seja, terá o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> regular a proprieda<br />

<strong>de</strong> dos subditos, como bem lhe pareça, e <strong>de</strong> attentar<br />

contra ella, ou seja em beneficio do governo, ou dal<br />

guns dos subditos á custa dos outros. " ... #<br />

« Do mesmo modo que a consciencia vulgar distin<br />

gue entre o <strong>direito</strong> e a lei, do mesmo modo reconhece<br />

uma differença entre uma justa e injusta organização da<br />

proprieda<strong>de</strong> feita pela lei. O erro <strong>de</strong> Montesquieu e <strong>de</strong><br />

Bentham é um resultado da doutrina, que não reconhece<br />

<strong>direito</strong>s in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da lei, <strong>direito</strong>s consignados pela<br />

natureza mesma do homem, doutrina, que faz <strong>de</strong>rivar os<br />

<strong>direito</strong>s da lei, em vez <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar a lei como a expres."<br />

são, o reconhecimento e a garantia dos <strong>direito</strong>s. Ben<br />

tham, é verda<strong>de</strong>, justamente notou que a proprieda<strong>de</strong><br />

não explica uma relação puramente material entre o ho<br />

mem e uma cousa, mas uma relação intellectual, por<br />

que a proprieda<strong>de</strong> não é sómente um facto do momen<br />

to, senão ainda se exten<strong>de</strong> ao futuro, e o gozo futuro é<br />

o que exige uma segurança. Esta segurança, sem dúvida<br />

sómente pó<strong>de</strong> vir do acto, que impõe a obrigação do<br />

respeito a todos os membros da socieda<strong>de</strong>, e este cha<br />

racter obrigatorio encontra-se em uma lei. Porém uma<br />

cousa é reconhecer e assegurar, outra constituir um di<br />

ºito. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> dal-o a lei;<br />

II. 17 •


(26o )<br />

porque o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do arbitrario, a<br />

lei pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve tão sómente reconhecer e assegurar a pro<br />

prieda<strong>de</strong> justamente acquirida, e que existe <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong><br />

seus justos limites.<br />

« A maior parte dos JCtos, e sobre tudo os JCtos<br />

francezes e inglezes, que nos ultimos tempos tem escripto<br />

sobre a proprieda<strong>de</strong>, ou commentado as disposições do<br />

Codigo Civil sobre a proprieda<strong>de</strong>, acostão-se em geral ás<br />

idêas erroneas <strong>de</strong> Montesquieu e Bentham, e consi<strong>de</strong>rão<br />

a lei como a origem da proprieda<strong>de</strong> (a).»<br />

§. 426.<br />

Tendo Martini estabelecido e <strong>de</strong>senvolvido o seu<br />

systema da acquisição da proprieda<strong>de</strong> pela occupação,<br />

examina agora a opinião daquelles escriptores, que antes<br />

<strong>de</strong>lle tinhão seguido, que a occupação não era bastante<br />

para fazer nascer a proprieda<strong>de</strong> da communhão primeva,<br />

que todos eles admittem. Martini, estabelecendo a pro<br />

prieda<strong>de</strong> sobre a simples occupação, tem a seu favor Bur<br />

lamaqui (b), Barbeyrac (c), Locke (a), os Commentadores<br />

<strong>de</strong> Grocio e Puffendorf, Perreau (e), e o Sr. Fortuna (f);<br />

a theoria da convenção porém é sustentada por Gro<br />

cio (g), Puffendorf (h) e Felice (i).<br />

Martini appresenta os dous principaes argumentos,<br />

com que os <strong>de</strong>fensores da theoria da convenção comba<br />

tem o systema da occupação; <strong>de</strong>pois diz, que a opinião<br />

<strong>de</strong> Grocio e Puffendorf é pela convenção e divisão; e no<br />

S. seguinte respon<strong>de</strong> áquelles argumentos. -<br />

Primeiro argumento. Não podia pela simples oceu<br />

pação acquirir-se licitamente o dominio ou proprieda<strong>de</strong>;<br />

porque achando-se as cousas numa communhão, em que<br />

todos os homens tinhão <strong>direito</strong>s iguaes a todas as cousas,<br />

(a) Toullier Droit Civil Français vol. 2, § 64.<br />

(b) P. 4. C. 8.<br />

(c) Notas a Puffen<strong>de</strong>rf.<br />

(d) Governo Civil Cap. 4.<br />

(*) Elemens <strong>de</strong> Legislation Naturel Secç. 2. pag. 157.<br />

(f) L. I. P. 2. C. 1. S. 435 e seg.<br />

(g). L. a.C. 2. S. 2. n. 5.<br />

(h) J. N. et G.L. 4. C. 4. S. 4.<br />

(*) Notas a Burlamaqui, e Leç.25,


•<br />

( 261 )<br />

o extrahil-as da communhão pela occupação seria tornal as<br />

proprias d'alguem, seria restringir a communhão, dimi<br />

nuindo os seus objectos, e inutilizar os <strong>direito</strong>s dos outros<br />

homens, aos quaes a occupação subtrahia as cousas: o<br />

occupante pois seria um usurpador. Por tanto sómente<br />

uma convenção podia pelo mutuo consenso expresso ou<br />

tacito dos homens legitimar a acquisição da proprie<br />

da<strong>de</strong>.<br />

Segundo argumento. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> não<br />

pó<strong>de</strong> ser illimitado; porque todos os homens para cum<br />

primento da obrigação da conservação tem <strong>direito</strong> ás<br />

cousas necessarias. E… necessida<strong>de</strong>s tem um termo;<br />

porém a occupação por si não o indica, e qualquer ho<br />

mem, dado o <strong>direito</strong> da occupação, po<strong>de</strong>ria abusar, e<br />

apprehen<strong>de</strong>r e assim prejudicar mais cousas, os outros. do que lhe fossem necessarias,<br />

•<br />

Grocio e Puffendorf estabelecem, que a origem da<br />

proprieda<strong>de</strong> fôra a divisão, que os homens fizerão entre<br />

si por uma convenção, concordando tambem, que qual<br />

não<br />

querdivididas. ficaria com a liberda<strong>de</strong> d'occupar as outras cousas<br />

• •<br />

Os argumentos <strong>de</strong> Grocio são: 1.° porque sem esta<br />

convenção e divisão os outros homens não podião saber<br />

quaes as cousas, que tinhão sido ºccupadas; 2.° porque<br />

po<strong>de</strong>ria acontecer que varias pessoas quizessem occupar<br />

as mesmas cousas (a).<br />

Puffendorf funda-se principalmente no primeiro<br />

argumento, que Martini appresentou (b).<br />

§ 427.<br />

Martini respon<strong>de</strong> ao primeiro argumento, que a<br />

communhão primeva não fôra positiva, mas negativa,<br />

na qual as cousas erão nullius; e que sendo o <strong>direito</strong><br />

connato ás cousas o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> apprehen<strong>de</strong>r as isentas<br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, e não d'impedir, que outrem occupasse<br />

aquellas, que quizesse; é claro que o primeiro occu<br />

pante não lesava aos outros, mas antes usava do seu di<br />

TeltO.<br />

(a) De Jur. Belli ac Pac. L. 2. C. 2. n. 5.<br />

(d) De Jure Naturae et Gent. L. 4. C. 4, § 4.


(262 )<br />

Respon<strong>de</strong> ao <strong>segundo</strong> argumento, que sendo natu<br />

ralmente todos os homens iguaes em <strong>direito</strong>s, nenhum<br />

pó<strong>de</strong> ser juiz das acções d'outrem, e por isso todo o ho<br />

mem tinha o livre arbitrio <strong>de</strong> occupar quantas cousas<br />

quizesse, com tanto que aos outros não faltassem as cou<br />

sas necessarias. a º -<br />

Burlamaqui entre outros argumentos contra a theo<br />

ria da convenção usa dos seguintes: -<br />

I." Porque uma convenção, ou o consentimento<br />

<strong>de</strong> todos os que tem <strong>direito</strong> <strong>de</strong> se servir d'uma cousa, é<br />

moralmente impossivel. - - • - -<br />

o 2." Porque se fosse necessario similhante, consen<br />

timento, para que alguem se po<strong>de</strong>sse legitimamente<br />

appropriar d’uma cousa nullius, morrer-se-hia mil vezes<br />

<strong>de</strong> fome no meio da abundancia (a).<br />

Felice (b), que sustenta a theoria da convenção,<br />

respon<strong>de</strong> aos argumentos <strong>de</strong> Burlamaqui: porém é razão<br />

dizer, que não <strong>de</strong>stróe a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> similhante<br />

convenção. As convenções particulares <strong>de</strong> familias e al<br />

<strong>de</strong>ias, a que recorre Felice, não podião acabar com a<br />

communhão universal primeva, que abrangia todos os<br />

homens e todas as cousas.<br />

Ahrens finalmente, que rejeita a theoria da occupa<br />

ção, como já vimos(e), combate tambem a da convenção.<br />

« O outro ramo, diz elle, da doutrina geral, que<br />

funda o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sobre um acto geral obri<br />

gatorio para todos, tem sua base na theoria, que faz<br />

<strong>de</strong>rivar a proprieda<strong>de</strong> não da lei, mas d'uma convenção,<br />

ou da vonta<strong>de</strong> geral dos membros da socieda<strong>de</strong>, conven<br />

ção, que <strong>segundo</strong> alguns foi feita no passado, e <strong>segundo</strong><br />

outros é um acto, que se <strong>de</strong>ve fazer no futuro.<br />

« Esta theoria foi em tempos mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong>senvolvi<br />

da principalmente por Kant, e adoptada pela maior par<br />

te dos escriptores, que em Allemanha escrevêrão <strong>de</strong>pois<br />

<strong>de</strong>lle sobre o Direito Natural e a proprieda<strong>de</strong>.<br />

«Kant notou, e com razão, que os actos avulsos do<br />

homem, taes como a occupação e a especificação não<br />

po<strong>de</strong>m constituir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, porque é<br />

(a) P. 4. C. 8.<br />

(b)<br />

(c)<br />

Notas a Burlamaqui loc. cit.<br />

S. 424,


(263 )<br />

uma cousa, que enserra da parte <strong>de</strong> todos os membros<br />

da socieda<strong>de</strong> obrigações negativas, v.g., a <strong>de</strong> não atten<br />

tar contra ella, e porque as obrigações pessoaes <strong>de</strong>vem<br />

sempre ser resultado d'um consentimento mutuo, cha<br />

mado convenção. Com tudo Kant olha a especificação.<br />

como o acto preparatorio para o estabelecimento da pro<br />

prieda<strong>de</strong>, e sómente faz <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r do consentimento mu<br />

tuo a segurança e reconhecimento da proprieda<strong>de</strong>. Cha<br />

ma á cousa, que simplesmente foi transformada preprie<br />

da<strong>de</strong> provisoria. A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva só se acquire<br />

pela convenção <strong>de</strong> todos os membros da socieda<strong>de</strong>.<br />

* Elle chamou a esta proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>finitiva, d'uma<br />

maneira bastante singular, proprieda<strong>de</strong> intellectual. Quiz<br />

dizer com isto, que esta posse, que constitue a proprie<br />

da<strong>de</strong>, não é o resultado d'um facto material, como a occu<br />

pação, mas que tem o seu fundamento em primeiro lu<br />

gar na idêa d’uma pessoa, do proprietario; e em <strong>segundo</strong><br />

lugar na opinião <strong>de</strong> todos, i. é, que tem a sua segurança<br />

na opinião geral <strong>de</strong> todos os membros da socieda<strong>de</strong>, que<br />

concordárão entre si em a respeitar, e cujo respeito se<br />

confórma para o futuro ás suas convicções e intenções.<br />

« Este pensamento muito justo <strong>de</strong> Kant é na sua<br />

essencia o mesmo que o <strong>de</strong> Bentham na passagem acima<br />

copiada. Este diz, que a proprieda<strong>de</strong> é inteiramente uma<br />

concepção do espirito; e Kant chama-lhe uma posse in<br />

tellectual. Mas Kant, fallando d'um consentimento mu<br />

tuo, ou d’uma convenção para constituir a proprieda<br />

<strong>de</strong>, não falla <strong>de</strong>lla como duma realida<strong>de</strong> ou d'um facto<br />

historico, mas sómente como d’uma necessida<strong>de</strong> juridica,<br />

que é preciso suppôr, e que é antes uma concepção ou<br />

um fim racional para o futuro, cuja realização a justiça<br />

exige. « Esta theoria <strong>de</strong> Kant é mais razoavel e mais con<br />

forme á justiça, do que a <strong>de</strong> Bentham, que faz <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

a proprieda<strong>de</strong> da lei.<br />

« Apezar disto participa do <strong>de</strong>feito principal <strong>de</strong> to<br />

das as theorias, que anteriormente expozemos; não busca<br />

nos principios geraes do Direito, mas em uma fórma ac<br />

cessoria tal, como a convenção, a base immediata e di<br />

recta da proprieda<strong>de</strong>. Porém assim como o Direito é in-,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte e superior á vonta<strong>de</strong> ou ao arbitrio d'um nu<br />

••"


(264)<br />

mero qualquer <strong>de</strong> pessoas, quer esta vonta<strong>de</strong> se mani<br />

feste por uma convenção, quer não, tambem a proprie<br />

da<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da convenção. Os homens na<br />

convenção po<strong>de</strong>m enganar-se, ignorar o Direito, e sanc--<br />

cionar injustiças. #---<br />

« E preciso pois, que primeiro se esteja <strong>de</strong> acordo.<br />

sobre o Direito. A convenção ou o contracto geral <strong>de</strong>vem<br />

sobrevir sómente para assegurar os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> todos.<br />

Não po<strong>de</strong>m ser a fonte <strong>de</strong>lles.<br />

« As idêas <strong>de</strong> Kant ácerca do Direito Natural e em<br />

articular da proprieda<strong>de</strong> forão mais profundamente <strong>de</strong>s<br />

ànvolvidas por Fichte, continuador <strong>de</strong> seu systema phi<br />

losophico. A doutrina, que Fichte <strong>de</strong>senvolveo, é mais<br />

completa, e satisfaz mais, do que todas as theorias prece<br />

<strong>de</strong>ntes, os requisitos principaes d'uma boa theoria.<br />

« Fichte estabelece, que a base geral da proprie<br />

da<strong>de</strong> está nos principios geraes do Direito, e que tem seu<br />

fundamento particular nos <strong>direito</strong>s pessoaes do homem.<br />

Mas <strong>de</strong>pois exige uma convenção entre todos os membros<br />

da socieda<strong>de</strong> civil, não só para o effeito d'assegurar, senão<br />

ainda d'organizar e distribuir proporcionalmente a pro<br />

prieda<strong>de</strong> (a).»<br />

O resumo <strong>de</strong>sta theoria <strong>de</strong> Fichte, que Ahrens ap<br />

presenta e em parte refuta, passa além dos limites da con<br />

cisão, que convém ao nosso proposito, e é tão methafy<br />

sica e obscura, que se não enten<strong>de</strong> bem sem a leitura das<br />

suas obras. Por isso não o transcrevemos, e sómente da<br />

remos o resumo da theoria <strong>de</strong> Ahrens, por elle mesmo<br />

feito.<br />

Resumo da theoria d'Ahrens.<br />

« A proprieda<strong>de</strong> é um <strong>direito</strong> pessoal primitivo e<br />

<strong>natural</strong> <strong>de</strong> cada homem. E um <strong>direito</strong> absoluto ou pri<br />

mitivo, porque resulta immediatamente da natureza do<br />

homem, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover por um complexo <strong>de</strong><br />

condições e <strong>de</strong> meios, já materiaes, já intellectuaes, ao<br />

seu <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual. A proprieda<strong>de</strong><br />

é o Direito mesmo applicado á esfera particular do indi<br />

viduo. E a realização do Direito proprio. Por tanto<br />

tem o mesmo fundamento, a mesma base e o mesmo<br />

tº) Ahrens cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part, Spéc. C. 1. P. 1. S. 2.


( 265)<br />

fim, que o Direito em geral. É <strong>de</strong>stinada a subministrar<br />

os meios necessarios ao <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intel<br />

lectual do homem, e aos differentes fins comprehen<br />

didos nelle. Cada homem, como tal, pó<strong>de</strong> por Direito<br />

Natural aspirar a uma proprieda<strong>de</strong> proporcionada a suas<br />

necessida<strong>de</strong>s. Esta quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser garantida a cada<br />

um; d'outro modo o Direito e a justiça não ficarião sa<br />

tisfeitos. Demais, assim como o Direito resulta imme<br />

diatamente da natureza do homem, e não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> d'al<br />

gum acto da vonta<strong>de</strong>, d'algum contracto, da mesma sor<br />

te a proprieda<strong>de</strong>, em quanto á sua base, não se funda<br />

cificação,<br />

tambem em<br />

o trabalho,<br />

actos particulares,<br />

ou a convenção.<br />

como a occupação, a espe<br />

•<br />

« Todavia, ainda que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> seja<br />

superior e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> dos homens, é<br />

mister que os homens se reunão e concor<strong>de</strong>m entre si<br />

para se assegurarem mutuamente este <strong>direito</strong>. A garantia<br />

da proprieda<strong>de</strong>, mas não o <strong>direito</strong> da proprieda<strong>de</strong>, tem<br />

<strong>de</strong>ste modo sua origem n’uma convenção, que é um acto<br />

da socieda<strong>de</strong>. Tambem pertence á socieda<strong>de</strong> o <strong>direito</strong><br />

d'organizar e regular a proprieda<strong>de</strong> entre todos os seus<br />

membros. A socieda<strong>de</strong> não cria o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>,<br />

e por conseguinte não tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a pro<br />

prieda<strong>de</strong>; mas <strong>de</strong>ve regular a sua applicação e sua orga<br />

nização; e como a natureza <strong>de</strong> toda a socieda<strong>de</strong> exige<br />

que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> cada um seja limitado pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

todos, a socieda<strong>de</strong> não pó<strong>de</strong> reconhecer o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

prieda<strong>de</strong>, como um <strong>direito</strong> ilimitado; tem o <strong>direito</strong>,<br />

não <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir, mas <strong>de</strong> circumscrevel-a <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seus<br />

justos limites. + •<br />

Exposição da nossa opinião.<br />

•<br />

Forçados pelo <strong>de</strong>ver da nossa posição, faremos em<br />

poucas palavras o nosso juizo critico sobre os systemas<br />

dos diversos Auctores, e <strong>de</strong> envolta diremos a nossa opi<br />

nião.<br />

Enten<strong>de</strong>mos que a questão da proprieda<strong>de</strong> envolve<br />

differentes questões, que importa distinguir. Qual foi a<br />

origem da proprieda<strong>de</strong>? Eis a primeira. Admittida a exi<br />

stencia da proprieda<strong>de</strong> como um facto, e partindo <strong>de</strong>lle,


- - -<br />

(266 )<br />

Tual é a sua natureza e fundamento, e qual <strong>de</strong>ve ser a sua<br />

distribuição, organização e garantias? Eis a segunda.<br />

Quanto á primeira. Os Philosophos antigos confun<br />

dirão a sua origem historica com a philosophica, o que<br />

realmente foi com o que juridicamente <strong>de</strong>vèra ser. Por<br />

isso é que os vemos recorrer aos historiadores, citar<br />

os poetas, e até invocar a auctorida<strong>de</strong> dos Livros Santos.<br />

Porém já ha muito tempo que estas duas questões forão<br />

separadas na republica das letras; e se reconheceo, que á<br />

Philosophia Juridica e ao Direito Natural só pertencia<br />

a origem philosophica. Já Martini abandonou á historia<br />

a outra origem. As raias das duas sciencias são bem co<br />

nhecidas. … … … , , ! }<br />

Muitos Escriptores respeitaveis se oceu párão <strong>de</strong> <strong>de</strong>s<br />

cobrir a origem philosophica da proprieda<strong>de</strong>. Os antigos,<br />

adoptando todos a hypothese d'uma communhão, ou<br />

negativa, ou positiva, assignárão como origem e base da<br />

proprieda<strong>de</strong> já o facto da occupação, já o facto d'uma<br />

convenção. Admittião a existencia d'um <strong>direito</strong> connato<br />

ou absoluto ás cousas, mas geral e in<strong>de</strong>terminado, como<br />

resultado immédiato da natureza e necessida<strong>de</strong>s do ho<br />

mem; e todos entendêrão, que para tornar <strong>de</strong>terminado<br />

aquelle <strong>direito</strong>, ou inherente a certas e <strong>de</strong>signadas cousas,<br />

como proprias <strong>de</strong> cada um, era necessario algum facto,<br />

que as extrahisse da communhão primeva, e as unisse á<br />

personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada individuo com exclusão dos or<br />

tros; porque a natureza por si só não <strong>de</strong>signa as cousas,<br />

mens que como (a). proprieda<strong>de</strong> pertencem a cada um dos ho<br />

*, f. * * * *<br />

- • • * * * *<br />

Esta distincção entre o <strong>direito</strong> daspirar a uma pro<br />

prieda<strong>de</strong>, e a posse das cousas, que são objecto <strong>de</strong>lla,<br />

por mais que se queira subtilizar, é uma realida<strong>de</strong>, que<br />

se não pó<strong>de</strong> negar.<br />

º Chegados a este ponto, os Philosophos antigos divi<br />

dirão-se entre si. Burlamaqui, Martini e os JCtos possui<br />

dos dos principios do Direito Rºmano <strong>de</strong>rivárão a pro<br />

prieda<strong>de</strong> da occupação; Grocio, Puffendorf, Felice, e<br />

outros, d'uma convenção (b). Entre os mo<strong>de</strong>rnos uns, co<br />

%) § 1º . 337 e 416. -<br />

. (b) S. 426. … ; , , (* * * * * * * •<br />

--


(267 )<br />

- -<br />

mo Tracy (a), Droz (b) e Sismondi (e) recorrêrão á espe<br />

cificação ou ao facto do trabalho; outros, como Montes<br />

quieu e Bentham, ao facto da lei positiva; e Kant com<br />

os Philosophos da sua eschola renovárão com gran<strong>de</strong>s<br />

modificações a theoria da convenção. . . … *<br />

Reconhecemos, que a questão da origem philoso<br />

phica da proprieda<strong>de</strong> entra na esfera do Direito Natural<br />

e da Philosophia Juridica; mas parece-nos, que esta<br />

questão é indissoluvel, e que não foi ainda, nem prova<br />

velmente será jámais resolvida. Nesta parte seguimos a<br />

opinião <strong>de</strong> Benjamin Constant (d). , ', , ,<br />

« Deve louvar-se Filangieri, diz elle, por ter apar<br />

tado <strong>de</strong> seus exames as questões relativas ao <strong>estad</strong>o pri<br />

mitivo do homem. Os Escriptores do seculo XVIII. ti<br />

nhão tornado da moda estas questões; mas ellas são indis<br />

soluveis e ociosas. Ha na historia <strong>de</strong> todas as origens fa<br />

ctos primordiaes, cuja causa se não <strong>de</strong>ve procurar, assim<br />

como se não <strong>de</strong>ve procurar a da existencia. A existencia.<br />

é um facto, que é mister admittir, sem querer expli<br />

cal-o. Toda a tentativa d'explicação nos leva a esta dif<br />

ficulda<strong>de</strong> trivial e burlesca, mas que não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sa- .<br />

fiar o raciocinio:— a gallinha nasceo do ovo, ou o ovo,<br />

da gallinha?» -<br />

Já se vê, que pomos <strong>de</strong> parte a primeira questão,<br />

assim quanto á origem historica, como quanto á philoso<br />

phica. Admittimos a existencia da proprieda<strong>de</strong>, recebi-,<br />

da pelos póvos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais remota antiguida<strong>de</strong>, como,<br />

um facto, e partimos <strong>de</strong>lle; e <strong>de</strong>st’arte resvalamos todas<br />

as questões sobre o modo, por que o <strong>direito</strong> connato e<br />

in<strong>de</strong>terminado ás cousas em geral adherio primitivamen<br />

te a certas e <strong>de</strong>terminadas cousas, como se exprime<br />

Martini (e), ou pelo qual o <strong>direito</strong> foi realizado, i. é,<br />

Pelº qual as cousas forão realmente unidas á personali<br />

da<strong>de</strong> do individuo <strong>de</strong> modo, que se possa servir <strong>de</strong>llas,<br />

immediatamente, como diz Ahrens. Para nós é tudo a:<br />

segunda questão,— base, distribuição e garantias da<br />

proprieda<strong>de</strong>, ". . . |-<br />

(a) Principes <strong>de</strong> Economie Politique Voc. prelimin.<br />

(b) Economie Politique L. I. C. 2.<br />

(c) . Principes d'Économie Politique I.5. C. 2.<br />

(d) Gominent, sur l'ouvrage <strong>de</strong> Filangieri L, 1. C. 8.<br />

(e) S. 416,<br />

+


• •<br />

(268<br />

•<br />

-<br />

-<br />

)<br />

Convimos com Ahrens, que a Política <strong>de</strong>ve entrar .<br />

na distribuição, organização e garantias da proprieda<strong>de</strong>;<br />

porque po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem variar <strong>segundo</strong> as circumstancias<br />

e cultura da socieda<strong>de</strong> na épocha, <strong>de</strong> que se tracta.'Esta<br />

idêa nasce da outra do progresso, que é <strong>natural</strong> tanto aos<br />

individuos, como á socieda<strong>de</strong>. Confessamos que Ahrens<br />

proclamou na materia da proprieda<strong>de</strong> muitos e luminosos<br />

principios, como v. g., aquelles, com que distinguiosa<br />

proprieda<strong>de</strong> em geral da proprieda<strong>de</strong> juridica, e esta do<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Tambem confessamos que é mui<br />

to luminosa a <strong>de</strong>finição, que dá, <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, ela<br />

idêa <strong>de</strong> assignar-lhe a mesma base do Direito, i. é, as<br />

necessida<strong>de</strong>s, que resultão da natureza humana" e do<br />

consiguimento do fim do homem. Por isso expozemos<br />

a sua theoria, vertendo-a em linguagem vulgar.<br />

Parece-nos, que Ahrens tem mais força logica e ri<br />

gor analytico, quando combate os systemas dos adver<br />

sarios, do que quando expõe a sua theoria; e, a nossa<br />

convicção nos leva nesta parte a apartar-nos d'elle <strong>de</strong>bai<br />

xo d'alguns pontos <strong>de</strong> vista. •<br />

A proprieda<strong>de</strong> juridica ou <strong>de</strong> <strong>direito</strong>, <strong>segundo</strong> Ahrens,<br />

é a cousa, que é um meio, ou uma condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>sen<br />

volvimento da vida humana; é a realização do <strong>direito</strong> ,<br />

i. é, a união real das eousas com a personalida<strong>de</strong> hu<br />

mana <strong>de</strong> modo, que esta se possa servir daquella im<br />

mediatamente. E como Ahrens faz consistir o Direito nas<br />

condições e meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento do homem, tam<br />

bem consi<strong>de</strong>ra a proprieda<strong>de</strong> juridica como um <strong>direito</strong><br />

particular <strong>de</strong> cada um, ou como um <strong>direito</strong> realizado; e<br />

por isso diz, que a proprieda<strong>de</strong> é a applicação do <strong>direito</strong><br />

particular <strong>de</strong> cada um ás cousas, que são meios da sua<br />

existencia e do seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

A proprieda<strong>de</strong> juridica pois pó<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar-se como<br />

um <strong>direito</strong> sim, mas sempre realizado, sempre inherente<br />

ás cousas, que são meios ou condições para satisfazer as<br />

necessida<strong>de</strong>s do homem. Não pó<strong>de</strong> haver proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> sem cousas exteriores, que são condições para<br />

o-eumprimento do fim do homem. …<br />

ção d'um<br />

Direito<br />

<strong>direito</strong>,<br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong><br />

e exprime<br />

é<br />

as<br />

um<br />

condições,<br />

<strong>direito</strong> para<br />

<strong>de</strong>baixo<br />

a realisa<br />

das<br />

quaes uma pessoa pó<strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r, que se lhe dê uma<br />

p


(269 )<br />

proprieda<strong>de</strong> conforme ás suas necessida<strong>de</strong>s. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> pois é um <strong>direito</strong> á proprieda<strong>de</strong>, e por isso<br />

comprehen<strong>de</strong> os meios para a sua acquisição, conserva<br />

·çao e emprego. +<br />

Segundo estes principios pó<strong>de</strong> dar-se em uma pessoa<br />

o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, sem existir ainda a proprie<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>; existe o <strong>direito</strong> d'aspirar a que se lhe<br />

dê, mas ainda, a não obteve realmente; o seu <strong>direito</strong><br />

ainda não foi realizado, ou applicado ás cousas <strong>de</strong> modo,<br />

que ficassem unidas á sua personalida<strong>de</strong>, para <strong>de</strong>llas po<br />

<strong>de</strong>r usar immediatamente,<br />

Esta é a doutrina d'Ahrens, que pela maior parte<br />

exprimimos pelas suas proprias palavras. E sendo assim,<br />

concordamos com este Philosopho em que o Direito <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> é um <strong>direito</strong> primitivo, absoluto, e não<br />

condicional ou hypothetico; porque resulta immediata<br />

mente da natureza do homem, da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover<br />

pelas condições materiaes e intellectuaes ao <strong>de</strong>senvol<br />

vimento fysico e intellectual do homem, e que não é<br />

necessario que preceda acto algum da parte d'uma pessoa<br />

para o acquirir. • *,<br />

Porém não po<strong>de</strong>mos convir com Ahrens, quando<br />

diz: «Mas como a proprieda<strong>de</strong> se refere ás necessida<strong>de</strong>s<br />

já fysicas, já intellectuaes, que resultão necessariamente<br />

do <strong>de</strong>senvolvimento da natureza humana, a proprieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ve ser consi<strong>de</strong>rada como um <strong>direito</strong> primitivo e absoluto,<br />

e não como um <strong>direito</strong> condicional e hypothetico. Porque<br />

não é necessario que preceda um acto qualquer da parte<br />

d’uma pessoa para acquirir o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>.»<br />

Primeiramente Ahrens confun<strong>de</strong> aqui proprieda<strong>de</strong> e<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, que alias tinha tão bem distin<br />

guido; e no mesmo <strong>de</strong>feito cáe no resumo <strong>de</strong> sua theoria.<br />

·O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>, pelo qual o homem aspira a<br />

uma proprieda<strong>de</strong>, certo não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer acto<br />

do individuo; provém, como todo o <strong>direito</strong> absoluto, só<br />

mente da natureza humana. Porém a proprieda<strong>de</strong>, em<br />

bora se consi<strong>de</strong>re como um <strong>direito</strong> proprio, realizado,<br />

não pó<strong>de</strong> provirimmediatamente da natureza do homem,<br />

e sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia d'algum facto. Refere-se ás necessi<br />

da<strong>de</strong>s do homem, é verda<strong>de</strong>, mas tambem se refere ás<br />

cousas exteriores, que são meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da


(27o )<br />

vida; e a natureza não <strong>de</strong>signa a cada individuo essas<br />

cousas, não lhas dá, não as une á sua personalida<strong>de</strong>, para<br />

que se possa servir <strong>de</strong>llas immediatamente. Dá-lhe o <strong>direito</strong><br />

á sua acquisição, mas é necessario que o homem as aequira<br />

por algum facto seu, ou por algum acto social. Por exem<br />

plo, os fundos <strong>de</strong> terra são proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>;<br />

porque tem qualida<strong>de</strong>s , que os tornão proprios para sa<br />

tisfazer directa ou indirectamente alguma, ou algumas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s do homem. E quaes são os fundos <strong>de</strong> terra, que<br />

a natureza <strong>de</strong>o immediatamente, ou unio á personalida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> cada homem? Nenhuns. Portanto entre o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, em quanto se refere aos meios e condições<br />

necessarias para a acquisição da proprieda<strong>de</strong>, e a realiza<br />

ção do <strong>direito</strong> proprio, i. é, a proprieda<strong>de</strong>, é forçoso re<br />

eonhecer a existencia d'um facto do homem ou da so<br />

cieda<strong>de</strong>, que opere essa realização, que produza a acqui<br />

sição das cousas certas e <strong>de</strong>terminadas, que são a proprie<br />

da<strong>de</strong> juridica, ou, se assim querem, o objecto do <strong>direito</strong><br />

proprio realizado. Por on<strong>de</strong> é tambem forçoso confessar,<br />

que a proprieda<strong>de</strong> é um <strong>direito</strong> hypothetico e condicio<br />

nal, e não um <strong>direito</strong> primitivo e absoluto. * * . .<br />

Concordamos com Ahrens no resumo da sua theoria,<br />

que por Direito Natural cada homem pó<strong>de</strong> aspirar a ter<br />

uma proprieda<strong>de</strong>, e que a proprieda<strong>de</strong>, quanto á sua base,<br />

resulta immediatamente da natureza humana; porque<br />

assim acontece aos <strong>direito</strong>s hypotheticos, que nascem da<br />

natureza do homem, e conjunctamente d'algum facto hu<br />

mano. Mas se por Direito Natural o homem pó<strong>de</strong> aspirar a<br />

uma proprieda<strong>de</strong> conforme ás suas necessida<strong>de</strong>s, como é<br />

que essa proprieda<strong>de</strong> provém immediatamente da nature<br />

za, e sómente da natureza, sem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia <strong>de</strong> facto algum<br />

prece<strong>de</strong>nte? Se a proprieda<strong>de</strong>, quanto á sua base , i. é, ao<br />

seo fundamento, ou titulo, que a justifiea, provém da na<br />

tureza, a sua acquisição, sem a qual não pó<strong>de</strong> haver reali<br />

zação do <strong>direito</strong> proprio, ou proprieda<strong>de</strong>, certo <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

d'algum acto, ou seja a occupação, ou a especificação ,<br />

ou trabalho, ou a convenção. A unica proprieda<strong>de</strong>, que<br />

pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve exceptuar-se, será a que o homem tem sobre<br />

as suas faculda<strong>de</strong>s, que recebeo do Auctor <strong>de</strong> todos os<br />

seres (a). Mas agora fallamos da proprieda<strong>de</strong> das cousas<br />

eXterl O TGS. |-<br />

(a) Droz Ecºnomie Politique L. 2. C. 2.


• (271)<br />

… " Ahrens reconhece com Kant a necessida<strong>de</strong> d'uma<br />

convenção, mas só para a garantia e organização da pro<br />

prieda<strong>de</strong>, e parece que <strong>de</strong> proposito não quiz falar da<br />

acquisição, que alias tinha feito entrar no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

prieda<strong>de</strong>. Assim perguntariamos a Ahrens, se a acquisi<br />

ção da proprieda<strong>de</strong> é resultado immediato da natureza<br />

humana? E se elle <strong>de</strong>monstrasse, que sim, então lhe<br />

confessariamos, que a proprieda<strong>de</strong> era um <strong>direito</strong> primi<br />

tivo e absoluto. , - -<br />

- Em resumo, admittindo a existencia da proprieda<strong>de</strong><br />

entre os homens como um facto, partimos d’elle, sem cu<br />

rar da sua origem primeva, nem historica, nem philosophi<br />

camente consi<strong>de</strong>rada. Enten<strong>de</strong>mos, que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> pro<br />

prieda<strong>de</strong> é um <strong>direito</strong> primitivo e absoluto, e que a pro<br />

prieda<strong>de</strong> juridica é um <strong>direito</strong> hypothetico e condicio<br />

nal: que tem a sua base ou fundamento na natureza e<br />

necessida<strong>de</strong>s do homem, mas que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do facto da<br />

acquisição. Tambem enten<strong>de</strong>mos, que não só a garantia<br />

e organização, senão tambem os modos da acquisação,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m d'um acto da socieda<strong>de</strong>; sobre o que tudo se<br />

<strong>de</strong>vem consultar não só a Politica, que indica o que<br />

mais convém á socieda<strong>de</strong>, <strong>segundo</strong> o seu <strong>estad</strong>o <strong>de</strong><br />

cultura, senão tambem o Direito, para que a acquisição,<br />

organização e garantia da proprieda<strong>de</strong> sejão conformes<br />

aos principios <strong>de</strong> justiça. Deste modo rejeitamos a com<br />

munhão <strong>de</strong> bens, que alguns tem querido preferir á pro<br />

prieda<strong>de</strong> geralmente admittida entre os povos, e rejeita<br />

mos os systemas exclusivos da occupação, especificação,<br />

etc. A socieda<strong>de</strong> tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> regular a proprieda<strong>de</strong>,<br />

mas não <strong>de</strong> a <strong>de</strong>struir, porque acima <strong>de</strong>lla estão a natu<br />

reza humana, as necessida<strong>de</strong>s do homem e o Direito, que<br />

ella <strong>de</strong>ve respeitar; e porque sem proprieda<strong>de</strong> nos pa<br />

rece impossivel a socieda<strong>de</strong>,<br />

| Finalmente reconhecemos com Ahrens, que a pro<br />

prieda<strong>de</strong>, não sendo mais do que um meio material <strong>de</strong><br />

provêr ás necessida<strong>de</strong>s do homem, não pó<strong>de</strong>, <strong>segundo</strong><br />

-Direito Natural, justificar-se além dos limites <strong>de</strong>ssas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s; porque lhe falta a base e o fundamento, que<br />

º Direito Natural reconhece. A proprieda<strong>de</strong> pois, segun<br />

do Direito Natural, é limitada, muito embora a Política<br />

no <strong>estad</strong>o da socieda<strong>de</strong> civil a tolere como ilimitada.


- «<br />

•<br />

•<br />

( 272)<br />

Martini já tinha attingido esta idêa, quando reputou le<br />

te, são ea do occupação que outrem alémprecisava.<br />

do que era necessario ao occupan<br />

§. 428. *<br />

Coherente com o seu systema da occupação, diz<br />

Martini neste S. as cousas, que po<strong>de</strong>m ser occupadas, no<br />

§. 429. o modo como pó<strong>de</strong> verificar-se a occupação, e nos<br />

sujeitas dous $$. á seguintes occupação. refere algumas cousas, que não são<br />

•<br />

Po<strong>de</strong>m ser occupadas:<br />

1.° As cousas nullius, i. é, que nunca forão pro<br />

prias d'alguem, e aquellas, que apezar <strong>de</strong> serem do do<br />

minio d'alguem, com tudo seu dono não as quer mais<br />

ter no seu patrimonio; taes as lançadas ás rebatinhas<br />

para pertencerem ao primeiro occupante. O nosso Ja<br />

cintho Freire (a), fallando das festas <strong>de</strong> Gôa no triunfo<br />

<strong>de</strong> D. João <strong>de</strong> Castro pela victoria <strong>de</strong> Dio, refere um<br />

exemplo notavel:<br />

Logo se disparárão algumas peças, cujas ballas<br />

erão doces diversos, que caíndo em pequena distancia,<br />

forão á gentalha do povo convite, inda que arrebatado,<br />

alegre.» -<br />

2.° As cousas, que po<strong>de</strong>m servir aos usos do ho<br />

mem; por quanto o fim da occupação é estabelecer o<br />

dominio ou a proprieda<strong>de</strong> juridica; e ou se sigão as<br />

idêas dos JCtos (5), que consi<strong>de</strong>rão o dominio como o di<br />

reito <strong>de</strong> usar da cousa e receber toda a sua utilida<strong>de</strong>, ou<br />

se sigão as dos philosophos mo<strong>de</strong>rnos sobre a proprieda<strong>de</strong><br />

juridica (c), que sómente a admittem nas cousas, que tem<br />

qualida<strong>de</strong>s, as quaes po<strong>de</strong>m ser condições ou meios para<br />

o <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual do homem, é<br />

evi<strong>de</strong>nte que só po<strong>de</strong>m ser objecto da occupação, como<br />

meio <strong>de</strong> acquirir um <strong>direito</strong>, as cousas, que po<strong>de</strong>m pre<br />

star ao homem alguma utilida<strong>de</strong> (d).<br />

(a) Vida <strong>de</strong> D. <strong>de</strong> Castro L. 3. n. 41.<br />

(b) S. 422,<br />

-*#**<br />

(c) S. 4 16.<br />

(d) Burlamaqui P. 4. C. 8. S. 7, Felice notas ao mesmo S. <strong>de</strong><br />

Burlamaqui.


( 273) •<br />

3.° As cousas d'um uso exhaurivel, e que são ca<br />

pazes d’apprehensão e guarda, ou sejão inanimadas,<br />

tanto moveis, como immoveis, ou animadas, v. g., os<br />

peixes, as aves, etc. E visto como os homens não tem<br />

communhão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s com os brutos, po<strong>de</strong>m matal-os<br />

e comêl-os. \<br />

É necessario que as cousas sejão d'um uso exhau<br />

rivel, para o occupante po<strong>de</strong>r usar <strong>de</strong>llas com exclusão<br />

dos outros; pois as d'um uso inexhaurivel, v.g., o sol, o<br />

ar, etc., estão patentes, e <strong>de</strong>llas todos po<strong>de</strong>m usar. E tam<br />

bem necessario que sejão capazes d’apprehensão e guar<br />

da; pação porque (a). . sem . estes requisitos não pó<strong>de</strong> haver occu<br />

•<br />

Se os brutos tem, ou não, capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s,<br />

é materia, <strong>de</strong> que já falámos; (b); e então <strong>de</strong>monstrá<br />

mos, º que com quanto a nossa consciencia nos leve a re<br />

conhecer-lhes <strong>direito</strong>s, não po<strong>de</strong>m entrar na esfera do<br />

Direito Natural, nem ser colocados na mesma linha <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>s, em que se achão os homens. Por isso, Martini<br />

diz, que não ha communhão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s entre os ho<br />

mens e os brutos, e dahi conclue, que o homem os pó<br />

<strong>de</strong> matar e comer. Este argumento, <strong>de</strong> que se servio<br />

Puffendorf (c), e que foi reproduzido por Burlamaqui<br />

(d), foi já refutado por Felice (e). E com effeito, por não<br />

haver <strong>direito</strong>s communs entre os homens e os brutos, não<br />

se segue necessariamente, que o homem os possa matar;<br />

alias <strong>de</strong>ve confessar-se, que os brutos tem tambem di<br />

reito a matar e comer os homens. • •<br />

Concordamos com Felice, que este <strong>direito</strong> dos ho<br />

mens sobre os brutos não é sem difficulda<strong>de</strong> em Direito<br />

Natural. Se os brutos, como os vegetaes, não sentissem<br />

a morte, facilmente se po<strong>de</strong>ria sustentar o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> os<br />

matar; porém elles pertencem ao reino animal, tem<br />

sentidos e sensações, experimentão prazer e dôr; por isso<br />

parece que e homem não pó<strong>de</strong> sem injustiça e cruelda<strong>de</strong><br />

matal-os. Accresce ainda a repugnancia, ou sentimento<br />

(2) S. 421., Burlamaqui e Felice loc, cit.<br />

(b) S. 115;<br />

(e) L. 4. C. 3. S. 5.<br />

(d) P. 4. C.7. S. 5.<br />

(*) Notas a Burlamaqui loc. cit.


• •<br />

•<br />

(274 )<br />

d'horror, que tem <strong>natural</strong>mente todo o homem a matar<br />

ou a ver matar a sangue frio um bruto, que não só o não<br />

offen<strong>de</strong>o, o cavallo, senão o cáo, ainda etc. por ventura o servio, v. g., o boi<br />

•<br />

* Apezar porém <strong>de</strong>stes e outros argumentos, cuja<br />

força não negamos, é certo que se os homens não tives<br />

sem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> matar e comer a carne dos brutos, as suas<br />

innumeraveis especies crescerião a tal ponto, que havião<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar todos os fructos da terra, e atacar os homens,<br />

A especie humana pois não po<strong>de</strong>ria subsistir. "<br />

Parece tambem que o homem tem characteres phy<br />

siologicos, que provão ser elle um animal carnivoro, e<br />

por isso <strong>de</strong>stinado pela natureza para se nutrir com a car<br />

me dos animaes. E ainda que alguns tem asseverado, que<br />

os vegetaes são para o homem uma comida mais sauda<br />

vel, do que a carne, que repugna á natureza humana, com<br />

tudo a experiencia parece <strong>de</strong>monstrar o contrario (a).<br />

E porém pelo menos incontestavel, que o homem<br />

os não <strong>de</strong>ve tractar com cruelda<strong>de</strong>, nem matar, ou fazer<br />

soffrer sem necessida<strong>de</strong>. Por isso M. Antonino em suas<br />

Reflexões disse:— Serve-te <strong>de</strong> todos os brutos, e em geral<br />

<strong>de</strong> todas as cousas; porém serve-te nobre e livremente.<br />

como um homem dotado <strong>de</strong> razão (b). 3<br />

§. 429.<br />

As cousas occupão-se pelos modos seguintes:<br />

1.° As cousas animadas, i. é, as aves pela caça,<br />

as feras pela montaria, e os peixes pela pesca, com tanto<br />

que sejão retidos pelas re<strong>de</strong>s, laços, viveiros, e outros<br />

meios bem conhecidos dos caçadores, monteiros, e pesca<br />

dores, <strong>de</strong> modo que não possão evadir-se; porque só<br />

então, ha verda<strong>de</strong>ira apprehensão e occupação. " " .<br />

E questão porém agitada entre os JCtos, se o simples<br />

ferimento basta para a occupação, quando o bruto com<br />

tinúa a fugir, ou se é necessaria a effectiva apprehensão.<br />

Seguindo os principios expostos, com quanto o ferimentº.<br />

seja um principio d’apprehensão, com tudo esta não foi<br />

(a) Burlamaqui P. 5. C. 7., Sr. Fortuna L. 1. C. 2. S. 455.<br />

(b) L. 1. C. 25. •<br />

• • ultimada,


(275)<br />

ultimada, porque o bruto ainda não está sujeito ás for<br />

ças fysicas do caçador, ou pescador. No entretanto, se<br />

o caçador o segue e continúa a perseguil-o, enten<strong>de</strong>mos,<br />

que outrem não tem <strong>direito</strong> a apprehendêl-o e occu<br />

pal-o, aproveitando-se dos trabalhos daquelle, que o<br />

ferio, e pelo menos ºccupou o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> o occupar: se<br />

porém o caçador abandonou o animal ferido, certo outro<br />

qualquer o pó<strong>de</strong> occupar; o caçador tacitamente <strong>de</strong><br />

sistio do seu <strong>direito</strong> (a). - -<br />

2.° As cousas inanimadas, sendo moveis, v. g., as<br />

pedras preciosas, e os thesouros no terreno nullius, oc<br />

cupão-se pela invenção.<br />

Diz-se invenção o acto, pelo qual se <strong>de</strong>scobre uma<br />

cousa, da qual se não conhece senhor. E bastará para se<br />

dar verda<strong>de</strong>ira occupação a simples invenção, ou será<br />

ainda necessaria a apprehensão? Martini parece contentar<br />

se com a invenção; porém o Sr. Fortuna quer, que acce<br />

da tambem a apprehensão; porque não consi<strong>de</strong>ra aquella<br />

como um facto sufficiente para reduzir a cousa ao po<strong>de</strong>r<br />

fysico do inventor, <strong>de</strong> modo que possa usar <strong>de</strong>lla com ex<br />

clusão dos outros. Assim <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>, que, se um homem vir<br />

da janella na rua uma pedra preciosa, e antes <strong>de</strong> realmen<br />

te a apprehen<strong>de</strong>r, outro a <strong>de</strong>scobrir e effectivamente a<br />

apprehen<strong>de</strong>r, ella pertence áquelle, que a apprehen<strong>de</strong>o.<br />

Diz-se thesouro um antigo <strong>de</strong>posito <strong>de</strong> dinheiro, <strong>de</strong><br />

cujo dono não ha memoria. O thesouro pois é cousa<br />

nullius, e como tal, quando é achado em terreno tambem<br />

nullius, ce<strong>de</strong> evi<strong>de</strong>ntemente ao primeiro occupante.<br />

As cousas inanimadas, sendo immoveis, occupão<br />

se, entrando-se pelos fundos da terra, pondo-lhes mar<br />

cos, roteando-os, ou tornando-os por qualquer modo<br />

mais aptos para servirem aos usos do occupante á força<br />

d'industria e trabalho.<br />

•<br />

Grocio dividio a occupação em occupação per uni<br />

versitatem ? quando um povo, ou mesmo um homem oe<br />

cupa todo um territorio, pondo-lhe marcos, ou <strong>de</strong>si<br />

-gnando como limites os montes ou rios, e <strong>de</strong>clara que<br />

occupa tudo o que nelle se achar; e occupação per fun<br />

dos, quando qualquer occupa sómente alguma cousa, ou<br />

(a) II. Sr. Fortuna L. I. P. 2. C. 2. S. 454.<br />

• 18


( 276 )<br />

Jugar <strong>de</strong>terminado, <strong>de</strong>ixando o resto na communhão<br />

negativa (a).<br />

O Direito Natural não reconhece a occupação per<br />

universitatem. Tal occupação exce<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s d'um<br />

individuo, além das quaes toda a occupação seria injusta<br />

por falta <strong>de</strong> fundamento (b) Similhante occupação só<br />

nente po<strong>de</strong>rá ser feita por uma Nação. Mas esta materia<br />

pertence ao Direito Politico Interno ou Externo, e não<br />

ao Direito Natural (c).<br />

$. 43o.<br />

Não po<strong>de</strong>m ser occupadas:<br />

1. As cousas, que não são nullius, v.g., os ho<br />

mens. Esta redacção só pó<strong>de</strong> salvar-se dando á palavra<br />

— cousas— neste lugar a noção philosophica, i. é, tudo<br />

o que existio, existe, ou pó<strong>de</strong> existir; porque só então<br />

comprehen<strong>de</strong>rá os homens; pois tomada na accepção<br />

juridica (d), certo os não pó<strong>de</strong> abranger. Martini quiz<br />

ainda proclamar um principio a favor da liberda<strong>de</strong> e in<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia do homem, e contra a escravidão, <strong>de</strong> que<br />

já fallámos amplamente (e): porém é força confessar,<br />

que é pouco razoavel.<br />

2.° As cousas, que se achão em tal <strong>estad</strong>o, que<br />

alguem já occupou o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> as occupar, v. g., os pei<br />

xes, que estão na parte do rio já occupada, o thesouro<br />

achado em terreno alheio, e as cousas jacentes; porque<br />

não são simplesmente nullius.<br />

Assim na paragem do mar, ou lugar do 1io, em<br />

que um pescador tiver lançado as suas re<strong>de</strong>s, não pó<strong>de</strong><br />

outro lançar as suas e pescar os peixes, que o primeiro<br />

intentava pescar; porque o <strong>segundo</strong> embaraçaria o exer<br />

cicio do <strong>direito</strong> do primeiro, inutilizaria o seu trabalho,<br />

e far-lhe-hia lesão (f).<br />

Tambem concordamos com Martini em que o the<br />

souro achado em terreno alheio não pó<strong>de</strong> ser occupado;<br />

não só pela razão, que dá Martini, do dono do terreuo<br />

(a) Grocio L. a.C. a.<br />

(b) S. 427., Barbeyrac Notas a PuffendorfL. 4. C. 4.<br />

(c) Vid, os nossos Elem, <strong>de</strong> Direito das Gentes Secç. 2. Art. 1, S.17.<br />

(d) S. 149.<br />

(e) $. 375.<br />

(f) S. 147.


(277)<br />

ter oceupado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> o occupar; mas tambem por<br />

que o Direito, <strong>de</strong>clarando inviolavel a proprieda<strong>de</strong>, não<br />

pó<strong>de</strong> legitimar os actos da invenção e apprehensão sobre<br />

o terreno alheio, que são invasões do patrimonio d'ou<br />

tre Im.<br />

•<br />

Quanto ás cotisas jacentes, i. é, que pertencem á<br />

herança, que não foi adida, ou porque o <strong>de</strong>functo não<br />

<strong>de</strong>ixou her<strong>de</strong>iros, ou porque a não quizerão acceitar: se<br />

pelas leis positivas se marca <strong>de</strong>stino a essas cousas, certo<br />

não po<strong>de</strong>m ser occupadas, como acontece entre nós:<br />

porém em Direito Natural não podêmos <strong>de</strong>scobrir quem<br />

neste caso tenha occupado o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> as occupar ; nem<br />

tão pouco comprehen<strong>de</strong>mos a razão, por que ellas não<br />

sejão simplesmente nullius, quando nos parece razoavel<br />

a regra — mors omnia solvit, — O falecido não conserva<br />

o dominio; her<strong>de</strong>iros, não os ha: a quem pertencem<br />

pois? Enten<strong>de</strong>mos por tanto que <strong>segundo</strong> a simplicida<strong>de</strong><br />

<strong>natural</strong> são tão nullius; como o thesouro, <strong>de</strong>scoberto em<br />

terreno nullius, se é que o Direito Natural reconhece o<br />

<strong>direito</strong> hereditario, questão, que não é para aqui.<br />

§. 431.<br />

Tambem não po<strong>de</strong>m ser occupadas:<br />

3.° As cousas, que não forão abandonadas por seu<br />

dono: v. g., os bens do navio, que naufragou; as cou<br />

sas, que alguem per<strong>de</strong>o da re<strong>de</strong>, ou dos bolsos.<br />

A razão é, porque não são cousas nullius. O senhor<br />

não tem animo <strong>de</strong> as abandonar, ou lançar fóra do seu<br />

dominio; e este é um <strong>direito</strong> permanente, que se não<br />

pó<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r por um acaso. Devem pois ser restituidas a<br />

seu dono, sem alviceras, pagas sómente as <strong>de</strong>spesas fei<br />

tas na apprehensão e guarda <strong>de</strong>llas, que o dono <strong>de</strong>ve sa<br />

tisfazer para se não locupletar com a jactura alheia.<br />

4.° As cousas fugitivas, se podérem ser conhecidas.<br />

Os JCtos romanos fazião differença d'animaes fero<br />

zes, mansuefactos e mansos. Dizião ferozes os que nunca<br />

acquirião o animo <strong>de</strong> ir e voltar; e por isso, fugindo, o se<br />

nhor perdia n’elles o dominio, e cedião ao primeiro occu<br />

pante: mansuefactos aquelles, que com quanto tivessem<br />

uma natureza ferina, todavia se domesticavão e chegavão


•<br />

•<br />

(278)<br />

a acquirir o animo <strong>de</strong> ir e voltar; e por isso o dono sómem<br />

te perdia o dominio, quando eles perdião esse animo<br />

e costume: finalmente mansos aquelles, que por sua<br />

natureza mansa vão e voltão; e por isso nestes nunca o<br />

senhor perdia o dominio. «<br />

Parece porém mais razoavel a doutrina <strong>de</strong> Martini.<br />

Com effeito, se o senhor do animal podér por alguns si<br />

gnaes provar, que o animal é o mesmo, que lhe fugio,<br />

sendo o dominio um <strong>direito</strong> perpetuo, não vemos como<br />

o possa per<strong>de</strong>r pelo facto material da fugida do animal<br />

sem o consentimento <strong>de</strong> seu dono.<br />

5." As cousas d'um uso inexhaurivel, e que não<br />

são capazes d’apprehensão e guarda: v. g., o sol, o mar,<br />

o ar; porque nellas não pó<strong>de</strong> verificar-se posse, nem as<br />

outras causas do dominio, e por isso permanecem na<br />

communhão primeva.<br />

Quanto ao sol e ao ar, todos estão concor<strong>de</strong>s em<br />

que não são sujeitos á occupação; foi porém questão,<br />

quanto aos mares. E certo que a occupação do mar só<br />

pó<strong>de</strong> ser pretendida por uma Nação, e não pelos indivi<br />

duos; pois exce<strong>de</strong> as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>stes (a); e por isso<br />

esta questão pertence ao Direito das Gentes (b).<br />

E notavel a opinião do Economista castelhano Flo<br />

rez Estrada (c), que sustenta, que a terra não pó<strong>de</strong> ser<br />

<strong>segundo</strong> Direito Natural proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum parti<br />

cular. Vamos dar um breve resumo <strong>de</strong>sta novissima<br />

theoria.<br />

O trabalho do homem é o unico manancial <strong>de</strong> toda<br />

a riqueza. Riqueza é tudo o que é producto do trabalho<br />

do homem, e que este <strong>de</strong>seja. Tudo o que é dom gratui<br />

to da natureza, a terra, o ar, a agua, etc., não são ar<br />

tigos <strong>de</strong> riqueza. O que a natureza dá, dá-o a todos<br />

igualmente, para que por meio do trabalho procurem a<br />

satisfacção das necessida<strong>de</strong>s, que lhes tem tambem dado.<br />

Não po<strong>de</strong>ndo o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> recaír senão sobre<br />

uma riqueza, este <strong>direito</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> ha <strong>de</strong> dimanar<br />

primitivamente do trabalho. Por conseguinte não con<br />

correndo o trabalho do homem para a producção dos<br />

(a) S-429.<br />

(b) Vid. os nossos Element. <strong>de</strong> Direito das Gent. Secç. 2. Art. 1.<br />

proprieda<strong>de</strong>. (c) Cuestion — 1839. social, ó sea origen, • Blatitadºr efectos <strong>de</strong>l Direcho <strong>de</strong><br />


•<br />

( 279 )<br />

*dons da natureza, estes nunca po<strong>de</strong>m ser proprieda<strong>de</strong><br />

legitima <strong>de</strong> nenhum individuo. E não sendo o homem<br />

capaz <strong>de</strong> produzir riqueza alguma, sem préviamente<br />

usar dos dons naturaes, comprehendidos estes no <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> particular, o genero humano fica impos<br />

sibilitado d'exercer livremente as faculda<strong>de</strong>s, que o Crea<br />

dor lhes conce<strong>de</strong>o, para acquirir por meio <strong>de</strong>llas os<br />

meios necessarios para a sua existencia e gozos.<br />

- __ A terra pois, sendo o dom <strong>natural</strong> mais precioso,<br />

não pó<strong>de</strong> legitimamente ser proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum par<br />

ticular. As leis, que consagrão esta appropriação, são uma<br />

violação manifesta do Direito Natural, e a causa <strong>de</strong> to<br />

dos os males sociaes; porque minão as bases mais fun<br />

da imentaes do systema social. -<br />

A terra não <strong>de</strong>ve ser proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum par<br />

ticular, <strong>de</strong>ve sim ser cultivada e aproveitada pelos par<br />

ticulares: mas o Estado <strong>de</strong>ve ter o dominio directo <strong>de</strong>lla,<br />

ou para melhor dizer, <strong>de</strong>ve ser encarregado da sua distri<br />

Buição entre os cultivadores, que só terão o dominio util,<br />

i. é, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> a disfructar e transmittir aos outros cul<br />

tivadores por qualquer especie <strong>de</strong> contracto, testamen<br />

to, etc., com a obrigação <strong>de</strong> pagar ao Estado um ca<br />

non, ou pensão, que substituirá as contribuições actuaes.<br />

Não faz ao nosso proposito a refutação <strong>de</strong>sta theoria,<br />

em quanto quer que o dominio directo da terra pertença<br />

ao Estado, e só o util aos individuos. Importa-nos po<br />

rém saber, se a terra é susceptivel <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> parti<br />

cular, e por isso <strong>de</strong> occupação.<br />

Já fica refutado o systema da especificação, ou da<br />

appropriação pelo trabalho (a); e por isso cáe a base <strong>de</strong><br />

toda a theoria <strong>de</strong> Florez Estrada. E com quanto elle se<br />

diga o primeiro Economista, que <strong>de</strong>duzio a proprieda<strong>de</strong>,<br />

do trabalho, todavia é certo, que já antes <strong>de</strong>lle tinhão<br />

seguido a Sismon<strong>de</strong> a mesma <strong>de</strong> Sismondi opinião(b) outros e Droz muitos, (c). e bastará citar<br />

Diz Florez Estrada, que os dons da natureza não<br />

<strong>de</strong>vem ser proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nenhum individuo, e que assim<br />

(…) s. 418.<br />

(b) Economie Politique L. 3. C. 2.<br />

(*) - Economia Politique L. 2, 9, aº


(28o)<br />

como o ar, a luz e a agua n㺠estáo appropriados, tam<br />

bem a não <strong>de</strong>ve estar a terra. Primeiramente os dons da na<br />

tureza são a proprieda<strong>de</strong> primordial dos homens; porque<br />

sem elles teria sido impossivel a existencia e <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento da natureza humana. Porém ha duas especies <strong>de</strong>stes<br />

dons: uns, que são em tanta abundancia e tão perfeitos,<br />

v. g. o ar, a luz, etc., que a industria do homem é inutil<br />

para os augmentar ou aperfeiçoar; o homem os toma<br />

<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>posito sempre perenne, e os applica ás suas ne<br />

cessida<strong>de</strong>s; outros são limitados, e susceptiveis d'innu<br />

meraveis transformações, <strong>de</strong> modo, que o trabalho do<br />

homem não só <strong>de</strong>ve applical-os ás suas necessida<strong>de</strong>s;<br />

senão ainda preparal-os e convertel-os em objectos uteis,<br />

para augmentar, quanto for possivel, os meios <strong>de</strong> sa<br />

tisfazer a todas as necessida<strong>de</strong>s da vida. Da limitação<br />

<strong>de</strong>stes dons e do seu <strong>estad</strong>o d'imperfeição relativamente<br />

á producção nasce a necessida<strong>de</strong> d'uma appropriação mais<br />

extensa, e <strong>de</strong> natureza differente da dos dons da primeira<br />

especie. Os primeiros approprião-se, para se consumirem<br />

immediatamente, satisfazendo as necessida<strong>de</strong>s da nossa<br />

natureza: os <strong>segundo</strong>s approprião-se para os tornar mais<br />

productivos, e augmentar os meios <strong>de</strong> satisfazer as neces<br />

sida<strong>de</strong>s humanas. Nesta especie entra a terra<br />

A terra não pó<strong>de</strong> ser proprieda<strong>de</strong> particular; porque<br />

ficaria impossibilitada uma parte do genero humano <strong>de</strong><br />

exercer livremente as faculda<strong>de</strong>s, que recebeo do Creador,<br />

para obter pelo trabalho as meios <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r existir e gozar.<br />

Porém se a terra não <strong>de</strong>ve ser proprieda<strong>de</strong> particular <strong>de</strong><br />

nenhum individuo, como é que Florez Estrada convém,<br />

em que o seja <strong>de</strong> muitos indivíduos reunidos, i.é., do<br />

Estado? Se a proprieda<strong>de</strong> particular é uma "violação do<br />

Direito Natural, porque o não será a proprieda<strong>de</strong> nacio<br />

nal? Se um individuo pó<strong>de</strong> dizer a outro individuo— tu<br />

me usurpas o que o Creador <strong>de</strong>u para ti e para mim—não<br />

po<strong>de</strong>rá tambem dizer uma nação a outra nação, — tu me<br />

usurpas o que foi dado pelo Creador a mim, a ti e a todo<br />

o genero humano= ? Os habitantes das zonas torrida e<br />

frigidas não po<strong>de</strong>rião reclamar com justiça aos habitantes<br />

das zonas temperadas o seu terreno e o seu clima ?<br />

As privações da pobreza, que soffre a maior parte do<br />

genero humano, <strong>de</strong>vem chamar (e <strong>de</strong> facto tem chamado)


§.<br />

( 281 ).<br />

a attenção dos Philosophos; e se algum chegasse a <strong>de</strong>sco<br />

brir-lhe remedio efficaz, mereceria todas as bençãos das ge<br />

rações futuras, Pobres e ricos tem sempre existido, e infe<br />

lizmente continuaráõ a existir. No meio das nações mais<br />

opulentas, v. g., da Inglaterra, se encontra a maior pobre<br />

za; confiamos porém, que o progresso social ha <strong>de</strong> dimi<br />

nuir não o numero dos ricos, mas sim o numero dos po<br />

bres. Os arbitrios, que os Philosophos tem proposto contra<br />

a pobreza, po<strong>de</strong>m ver-se em Ahrens (a) e#(b)-<br />

Esta materia pertence á Politica e ao Direito Politico.<br />

—=>ooo


-- - •<br />

(282)<br />

obrigação dos outros <strong>de</strong> o não embaraçarem no exerci<br />

cio <strong>de</strong>lle, com o que lhe farião lesão (a), e <strong>de</strong> resarcirem<br />

o damno, <strong>de</strong>lla proveniente (b); por quanto aquelle <strong>direito</strong><br />

seria inutil sem estas obrigações; a proprieda<strong>de</strong> seria uma<br />

quimera.<br />

§ 433.<br />

Do exposto <strong>de</strong>duz Martini como <strong>direito</strong>s especiaes<br />

do dominio os seguintes:<br />

1." O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> possuir a sua cousa.<br />

cies, (c) Já dissemos assás sobre posse, sua natureza e espe<br />

•<br />

2." O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> receber todos os emolumentos da<br />

COUS$1.<br />

•<br />

Além <strong>de</strong> ser este <strong>direito</strong> um consectario do principio<br />

estabelecido no § antece<strong>de</strong>nte, pó<strong>de</strong> dizer-se, <strong>segundo</strong><br />

as idêas mo<strong>de</strong>rnas, a seu favor, que só entrão na esfera<br />

do Direito as cousas como meios, ou condições necessa<br />

rias para satisfazer as necessida<strong>de</strong>s da natureza humana:<br />

portanto as cousas só po<strong>de</strong>m ser objecto da proprieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> <strong>direito</strong> pela sua utilida<strong>de</strong>, pelo seu uso, e em fim pelos<br />

seus emolumentos. A cousa, a pura materia é indifferente<br />

ao Direito (d).<br />

3." O <strong>direito</strong> d'alienar a posse, ou o dominio em todo,<br />

ou <strong>de</strong>rator em parte; et arbiter. daqui vem a regra — quisque rei suae mo<br />

• • • •<br />

Quando Martini diz— dominio em todo, ou em parte,<br />

allu<strong>de</strong> á divisão do dominio em pleno e menos pleno, <strong>de</strong><br />

que fallaremos no § 436. O homem é senhor do seu <strong>de</strong>stinº,<br />

e da sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> o uso dos meios ou condi<br />

ções para o conseguir. Por isso é que dissemos, era pessoa;<br />

e como tal, <strong>de</strong>ve ter o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> dispôr livremente do seu<br />

dominio, ou proprieda<strong>de</strong>, que entra no numero daquel<br />

las condições.<br />

§ 434,<br />

Do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> possuir se <strong>de</strong>riva o <strong>direito</strong> d'excluir os<br />

(a) S. 379.<br />

(b) S. 387.<br />

(c) S. 421. •<br />

(d) S. 422. Bentham.J'ue génér, d'un corps compl. <strong>de</strong> Législ. Chap.<br />

13. ; Ahrens Part Spéc. C. 1. S. 3.


(286 )<br />

outros da cousa, e <strong>de</strong> os embaraçar <strong>de</strong> praticar nella todo<br />

e qualquer acto. Deriva-se tambem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa<br />

da cousa e da posse (entre nós diz-se manutenção); e se<br />

chegou a per<strong>de</strong>r a posse, pó<strong>de</strong> repetil-a <strong>de</strong> qualquer <strong>de</strong><br />

tentor (o meio entre nós chama-se interdicto <strong>de</strong> força nova,<br />

ou velha), ou , provado o dominio, reivindical-a. Mar<br />

tini exige para a reivindicação da cousa ter lugar a prova<br />

do dominio; porque <strong>segundo</strong> os JCtos a acção da reivindi<br />

cação funda-se nelle, assim como na posse os interdictos<br />

possessorios. · * * * , era º<br />

… s. 435.<br />

Do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> perceber os emolumentos da cousa <strong>de</strong><br />

rivão-se os <strong>direito</strong>s: <strong>de</strong> usar da cousa, i. é, <strong>de</strong> servir-se da<br />

cousa <strong>segundo</strong> as suas necessida<strong>de</strong>s; <strong>de</strong> fruir, i. é, <strong>de</strong> se<br />

aproveitar dos proventos da cousa para sua utilida<strong>de</strong> e<br />

gozos; <strong>de</strong> a melhorar, i. é, <strong>de</strong> a preparar, para melhor po<br />

<strong>de</strong>r servir ás suas necessida<strong>de</strong>s e commodida<strong>de</strong>s; e final<br />

mente <strong>de</strong> a especificar, i. é, <strong>de</strong> lhe dar nova fórma pelo<br />

trabalho e industria.<br />

•<br />

§. 436.<br />

Finalmente do terceiro <strong>direito</strong> <strong>de</strong> dispôr livremente<br />

da posse ou dominio <strong>de</strong>duzem-se:<br />

|- ".<br />

1." O <strong>direito</strong> do senhor alienar o dominio em todo,<br />

ou em parte, quer a parte seja a proprieda<strong>de</strong> ou dominio<br />

directo , i. é, o <strong>direito</strong> sobre a simples substancia da<br />

cousa, quer o dominio util, i. é, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> receber os<br />

SetlS COI1SeCta TIOS.<br />

|-<br />

Quando os diversos <strong>direito</strong>s, que entrão no domi<br />

nio, se achão rennidos na mesma pessoa, diz-se, que esta<br />

tem o dominio pleno; quando porém se achão separados<br />

e divididos por differentes pessoas, dá-se o dominio me<br />

nos pleno. Assim quando Martini diz, que o senhor pó<strong>de</strong><br />

alienar todo o dominio, falta do primeiro; quando parte<br />

<strong>de</strong>lle, falla do <strong>segundo</strong>. Já dissemos (a), que os JCtos<br />

chamavão ao dominio directo— proprieda<strong>de</strong>. Esta di<br />

visão do dominio em directo e util verifica-se na em<br />

Phyteuse. Quando tractarmos <strong>de</strong>ste contracto, veremos<br />

em que consiste cada uma <strong>de</strong>stas especies <strong>de</strong> dominio.<br />

(a) S. 42o.


(284 )<br />

2. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> se obrigar a seffrer, ou a não fazex<br />

alguma cousa no seu prédio; ao que se chama servidão»<br />

v. g., a servidão do uso, que é o <strong>direito</strong> d’usar da cousa<br />

alheia, ou do usufructo, que consiste no <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fruir<br />

a cousa alheia, salva a sua substancia.<br />

Falla Martini do <strong>direito</strong>, que o senhor tem, <strong>de</strong> consti<br />

tuir servidão na sua cousa. Martini na <strong>de</strong>finição, que dá,<br />

<strong>de</strong> servidão, omittio as palavras— in alterius personae, vel<br />

rei utilitatem — que os JCtos costumão accrescentar, e das<br />

quaes <strong>de</strong>duzem a divisão <strong>de</strong> servidões em pessoaes, v. g.,<br />

a do uso, usufructo; etc., e reaes ou prediaes, que ainda<br />

subdivi<strong>de</strong>m, <strong>segundo</strong> a natureza do prédio, em urbanas<br />

e rusticas. Não diremos se Martini <strong>de</strong> proposito omittio<br />

aquellas palavras para rejeitar a divisão <strong>de</strong> servidées em<br />

reaes e pessoaes; porque o não <strong>de</strong>clara. Nós porém<br />

não admittimos similhante divisão. As servidões são di<br />

reitos, a que correspon<strong>de</strong>m obrigações, e os <strong>direito</strong>s to<br />

dos são pessoaes; porque existem para as pessoas. E ver<br />

da<strong>de</strong>, que entre as servidões ha umas, cuja utilida<strong>de</strong> é<br />

directa, e servem immediatamente ás pessoas, v. g., a<br />

servidão <strong>de</strong> transito, e outras, cuja utilida<strong>de</strong> é d'algum<br />

modo indirecta, pois servindo immediatamente á cousa,<br />

v. g., a d'aqueducto, só mediatamente servem á pessoa:<br />

Apezar disto as cousas não tem fim proprio; o seu fim<br />

está no homem. As cousas sómente são meios para o ho<br />

mem chegar ao seu <strong>de</strong>stino. O sujeito, i. é, o possuidor<br />

dos <strong>direito</strong>s é o homem, ainda que os <strong>direito</strong>s se possão<br />

referir ás cousas, como ao seu objecto (a).<br />

Esta idêa não é nova em Ahrens; por que já Bentham<br />

tinha refutado a divisão, que os JCtos romanos fizerão<br />

das <strong>direito</strong>s em pessoaes e reaes—jura personarum, jura<br />

rerum (b).<br />

§ 437. •<br />

Pó<strong>de</strong> o senhor da cousa abusar <strong>de</strong>lla, i. é.., cor<br />

rompel-a e <strong>de</strong>struika ? Martini respon<strong>de</strong>, que no fôro,<br />

externo, e <strong>segundo</strong> a justiça stricte tal, pela qual po<strong>de</strong>mos<br />

? Ahrens Part. Génér. Chap. 3. S. 1., et Part. Spéc, Chap. 2. P. M.<br />

(*) Vae générale d'un corps complet <strong>de</strong> legislation Chap. 14.


(285)<br />

fazer tudo o que não offen<strong>de</strong> o seu d'outrem (a), o senhor<br />

da cousa o pó<strong>de</strong> fazer, ainda que falte aos <strong>de</strong>veres para<br />

comsigo, e imperfeitos para com os outros; com tanto<br />

porém que não prejudique a ninguem.<br />

Desta doutrina <strong>de</strong> Martini parece, que a contrario<br />

sensu se <strong>de</strong>duz, que o senhor da cousa, <strong>segundo</strong> os dicta<br />

mes da consciencia ou no fôro interior não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<br />

truil-a; porque a <strong>de</strong>struição da cousa, sem utilida<strong>de</strong><br />

alguma do senhor, <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> ha <strong>de</strong> trazer com sigo<br />

ou a violação dos officios para com sigo, ou dos <strong>de</strong> bene<br />

ficencia para com os outros. Por isso temos por certo,<br />

que o senhor da cousa, sem faltar aos <strong>de</strong>veres da Moral,<br />

não pó<strong>de</strong> abusar <strong>de</strong>lla. . - #<br />

Porém ainda dizemos mais, i. é, que o Direito Na<br />

tural não pó<strong>de</strong> auctorizar a <strong>de</strong>struição da cousa, como<br />

Martini parece reconhecer prohibido pela Moral: 1.° por<br />

que entre os fins, que o Direito assegura aos homens,<br />

como vimos (b), entra tambem o fim moral; o Direito<br />

<strong>de</strong>ve subministrar as condições para o seu consegui<br />

mento, e <strong>de</strong> maneira nenhuma pôr-se em contradicção<br />

eom os preceitos moraes: 2.° porque <strong>segundo</strong> o Direito<br />

Natural a proprieda<strong>de</strong> é limitada pelas necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

homem, pelas obrigações, que <strong>de</strong>ve cumprir para com<br />

sigo e para com os outros (e). Se a cousa, <strong>de</strong> que se tra<br />

cta, está <strong>de</strong>ntro daquelles limites legitimos, certo o ho<br />

mem, não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>struil-a, mas usar d’ella convenien<br />

temente; e se está fóra <strong>de</strong>lles, o homem não tem sobre<br />

ella <strong>direito</strong> algum; a cousa não entra na esfera legal da<br />

proprieda<strong>de</strong>; e por isso não pó<strong>de</strong> ter <strong>direito</strong> a <strong>de</strong>struil-a<br />

in utilmente. • *<br />

Enten<strong>de</strong>mos muito bem, que Martini só quiz di<br />

zer, que o homem podia abusar da sua cousa, sem que<br />

outrem o po<strong>de</strong>sse embaraçar. E nisto vai coherente com<br />

os principios, que tem estabelecido. Só a lesão funda<br />

menta o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção (d); aquelle, que <strong>de</strong>stróe a<br />

sua cousa, não lesa aos outros, porque obra <strong>de</strong>ntro dos<br />

a) 5.163.<br />

(b) S. 59. e 84.<br />

(c) S. 427.<br />

(d) S. 152,


- •<br />

(286 )<br />

limites <strong>de</strong> que é seu (a): os outros pois não po<strong>de</strong>m comi<br />

pellil-o a <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a sua cousa. . . . …" …<br />

Reconhecemos, que o homem é senhor do seu <strong>de</strong>s<br />

tino, e livre no uso e emprego dos meios necessarios para<br />

o conseguir; o Direito assegura-lhe as condições neces<br />

sarias para o exercicio da liberda<strong>de</strong>. Porém entre o usar<br />

<strong>de</strong>sses meios d'um modo adaptado ou não adaptado para<br />

o fim, a que o eleva a sua vocação e <strong>de</strong>stino, e o abusar<br />

<strong>de</strong> proposito <strong>de</strong>lles, <strong>de</strong>struindo com prejuizo seu e da<br />

socieda<strong>de</strong> as cousas, ha, <strong>segundo</strong> nos parece, uma longa<br />

distancia. O Direito subministra garantias para o uso,<br />

mas vel. não para o abuso; alias o Direito não seria raciona<br />

•<br />

O Direito, bem como o seu sujeito, o homem , é<br />

todo social; pois se dirige, ainda além do fim indivi<br />

dual, ao fim social e da humanida<strong>de</strong> (5), e <strong>de</strong>ve conci<br />

liar estes fins <strong>de</strong> modo que entre elles haja a harmonia,<br />

que convém á natureza d'um ser harmonico , como é o<br />

homem, a synthese da obra divina (c). Portanto o Direi<br />

to não pó<strong>de</strong> assegurar ao homem a liberda<strong>de</strong>, ou antes<br />

licença <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir os meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento da<br />

vida social com prejuizo seu ou dos outros; não pó<strong>de</strong><br />

auctorizar similhante abuso.<br />

Bem vemos, que o Direito, todo exterior, <strong>de</strong>ve da r<br />

garantia á vida particular e domestica, e que os actos<br />

<strong>de</strong>sta natureza escapão á sua esfera, e só po<strong>de</strong>m entrar no<br />

dominio da Moral. Debaixo <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista admit<br />

timos a doutrina <strong>de</strong> Martini. E porém certo, que os<br />

actos do homem, que tomão o character <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong>,<br />

com quanto não lesem immediatamente a algum indivi<br />

duo, v. g., o abuso da cousa, que lhe pertence, po<strong>de</strong>m<br />

prejudicar a socieda<strong>de</strong>, em que o homem <strong>natural</strong>mente<br />

vive, ainda que não seja senão como documentos ou li<br />

ções d'immoralida<strong>de</strong>. Neste caso temos para nós, que o<br />

Direito, pelo seu character social, <strong>de</strong>ve intervir nesses<br />

actos e reprimit-os. E é esta uma das excepções, que<br />

tinhamos em vista, quando dissemos, que o <strong>direito</strong> <strong>de</strong><br />

fazer imputação eficaz, salvas por ventura algumaspou<br />

TºyTT53.<br />

(b) S. 84. • • •<br />

(*) Ahrens Caurs <strong>de</strong> Philosophie Lºç. 2.


•<br />

{ a82 }<br />

cas excepções, sómente competia á pessoa directa e par<br />

ticularmente interessada nas acções dos outros (a).<br />

. . Martini cita no fim do S. a L. 2. D. si a parente quis<br />

manumissus sit. Nada temos com o que dispoz o Di<br />

reito Romano, que não é principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração na<br />

Sciencia do Direito Natural. Esta citação prova, que<br />

Martini não soube emancipar-se do fanatismo pelo Direi<br />

to Romano, que dominava os JCtos no seu tempo, e que<br />

<strong>de</strong>vemos ficar <strong>de</strong> cautela contra as suas doutrinas; pois<br />

mais d'uma vez veremos, que Martini nos dá, co<br />

mo <strong>de</strong> Direito Natural, as disposições das leis romanas,<br />

ainda quando não são conformes á boa razão, e repu<br />

gnantes ás Leis da Natureza.<br />

§ 438.<br />

Principia a fallar das obrigações, que nascem do<br />

dominio. O furto, a rapina, a invasão e a <strong>de</strong>frauda<br />

mento são verda<strong>de</strong>iras lesões do alheio, <strong>de</strong> que todo o<br />

homem se <strong>de</strong>ve abster por um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> justiça (b),<br />

alias <strong>de</strong>ve reparar o damno, <strong>segundo</strong> já <strong>de</strong>monstrámos (c).<br />

Diz-se furto a fraudulenta subtracção da cousa alheia<br />

contra vonta<strong>de</strong> do senhor, ou sem este o saber, feita com<br />

animo <strong>de</strong> lucrar: rapina, o furto violento: invasão, o<br />

facto, pelo qual alguem é esbulhado da posse da cousa<br />

immovel: e finalmente <strong>de</strong>fraudamento, a fallacia, ou<br />

frau<strong>de</strong> por palavras, ou factos, v.g., usando <strong>de</strong> pêsos<br />

ou medidas falsas, mudando marcos, etc., com o fim <strong>de</strong><br />

prejudicar aos outros.<br />

Correspon<strong>de</strong>ndo a cada <strong>direito</strong> uma obrigação (d), é<br />

claro, que a cada um dos <strong>direito</strong>s do senhor da cousa é<br />

correlativa nos outros uma obrigação. Estas obrigações<br />

po<strong>de</strong>m reduzir-se a duas classes: 1." não praticar acto<br />

algum, º pelo qual o senhor da cousa seja lesado: 2.° fei<br />

ta a lesão, reparar, pela restituição, ou, quando esta for<br />

impossivel, pela satisfacção o damno causado (e).<br />

(b) (a) S. S. 3176.; Burlamaq. P. 4. C. 1o.<br />

• •<br />

(c) S. 587.<br />

(d)<br />

•<br />

$. 85<br />

(e) Sr. Fortuna L. I. P. 2. C. 3.S. 472.


(288)<br />

$. 439.<br />

Somos obrigados, diz Martini, a restituir a cousa,<br />

que casualmente veio ter a nosso po<strong>de</strong>r; e, se a nosso<br />

rogo um terceiro a tem occultada, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>claral-o a<br />

seu dono. Porque d'outro modo seriamos causa do pre<br />

juizo, que o dono soffre, o que é evi<strong>de</strong>ntemente uma le<br />

são. Demais a reticencia neste caso implica animo <strong>de</strong> le<br />

S3 Ts<br />

Importa primeiro que tudo observar, que aqui tra<br />

ta-se das hypotheses, em que a cousa veio a nosso po<strong>de</strong>r<br />

sem acquirirmos o dominio nella; mas os factos, pelos<br />

quaes veio a nosso po<strong>de</strong>r, forão innocentes, não forão<br />

por sua natureza verda<strong>de</strong>iras lesões, v. g., quando achá<br />

mos a cousa perdida, ou o senhor d’ella a <strong>de</strong>ixou por<br />

esquecimento em nossa casa.<br />

A obrigação <strong>de</strong> restituir ou <strong>de</strong>nunciar a cousa pó<strong>de</strong><br />

em geral justificar-se nas duas hypotheses pela falta <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> da nossa parte sobre ella; e pelo dominio, que o<br />

senhor conserva pela regra — res, ubicumque est, sui do<br />

mini est,—Ainda mesmo pó<strong>de</strong> facilmente provar-se, que<br />

é um <strong>de</strong>ver innoxiae utilitatis. Porém Martini parece<br />

avançar mais; parece dizer, que é uma obrigação per<br />

feita; porque diz, que aquelle, que em qualquer das duas<br />

hypotheses não restituisse, faria lesão; pois seria causa<br />

do prejuizo, ou jactura, que o senhor soffre. E on<strong>de</strong> ha<br />

lesão, ha obrigação e <strong>direito</strong> perfeitos.<br />

Na primeira hypothese, sabendo o senhor, que a<br />

cousa pára em nosso po<strong>de</strong>r, e a pé<strong>de</strong>, a nossa obrigação <strong>de</strong><br />

a restituir pó<strong>de</strong> dizer-se perfeita; porque o senhor da<br />

cousa tem <strong>direito</strong> a dispôr <strong>de</strong>lla, e por isso a lançar mão<br />

d’ella aon<strong>de</strong> quer que ella esteja. A não-restituição da<br />

nossa parte, com quanto pareça um acto negativo, toda<br />

via presuppõe o acto positivo <strong>de</strong> resistencia ao exercicio<br />

daquelle <strong>direito</strong> do senhor; porque sem este o senhor a<br />

apprehen<strong>de</strong>ria, a restituição seria inutil; o senhor não<br />

precisava <strong>de</strong> a pedir. E como aquelle, que embaraça por<br />

actos positivos o exercicio do <strong>direito</strong> d'outrem, lesa, e<br />

da lesão nasce o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção; fica evi<strong>de</strong>nte, que o<br />

senhor tem um <strong>direito</strong> perfeito, e nós uma obrigação<br />

perfeita á sua restituição. A lesão aqui não está no acto,


•<br />

(289 )<br />

pelo qual a cousa veio a nosso po<strong>de</strong>r; mas sim no facto<br />

ou factos positivos, pelos quaes <strong>de</strong>pois embaraçámos o<br />

exercicio do <strong>direito</strong> do senhor.<br />

Se o senhor da cousa porém não sabe, que ella se<br />

acha em nosso po<strong>de</strong>r, e por isso não a vem apprehen<strong>de</strong>r,<br />

nem nos pé<strong>de</strong> a sua restituição, não po<strong>de</strong>mos compre<br />

hen<strong>de</strong>r como neste caso o não lh'a restituir seja uma le<br />

são, e por isso perfeita a nossa obrigação. Nesta hypo<br />

these só apparece da nossa parte o acto negativo da não<br />

restituição: mas similhantes actos, como tem dito Mar<br />

tini, nem produzem lesão, nem fundamentão o <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> coacção, sem o qual não ha <strong>direito</strong>s ou obrigações<br />

perfeitas. E a querermos ainda suppôr a existencia d’usua<br />

obrigação perfeita da nossa parte, ella sómente o se<br />

ria em palavras, porque ninguem se appresenta, recla<br />

mando <strong>de</strong> nós o cumprimento <strong>de</strong>lla por um <strong>direito</strong>,<br />

acompanhado do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção.<br />

O que acabamos <strong>de</strong> dizer, é applicavel á segunda<br />

hypothese; o não <strong>de</strong>nunciar ao senhor aon<strong>de</strong> se acha a<br />

cousa occultada não pó<strong>de</strong> ser uma lesão, nem objecto<br />

d’uma obrigação perfeita. Em qualquer dos casos ha só<br />

mente uma obrigação <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da nossa consciencia,<br />

um <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> Moral, mas não <strong>de</strong> Direito; porque exte<br />

riormente não po<strong>de</strong>mos ser compellidos ao seu cumpri<br />

mento; e já vimos que o Direito tinha um character<br />

d'exteriorida<strong>de</strong>, que o distinguia da Moral. A não-resti<br />

tuição será tudo, menos uma lesão juridica, ou que en<br />

tre na esfera do Direito.<br />

Em qualquer tempo porém que o senhor se appre<br />

sente a exigir <strong>de</strong> nós, que consintamos, que ele leve a<br />

sua cousa, que acha em nosso po<strong>de</strong>r; se nós obstarmos<br />

ao exercicio do seu <strong>direito</strong>, faremos lesão: po<strong>de</strong>rá com<br />

pellir-nos pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, a nossa obrigação<br />

será perfeita, e será uma obrigação propria do Direito, e<br />

não da Moral.<br />

•<br />

Em resumo, enten<strong>de</strong>mos que a obrigação <strong>de</strong> resti<br />

tuir, quando se não appresenta o senhor da cousa, é<br />

uma obrigação moral <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da consciencia, e que<br />

se ha lesão, não é juridica. Pó<strong>de</strong> tambem dizer-se, que é<br />

um <strong>de</strong>ver imperfeito <strong>de</strong> beneficencia: porém já dissemos,<br />

que esses officios erão proprios e privativos da Moral, e


- O<br />

• possi<strong>de</strong>ntis.<br />

• Se<br />

• $<br />

(29o )<br />

que não podião entrar na esfera do Direito , a que só<br />

mente pertencem as açções, a que o homem pó<strong>de</strong> exte<br />

riormente ser constrangido ainda contra sua vonta<strong>de</strong> (a).<br />

Estas questões pois, a fóra o caso do senhor reclamar a<br />

cousa, não pertencem á esfera do Direito.<br />

$ 4º.<br />

damno, causado pelo animal, sem dólo ou culpa<br />

do senhor, é méramente casual; porque não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>º<br />

da sua liberda<strong>de</strong>, e <strong>segundo</strong> a regra — casus nemó prae<br />

stat, o senhor do animal não tem obrigação nem <strong>de</strong> re<br />

parar o damno, nem <strong>de</strong> dar á noxa o animal. Por<br />

quanto na dúvida sobre a qual dos dous,— o senhor do<br />

animal, ou o prejudicado, <strong>de</strong>ve pertencer o animal,<br />

que fez o damno, é facil <strong>de</strong> ver, que <strong>de</strong>ve ficar ao se<br />

nhor: pois que nem um, nem outro tiverão dólo, ou<br />

culpa, estão a este respeito em circumstancias iguaes;<br />

mas a favor do senhor milita o dominio, que não pó<strong>de</strong><br />

per<strong>de</strong>r por um acontecimento méramente fortuito, e a<br />

posse pela regra Por tanto — caeteris o damno paribus, <strong>de</strong>ve melior pesar sobre est conditio o se<br />

nhor pela regra <strong>de</strong> <strong>direito</strong> — ressuo domino perit.<br />

porém o dono do animal teve dólo ou culpa, v.<br />

.g., se soltar do redil as ovelhas sem pastor, o damno foi<br />

imoral, e o senhor <strong>de</strong>ve resarcil-o. A entrega pois do ani<br />

mal, que as leis romanas mandavão fazer ao lesado,<br />

além <strong>de</strong> absurda, quando o damno foi casual, podia não<br />

ser<br />

algum<br />

uma<br />

dos<br />

satisfacção<br />

dous.<br />

igual ao damno, e ficar prejudicado<br />

• •<br />

44.<br />

Aquelle, que se acha numa necessida<strong>de</strong> extrema,<br />

pó<strong>de</strong>, ainda contra vonta<strong>de</strong> do senhor, tirar-lhe, ou<br />

<strong>de</strong>struir-lhe as suas cousas para satisfazer á sua necessi<br />

da<strong>de</strong>, uma vez que o senhor a não soffra igual. Já dis<br />

semos assás a este respeito (b). - -<br />

(o S. 373,<br />

(b) S. 392.<br />

S. 442.


• (º<br />

• (291<br />

•<br />

)<br />

. * . * * * § 442 | •<br />

…º<br />

. Deste principio <strong>de</strong>duz Martini os corollarios se<br />

guintes: -<br />

º 1.º Que é licito alijar ao mar as fazendas alheias<br />

para salvar o navio e as vidas da gente da tripolação.<br />

2." Que em occasião d'incendio é licito <strong>de</strong>rribar a<br />

casa contigua á incendiada para evitar a communicação<br />

do incendio ás outras visinhas. -<br />

Esta doutrina não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir-se como corollario<br />

da do S. antece<strong>de</strong>nte; porque a necessida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que aqui<br />

se tracta, não é extrema, que traz com sigo a perda da<br />

vida. Porém havendo certeza, ou pelo menos gran<strong>de</strong><br />

probablida<strong>de</strong>, da communicação do incendio, o senhor<br />

das casas não só não per<strong>de</strong> com a <strong>de</strong>molição, pois serião<br />

pasto das chammas, senão ainda ganha; porque vem a<br />

ser embolsado do prejuizo, como veremos no seguinte §.<br />

3.° . Que para nossa <strong>de</strong>feza, quando somos attaca<br />

dos, po<strong>de</strong>mos extorquir as armas necessarias a quem as<br />

tem, ainda que não seja o aggressor. O mesmo se pó<strong>de</strong><br />

fazer em outros casos analogos. • - -<br />

Estes casos po<strong>de</strong>m ver-se em Lepage (a).<br />

•<br />

Por fim appresenta Martini uma excepção a estas<br />

regras — excepto se o senhor podér e quizer por outros<br />

meios evitar os males, que nos estão imminentes. Por<br />

quanto uma vez que seja satisfeita a nossa necessida<strong>de</strong>,<br />

é razão, que a escolha dos meios fique ao menos ao arbi<br />

trio daquelle, que é forçado a ce<strong>de</strong>r-nol-os. A pena do<br />

constrangimento na escolha e o damno mesmo, que pó<br />

<strong>de</strong> resultar ao senhor, não po<strong>de</strong>m ser justificados pelo<br />

<strong>direito</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong>, serião uma injustiça flagrante. A<br />

necessida<strong>de</strong> cessou, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>sapparece.<br />

§ 443.<br />

Nos casos, que acabamos <strong>de</strong> mencionar, tendo lu<br />

gar a restituição, por existir a cousa, v. g., as armas,<br />

que tirámos para nossa <strong>de</strong>fesa, <strong>de</strong>ve fazer-se, logo que<br />

seja possivel; pois como só o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> justi<br />

Elémens <strong>de</strong> la Science da Droit Chap. 2. Art. 4. S. 5. et 4. *<br />

II. I9 -


•<br />

( 492 )<br />

fica neste caso a subtracção do alheio, é evi<strong>de</strong>nte, que,<br />

se sómente tivermos necessida<strong>de</strong> do uso da cousa, não<br />

temos <strong>direito</strong> á sua substancia, e se esta só temporaria<br />

mente nos foi necessaria, não po<strong>de</strong>mos retel-a além do<br />

têmpo justificado pela necessida<strong>de</strong>. Logo que a necessida<br />

<strong>de</strong> cessa, <strong>de</strong>ixa d'existir o <strong>direito</strong>. A retenção pois dá<br />

eousa contra vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu dono dahi em diante será<br />

uma verda<strong>de</strong>ira lesão moral (a). \<br />

Se porém a restituição não tiver lugar, como no<br />

caso do incendio, em naufragio, diz Martini, que se <strong>de</strong><br />

ve dar ao senhor o equivalente do que per<strong>de</strong>o. .<br />

Concordamos com Martini, que em um e outro ca<br />

so os donos das casas e das mercadorias salvadas <strong>de</strong>vem<br />

concorrer para a in<strong>de</strong>mnização dos prejudicados; a <strong>de</strong><br />

molição e alijamento forão feitos em seu beneficio. E<br />

como o prejuizo seria total seri aquellas provi<strong>de</strong>nciás, a<br />

parte do prejuizo, que por ellas sómente teve lugar, <strong>de</strong>ve<br />

ser repartida por todos os interessados. Não concordamos<br />

porém com elle em quanto quer, que ao prejudicado se<br />

dê o equivalente do que per<strong>de</strong>o nos dous easos, <strong>de</strong> que<br />

estamos fallando; por quanto a natureza commum do<br />

damno, qué no incendio ou naufragio a todos ameaçava,<br />

faz com que no rateio das perdas entre tambem o pre<br />

judicado. Enten<strong>de</strong>mos pois, que no caso do incendidº<br />

<strong>de</strong>vem ser avaliadas tanto as casas <strong>de</strong>rribadas, como as<br />

salvadas, e que o prejuízo da <strong>de</strong>molição <strong>de</strong>ve sér pago<br />

por uma contribuição, dividida por todos na proporçã3.<br />

dos valores <strong>de</strong> eada um. O mesmo <strong>de</strong>ve fazer-se no casó,<br />

do alijamento d'algúmas mercadorias; tanto o senhor das<br />

alijadas, como os donos das salvadas, dº do navio, etc.,<br />

todos <strong>de</strong>vem entrar no rateio.<br />

Ha casos porém, em que o prejudicado <strong>de</strong>vé recé-'<br />

ber o equivalente, como diz Martini; v. g., quebrei ou<br />

<strong>de</strong>teriorei as armas, que a outrem tirei para minha <strong>de</strong><br />

fesa contra um terceiro. O damno neste caso <strong>de</strong>ve ser<br />

lhe totalmente resarcido por mim, <strong>de</strong>ve receber o equi<br />

valente; porque a necessida<strong>de</strong> era particular, e não com<br />

rúnm a mim e ao prejudicado.<br />

(*) S. 392.


•<br />

|-<br />

(293 )<br />

* . $ 444.<br />

Príncipia Martini a traetºr da segunda parte, <strong>de</strong> que<br />

se propôz fallar nesté Capitulo, i. é, da accessão. Ãc<br />

cessão é todo o augúnetto, que recebeo a cóāsa, que é<br />

propria d'alguem. Divi<strong>de</strong>-se em nătural, quando esse<br />

auguentó é puro beneficio da natureza; industrial,<br />

quando provém <strong>de</strong> facto do homem, e mista, quándo tem<br />

àn; e outro principio.<br />

, São especies da accessão <strong>natural</strong>: 1º foetura, i. é,<br />

o fructo dos animiaes: v. g., os cor<strong>de</strong>iros filhos das ove<br />

lhas, a lã, o leite, etc., 2.° a alluvião, i. é, as particulas<br />

dá terra, que o rio pouco a pouco <strong>de</strong>posita no nosso<br />

campo: 3.° vis fluminis, i. é, o augmento, que recebe<br />

o nosso prédio com uma porção <strong>de</strong> terra, que a força da<br />

corrente <strong>de</strong>slocou do prédio visinho, e d'um jacto arre<br />

messou sobre o nosso: 4.° a ilha, que se fórina nório:<br />

5. "a mudança do alveo, i. é, o alveo que o rio abandona<br />

abrindo novo leito. •<br />

, , . A <strong>de</strong>finição, que Martini dá, <strong>de</strong> accessão é objecti<br />

va; mas tambem se pó<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar subjectivamente,<br />

cotho o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> ter como proprio todo o augmento,<br />

que recebe a cousa d'alguem {}<br />

§. 445.<br />

Martini dá duas regras ácerca da accessão <strong>natural</strong>:<br />

I. É nosso o augmento da nossa cousa, quando é<br />

veniente d’ella: e por isso a ilha e o alveo abandona<br />

do pertencem ao senhor do rio; e os filhos dos animaes<br />

pertencem logo aos donos da mãi. •<br />

, Martini dá por <strong>de</strong>monstrada esta regra pelo princi<br />

# , que já estabeleceo (b), que o senhor da cousa tem<br />

ireito não só sobre a sua substancia, senão ainda sobre<br />

os seus consectarios. E com effeito sem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> re<br />

ceber os productos e consectarios das cousas, a sua pro<br />

Érieda<strong>de</strong> seria inutil, não teria fim razoavel (c).<br />

(a) Sr. Fortuna L. 1. P. a. C. 2. S 46º.<br />

(b) S. 422, •<br />

(*) Bentham Principes du Co<strong>de</strong> civil P. a. Chap, 1.


- 2."<br />

• • •<br />

•<br />

(294 )<br />

Desçamos a cada uma das hypotheses. A ilha e º<br />

alveo abandonado pelo rio pertencem ao senhor do rio.<br />

Assim nos paizes, em que os rios pertencem ao Estado, o<br />

alveo e a ilha lhe <strong>de</strong>vem pertencer tambem. Isto é claro.<br />

E porém controverso a quem <strong>de</strong>vem pertencer, quando o<br />

rio é nullius. O Sr. Fortuna é dopinião, que <strong>de</strong>vem per<br />

tencer como cousas nullius ao primeiro occupante: mas<br />

Bentham sustenta a doutrina dos JCtos romanos, e é<br />

d'opinião que <strong>de</strong>vem pertencer aos donos dos prédios<br />

confinantes. As razões, em que se funda, são: -<br />

1.". Porque só elles po<strong>de</strong>m fazer a sua occupação,<br />

sem invadir a proprieda<strong>de</strong> alheia. •<br />

Porque só elles po<strong>de</strong>m ter concebido alguma<br />

esperança sobre esses terrenos, e consi<strong>de</strong>ral-os como <strong>de</strong><br />

vendo pertencer-lhes. •<br />

3." Porque o caso <strong>de</strong> ganharem pela retirada das<br />

aguas <strong>de</strong>ve consi<strong>de</strong>rar-se como uma in<strong>de</strong>mnização do<br />

acaso <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r pela sua invasão, -<br />

4." Porque a proprieda<strong>de</strong> das terras conquistadas<br />

ás aguas serve <strong>de</strong> recompensa para excitar aos trabalhos<br />

necessarios a esta especie <strong>de</strong> conquista (a). • *<br />

Nós acostamo-nos á opinião <strong>de</strong> Bentham; porque<br />

achamos bastante força, ás tres primeiras razões, pois a<br />

quarta tem mais applicação á Política, do que ao Direito<br />

Natural.<br />

•<br />

Segundo as razões, que já expen<strong>de</strong>mos, não ha dú<br />

vida em que o animal pertence ao senhor do pai e da<br />

mãi. Pó<strong>de</strong> porém questionar-se, a quem <strong>de</strong>ve pertencer,<br />

quando o pai e a mái do animal tem diversos senhores.<br />

Martini e Puffendorf (b) seguírão a regra dos romanos<br />

— partus sequltur ventrem. : : :<br />

Os JCtos romanos fundavão-se nesta razão, que o<br />

animal, antes <strong>de</strong> nascer, já era do senhor da mái, e que<br />

o facto do nascimento não podia fazer-lhe per<strong>de</strong>r o seu<br />

dominio. …" - |-<br />

As principaes razões <strong>de</strong> Puffendorf são: 1.° porque<br />

ordinariamente não se sabe qual é o pai, e por isso seu<br />

dono; esta razão não pó<strong>de</strong> sempre ter força: 2." porque<br />

(a) Bentham loc. cit. n. V.<br />

(b) De Jure Auturae et Gentium L. 4. C.7. § 4.<br />


*<br />

•<br />

(295 )<br />

a mãi, durante a prenhez, é quasi inutil, e o senhor tem<br />

<strong>de</strong> a sustentar e tractar. A proprieda<strong>de</strong> sobre o filho é<br />

uma remuneração das <strong>de</strong>spesas, que fez (a). •<br />

II. Se o augmento, que recebe a nossa cousa, não<br />

provém <strong>de</strong>lla, mas d'outra parte, ou a sua origem é certa<br />

e sabida, como no caso da— vis, fluminis, — e <strong>de</strong>ve-se<br />

restituir a seu dono pela regra — res, ubicumque est, sui<br />

domini est —(b), ou a origem é incerta, como no caso da<br />

aluvião, e <strong>de</strong>ve pertencer ao senhor da cousa principal;<br />

porque, sendo impossivel saber, quem é seu dono, é for<br />

ça que seja consi<strong>de</strong>rada como nullius, e ceda áquelle;<br />

pois que pelo dominio, que tem sobre a cousa principal,<br />

já occupou o <strong>direito</strong> d'occupar essa accessão (e).<br />

$ 446, º<br />

A accessão industrial divi<strong>de</strong>-se nas tres especies se º<br />

guintes: * *<br />

I. Adjuncção, i. é, o accessorio unido com firmeza<br />

a uma cousa, que alias permanece a mesma especie (d).<br />

Isto verifica-se: 1." pela cravação, v. g., engastando<br />

uma pedra preciosa n'um annel: 2.° pela tecedura ou<br />

bordadura com fios d’ouro ou <strong>de</strong> purpura, etc.: 3." pela<br />

edificação da casa: 4." pela fundição <strong>de</strong> metaes da mes<br />

ma especie: 5." pela fundição <strong>de</strong> metaes <strong>de</strong> diversas espe<br />

cies: 6." pela pintura em panno, taboa ou lamina alheia:<br />

7.° pela escriptura em alheio pergaminho, papel, etc.<br />

II. Confusão <strong>de</strong> cousas liquidas, e mistura <strong>de</strong> cou<br />

sas aridas, v.g., <strong>de</strong> vinho com aguar<strong>de</strong>nte, <strong>de</strong> trigo<br />

com cevada, etc. ; , … •<br />

* *<br />

III. Especificação, i. é, quando se dá nova fórma<br />

a materia, <strong>de</strong> modo, que apparece outra especie diversa<br />

da que era: v. g., quando se faz da prata um vaso, viº<br />

nho das uvas, etc.<br />

(a) Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Civil P. 2. C. 1. m. IV. " .<br />

(b) S. 439. - * * *<br />

(e) S. 43o. -<br />

“ (d) Sr. Fortuna L. 1. P. a. C. 2. S. 465,


• • •<br />

-<br />

(296)<br />

$. 447. : 2<br />

tini duas Tambem regras: relativamente<br />

•<br />

á accessão industrial dá Mar<br />

• • *--*<br />

I. Se a nossa cousa accresce outra, que não é alheia,<br />

v. g., quando pintamos em taboa nossa, quando confun,<br />

dimos o nosso vinho com aguar<strong>de</strong>nte nossa, etc., esse<br />

augmento é nosso; porque, se as cousas separadas erãe<br />

nossas, d'unidas. não ha razão<br />

•<br />

para que <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> o ser <strong>de</strong>pois …<br />

II. Se a cousa, que accresceo á nossa, for alheia, e<br />

podér separar-se, v. g., o diamante engastado em o nos<br />

so annel, <strong>de</strong>ve restituir-se a seu dono, que não per<strong>de</strong>o a<br />

seu dominio sobre ella por um facto alheio, em que não<br />

consentio. Se porém a cousa alheia não podér separar<br />

se, v. g., differentes vinhos confundidos; se alguem foi<br />

auetor da adjuncção, confusão, mistura, ou especifi<br />

cação, as cousas assim unidas serão communs pro rata<br />

entre os senhores <strong>de</strong>llas, reparando além disso o auctor<br />

qualquer damno, que soffra o forçado á communhão; se<br />

a união das cousas foi casual, e nenhum dos donos, foi<br />

causa livre e efficiente, <strong>de</strong>ve por convenção, ou por<br />

sorte <strong>de</strong>cidir-se, a qual <strong>de</strong>lles <strong>de</strong>vem pertencer, rece<br />

bendo o outro uma plena satisfacção do que per<strong>de</strong>o.<br />

A communhão das cousas pro rata, ficando os diver<br />

sos senhores com o condominio, ainda que Martini diga<br />

que o auctor <strong>de</strong>ve reparar o damno ao outro, não nos<br />

parece admissivel, excepto se este convier voluntaria<br />

mente na communhão; pois não po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>scobrir ra<br />

zão, por que seja forçado a ella, quando para se evitar<br />

ha os fortes motivos seguintes:<br />

1.° Similhante communhão é um principio <strong>de</strong> dis<br />

cordias entre os interessados. -<br />

2.° Neste <strong>estad</strong>o a proprieda<strong>de</strong> per<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte<br />

do seu valor; porque faltando-lhe a "º do inte<br />

resse particular, ordinariamente um dos interessados <strong>de</strong><br />

teriora-, -e o outro não melhora a cousa com mum.<br />

3." A apparente igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste arranjo não serve<br />

senão <strong>de</strong> cobrir uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> real; porque o mais<br />

forte <strong>de</strong> ordinario abusa da sua força contra o mais fraco.<br />

Os socios são como dous irmãos gemeos, que nascèrãº


|- ,<br />

-<br />

( 297 ) .<br />

Pegados um aº outro; o mais forte necessariamente arr<br />

rasta o mais fraco (a). * * *<br />

. Parece-nos pois, que o dono da cousa, que outro<br />

juntou á sua , não <strong>de</strong>ve ser forçado ao <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> commu<br />

nhão, quando está innocente, e não concorreo <strong>de</strong> modº<br />

algum para ella; e temos por mais razoavel a doutrina<br />

<strong>de</strong> Bentham (b), que faz distincção — ou o auctor obrou<br />

<strong>de</strong> boa, ou <strong>de</strong> má fé. Se obrou <strong>de</strong> má fé, o <strong>de</strong>ixar-lhe à<br />

consº, seria premiar o crime. Neste caso <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r<br />

dº arbitriº daquelle, que é innocente, o <strong>de</strong>cidir, se ha<br />

<strong>de</strong> haver a communhão, ou qual dos dous ha <strong>de</strong> ficar<br />

com as cousas, e reparar o damno ao outro. º<br />

. Só assim se pó<strong>de</strong> assegurar a inviolabilida<strong>de</strong> da pro<br />

prieda<strong>de</strong>, e fazer triunfar a innocencia da astucia e da<br />

perversida<strong>de</strong>; o auctor doloso não merece favor algum, e<br />

<strong>de</strong>ve soffrer estes consectarios da má fé, com que obrou.<br />

Se porém o auctor obrou <strong>de</strong> boa fé, ou a união das<br />

cousas foi casual e a ninguem pó<strong>de</strong> ser imputada, não<br />

rejeitamos os expedientes da convenção e da sorte, se<br />

ambos os interessados convierem n’esta; porque, sendo #<br />

sorte cegº, não é razão, que algum seja*# a sub<br />

metter-se á sua <strong>de</strong>cis㺠contra sua vonta<strong>de</strong>. Se por estes<br />

meios não podérem voluntariamente <strong>de</strong>cidir º questão,<br />

a razão ainda <strong>de</strong>scobre outro meio plausivel para cortar<br />

a difficulda<strong>de</strong>, adjudicando-se as cousas áquele, que<br />

er<strong>de</strong>ria mais, se ficasse sem# ; porque º mal menor<br />

+<br />

+<br />

ºve preferir-se ao maior (e) , , , , , , , , #<br />

#<br />

* * * # , , , … º 1º.<br />

-,<br />

|-<br />

----<br />

six " …"… ………. :* ,<br />

| - º $ 448·,, … * . * .<br />

-, o , . * .* . * . * . . . . . . ": "… -<br />

São especies da accessão mista a plantação e seme"<br />

teira. Martini applica a estas especies dºecess㺠mista as<br />

mesmas regras, que <strong>de</strong>u para a accessão industrial; e<br />

conclue, que a regra —adêessorium séquiturprincipale<br />

nem sempre é verda<strong>de</strong>ira, mas sómente quando eu querº<br />

e posso fysica e moralmente acquirir o accessorio da mi<br />

= (8) Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Civil P. 2.C.6.<br />

d) Bentham loc. cit.C. 1., Heinec. De Nure Maturae et Gent. L.<br />

**C. 9 § 2.58.<br />

•<br />

(c) S. 34. . . . .<br />

*<br />

*<br />

+


CAP.<br />

-<br />

(298 )<br />

nha cousa. Então a accessão é um modo <strong>de</strong> acquirir ori<br />

ginario secundum quidum. -<br />

Tambem concordamos em applicar á accessão mista<br />

as regras, propostas para a accessão industrial, com as<br />

modificações, que já expen<strong>de</strong>mos. Importa porém obser<br />

var, que apenas appresentamos os principios mais sim<br />

plices e geraes da materia, e que <strong>de</strong>vem ter suas exce<br />

pções, <strong>de</strong>scendo ás differentes hypotheses particulares,<br />

em uma materia tão complicada, e sobre a qual entre os<br />

JCtos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os Procluleianos e Sabinianos até hoje— tot<br />

capita, gilio: quot sententiae; e por isso lhes dizemos com Vir<br />

- * * * * •<br />

* "Non nostrum inter vos tantas componere lites.<br />

*, * * *<br />

*"<br />

|-<br />

——=


*<br />

(299 ).<br />

perfluo por aquillo, que te falta, — Este conselho dá<br />

origem á troca, que é o prototypo <strong>de</strong> todos os contractos.<br />

Os pactos na sua origem forão provavelmente sim<br />

plices, como os homens, que os fazião; mas com a cor<br />

rente do tempo e progressos da civilização tornárão-se<br />

extremamente complicados. Os Romanos fizerão differen<br />

ça entre convenção, contracto e pacto: porém estranha<br />

ás suas subtilezas e solemnida<strong>de</strong>s civís a Sciencia do Di<br />

reito Natural recebe como synonymas estas palavras. E<br />

assim usaremos d’ellas (a). , , , , , . , , , , , º<br />

º:. •<br />

*** §. 449. * * * * * * ***<br />

* • * . . •<br />

* º Pacto é a promessa acceitada. Diz-se, que promette<br />

aquelle, que <strong>de</strong>clara a outrem a sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> lhe pre<br />

star alguma cousa, i. é, <strong>de</strong> dar, fazer ou não fazer algu<br />

ma cousa; e diz-se, que acceita, ou estipula aquelle,<br />

que <strong>de</strong>clara ao promittente a sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber a<br />

cousa promettida. Em todo o pacto pois ha consenso, i.<br />

é, i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s sobre o mesmo objecto. "<br />

º … O consenso pois, ou as vonta<strong>de</strong>s reunidas <strong>de</strong> duas,<br />

ou mais pessoas sobre um objecto ou acção, constituem o<br />

contracto. Orseu fim são os actos do promittente, ou<br />

positivos—<strong>de</strong> dar ou fazer alguma cousa,—ou os nega-º<br />

tivos— <strong>de</strong> não fazer,—simplices omissões — em favor<br />

do acceitante.…" ………… , …" … :-" ~ ", - …".<br />

** Esta <strong>de</strong>finição tem sido geralmente admittida pelos<br />

JCtos: porém Ahrens dá outra mais philosophica e accom<br />

modada ao <strong>estad</strong>o da Philosophia do Direito em Alle<br />

manha." … e sº" ", aº so?………… " … … … :<br />

«O acto, dizielle, que contém a <strong>de</strong>claração <strong>de</strong> duas<br />

ou mais pessoas <strong>de</strong> quererem entrar em relações obriga<br />

torias ácerca d'um objecto <strong>de</strong> Direito, e é um contracto<br />

ou uma convenção (b).» 2- º , . \ :<br />

… Desta <strong>de</strong>finição se vê, que Ahrens repelle a idêa dos<br />

JCtos— que dos contractos nascem <strong>direito</strong>s. — Ahrens só<br />

mente <strong>de</strong>riva dos contractos obrigações e pretenções; o<br />

Bireito é anterior e acima dos contractos. Já dissemos a<br />

+ (4)<br />

_(a). Puffendorf Pºé Hom. et Civ.L. 1. C. 15.S. I.; Heinec, De<br />

Jure Nat. et Gent. L. s. C. 14.S.385.<br />

Ahrens lºc. cit.


• *<br />

(3º)<br />

este respeito alguma cousa (a); importa porém ser agors<br />

Imais exteBSO. •<br />

* * * * *, +<br />

O Direito consiste nas condições <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

fysico e intellectual do homem, e tem o seu fundamentº<br />

na essencia e natureza constitutiva do homem, que sem<br />

pre apparece inalteravel em toda a especie humana. O Di<br />

reito participa <strong>de</strong>ste character <strong>de</strong> immutabilida<strong>de</strong>, e não<br />

está sujeito aos caprichos voluveis da vonta<strong>de</strong> dos ho<br />

mens, e muito menos é sujeito aos erros da sua intelli<br />

gencia. O Direito está acima da intelligencia e vonta<strong>de</strong><br />

humana; á intelligencia toca <strong>de</strong>scobril-o, á vonta<strong>de</strong> exe<br />

cutal-o. Os contractos são da vonta<strong>de</strong> dos pactuantes. Os<br />

contractos pois não po<strong>de</strong>m ser a origem do Direito, que<br />

já existia antes d'elles; a vonta<strong>de</strong> dos pactuantes não faz<br />

Direito, antes lhe é subordinada.<br />

E tanto esta doutrina é verda<strong>de</strong>ira, que se o comº<br />

tracto fosse origem do Direito, e titulo unico, que justi<br />

ficasse aquillo, em que os pactuantes concordassem, se<br />

guir-se-hialogicamente, que todo o contracto seria justo<br />

e ligitimo só pela vonta<strong>de</strong> dos pactuantes, e teriamos<br />

couvertido em <strong>direito</strong>s legitimos as maiores torpezas e<br />

injustiças. >", * *<br />

Os JCtos tinhão vislumbres <strong>de</strong>sta idêa, quando dizião,<br />

- tal contracto é justo, e tal outro injusto; os paehuan<br />

tes não po<strong>de</strong>m contractar sobre <strong>direito</strong>s alheios, objectos<br />

torpes, etc.;— porém esta idêa escapava-lhe com a rapiº.<br />

<strong>de</strong>z do pelampago, e voltavão, aos principios pioverbiaes<br />

- o contracto faz lei entre os pactuantes; do contractº<br />

nascem <strong>direito</strong>s e obrigacões.– Assim entre elles é dou<br />

trina corrente, que a constituição, modificação e transla<br />

ção d'um <strong>direito</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> dos pactuantes.<br />

O <strong>direito</strong> pois é anterior ao contracto, e in<strong>de</strong>pen<br />

<strong>de</strong>nte da vonta<strong>de</strong> dos pactuantes: o contracto é sómente<br />

a fórma, pela qual se expressa o Direito, comº conve<br />

miente ás partes contractantes. Estas <strong>de</strong>vem examinar in<br />

dividualmente e em commum o que é Direito ou justº,<br />

e <strong>de</strong>pois exprimil-o e <strong>de</strong>terminal-o pela fórma do con<br />

tracto. Por on<strong>de</strong> se vê tambem, que qualquer contra<br />

cto não pó<strong>de</strong> ser contrario ao Direito geral, aos <strong>direito</strong>s<br />

(*) S. 136, n.4,


•<br />

|-<br />

(301 )<br />

rimitixos º absolutos; alias e contracte será injusto,<br />

ilegal e nulla.<br />

|-<br />

. O contracto expressa o estabelecimento d'uma rela<br />

ção pessoal obrigatoria acerca d'um Direito geral appli<br />

cado a pessoas certas e <strong>de</strong>terminadas pela fórma do<br />

contracto. Porém <strong>de</strong>sta obrigação fallaremos mais adian<br />

te (a).<br />

+<br />

§. 45o. * * |- |- …….…!<br />

. São necessarios dous requisitos para haver contracto:<br />

X.” que duas ou mais pessoas <strong>de</strong>clarem o mesmo, i. é,<br />

ue consintão, porque sem a conformida<strong>de</strong> das vonta<strong>de</strong>s<br />

dos pactuantes não pó<strong>de</strong> haver contracto: 2." que a pre<br />

stação seja possível; porque sendo o fim dos contractos<br />

os actos positivos ou negativos do promittente em favor<br />

do acceitante, se estes forem impossiveis, o pacto não<br />

$em fim razoavel, é inutil.<br />

, … Ahrens com razão accrescenta mais tres requisitos:<br />

1.° capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> terem os pactuantes uma vonta<strong>de</strong> rar<br />

?navel, i. é, regulada pela razão: 2-" liberda<strong>de</strong> da vonr<br />

ta<strong>de</strong>, i, é, que a vonta<strong>de</strong> esteja isenta <strong>de</strong> toda a coacção<br />

fysica ou moral: 3." que o objecto do contracto seja licito,<br />

a po<strong>de</strong>r vir a ser materia d’uma obrigação juridica; pois<br />

haveria repugnancia em o Direito prohibir um acto, e ao<br />

mesmo tempo sanccionar obrigações sobre ele, 1 ;<br />

,o Satisfeitos os requisitos do contracto, diz Martini, o<br />

seu do promittente passa a ser seu do acceitante: e por is<br />

so o promittente aliena alguma cousa, obra, ou particula<br />

da sua liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong> dobrar, que por um modo <strong>de</strong><br />

rivativo acquire o acceitante.<br />

Este é o unico principio, que Martini estabelece<br />

para d'elle <strong>de</strong>duzir, como <strong>de</strong>duz, no § 456, que dos<br />

contractos nascem obrigações perfeitas, que po<strong>de</strong>m ser<br />

exigidas pelo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, quando o promittente,<br />

erfidamente faltar á fé promettida. Cumpria pois, que<br />

artini fosse claro, e que provasse tão importante prin<br />

cipio. Porém nem uma nem outra cousa fez. Que é º que<br />

passa do seu do promittente para o seu do acceitante? Será<br />

à cousa material, a obra, ou particula da liberda<strong>de</strong>? Será<br />

(a) Ahrens loc. cit, § 1.


•<br />

3o2 }<br />

o <strong>direito</strong> a essa cousa, obra, ou particula da liberda<strong>de</strong>?<br />

Será a posse <strong>de</strong>ssas cousas?Ou finalmente o que será? Nin<br />

guem, por mais que medite este S. e os §§. paralelos 456 e<br />

Ã65 e seguintes, po<strong>de</strong>rá respon<strong>de</strong>r. E que razões dá Mar<br />

tini para provar a translação disso, a que elle chamº sete<br />

do promittente, para o acceitante? Nenhumas. "<br />

Não nos cancemos em <strong>de</strong>ciferar o enigma, e procu<br />

remos antes, qual será o fundamento das obrigações, que<br />

resultão dos contractos. Sobre este ponto diversifição os<br />

Philosophos. … … …<br />

. Alguns recorrêrão á hypothese d'uma convenção ge<br />

ral tacita, pela qual todos os homens se obrigárão a ser<br />

fieis ás suas promessas. Porém facilmente se vê, que si<br />

milhante convenção, por impossivel, não passa d'uma<br />

ficção (a), que não pó<strong>de</strong> ser meio verda<strong>de</strong>iro d'argumen<br />

tar em Philosophia Juridica (5).<br />

Outros disserão, que o promittente abandonava a<br />

cousa, que ficava nullius, e o acceitante a occupava. Po<br />

rém esta razão não abrange todos os contractos, mas só<br />

mente aquelles; em que similhantes actos po<strong>de</strong>m ter lugar.<br />

" Outros (tal é Martini) disserão, que todo o contra<br />

cto contém a alienação d’uma particula da liberda<strong>de</strong> do<br />

promittente, que entra no dominio do acceitante. Porém<br />

a liberda<strong>de</strong> é uma faculda<strong>de</strong> humana, que se não pó<strong>de</strong><br />

alienar nem no todo nem em parte, o que realmente se<br />

aliena são certos actos, que se promettem cumprir por<br />

meio da liberda<strong>de</strong>. A liberda<strong>de</strong> é susceptivel <strong>de</strong> differem<br />

tes direcções, é verda<strong>de</strong>; mas a questão está em saber o<br />

que é que pó<strong>de</strong> obrigar a certa direcção a liberda<strong>de</strong>.<br />

Outros recorrem ao interesse da socieda<strong>de</strong>. Porém a<br />

# não é saber, se convém á socieda<strong>de</strong>, mas sim se<br />

é justo, que a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma pessoa fique ligada por uni<br />

contracto, quando <strong>de</strong>pois conhece, que esse contracto<br />

interesses lhe é prejudical. particulares. O interesse da socieda<strong>de</strong> compõe-se<br />

• dos<br />

Bentham funda as obrigações dos contractos na uti<br />

lida<strong>de</strong>, seu unico principio favorito; porque, se o pa<br />

ctuante não cumpre suas obrigações, per<strong>de</strong> a reputação e<br />

"(a) S.427. - … — —<br />

(b) Bentham Principes <strong>de</strong> Legislations C. 13,


|-<br />

(3o3 )<br />

expõe-se a ninguém querer mais contractar com elle.<br />

Porém <strong>segundo</strong> estes principios será licito a qualquer pa<br />

ctuante o ser perfido, quando encontrar mais utilida<strong>de</strong><br />

em faltar á fé promettida, do que em conservar a confian<br />

çados outros. De mais á perfidia nem sempre se segue a<br />

má reputação. - •<br />

Ahrens julga esta questão ao mesmo tempo <strong>de</strong> Mo<br />

ral e <strong>de</strong> Direito. A Moral, toda <strong>de</strong>sinteressada, só manda<br />

fazer o bem porque é bem, e obriga na consciencia o<br />

homem a satisfazer ás suas promessas, sem que o interesse<br />

o possa <strong>de</strong>sculpar. O Direito abrange todas as condi<br />

ções; <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da vonta<strong>de</strong> humana, necessarias para o<br />

homem conseguir o seu fim racional. Estas condições em<br />

gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da vonta<strong>de</strong> dos outros, e para as<br />

obter o homem contracta com elles. A fé<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> pois ás<br />

obrigações, sem a qual os contractos serião inuteis, é<br />

tambem uma condição da vida social, entra no Direito; e<br />

por isso o Direito reconhece e sancciona as obrigações<br />

provenientes dos contractos (a).<br />

, , $. 451.<br />

º Sendo os actos da vonta<strong>de</strong> internos, não po<strong>de</strong>mos<br />

conhecer o consentimento dos outros, senão pelos signaes<br />

externos, que o uso tem consagrado entre os homens,<br />

como, meios <strong>de</strong> communicarem seus pensamentos (b).<br />

Por isso diz com razão Martini, que a manifestação, feita<br />

por estes signaes, se <strong>de</strong>ve reputar por equivalente da<br />

vonta<strong>de</strong>, e que o contracto se <strong>de</strong>ve julgar feito <strong>segundo</strong><br />

o que significão as palavras, ou signaes, <strong>de</strong> que se ser<br />

vírão os pactuantes, ainda que elles tivessem na mente o<br />

contrario. Com effeito o Direito, todo exterior, nada tem<br />

com os sentimentos, em quanto se achão encerrados no<br />

coração do homem: sómente quando vestem a fórma<br />

exterior pela manifestação, entrão na esfera do Direito.<br />

O Direito pois só avalia os actos da vonta<strong>de</strong> dos contra<br />

ctantes pelo que significão suas palavras, ou os meios,<br />

<strong>de</strong> que se servirão para a manifestar.<br />

Martini offerece duas excepções a esta regra: 1." não<br />

(a) Ahrens loc, cit. S. 2.<br />

(4) S. 49.


•<br />

( 3o4 )<br />

se pó<strong>de</strong> dizer que contractão aquelles, que gracejãº;<br />

Porque com quanto as suas palavras sôem uma cousa,<br />

realmente significáo outra; não tem intenção séria <strong>de</strong> cunº<br />

tractar: 2.° aquelles, que fazem tractados e negociações<br />

pacticias, em que se <strong>de</strong>libera, se por ventura se ha <strong>de</strong>,<br />

ou não, vir a pactuar.<br />

Pó<strong>de</strong>-se formular uma excepção, que não só com<br />

prehenda as duas <strong>de</strong> Martini, mas outras. A doção das<br />

palavras, o sentido ordinario dos signaes, <strong>de</strong> que os pa=<br />

ctuantes se servirão, presumem-se ser a vonta<strong>de</strong> dos pa<br />

ctuantes; porque realmente pétte aeontecer, que ella<br />

seja uiversa, e até contraria. Porém a presumpção ce<strong>de</strong> á<br />

verda<strong>de</strong>. Portanto quando algum dos pactuantes po<strong>de</strong>r,<br />

provar, que as suas palavras, ou signaes não segnificárão<br />

a sua verda<strong>de</strong>ira vonta<strong>de</strong>, eonio quando gracejou, quando<br />

foi violentado, etc., não houve verda<strong>de</strong>iro eonsentimento<br />

e conformida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s, não houve contraeto.<br />

+<br />

§§. 452 e 453. - * *<br />

. Divi<strong>de</strong> Martini os pactos em expressos, quando o con<br />

sentimento é manif<strong>estad</strong>o por palavras, escriptura, etc.;<br />

e tacitos, quando e consentimento se <strong>de</strong>duz dum acto,<br />

que se não pó<strong>de</strong> conceber senão como signat do consen<br />

timento, v. g., aquelle, que em uma hospedaria se as<br />

senta á meza, aquelle, que entra em uma barea, tacita<br />

mente <strong>de</strong>clarão o seu consentimento <strong>de</strong> pagarem: em<br />

unilateraes, em que um sómente promette e outro só-.<br />

mente acceita; e bilateraes, em que ambos os pactuantes<br />

promettem e aeceitão. * • - •<br />

Ahrens reduz a quatro classes os contractos: 1° se<br />

gundo a relação juridica entre partes contraetantes: 2.",<br />

<strong>segundo</strong> o modo da conclusão dos contractos: 3." seguu-,<br />

do o effeito dos contraetantes: 4.° segundº a relação, que<br />

ós contractos tem entre si. • • • • •<br />

A primeira classe divi<strong>de</strong>-se em duas especies: 1.° con<br />

tractos iguaes (aos quaes impropriamente se tem chama<br />

do onerosos, bilateraes, e synallagmaticos): 2.° <strong>de</strong>siguaes<br />

(chamados tambem gratuitos, beneficos ou unilateraes)-<br />

Diz-se contracto igual aquelle, em que as duas partes esti<br />

pulão duas obrigações, don<strong>de</strong> resultão para cada uma


•<br />

(395 )<br />

sua pretenção, ou comº osJCtos dizem seu <strong>direito</strong>. Estas<br />

abrigações apezar <strong>de</strong> diversas quanto ao objecto, nascem<br />

# , e juntas se extinguem. •<br />

Pertencem á primeira especie todos os generos <strong>de</strong><br />

trocas, seja qual for o seu objecto, e comprehen<strong>de</strong>,<br />

além dos contractos, chama<strong>de</strong>s innominados pelos Ro<br />

manos… do a <strong>de</strong>s, do utfitolas, facio ue <strong>de</strong>s, facio ut<br />

farias- as trocasseguintes: 1.° troca d'um objecto ("er<br />

eadoria) por outro (troca no sentido stricto): 2.° d'um<br />

ebjecto por dinheiro (venda): 3.° <strong>de</strong> usº d'uma proprie<br />

da<strong>de</strong> por dinheiro ou pensão <strong>de</strong> generos (locação e con<br />

ducção): 4° do uso das forças fysicas por dinheiro (lbeº<br />

gão d'obras): 5.° do dominio util por um canon, ou<br />

pensão (emphrteuse): 6.° do mesmo dominio util por<br />

fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> (feudo): 7.° <strong>de</strong> dinheiro por dinheiro (cam<br />

lie): 8.° do uso do dinheiro com transferencia da pro<br />

Prieda<strong>de</strong> por dinheiro (emprestimo a jurº).<br />

... Pertence á segunda especie toda e qualquer doação.<br />

E taes são: 1.° o dom gratuito da proprieda<strong>de</strong> d'hm ob<br />

jeote (daução propriamente dita): 2." o uso d'um obje<br />

cto, fungivel (mutuo, ou emprestimo gratuito): 3." o uso<br />

d'um objecto não fungivel (commodato): 4.° a prestação<br />

<strong>de</strong> serviços materiaes e immateriaes (<strong>de</strong>posito, mandato<br />

e precario) , • …<br />

A segunda classe comprehen<strong>de</strong> duas especies <strong>de</strong> con<br />

tractos; a saber: puros, absolutos, ou não condicionaes,<br />

que não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> condição alguma <strong>de</strong> facto ou <strong>de</strong><br />

tempo mais ou menos incertos; e condicionaes, que <strong>de</strong>pen<br />

<strong>de</strong>m d'alguma <strong>de</strong>stas eondições.<br />

. Das differentes especies <strong>de</strong> condições faltaremos<br />

adiante. . ** *<br />

A terceira elasse divi<strong>de</strong>-se em contractos obrigato<br />

zios, que tem por fim fazer nascer uma obrigação; e<br />

liberatórias, quando tem por fim libertar d’uma obriga<br />


|-<br />

*<br />

(3o6)<br />

tencem o penhor, a hypotheca, a fiança, e tôdos os comº<br />

tractos liberatorios. + +<br />

*",<br />

* * *<br />

Pollicitação, diz Martini, é a promessa feita sem o<br />

<strong>direito</strong> d'acceitar, ou antes a promessa só do que offe<br />

rece. Na policitação não ha acceitação nem antece<strong>de</strong>nte,<br />

nem subsequente á promessa, não ha contracto. Aquelle<br />

pois, que falta a similhante promessa, viola uma obriga<br />

ção imperfeita; porque a cousa… não passou do seu do<br />

promittente para o do outro, que não acceitou.<br />

$ 457 |<br />

* * *<br />

, Po<strong>de</strong>m pactuar todos aquelles, que po<strong>de</strong>m consen<br />

tir fysica e moralmente, i. é, que tenhão as forças fysi<br />

cas para manifestar o seu consentimento, e as moraes,<br />

para os actos da sua vonta<strong>de</strong> serem regulados pela razão,<br />

livres, e moraes: <strong>de</strong> outro modo o consentimento, fun<br />

damento dos contractos, será fysica, ou moralmente im<br />

possivel, e não haverá contracto. Por on<strong>de</strong> é facil <strong>de</strong> ver,<br />

que os furiosos, mentecaptos, <strong>de</strong>mentes, infantes, os<br />

totalmente embriegados, e os dormentes, etc., não po<br />

<strong>de</strong>m contractar. "<br />

§. 458.<br />

Quaes são os effeitos do erro, que entrevêm nos<br />

contractos? Martini respon<strong>de</strong> neste e nos dous seguintes<br />

§§., fazendo distincção entre erro do promittente, <strong>de</strong><br />

que tracta neste §., erro do acceitante, no §. 459 e na<br />

primeira parte do §. 46o, e erro d'um terceiro, na se<br />

gunda parte do § 46o. , \<br />

Quanto ao erro, em que por si caío o promittente,<br />

diz Martini, <strong>de</strong>ve prejudicar sómente a elle: 1.° porque<br />

o erro <strong>de</strong>ve sempre ser imputado e prejudicar ao seu<br />

auctor: 2." porque a sua <strong>de</strong>claração <strong>de</strong>ve-se ter pela sua<br />

vonta<strong>de</strong>. • - -<br />

Desta doutrina <strong>de</strong>duz-se, que o erro do promit:<br />

tente, seja qual for, não vicia o contracto; que, este º<br />

valido; e que o promittente <strong>de</strong>ve sofrer irremediavel<br />

• mentê


-<br />

(…)<br />

}mente os consectarios, do seu erro — ipsi, solinocebitdiz<br />

Martini. • - • •<br />

Não po<strong>de</strong>mos convir em similhante doutrina. E ver<br />

da<strong>de</strong> que a lealda<strong>de</strong> á fé promettida e a inviolabilida<strong>de</strong><br />

dos contractos é d'alta monta na vida social, e que im<br />

porta não <strong>de</strong>ixar uma porta aberta á, perfidia, para <strong>de</strong><br />

baixo do pretexto <strong>de</strong> qualquer erro se annullarem os pa<br />

ctos. Porém a distincção, <strong>de</strong>rro essencial e acci<strong>de</strong>ntal,<br />

que Martini applica ao erro do acceitante no § seguinte,<br />

concilia os interesses bem entendidos dos pactuantes com<br />

o bem geral da socieda<strong>de</strong> — a segurança dos contractos,<br />

sendo tambem applicada ao erro do promittente, * *<br />

. Nem as razões, em que se funda Martini, são capa<br />

zes <strong>de</strong> nos fazer <strong>de</strong>scer da nossa opinião. A primeira ra=<br />

zão <strong>de</strong> que o erro, sempre <strong>de</strong>ve ser imputado e prejudir<br />

car ao seu auctor, não está em harmonia com a doutri<br />

na <strong>de</strong> Martini, e muito menos com o que já dissemos (a).<br />

Pó<strong>de</strong> acaso ser imputavel o erro invencivel, quando o não<br />

é a ignorância invencivel?Asegunda razão tambem não<br />

é verda<strong>de</strong>ira; porque o mais que se pó<strong>de</strong> affirmar, é que<br />

a <strong>de</strong>claração do promittente se <strong>de</strong>ve presumir ser con<br />

forme á sua vonta<strong>de</strong>; porém já dissemos, que esta pre<br />

sumpção ce<strong>de</strong> á verda<strong>de</strong>, quando o promittente po<strong>de</strong>r<br />

provar clara e evi<strong>de</strong>ntemente, o contrario (b) Se o ven<br />

<strong>de</strong>dor por um erro seu, e, a que não foi induzido pelo<br />

comprador, ven<strong>de</strong>r como <strong>de</strong> ferro, uma barra d'ouro,<br />

conhecendo alias o comprador, que era d'ouro, e apro<br />

veitando-se do erro do ven<strong>de</strong>dor, será razão, que simi<br />

lhante contracto valha, ainda que o ven<strong>de</strong>dor possa <strong>de</strong><br />

pois provar o seu erro ? Certamente não. •<br />

. Ainda dizemos mais: se estas razões são verda<strong>de</strong>i<br />

ras e conclu<strong>de</strong>ntes quanto ao erro do promittente, tam<br />

bem o são relativamente ao erro do acceitante, e compre<br />

hen<strong>de</strong>m o erro essencial e acci<strong>de</strong>ntal, que Martini exce<br />

ptua nos §§. seguintes. Estas razões provão <strong>de</strong> mais, do<br />

que Martini <strong>de</strong>seja,<br />

Enten<strong>de</strong>mos pois que a distincção d'erro essencial e<br />

(…) s ss.<br />

(b) S. 451. •<br />

II.<br />

2O


( 308)<br />

acci<strong>de</strong>ntal é applicavel tanto ao promittente, como ao<br />

acceitante nos termos, que vamos ver (a). . .<br />

§ 459.<br />

Se o erro provém da parte do acceitante, diz Mar<br />

tini, ou este erre, ou dolosamente queira enganar ao<br />

promittente, <strong>de</strong>ve-se imputar ao acceitante tanto o erro,<br />

como o dólo; porém se o erro, ou dólo foi causa unica<br />

final do contracto, este não val; porque falta o consen<br />

timento do promittente; e o acceitante doloso <strong>de</strong>ve re<br />

parar o damno. -<br />

• Se o erro (<strong>de</strong> que falla Martini), que foi causa unica<br />

e final do contracto, e que o annulla, é o erro do pro<br />

mittente, a que o induzio o acceitante, o que parecem<br />

indicar as palavras — porque falta o consentimento do<br />

promittente — pois isto só pó<strong>de</strong> verificar-se por errº<br />

<strong>de</strong>ste; ou se é o erro, em que por si caío o acceitante, o<br />

que parece provar a distincção <strong>de</strong> erro e dólo do acceitam<br />

te, pois o dólo <strong>de</strong>ste tem por fim o fazer errar aquelle,<br />

não é cousa facil <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir. Martini quiz ser escuro;<br />

não seremos nós que percamos o tempo em levantar o<br />

véo aos seus mysterios. º<br />

Vamos expôr a verda<strong>de</strong>ira doutrina a este respeito,<br />

que é o que nos importa. Admittimos a distincção d'erro<br />

e <strong>de</strong> dólo essencial, e acci<strong>de</strong>ntal. Fallemos primeiro do<br />

CTTO, + + •<br />

Diz-se erro essencial aquelle, que foi causa unica e<br />

final do contracto, i. é, tal, que o pactuante não contra<br />

ctaria, se não fosse esse erro. Diz-se erro acci<strong>de</strong>ntal o<br />

que sómente foi causa impulsiva, i. é, tal que o pactuan<br />

te, sujeito a ele, sempre faria o contracto, mas sómente<br />

<strong>de</strong> diverso modo, , º<br />

Isto posto, enten<strong>de</strong>mos, que o erro essencial, ou se<br />

ja do acceitante, ou do promittente, vicía a essencia do<br />

contracto; porque lhe subtrahe o consentimento do pa<br />

ctuante, que erradamente consentio: o pactuante quiz<br />

o que não queria; e por isso verda<strong>de</strong>iramente não quiz,<br />

não consentio, e nem houve verda<strong>de</strong>iro contracto. Desco<br />

a) Sr. Fortuna L. I. P. 2.C.4. S. jº; e seg.


•<br />

•<br />

( 309)<br />

berto lo. e provado o erro essencial, o contracto fica nul<br />

o Se o erro foi sómente acci<strong>de</strong>ntal, como o pactuante,<br />

que nelle caío, sempre consentiria, mas só <strong>de</strong> modo di<br />

verso, <strong>segundo</strong> diz Martini no § seguinte, existio ver.<br />

da<strong>de</strong>iro consentimento, e contracto valido. E visto como<br />

ninguem se <strong>de</strong>ve locupletar com a jactura alheia, o pa<br />

ctuante lesado <strong>de</strong>ve ser resarcido do damno, que soffreo,<br />

pelo lesante (a).<br />

O dólo é a astucia, ou fallacia para enganar os ou,<br />

tros (5). Pelas <strong>de</strong>finições <strong>de</strong>rro essencial e acci<strong>de</strong>ntal se<br />

faz idêa do dólo das mesmas especies. O dólo d'um pa<br />

ctuante reverbéra sobre o outro, e o induz a erro; o fim<br />

do dólo nos contractos é o engano e erro. Portanto o<br />

que dissemos do erro, é applicavel ao dólo, só com a<br />

differença, que, ou o dólo seja essencial, e annulle o<br />

contracto, ou acci<strong>de</strong>ntal, e o contracto vigore, o pa<br />

ctuante doloso <strong>de</strong>ve reparar todo o damno, que o outro<br />

sofreo; pois seria uma immoralida<strong>de</strong> e injustiça que o<br />

homem lucrasse com o seu dólo. -<br />

• §. 46o.<br />

Resta fallar do erro, que influio no contracto, e que<br />

não emana dos pactuantes, mas d'um terceiro. Martini<br />

diz, que similhante erro se <strong>de</strong>ve imputar a esse terceiro,<br />

excepto se pela natureza da cousa o acceitante enten<strong>de</strong>r,<br />

que tem lugar a excepção do erro.<br />

Em poucas palavras, se o erro, que influio no com<br />

tracto, causado por um terceiro, foi essencial, o contracto<br />

é nullo; e se foi sómente acci<strong>de</strong>ntal, o contracto val. Pelo<br />

que pertence porém á obrigação <strong>de</strong> reparar o damno,<br />

esta <strong>de</strong>ve pesar sobre o seu auctor (c), Felice (d) affirma;<br />

que o pacto, em que interveio erro por dólo d'um ter<br />

ceiro , sem estar colligado com algum dos pactuantes,<br />

val, e que o prejudicado só tem <strong>direito</strong> a haver do auctor<br />

do erro a# do damno. Porém como o erro<br />

essencial vicia a essencia do contracto, e não houve por .<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. P. a.C. 4. S. 5o8. e 5og. ===----<br />

(b) S. 19t., Sr. Fortuua loc. cit. S. 51o: •<br />

(c) S. 185. • a<br />

(d) Leg. 12: • * * * * +<br />

e é


'<br />

•<br />

(3ro )<br />

isso verda<strong>de</strong>iro consentimento (a), parece-nos, que a ori<br />

gem do erro não cura aquelle vicio da essencia, e que o<br />

pactuante enganado po<strong>de</strong>rá dar por nullo o contracto,<br />

uando preferir este expediente ao recurso da reparação<br />

# damno. • ' . . . .<br />

º § 461. "…<br />

-* -<br />

º . O pacto, cujo consentimento foi extorquido por<br />

medo a algum das pactuantes, é valido, ou nullo? Mar<br />

tini expõe primeiro a opinião <strong>de</strong> Grocio e Puffendorf, e<br />

<strong>de</strong>pois dá a sua. • . . , ."<br />

Grocio diz, que o pacto val; porque o pactuante<br />

prestou um consentimento absoluto <strong>segundo</strong> as circum<br />

stancias, em que se achava; se porém o medo foi injusto,<br />

ainda que leve, e causado aº promittente pelo acceitam<br />

te, este <strong>de</strong>ve livrar aquelle do cumprimento da sua pro<br />

causa messa, donão damno porque (b). a promessa seja inefficaz, mas por<br />

• - - +<br />

*** Hobbes sustenta a mesma opinião; porque julga<br />

necessario este principio para justificar as convenções<br />

bellicas, etc. (c).<br />

• •<br />

Ambos estes Philosophos seguírão a regra dos<br />

Estoicos— Coacta voluntas semperest voluntas. Esta dou<br />

trina já foi refutada pelo Sr. Fortuna (d). A vonta<strong>de</strong><br />

coacta é vonta<strong>de</strong> sim, mas não é vonta<strong>de</strong> livre. Aquelle,<br />

que foi violentado pelos ladrões a obrigar-se ao paga<br />

mento <strong>de</strong> certa quantia para salvar a vida, teve vonta<strong>de</strong>,<br />

porque escolheo, e preferio uma cousa á outra: porém,<br />

ve<br />

como<br />

liberda<strong>de</strong>,<br />

ellas ambas<br />

foi victima<br />

erão contrarias<br />

da força<br />

á<br />

e<br />

sua<br />

do medo.<br />

vonta<strong>de</strong>, não te<br />

Puffendorf sustenta o contrario; porque ninguem<br />

tem <strong>natural</strong>mente <strong>direito</strong> a incutir medo a outrem. Os<br />

homens são iguaes e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes: por isso ninguem<br />

tem <strong>direito</strong> a extorquir por medo uma promessa, nem<br />

por consequencia a exigir, <strong>de</strong>pois d’ella feita, o seu cum<br />

primento. E como <strong>direito</strong> e obrigação são cousas correla<br />

*-<br />

(a) S. 458,<br />

(b) Grocio De Jure Belli ac Pacis L. a. C. 11. S. 7.<br />

(*) Hobbes De Cive C. 2. S. 16.<br />

(*) I. I. P. a.C. 4. S. 514.


*<br />

•<br />

•<br />

(31 1 )<br />

tivas <strong>de</strong> tal modo, que uma não pó<strong>de</strong> existir sem a ou*<br />

tra, fica evi<strong>de</strong>nte, que, não tendo o acceitante <strong>direito</strong>,<br />

não pó<strong>de</strong> tambem ter obrigação o promittente, e o pacto<br />

é nullo (a). + • • :<br />

Martini diz que segue a opinião <strong>de</strong> Grocio, com a<br />

<strong>de</strong>claração porém, que se o medo, realmente injusto, for<br />

reputado externamente justo, o contracto <strong>de</strong>ve valer no<br />

fôro externo, com quanto no fôro interno e da conscien<br />

cia o acceitante não possa ter <strong>direito</strong>.<br />

Nada temos com a questão relativamente ao fôro<br />

interno; pertence á Moral. No fôro externo, proprio do<br />

Direito, medo grave enten<strong>de</strong>mos e terror panico, que semedo <strong>de</strong>ve justo fazer edistincção injusto. entre<br />

O terror panico e a força leve, a que qualquer ho<br />

mem facilmente pó<strong>de</strong> resistir, não <strong>de</strong>vem annullar o<br />

contracto. O interesse social não pó<strong>de</strong> tolerar, que por<br />

tão pequeno motivo se falte á santida<strong>de</strong> dos contractos.<br />

O medo grave e a violencia capazes <strong>de</strong> fazerem im<br />

pressão numa pessoa razoavel, principalmente se o mal,<br />

que se teme, for presente, <strong>de</strong>vem annullar o contracto;<br />

porque tirão a liberda<strong>de</strong> do consentimento, e vicião o<br />

contracto na sua essencia.<br />

. Esta doutrina tem lugar no medo injusto. Se po<br />

rém O medo for justo, como o receio reverencial para<br />

com as paes e superiores, ou o que resulta <strong>de</strong> coacção,<br />

empregada para a execução d'um <strong>direito</strong>, não annulla o<br />

contracto, porque aquelle, que causa similhante medo 3<br />

entra na regra — Qui jure suo utitur, nemini facil inju<br />

Flí1/72, |-<br />

- - •<br />

Alguns sustentão, que quando o medo foi incutido a<br />

um dos pactuantes não pelo outro, mas por um terceiro,<br />

o contracto val, salvo o <strong>direito</strong> da reparação do damno<br />

contra elle (b). Parece-nos porém, que, sendo o medo,<br />

grave, vicia o contracto, e o annulla por falta do consen<br />

tiumento livre. Aquelle, que por cautela com medo dos<br />

ladrões procura quem o acompanhe, <strong>de</strong>ve pagar-lhe ; º<br />

contracto é valido, porque paga o preço d'um serviço.<br />

(e) Patendorf <strong>de</strong> J. W. et G. L. 3. C. 6. S. 1o- 13, De Q/f. He<br />

et C. C. 9. S. 15.<br />

(b) Sr. Fortuna L. I. P. a. C. 4. S. 516. :


•<br />

( 3.12 )<br />

Porém se um homem com uma pistola na mão violentar<br />

a outro para dar seus bens a um terceiro, não tendo o<br />

auctor da violencia bens para reparar o damno; nin<br />

guem , que tenha uso <strong>de</strong> razão, dirá, que o contracto<br />

val, e que o doante <strong>de</strong>ve ficar privado dos bens, que a<br />

violencia lhe extorquio contra sua vonta<strong>de</strong>. Temos para<br />

nós, que importa atten<strong>de</strong>r á natureza da força e do medo,<br />

e não á sua origem (a).<br />

. Se o pactuante, que foi aterrado, ou violentado,<br />

passado o periodo do medo , ou tendo cessado a força,<br />

ratificar o contracto, revalida-se o consentimento, e o<br />

contracto subsiste (b). |-<br />

$ 462.<br />

Neste §. e no seguinte tracta Martini da materia dos<br />

pactos, i. é, do seu objecto. Já dissemos (c), que um dos<br />

requisitos dos contractos é o ser a prestação possivel, i.<br />

é, que os actos positivos ou negativos, a que e promit<br />

tente se obrigára, fossein possiveis. Martiniaecrescenta,<br />

que estes actos sejão possiveisfysica e moralmente.<br />

, , . Os actos po<strong>de</strong>m não ser possiveis fysicamente, ou<br />

d'um modo absoluto, por serem contra as Leis Fysicas da<br />

Natureza , Y. g. , O dar um hippocentauro , o fazer com<br />

que os corpos pesados não gravitem para o centro da<br />

terra, etc., ou d'um modo relativo, por exce<strong>de</strong>rem as for<br />

ças do promittente, v.g., se prometter fazer uma epo<br />

peia, sem ter para isso o engenho e arte necessaria. E com<br />

effeito similhantes promessas são mais proprias d'um ho<br />

mem, que graceja ou per<strong>de</strong>o o juizo, do que d'um ho<br />

mem razoavel, e que tem a intenção sincera <strong>de</strong> se obri<br />

gar. Daqui vem a regra dos JCtos— ad impossibilia ne<br />

mo tenetur. " , - - - - - - a<br />

. Os factos promettidos po<strong>de</strong>m ser moralmente impos<br />

siveis, ou porque exce<strong>de</strong>m as forças moraes do promit<br />

tente, como na promessa da epopeia, <strong>de</strong> que já falámos;<br />

ou porque são contrarios ás Leis Naturaes, <strong>de</strong> que fallaº.<br />

remos no §, seguinte; ou finalmente porque são oppostos<br />

_# —<br />

*–*<br />

•<br />

(…) S.46o. = - - ITT -- --- . <<br />

(b) Sr. Fortuna loc. cit.<br />

(e) S. 45o.


•<br />

(313)<br />

aos preceitos da Philosophia Moral. O Direito, não pó<strong>de</strong><br />

sanccionar factos, que a Moral reprova. Assim será nulla<br />

a promessa <strong>de</strong> mentir, <strong>de</strong> ser ingrato, etc.<br />

A sua regra appresenta Martini duas excepções:<br />

1. o promittente, que conhecia a impossibilida<strong>de</strong> * 3C<br />

ções ou omissões, a que se obrigou, se dolosamente fingio<br />

a possibilida<strong>de</strong>, para enganar o acceitante, <strong>de</strong>ve reparar<br />

º damno, que causou, porque foi moral, ainda que o pa<br />

cto pela impossibilida<strong>de</strong> da promessa é nullo: v. g., o<br />

alchymista, que fingio saber converter em ouro os outros<br />

metaes, <strong>de</strong>ve resarcir o damno ao acceitante, a quem<br />

dolosamente iludio, 2.° Se a impossibilida<strong>de</strong> sobreveio<br />

<strong>de</strong>pois do contracto feito sem culpa ou dólo do promit<br />

tente, essa impossibilida<strong>de</strong> torna irrito o contracto; e<br />

como a impossibilida<strong>de</strong> foi casual, casus nem o praestat:<br />

pelo contrario porém, se a impossibilida<strong>de</strong> supervenien<br />

te foi filha <strong>de</strong> culpa on dólo do promittente; v. g.,<br />

aquelle, que pelos excessos da gula fallio <strong>de</strong> bens, e se<br />

impossibilitou para pagar aos seus crédores, <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong><br />

mnizal-os por todos os modos possiveis, v. g., pelas he<br />

ranças, que <strong>de</strong>pois adio, pelos lucros, que acquirio com<br />

sua industria, etc. |-<br />

Assentimos a esta doutrina <strong>de</strong> Martini, não com<br />

prehen<strong>de</strong>ndo nos modos possiveis todos os que são repro<br />

vados pela razão e pela Moral: taes erão entre os roma<br />

nos o escravizar e ven<strong>de</strong>r os <strong>de</strong>vedores, que não podião<br />

pagar, para in<strong>de</strong>mnização dos crédores (º).<br />

§. 463.<br />

É nulla a promessa illicita, i. é, contraria ás Leis<br />

Naturaes, e a torpe, i. é, contraria aos bons costumes e<br />

á moral pública; porque taes actos são juridicamente<br />

impossiveis. O Direito Natural não pó<strong>de</strong> prohibil-os, e<br />

obrigar a pratical-os. O promittente não só não tinha di<br />

reito a prometter, senão ainda lhe corria a obrigação <strong>de</strong><br />

os evitar. A promessa pois foi illicita, a acceitação inutil,<br />

e o pacto nullo. Por exemplo, a promessa <strong>de</strong> cousa<br />

alheia; porque o promittente não tinha <strong>direito</strong> sobre<br />

ella, não tinha <strong>direito</strong> a promettel-a.<br />

(a) S. 375.


(314)<br />

A este proposito parece-nos rozoavel a doutrina do<br />

Sr. Fortuna, que sustenta nesta hypothese, que o<br />

promittente <strong>de</strong>ve fazer toda a diligeucia, que lhe for<br />

possivel, para obter a cousa alheia, ou por conseguir<br />

terceiro, que pratique, ou <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> praticar os factos,<br />

que forão objecto do contracto. E se não conseguir d'um<br />

a cousa alheia, feita a <strong>de</strong>vida diligencia, só pó<strong>de</strong> ser<br />

obrigado a in<strong>de</strong>mnização do damno em dous casos: 1.°<br />

se houve dólo da sua parte: 2.° se expressamente se obri<br />

gou a fazer reparação do damno (a). -<br />

Resta advertir, quanto á materia dos pactos, que só<br />

mente os actos exteriores, ou pelo menos aquelles, cujos<br />

effeitos pó<strong>de</strong>m chegar a ser exteriores, são objectos <strong>de</strong>l<br />

les; porque as obrigações juridicas se revestem, como o<br />

Direito, <strong>de</strong> um character d'exteriorida<strong>de</strong>, que as distingue<br />

das obrigações moraes: assim não pó<strong>de</strong> ser objecto d'um<br />

contracto o amor, a boa reputação, a benevolencia, a<br />

gratidão simples, etc. (b).<br />

... Como é que o promittente satisfaz á sua promessa<br />

ou cumpre a sua obrigação ? Se prometteo factos po<br />

sitivos, ou negativos, fazendo, ou <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong> fazer o<br />

# prometteo; se cousas, fazendo tradição <strong>de</strong>las; e<br />

nalmente se <strong>direito</strong>s, consentindo que o acceitante<br />

use <strong>de</strong>lles, ou das cousas, que são o seu objecto.<br />

Diz-se tradição o acto, pelo qual o promittente<br />

transfere a cousa corporal para o acceitante. Os JCtos<br />

divi<strong>de</strong>m a tradição em verda<strong>de</strong>ira, e fingida. A verda<strong>de</strong>ira<br />

dá-se, quando se transfere a cousa novel da mão d'um<br />

para a mão d’outro; ou quando se introduz a outrem na<br />

cousa immovel. A fingida comprehen<strong>de</strong> tres especies: 1.°<br />

symbolica, quando em lugar da cousa se entrega algum si<br />

gnal, v.g., as chaves pela casa: longa manu, quando se<br />

mostra a cousa: brevi mauu, quando verbalmente damos<br />

por entregue a cousa áquelle, que já a possue. Nos <strong>direito</strong>s,<br />

como são cousas incorporeas, só tem lugar a quasi tra<br />

(…) Sr. Fortuna L. I. P. a.C.4. S. 524.<br />

(*) Ahrens Part. Spec. C. a. P. 2. S. a.


(315)<br />

dição, que se verifica pelo uso, que <strong>de</strong>lles faz o accei<br />

tante, e paciencia do promittente (a).<br />

$ 466.<br />

Para a transferencia do dominio ou da proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> é necessaria a tradição? Martini respon<strong>de</strong> fazendo<br />

distincção entre cousa certa e immediatamente singular,<br />

e cousa incerta e mediatamente singular. Da tradição<br />

das cousas da primeira especie tracta neste $., e da tradi<br />

ção das da segunda especie no § seguinte.<br />

Sendo os <strong>direito</strong>s cousas incorporeas, diz Martini,<br />

não é necessaria a tradição, para elles passarem do pro<br />

mittente para o acceitante. A tradição só é indispensavel<br />

para este obter a posse fysica, i. é, corporal. Todo o <strong>direito</strong><br />

real pois, i. é, inherente á cousa immediatamente sin<br />

gular, passou pelo contracto para o acceitante, que por<br />

elle a pó<strong>de</strong> reivincar <strong>de</strong> qualquer possuidor.<br />

Na verda<strong>de</strong>, sendo o <strong>direito</strong> uma qualida<strong>de</strong> moral,<br />

o simples contracto pó<strong>de</strong> operar a sua trasladação do<br />

promittente # o acceitante in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do<br />

facto material da tradição das cousas. Os romanos para<br />

maior certeza e segurança exigirão para a transferencia<br />

do dominio a tradição: porém já Grocio (5), Burlamaqui<br />

(c) e Felice (d) reconhecêrão como ocioso o acto da tradi<br />

ção para similhante effeito (e).<br />

s"… . §. 467.<br />

. Se porém o objecto do contracto foi cousa mediata<br />

mente singular, i. é, que tem inda <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>terminada<br />

pelo promittente, v. g., se prometteo uma cabra do seu<br />

fato, um porco da sua vara, um cão da sua matilha, cem<br />

moédas, etc., o acceitante não acquire o dominio, ou di<br />

reito real antes da tradição pelo menos fingida, ou seja<br />

brevi manu, ou longa manu, ou symbolica, ou em fim sem<br />

(a) Sr. Fortuna loc. cit. S. 541.<br />

(b) De J. B. ac P. L. a.C.6. S. 1. e C. 8.5.25.<br />

(e) P. 4. C. 9. S. 1o.<br />

(d) Notas a Burlamaqui loc. cit.<br />

(e) Ahrens Part. Spéc. Div. 2. P.I.S. 4.<br />

* *>,


(316)<br />

algum outro facto, que <strong>de</strong>termine e torne certa a cousa.<br />

Antes pois d'algum <strong>de</strong>stes signaes, o acceitante só tem º<br />

<strong>direito</strong> ad rem, ou o <strong>direito</strong> pessºal, para obrigar o promit<br />

tente a <strong>de</strong>terminar a cousa, que foi objecto do contracto.<br />

Os JCtos marcão as seguintes differenças entre º<br />

<strong>direito</strong> real, e o <strong>direito</strong> pessoal: 1.° pelo <strong>direito</strong> real<br />

a cousa está unida á nossa personalida<strong>de</strong>: 2." por elle a<br />

po<strong>de</strong>mos reivindicar <strong>de</strong> qualquer possuidor: 3.° o <strong>direito</strong><br />

real tem o seu principio no dominio e na proprieda<strong>de</strong>.<br />

Pelo contrario: 1.º pelo <strong>direito</strong> pessoal sómente nos está<br />

obrigada a pessoa : 2.° por este <strong>direito</strong> sómente po<strong>de</strong><br />

mos pedir e haver a cousa da pessoa, que praticou o fa<br />

cto, pelo qual nos ficou obrigada, ou o facto seja licito,<br />

i. é, o contracto ou quasi-contracto, ou ilicito, i. é, e<br />

º <strong>de</strong>licto ou quasi-<strong>de</strong>licto: 3." o <strong>direito</strong> pessoal tem o<br />

seu principio na obrigação dos outros (a).<br />

Por fim observa Martini, que a promessa d'um ente<br />

universal, v. g., protecção, assistencia, vinho, azeite,<br />

etc., não pó<strong>de</strong> entrar nos pactos por inutil, visto que pó<strong>de</strong><br />

ser satisfeita com cousas minimas. Por isso similhantes<br />

promessas forão chamadas pollieitações (b).<br />

• * * * * * * • - -<br />

- 8. 468.<br />

Como os "paetos po<strong>de</strong>m ser absolutos ou prrros, e<br />

condicionaes (c): por isso Martini neste S. e nos seguintes<br />

fala das condições.<br />

Condição é qualquer circumstancia, ou evente, <strong>de</strong><br />

cuja existencia <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> a valida<strong>de</strong> d'um acto. Divi<strong>de</strong>-se<br />

em <strong>natural</strong>, i. é, aquella, que pela natureza da cousa é<br />

inherente ao acto, e se subenten<strong>de</strong>, v.g., nos contractos<br />

º não haver erro, ou dólo essencial, a possibilida<strong>de</strong> da<br />

prestação, etc.; e arbitraria, i. é, aquella, que os pa<br />

ctuantes por sua livre vonta<strong>de</strong> juntárão ao contraetº:<br />

esta subdivi<strong>de</strong>-se em possivel, e impossive!, <strong>segundo</strong> re<br />

pugna, ou não, ás forças da natureza, ou do agente, e<br />

ás Leis Naturaes.<br />

|-<br />

(4) (*) Sr. Fortuna loc. cit. S. 543.<br />

Sr. Fortuna loc. cit. S. 541.<br />

(e) S, 452 e 453.


• Cumpre<br />

:<br />

(317 )<br />

porém observar, que, se a impossibilida<strong>de</strong><br />

vicia o consentimento e annulla o contracto, a condição.<br />

impossivel tambem <strong>de</strong>ve ser nulla (a). * * * *<br />

$. 469,<br />

A condição possivel e arbitraria subdivi<strong>de</strong>-se: 1.° em<br />

potestativa, quando <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do livre alvedrio daquelle,<br />

para quem se transfere o <strong>direito</strong>. v. g., se for estudante;<br />

casual, quando <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da fortuna, v. g., se chover; e<br />

mista, quando <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> parte do arbitrio e parte do<br />

acaso, v. g., se casar com Maria: a," em suspensiva, a<br />

que <strong>de</strong>móra a obrigação até que se verifique, v. g., pro<br />

metto dar para quando fores casado; e resolutiva, aquella,<br />

que faz cessar o <strong>direito</strong> e a obrigação, tanto que se realiza,<br />

v. g. , darei até que sejas casado, , … … -<br />

# A condição pois é uma especie <strong>de</strong> pacto, que é<br />

mister observar religiosamente, excepto se for impossivel<br />

ou injuridica: porém como nenhum pactuante se obriga<br />

a mais do que é sua vonta<strong>de</strong>, se a condição faltar, opa<br />

cto torna-se irrito. - …, … ; , ; |-<br />

,<br />

* … Mais claro, se ao pacto se juntou uma condição<br />

suspensiva, o pacto não produz logo o seu effeito º i, e ,<br />

a obrigação <strong>de</strong> prestar os actos positivos ou negativos,<br />

que forão o seu objecto, esta obrigação, digo, nasce<br />

com a condição, e no momento, em que esta se verifica:<br />

o promittente porém, tem obrigação <strong>de</strong> não concorrer<br />

para que a condição <strong>de</strong>ixe <strong>de</strong> existir; porque seria faltar<br />

á fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida aos contractos. Pó<strong>de</strong> dar-se por nul<br />

lo o contracto, tanto que ha certeza <strong>de</strong> que a condição<br />

não existirá. Pelo contrario, se a condição for resolutiva»<br />

o contracto é <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo eficaz, existe a obrigação <strong>de</strong><br />

cumprir a promessa, e continúa vigente, em quanto se<br />

não verifica a condição, que o resolve. Todo o uso, que,<br />

durante o periodo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o contracto até a condição, º<br />

acceitante fez da cousa, objecto do contracto, é legitimo,<br />

e não tem <strong>de</strong> in<strong>de</strong>mnizar por ele ao promittente (*).<br />

(a) S. 457., Sr. Fortuna loc. cit. S. 533. , º<br />

d) Sr. Fortuna loe, cit.S. 533., Allreus loc, cit. S. 6. -<br />


*<br />

Y ( 318 ) º<br />

§ 47º ** * * *<br />

- * \ - •<br />

Junta ao contraeto uma condição torpe, como a con<br />

dição influe no contracto, ou dando origem á obrigação,<br />

ou extinguindo-a, o contracto é nullo, assim como o é,<br />

quando foi torpe o seu objecto (a). Se o promittente<br />

entregou a cousa, que foi promettida <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> con<br />

dição torpe, po<strong>de</strong>rá repetil-a do acceitante? Não. Por<br />

que aquelle, que dá aquillo, que sabia não era obrigado<br />

a dar, tacitamente <strong>de</strong>clara, que dá gratuitamente, e o<br />

pó<strong>de</strong><br />

que foi<br />

repetir-se<br />

dado por<br />

(b).<br />

simples<br />

:<br />

doação, como veremos, nãº<br />

•<br />

. * . * " " +<br />

Os JCtos sustentão a mesma doutrina, porque o<br />

promittente teria <strong>de</strong> allegar a torpeza da condição, em<br />

que consentio, contra a regra— turpitudinem suam alle<br />

gans non auditur; — e por isso julgão mais favoravel a<br />

condição do acceitante pela outra regra—in communi<br />

turpitudine melior est conditio possi<strong>de</strong>ntis. ….…. , , 11-…<br />

Supponhamos porém, que foi igual, ou bilateral o<br />

contracto, em que interveio condição torpe, e que um<br />

dos pactuantes satisfez á sua promessa, e o outro não:<br />

po<strong>de</strong>rá aquelle obrigar este ao cumprimento da sua?<br />

Temos para nós que não, assim como enten<strong>de</strong>mos, que o<br />

promittente não pó<strong>de</strong> repetir a cousa pr<strong>estad</strong>a. As acções<br />

immoraes, rigorosamente fallando, não entrão na esfera<br />

do Direito, pertencem á Moral. O Direito não sanceiona<br />

obrigações juridicas sobre ellas, e por isso dá por nullos<br />

os contractos, que as tem por objecto, <strong>de</strong>ixando-as aº<br />

fôro interno, para serem <strong>de</strong>cididas pelo seu unico juiz<br />

— a consciencia. Em qualquer dos casos pois o Direito<br />

não dá acção nem para repetir a cousa pr<strong>estad</strong>a, nem<br />

para obrigar o pactuante perfido a cumprir aosuas pro<br />

messa (e). * * * ….… * . . *.*, ******* #.*? O * *##<br />

… " … … * … e …….…….….o º caro, e º<br />

*/} ……… … … … - … §. 471. … s .…… , , …, …; * * * *<br />

* * * * * * * * * * * * . * . * . , ……… ……. * * * * * *<br />

Todo o acto prohibido por Direito Natural será aº<br />

… (a) S. 463, …<br />

(b) Grocio De Jur. Belli ac Pac. L. a.C. 1o. S. 12., Puffendorf<br />

De J. V. et G. L. 3, C. 7. S. 9.<br />

(c) Ahrens loc. cit., S. 6, Sr. Fortuna loc. cit.S. 525. e seg.


*<br />

(319 )<br />

mesmo tempo irrito [ou antes nullo (a)]? Martini respon<br />

<strong>de</strong> dando tres regras, e fazendo distincção entre acção<br />

simples, e composta. Já dissemos o que seja cada uma<br />

<strong>de</strong>llas (b) º -<br />

… I. O acto simples illicito, ou prohibido pela Lei<br />

Natural, é sempre nullo, i. é, não produz effeitos juridi<br />

cos; porque seria contradicção visivel, prohibir a Lei<br />

Natural uma acção, e ao mesmo tempo approval-a, para<br />

produzir effeitos legitimos. " " " * - * * * * * *<br />

. ? • * \<br />

% * * *<br />

* * - - - P. - * * *<br />

- * * * * * * * * § 472. • • * . * . . , , , " .*<br />

* * * * ; ** * * * * , , ; ; = … * * * * *<br />

. II. Se o acto é composto e illicito não em si, mas<br />

por alguma circumstancia externa, que lhe é annexa,<br />

parece fóra <strong>de</strong> toda a dúvida, que o acto divisivel val na<br />

parte, em que não é prohibido, e que é nullo na parte,<br />

que a Lei prohibe: v. g., aquelle, que prometteo dar <strong>de</strong>z<br />

moedas, ainda que seja necessario furtal-as: o acto é di<br />

visivel; val na primeira parte, e na segunda parte é nul<br />

lo. •<br />

. -, • • • • S.<br />

"'' III.<br />

* * * * * * |-<br />

473.<br />

Pó<strong>de</strong> o acto ser illicito e nullo <strong>de</strong>baixo d'um<br />

ponto <strong>de</strong> vista, e <strong>de</strong>baixo d'outro ser licito e valido. Isto<br />

pó<strong>de</strong> acontecer tanto no fôro interno, como no exter<br />

no, ou pelo menos em um dos dous, <strong>segundo</strong> o Direito<br />

é interno ou externo. Porque, quando a lei não prohibe,<br />

não ha razão para que o acto seja illicito.<br />

Para se enten<strong>de</strong>r esta regra, importa notar, que re<br />

lativamente ás acções mandadas ou prohibidas pelas Leis<br />

Naturaes, as leis positivas não po<strong>de</strong>m ser mais do que<br />

a sua fiel expressão, <strong>de</strong>clarando o que aquellas mandão<br />

ou prohibem, e accrescentando á sancção <strong>natural</strong> outras<br />

penas ou premios mais graves. Porém em quanto ás ac<br />

ções indifferentes, aos <strong>direito</strong>s permissivos, <strong>segundo</strong> a<br />

Legislação Natural, po<strong>de</strong>m as leis positivas da Socieda<strong>de</strong><br />

Civil dispôr <strong>segundo</strong> o exigem as circumstancias particu<br />

lares do paiz, e melhor couvier ao bem geral da Nação.<br />

Assim pó<strong>de</strong> acontecer, que uma acção, permittida por<br />

(a) 9.73.<br />

(b) S. 196.


(3ao )<br />

Direito Natural, seja prohibida por Direito Civil: v.g.,<br />

por Direito Natural pó<strong>de</strong> contractar todo o homem, que<br />

tiver intelligencia do que faz; mas o Direito Civil, para<br />

evitar <strong>de</strong>mandas, e atten<strong>de</strong>ndo a épocha, em que os ho<br />

mens ordinariamente tem perfeito uso <strong>de</strong> razão, prohibe<br />

e annulla os contractos antes dos 18 ou a5 annos: se<br />

antes <strong>de</strong>sta ida<strong>de</strong> um homem estiver perfeitamente <strong>de</strong>s<br />

envolvido, tiver cabal conhecimento do que faz, e pa<br />

ctuar, o contracto será <strong>natural</strong>mente valido, e civilmente<br />

nullo, o pactuante ficará sujeito á obrigação por Direito<br />

Natural, e responsavel no fôro interno, pois a Moral<br />

manda cumprir todas as obrigações, ainda quando o one<br />

rado com elas não pó<strong>de</strong> ser externamente violentado ao<br />

seu cumprimento; porém fica isento da obrigação ci<br />

vil, e o acceitante não tem acção contra elle (a).<br />

§. 478.<br />

As obrigações, provenientes dos contractos, não po<br />

<strong>de</strong>m passar além dos limites, marcados pelo livre alve<br />

drio dos pactuantes. Por tanto se elles <strong>de</strong>clarárão o dia,<br />

em que <strong>de</strong>via principiar a obrigação, não pó<strong>de</strong> antes<br />

<strong>de</strong>lle o acceitante exigir o seu cumprimento: se porém<br />

o contracto foi puro e absoluto, o promittente <strong>de</strong>ve<br />

cumprir a sua promessa logo que lhe for possivel, e o<br />

acceitante o pedir. Porém este <strong>de</strong>ve em todo o caso dar<br />

lhe o tempo, que for razoavel, para que não haja grave<br />

prejuízo <strong>de</strong> nenhum dos pactuantes.<br />

i<br />

CAP. XVII,<br />

DOS PACTOS ESPECIALMENTE BENEFICOS,<br />

JA em outro lugar fizemos as differentes divisões <strong>de</strong><br />

pactos, e mencionámos aquelles, que em cada uma se<br />

comprehendião (b). Uma <strong>de</strong>ssas divisões foi <strong>de</strong> pactos<br />

(a)<br />

se Fortuna L. 1. P. a. C. 4, S. 528, e seg.<br />

(b) S. 452 e 453.


(321)<br />

iguaes, e <strong>de</strong>siguaes; áquelles chama agora Martini –<br />

beneficos; porque dando um dos pactuantes, sem receber<br />

consa alguma, nos seus effeitos tem similhantes pactos<br />

a maior analogia com os actos <strong>de</strong> beneficencia — benefi<br />

@93.<br />

§ 498,<br />

Essencial d'um contracto é aquillo, sem o qual o<br />

contracto ou é nullo, ou passa a ser outro contracto di<br />

verso, v. g., a prestação possivel, isenta <strong>de</strong>rro, ou<br />

dólo essencial, etc., porque sem estes requisitos todo o<br />

pacto é nullo: na locação é essencial não haver transfe<br />

rencia do dominio util, porque o contracto <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong><br />

ser locação, e seria emphyteuse. Natural é tudo o que<br />

é inherente ao contracto <strong>de</strong> tal modo, que se subenten<strong>de</strong><br />

sem expressa <strong>de</strong>claração dos pactuantes; mas estes po<br />

<strong>de</strong>m no contracto <strong>de</strong>clarar, que não terá lugar: v. g., é<br />

<strong>natural</strong> á venda d’uma quinta o subenten<strong>de</strong>rem-se ven<br />

didos os fructos pen<strong>de</strong>ntes. Finalmente acci<strong>de</strong>ntal d'um<br />

contracto é tudo o que nem lhe é essencial, nem <strong>natural</strong>,<br />

e que os pactuantes po<strong>de</strong>m omittir, ou accrescentar ao<br />

contracto: v. g., é acci<strong>de</strong>ntal á venda da quinta a prata<br />

e livraria, que estão nas casas d’ella.<br />

§ 5o3.<br />

Todos os pactos <strong>de</strong>siguaes se po<strong>de</strong>m reduzir á doa<br />

cão (a). Porém Martini principia pela doação propria<br />

mente dita, que é um contracto, pelo qual o promittente<br />

se obriga a entregar livre e gratuitamente uma cousa ao<br />

àCCeltante,<br />

Ao promittente chama-se doador, ao acceitante<br />

chama-se donatario.<br />

Martini dá ácerca da doação as cinco regras seguintes:<br />

I. Sómente pó<strong>de</strong> doar o senhor da cousá; porque<br />

o doador aliena a cousa, que é objecto da doação.<br />

Já dissemos, que erão nullos os contractos sobre<br />

cousa alheia (b); e ou se diga," o doador contrahe a<br />

obrigação d'entregar a cousa doada, ou que a proprie<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>direito</strong> se transfere para o donatario (se aliena),<br />

(a) S. 452, e 453.<br />

(4) S. 465.


• III.<br />

•<br />

( 322 )<br />

é certo, que o doador <strong>de</strong>ve ter o dominio, ou a proprie<br />

da<strong>de</strong> sobre a cousa, que faz objecto da sua liberalida<strong>de</strong>s<br />

Pó<strong>de</strong>, para aqui applicar-se a regra vulgar— nemo dat,<br />

quod non habet. , , , , , , , , , , , , , , …<br />

II. O doador <strong>de</strong>ve entregar a cousa doada, e não<br />

tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> revogar a doação; porque os contractos<br />

<strong>de</strong>vem-se observar religiosamente.<br />

Sendo a doação um contracto, em que houve pro<br />

messa e acceitação, resulta d’ella, como <strong>de</strong> todos os con<br />

tractos, uma obrigação, da qual o doador se não pó<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>sonerar por seu puro alvedrio, senão ainda pó<strong>de</strong> ser<br />

violentado ao seu cumprimento (a).<br />

Aqui só estabelecemos os principios geraes. Se a<br />

doação <strong>de</strong>ve ser revogada pela superveniencia dos filhos,<br />

se <strong>de</strong>ve ser insinuada, se o pai doador <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar salvas<br />

as legitimas dos filhos (b), e outras questões similhantes,<br />

que, <strong>segundo</strong> o <strong>estad</strong>o actual das socieda<strong>de</strong>s civís, e do<br />

Direito Positivo, se po<strong>de</strong>m suscitar, ficão fóra do nosso<br />

proposito; porque todas ellas presuppõe o conhecimento<br />

<strong>de</strong> todos os factos sociaes mais ou menos perfeitos se<br />

gundo o <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> maior ou menor cultura das na<br />

gões, Por isso Ahrens (c), Warnkoenig (d), e outros<br />

y Escriptores mo<strong>de</strong>rnos abandonão ao Direito Positivo a<br />

exposição dos principios dos contractos particulares. E<br />

na verda<strong>de</strong> os Escriptores <strong>de</strong> Direito Natural, que tem<br />

exposto a doutrina dos contractos, quasi, que não tem<br />

feito mais, do que referir as disposições do Direito Ro<br />

mano. Esta censura cabe principalmente a Martini. Po<br />

rém não só porque somos obrigados a seguil-o, senão<br />

tambem porque nada se per<strong>de</strong> (e antes se ganha) com o<br />

exame da sua doutrina, continuaremos a seguil-o.<br />

A liberalida<strong>de</strong> sem acceitação não é verda<br />

<strong>de</strong>ira doação; porque a simples promessa sem acceita<br />

ção não constitue contracto (e). Por tanto pó<strong>de</strong> o doa<br />

dor livremente revogal-a, ou a doação seja simples, ou<br />

remuneratoria.<br />

•<br />

—*<br />

(a) S, 45o., Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat, Part, Spéc. Div. 2.<br />

(b) Sr. Fortuna L. I. P. 1. C.6. S. 55o, e seg.<br />

(c) Ahrens lec. cit. S. 5.<br />

(d) Doctrina Juris Philosoph, p. 158.<br />

fe) S. 43o.<br />

Martini


,<br />

(323)<br />

, , . Martini faz a primeira divisão <strong>de</strong> doação em sim<br />

ples, quando é filha sómente da benevolencia do doador<br />

para com o donatario, e remuneratoria, quando tem por<br />

E a gratidão pelos beneficios recebidos, ou a paga das<br />

dividas, que o doador <strong>de</strong>ve ao donatario. Neste caso a<br />

doação remuneratoria entra na classe dos contractos li<br />

beratorios... … . * ... e º<br />

, , IV. Pela doação, bem como em geral por qual<br />

quer contracto, o donatario, não aç4uire mais do que<br />

o doante <strong>de</strong>clarou querer dar-lhe. Por eonsequencia a<br />

doação pó<strong>de</strong> ser feita <strong>de</strong>baixo da condição — se o doa<br />

dor morrer primeiro do que o douatario;— e então dá<br />

se a doação mortis causa. . . . . . ... … …<br />

... A doação pó<strong>de</strong> em <strong>segundo</strong> lugar dividir-se, em<br />

doação inter vivos, que tem lugar, quando pelo contra<br />

èto se transfere o dominio, ou proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> logo,<br />

e doação mortis causa, a qual sómente produz efeito<br />

para, <strong>de</strong>pois da morte do doador, que a pó<strong>de</strong> livremente<br />

revogar em sua vida. A doação mortis causa differe<br />

testamento, em que neste não é necessaria a acceitação,<br />

como naquelle; porém tanto um, como a outra, são<br />

revogaveis até á morte do t<strong>estad</strong>or, ou doador, e sómen<br />

#e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>lla produzem seus effeitos. Já se vê pois, que<br />

a_simples condição— se o doador morrer primeiro —<br />

não charactériza bem a doação mortis causa. Se o doa<br />

dor transferir para o donatario o dominio com a condi<br />

ção resolutiva — se o doador morrer primeiro— certo a<br />

doaçãp será inter vivos. Por tanto sómente haverá doação<br />

hortis gausa, quando#for suspensiva,<br />

não houver trasladação do dominio, e for revogavel até<br />

$#*# <strong>segundo</strong> aprouver ao livre alvedrio do doador.<br />

spas as i<strong>de</strong>as dos JCtos; sem entrarmos nas solemnida<br />

<strong>de</strong>s, que exigem para a sua valida<strong>de</strong>, como numero <strong>de</strong><br />

.testemunhas, escriptura pública, éto. . . .<br />

.: , Y.....O pacto da doação reciproca, em que ambos<br />

ºs pactuantes se obrigão, a doar, não pó<strong>de</strong> entrar na<br />

classe dos contractos beneficos, • "<br />

As reciprocas promessas e acceitações sendo <strong>de</strong>pen<br />

<strong>de</strong>ntes uma da outra, produzem obrigações mutuas e li<br />

gadas, que fazem com que o contracto, apezar <strong>de</strong> pa<br />

recer á primeira vista conter duas doações, seja um ver<br />

II.<br />

2 I<br />

do


( 324)<br />

da<strong>de</strong>iro pacto igual, ou synallagmatico: nelle ha troca,<br />

seja qual for o seu objecto. E verda<strong>de</strong> que nada obsta<br />

a que dous individuos fação um a outro differentes doa<br />

ções, sem terem em vista trocar os ºbjectos dados pelos<br />

recebidos, mas sim fazerem puras liberalida<strong>de</strong>s. Nesta<br />

hypothese o pacto da doação reciproca, ainda que cele<br />

brado na mesma carta, contém na realida<strong>de</strong> dous contra<br />

ctos <strong>de</strong>siguaes, differentes e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes um do ou<br />

tro, duas doações, e entrará na classe dos pactos bene<br />

ficos, unilateraes ou <strong>de</strong>siguaes.<br />

Todos os principios geraes, que expozemos relati<br />

vamente aos contractos em geral, são applicaveis á doa<br />

ção, e a cada um dos differentes contractos particulares,<br />

tante iguaes, como <strong>de</strong>siguaes, dos quaes vamos falar."<br />

§ 5o4.<br />

Mutuo, diz Martini, é um contracto benefice, pelo<br />

qual se dá uma eousa fungivel com a condição, que,<br />

passado certo tempo, será restituida no mesmo genero.<br />

O Sr. Fortuna (a) <strong>de</strong>fine o mutuo o contracto, pelo<br />

qual se dá gratuitamente uma cousa fungivel com a con<br />

dição <strong>de</strong> ficar sendo do acceitaante, e <strong>de</strong>ste a restituir<br />

qualida<strong>de</strong>. <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> certo tempo no mesmo genero, quantida<strong>de</strong> e<br />

· •<br />

Aquelle, que dá o uso da cousa", diz-se mirtuantº,<br />

aquelle, que o recebe, diz-se mutuatario.<br />

O mutuante, continúa Martini, não aliena a céusa:<br />

Ain genere, mas sómente dá temporariamente o seu uso,º<br />

e não pó<strong>de</strong> repetir a cousa, senão passado esse tempo.<br />

Martini falla da doação do uso da cousa ; e cumpre<br />

encarar o contracto por este lado para se po<strong>de</strong>r chamar<br />

unilateral e benefico; porque relativamente ao uso da<br />

cousa ha uma pura doação, o contracto é benefice, où<br />

<strong>de</strong>sigual. Porém se atten<strong>de</strong>rmos a que o mutuatario se<br />

vbriga tambem pela sua parte não á restituição da pro<br />

pria cousa, mas d'outra do mesmo genero, quantida<strong>de</strong> e<br />

qualida<strong>de</strong>, encontramos no contracto do mutuo recipro<br />

cas promessas e acceitações. O mutuante promette dar,<br />

•••<br />

(a) …L, a, P, 2, C, 6. S. 586. - * *


} * (325)<br />

º<br />

lagunatico.<br />

mutuatario restituir; o contracto será bilateral e synal<br />

• %<br />

, , , $. 5o5. * *<br />

Visto como o uso da consa fungivel, diz# 0<br />

consiste no abuso, o mutuatario tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> dispôr<br />

totalmente da especie, que recebeo, é senhor d’ella e o<br />

perigo <strong>de</strong>sta corre por sua conta.<br />

Admittimos a regra: porém rejeitamos a razão. Os<br />

JCtos antigos dizião cousas fungiveis aquellas, que se con<br />

somem com o uso, seguindo a doutrina dos romanos.<br />

Dizem-se cousas fungiveis hoje todas àquellas, que<br />

pó<strong>de</strong>m ser perfeitamente representadas por outras <strong>de</strong> taí<br />

sorte, que, para cumprimento das obrigações, sobre<br />

ellas estabelecidas, umas po<strong>de</strong>m ser dadas em pagamento<br />

por outras. A etymologia da palavra fungivel—fungibi<br />

lis— vem em socorro <strong>de</strong>sta <strong>de</strong>finição, una fungitur vice<br />

alterius. Dizem-se não fungiveis aquellas, que, não po<br />

<strong>de</strong>ndo ser representadas exactamente por outras, <strong>de</strong>vem<br />

ser restituidas as mesmas e i<strong>de</strong>nticas. A necessida<strong>de</strong> da<br />

restituição i<strong>de</strong>ntica, ou não i<strong>de</strong>ntica, e por isso a natu<br />

reza e distincção das cousas em fungiveis e não fungiveis,<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> mais da intenção dos pactuantes, do que da<br />

qualida<strong>de</strong> das cousas. Se Pedro me emprestou <strong>de</strong>z cruza<br />

dos novos, eu satisfaço exactamente a minha obrigação,<br />

dando-lhe outros <strong>de</strong>z: porém se ele me empreston um<br />

exemplar da obra, que Paulo lhe <strong>de</strong>u, e quê Pedro por<br />

isso estima, eu não cumpro minha obrigação, dando lhe<br />

outro exemplar da mesma obra, ainda que mais rico:<br />

* Como as cousas, que constão <strong>de</strong> numero, peso e<br />

medida, se consomem <strong>natural</strong>mente com o uso, v.g.,<br />

o vinho, o trigo, etc., ou civilmente, como o dinheiro, e<br />

são ordinarimente fungiveis; muitos JCtos <strong>de</strong>finirão cou<br />

sas fungiveis aquellas, que se consomem com o uso. Po<br />

rém nem todas as cousas, que se consomem com o uso,<br />

se po<strong>de</strong>m dizer fungiveis, nem todas as que se não conso -<br />

mein, são não fungiveis. Por exemplo, se eu empresto<br />

um exemplar d’uma obra, pó<strong>de</strong> ser plenamente satisfeita<br />

a obrigação <strong>de</strong> m'a restituir com outro exemplar igual<br />

mente enca<strong>de</strong>rnado e novo; a consa não se consome com<br />

o uso, e com tudo é fungivel, e pó<strong>de</strong> ser objecto do mu


(396 ) *<br />

tuo; pelo contrario, se eu tenho alguns dobrões d'ouro,<br />

que <strong>de</strong>sejo conservar em signal <strong>de</strong>stima pela pessoa, que<br />

m’os <strong>de</strong>u, e os empresto para outro marcar com elles ao<br />

jogo, e com a intenção <strong>de</strong> receber os mesmos, estas moe<br />

das não são fungiveis, apezar do dinheiro se consumir<br />

mas com sim o uso; commodato. o emprestimo . . . . neste . . caso . . . não . . será mutuo,<br />

•<br />

A verda<strong>de</strong>ira razão pois, por que o mutuatario é se<br />

nhor da cousa, e pó<strong>de</strong> d’ella dispôr livremente, não é<br />

""" ela se consuma com o uso, mas sim porque esta<br />

a vonta<strong>de</strong> e intenção dos pactuantes; a alienação da<br />

cousa entrou no objecto do contracto. …<br />

" Todo o perigo corre por conta do mutuatario, por<br />

que é senhor <strong>de</strong>lla, pela regra — res-suo domino perit;<br />

e não seria razão, que o mutuante, sobre o ce<strong>de</strong>r gra<br />

tuitamente do seu uso em beneficio do mutuatario, ainda<br />

supportasse a sua perda. |-<br />

No mutuo, continúa Martini, ha uma verda<strong>de</strong>ira<br />

alienação da cousa fungivel, mas não da quantida<strong>de</strong>, que<br />

o mutuante emprestou ao mutuatario; pois que este é<br />

obrigado á sua satisfacção. Por isso o mutuatario <strong>de</strong>ve re<br />

stituir a cousa da mesma quantida<strong>de</strong> e qualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> mo<br />

do que o mutuante não receba menos, do que emprestou,<br />

e só fique privado do uso... . . . . . . . .<br />

. Por exemplo, emprestei vinte alqueires <strong>de</strong> trigo;<br />

<strong>de</strong>ve o mutuatario restituir-me vinte alqueires <strong>de</strong> trigo<br />

da mesma bonda<strong>de</strong>: emprestei vinte mil reis; <strong>de</strong>ve o mu<br />

tuatario resfituir-me vinte mil reis. Supponhamos porém<br />

ue, durante o tempo do contracto, o valor da moéda<br />

súbio ou <strong>de</strong>sceo; por conta <strong>de</strong> quem será o augmento,<br />

ou diminuição? O Sr. Fortuna(a)sustenta, que por dônta<br />

do mutuante, <strong>de</strong>vendo o mutuatario accrescentar é,quan<br />

tida<strong>de</strong> empr<strong>estad</strong>a, ou diminuir-lhe tanto, quanto a mocda.<br />

subio ou <strong>de</strong>sceo. Nós acostamo-nos á opinião d'outros<br />

JCtos e Philosophos, que sustentão o contrario: 1.° por<br />

que, tendo passado o dominio da cousa empr<strong>estad</strong>a<br />

para o mutuatario, toda a diminuição, ou mesmo a<br />

<strong>de</strong>struição, corre por conta <strong>de</strong>lle, como senhor; e<br />

por isso tambem qualquer augmento: 2.° porque o mu<br />

*=='<br />

(…) L. I. P.…c.º.s 387.<br />

* * * *<br />

}


…<br />

(327)<br />

tuante, quando empresta , não tem em vista as moédas,<br />

que sabe não tornará a reeeber, mas a quantida<strong>de</strong>, o<br />

valor; daqui vem a regra <strong>de</strong> Direito— In pecunia nonº<br />

cºrpora quis cogitat, sed quantitatem (a), , ..."<br />

" … O mutuo differe da doação propriamente dita, em<br />

que o donatario, afóra a obrigação imperfeita da gratiº<br />

dão, não tem obrigação alguma perfeita; pelo contrario<br />

o mutuatario tem a obrigação imperfeita da gratidão pelº<br />

doaç㺠do uso da cousa fungivel, e além disso a obrigação<br />

perfeita<br />

•<br />

<strong>de</strong> restituir cousa, que totalmente substitua # ** * * * a*<br />

quantida<strong>de</strong> empr<strong>estad</strong>a. * * * * •<br />

* 1.f. e, , * * * * * *, *, * 1* * * * * * * * "…<br />

* * * * * * * i • • • * -- º *$ 5ö6. … », 2 … … … " …. º<br />

• •<br />

… = … … … º 2" . . . * … … " . . . . … * . * . * .*. *.*.* … …» . . . . .<br />

* Commodato é um contraeto benefico, pelo qual<br />

alguem empresta gratuitamente cousa não fungivel por<br />

certo tempo e para certo uso, com a obrigação <strong>de</strong> lhe ser<br />

restítuida na mesma especie. … - …, …<br />

** * * ** * * "…". •<br />

. O Sr. Fortuna <strong>de</strong>fine o commodato um 4. contracto,<br />

não pelofúngivel, qual um enipresta para po<strong>de</strong>r ratuitamente usar d’ella, à com outro uma cousa<br />

a#•<br />

• . po<br />

<strong>de</strong> a restituir na mesma especie <strong>de</strong>pois do uso é t<br />

éstipulado (b)." • ..… * . * * * …. * * * * . … … * * *<br />

* Aquelle, que emprésta a cousa, chama-se eommo<br />

dante; aquelle, que a recebe, commodatario. "" .<br />

… " Martini dá várias regras ácerca <strong>de</strong>ste contracto:<br />

1." O commodatario não pó<strong>de</strong> usar da coisa além<br />

dos limites e modo estipulado no contracto, alias com<br />

inetteria furto do uso, ' " " " " " " "<br />

O promittente, já nós dissemos, não se obriga a<br />

mais, do que é sua vonta<strong>de</strong>, nèm o acceitante acquire<br />

mais, do que aquillo, que "o promitênte lhe quiz dar.<br />

Assim, se emprestei o meu cavalib por um dia, o com<br />

modatario não pó<strong>de</strong> usar d'elle por dois; se o émprestei<br />

ará um passeio <strong>de</strong> níeia tegua, não pó<strong>de</strong> fazer uma jor<br />

nada <strong>de</strong> leguas. O uso, que o commodatário fizesse além<br />

<strong>de</strong>stes limiites, seria um furto dó uso da coisa alheia; por<br />

que usava d’ella sem <strong>direito</strong>, e contra minha vonta<strong>de</strong> (c).<br />

(a) Encyclop. Méth. Jurisp, verb. Pret.<br />

(b) Sr. Fortuna loc, cit. S. 588.<br />

(e) S. 438. +


•<br />

( 328)<br />

cousa."<br />

emO especie, commodatario, i. é, a i<strong>de</strong>ntica. findo o uso, <strong>de</strong>ve restituir a<br />

A razão é, porque n'este contracto não. per<strong>de</strong> G<br />

commodante o <strong>direito</strong>, que tinha sobre a cousa empre<br />

slada, como acontece no mutuo, ou esse <strong>direito</strong> seja o<br />

dominio, ou sómente o usufructo, que basta para po<strong>de</strong>r<br />

emprestar a cousa; visto que só se empresta o uso d'ella,<br />

e não se aliena a cousa em si. Portanto, findo o uso con<br />

vencionado, o commodatario <strong>de</strong>ve restituir a cousa em<br />

tuir especie, por outra. i. é, a mesma e i<strong>de</strong>ntica, sem a po<strong>de</strong>r substi<br />

• • •<br />

3." O commodatario <strong>de</strong>ve empregar toda a dili<br />

gencia para que a cousa não pereça, ou se <strong>de</strong>teriore,<br />

alias <strong>de</strong>ve reparar o damno por uma cabal satisfacção.<br />

º Com effeito é razão, que o commodatario, que rece<br />

be gratuitamente a cousa para sem uso, não remunére este<br />

puro beneficio com negligencia e <strong>de</strong>leixo, <strong>de</strong>ixando pe<br />

recer, ou <strong>de</strong>teriorar a cousa , mas antes empregue tanta<br />

ou mais diligencia, do que empregaria o commodante,<br />

ou elle, se a cousa fosse sua. E se houve culpada, parte<br />

do commodante, <strong>de</strong>ve-lhe ser imputada, e ficar respon<br />

savel pelos seus consectarios, e por isso satisfazer o<br />

damno no caso <strong>de</strong> perecimento, ou <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s da<br />

cousa. Devem-se porém exceptuar as <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s, re<br />

sultantes do uso, para que foi empr<strong>estad</strong>a a cousa; por<br />

que mente o commodante, as tomou sobreconce<strong>de</strong>ndo si. o úso gratuito, tacita<br />

• • •<br />

4." Pertencem ao commodatario as <strong>de</strong>spesá\ne<br />

cessarias para a conservação da cousa empr<strong>estad</strong>a, v. g. ,<br />

para alimentar o cavallo. : - - •<br />

A razão é a regra <strong>de</strong> Direito que — quem tem o com<br />

modo, <strong>de</strong>ve ter o incommodo. — As <strong>de</strong>spesas porém ex<br />

traordinarias, v. g., as que faz o commodatario para<br />

salvar a vida ao cavallo, que caio doente, pertencem ao<br />

commodante, como senhor da cousa; excepto, se essas<br />

<strong>de</strong>spesas extraordinarias são resultado do máo uso, º que<br />

so commodatario fez, v. g., se o commodatario obrigou<br />

doença. º cavallo a um serviço excessivo, don<strong>de</strong> lhe proveio a<br />

• • " … • • - - ….


• Fallemos<br />

• • •<br />

( 329 )<br />

" .. $, 5o7.<br />

e Martini tracta duas questões: 1.° Será o commoda<br />

tario obrigado, antes <strong>de</strong> findar o tempo, a restituir a cou<br />

sa ao commodante por necessida<strong>de</strong> superveniente? º.º<br />

Deverá satisfazer a cousa, que pereceo por acaso tal, que<br />

não pereceria, se não tivesse sido empr<strong>estad</strong>a ? Martini<br />

diz, que por <strong>direito</strong> stricto ambas <strong>de</strong>vem ser <strong>de</strong>cididas<br />

negativamente. Quanto á primeira, porque o <strong>direito</strong> do<br />

uso certo da cousa por virtu<strong>de</strong> do contracto pertence ao<br />

commodatario, e sem sua vonta<strong>de</strong> certamente se lhe não<br />

pó<strong>de</strong> tirar. Quanto a segunda, pela regra — ressuo do<br />

inino perit,— Martini em ambas as questões só admitte a<br />

excepç㺠dos pactuantes terem contractado expressamen<br />

te equida<strong>de</strong> o contrario; pe<strong>de</strong> omas contrario: confessa, º que en muitos casos a<br />

•<br />

<strong>de</strong> cada uma d’ellas separadamente. Feli<br />

ce(a), Perreau (b) e o Sr. Fortuna (6) seguem quanto á<br />

primeira questão a opinião contraria. Por quanto, <strong>de</strong>ri<br />

vando todos os contractos a sua força da vonta<strong>de</strong> e inten<br />

vão dos pactuantes, ninguem se presume emprestar <strong>de</strong><br />

graça, senão em quanto o emprestimo lhe não causa pre<br />

juizo; o beneficio não <strong>de</strong>ve ser damnoso ao bem feitor.<br />

Por tanto parece, que a intenção do commodante fora<br />

exceptuar o caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> superveniente urgente e<br />

imprevista, e tanto, que se ele o tivesse previsto, ou não<br />

emprestaria, ou sómente emprestaria até ela sobrevir.<br />

Esta doutrina parece-nos mais razoavel, e preferivel ao<br />

correo vigor da á equida<strong>de</strong>. <strong>de</strong> Martini, que, para salvar a sua dureza, re<br />

•<br />

Quento á segunda. Felice (d) e Perreau (e) seguem<br />

a opinião contraria; porque não se pó<strong>de</strong> presumir, que<br />

d'outro modo o commodante emprestasse a cousa, se<br />

po<strong>de</strong>sse prever o acaso, que por occasiãe do emprestimo<br />

ía fazer perecer a cousa. Esta doutrina tambem nos pa<br />

rece mais razoavel, principalmente nos casos seguintes:<br />

(a) Leg. 28.<br />

(b) Sect. 2. pag. 187. -<br />

(c) L. I. P. º C. 6. S. 589.<br />

(d) Loc cit. .<br />

(e) Lec. cit,


(33o)<br />

1. "se o commodatario se obrigou aos casos fortuitos e<br />

inopinados: 2." se a cousa foi avaliada antes do empre<br />

stimo; porque parece, que o commodante quiz segurar<br />

p seu valor em qualquer caso: 3." se o commodatario<br />

estava constituido em móra, não tendo entregado a cou<br />

sa quando <strong>de</strong>via: 4.° se o commodatario, po<strong>de</strong>ndo usar<br />

da sua cousa, usou da empr<strong>estad</strong>a; pois é razão que só<br />

mente usasse da sua, e não da alheia: 5.° se, po<strong>de</strong>ndo<br />

salvar uma, preferio a sua, quando era obrigado a em<br />

pregar todos os meios para salvar a empr<strong>estad</strong>a. Em to<br />

dos estes casos temos para nós, que é menos favoravel a.<br />

condição do commodatario, e que não <strong>de</strong>ve ter lugar<br />

a regra— ressuo domino perit. " " " " .<br />

Pelos principios expostos facilmente se conhecem as<br />

differenças, que ha entre o commodato, e a doação e o<br />

mutuo. O commodato differe da doação propriamente<br />

dita na obrigação <strong>de</strong> restituir à cousa; porque uão ha<br />

transferencia do dominio sobre ella, come acontece na<br />

doação. E differe do mutuo 1.° em razão do objecto;<br />

porque no mutuo a cousa é fungivel, e no commodato é<br />

não fungivel: 2.° em razão do effeito; porque no mutuo<br />

passa:o dominio da consa, mas não no commodato: 3.°<br />

em razão da obrigação; porqne o mutuatario sómente<br />

restitue outra cousa da mesma quantida<strong>de</strong> e bonda<strong>de</strong>, e<br />

pr<strong>estad</strong>a. o commodatario restitue a propria e i<strong>de</strong>ntica cousa em<br />

• • 7 | ; 3-> - - - - . } . ** * * * *<br />

. -- …" § 5o8, . .<br />

Martini observa, que se pelo uso se promettesse<br />

alguma cousa, o contracto <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser commodato,<br />

e passaria a ser um contracto oneroso, excepto e, para<br />

remunerar o beneficio do emprestimo, se désse algum<br />

honorario, que no contracto não fôra estipulado; por<br />

que o commodatario não era ºbrigado pelo pacto , o ho<br />

norario foi filho do seu livre alvedrio. . '<br />

Precario é o contracto, que o promittente pó<strong>de</strong> ré<br />

vogar quando lhe aprouver.<br />

O Sr. Fortuna (a) <strong>de</strong>fine precario o contracto, em que<br />

um empresta gratuitamente uma cousa fungível a outro,<br />

para que use d’ella, em quanto o primeiro o consentir,<br />

"a) L. I. P. a. c. 6, § 591,


:<br />

(331 )• •<br />

, - "Martini, <strong>segundo</strong> á doutrina do S. 5o 1, parece re<br />

stringir este contracto sómente ás cousas não fungiveis, e<br />

o Sr. Fortuna pelo contrario ás cousas fungiveis. Te<br />

mos para nós, que não ha inconveniente em que este<br />

contraçto tenha por objecto umas e outras. * #<br />

, , , Martini, da sua <strong>de</strong>finição <strong>de</strong>duz os corollarios: 1.",<br />

ue aquelle, que promette emprestar a cousa, não fica<br />

igado a obrigação alguma; porque do seu alvedrio <strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong> revogar o contracto quando quizer; se porém o<br />

contracto for celebrado nos termos, em que o <strong>de</strong>fine o<br />

Sr. Fortuna, pareçe, que o promittente tem a obrigação<br />

<strong>de</strong> realizar o emprestimo, ainda que não seja senão por<br />

Pouco tempo: 2.º que entregada a cousa ao acceitante,<br />

este a <strong>de</strong>ve restituir, quando lhe for pedida pelo senhor.<br />

__. O precario differe pois do commodato e mutuo<br />

mão em quanto ao objecto, mas sim em quanto ao tempo,<br />

ue não só não é <strong>de</strong>terminado, senão ainda totalmente<br />

# da vonta<strong>de</strong> do senhor da cousa. "<br />

*<br />

*<br />

• •• •<br />

. - # • +<br />

|- * * * * * *<br />

, a.…....…..….. - - •§ 5o9. . ,* " " "<br />

- • • •<br />

* * * * * * * - - - - - - - - • • * * * * * * º -<br />

- Deposito é um contracto, em que um entrega a outro<br />

uma cousa para a guardar, e a restituir ao primeiro,<br />

quando este quizer, , , -<br />

" . O Sr. Fortuna (a) <strong>de</strong>fine <strong>de</strong>posito o contracto, pelo<br />

qual alguemrecebe uma cousa movel d'outrem para gra<br />

tnitamente a guardar, e restituir a seu dono, quando este<br />

quizer. . . . - : :<br />

, , . Esta <strong>de</strong>finição é mais explicita, do que a <strong>de</strong> Martini:<br />

porque expressa duas idêas importantes: 1.° Que o obje<br />

ctº do <strong>de</strong>posito <strong>de</strong>ve ser cousa movel. E comº razão,<br />

porque sendo o fim <strong>de</strong>ste contracto a guarda da cousa,<br />

para que o <strong>de</strong>positador a encontre, prompta, quando a<br />

quizer receber, não pó<strong>de</strong> verificar-se nas cousas immo<br />

Veis: eu posso confiar a outro o meu campo, para que<br />

tenha cuidado d'elle, para que vigie nas obras e trabalhos,<br />

que são necessarios; mas isto não é <strong>de</strong>posito, é um manda<br />

to. 2. Que a guarda da cousa seja gratuita, alias o con<br />

tracto seria, havendo alguma paga, locação e conducção..<br />

(a) L. I. P. 2. C. 6.S. 593. º , , … **


(332 )<br />

. . O senhor da cousa <strong>de</strong>positada chama-se <strong>de</strong>positador,<br />

ou <strong>de</strong>ponente; aquelle, que a recebe, e se obriga a resti<br />

tuil-a, chama-se <strong>de</strong>positario.<br />

Em Direito Positivo ha differentes especies <strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

posito: particular, feito voluntariamente pelos pactuan<br />

tes, e judicial, feito por or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> justiça. Como na<br />

turalmente todos os homens são iguaes, não ha imperio,<br />

nem juizes, sómente pertence ao Direito Natural o <strong>de</strong>po<br />

sito particular e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do livre alvedrio das partes<br />

CODtTaCta IltCS,<br />

•<br />

A cerca do <strong>de</strong>posito dá Martini as regras seguintes:<br />

I. O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve ser diligente na guarda da<br />

cousa <strong>de</strong>positada pelo tempo convencionado. -<br />

E que diligencia é esta? Temos para nós, que o<br />

<strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve ter sobre a cousa <strong>de</strong>positada tanta dili<br />

gencia, como sobre as suas; o officio do <strong>de</strong>positario é <strong>de</strong><br />

aurigo, e não é razão que falte á confiança; que o outro<br />

amigo nelle <strong>de</strong>positou. No entretanto alguma differença<br />

ha entre a diligencia, a que é obrigado o <strong>de</strong>positario, e<br />

aquella, a que o é o mutuatario e commodatario: estes<br />

são obrigados ainda a maior diligencia sobre as cousas<br />

empr<strong>estad</strong>as, que sobre as suas; o <strong>de</strong>positario não: e a<br />

razão é, porque no commodato e mutuo toda a conve<br />

niencia é do mutuatario e commodatario, quando pelo<br />

contrario no <strong>de</strong>posito todo o interesse é do#<br />

Assim na collisão o mutuatario e commodatario <strong>de</strong>veru<br />

preferir salvar as cousas empr<strong>estad</strong>as (a), e o <strong>de</strong>positario<br />

pó<strong>de</strong> preferir as suas (b); • + = *<br />

II. O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve abster-se <strong>de</strong> todo o uso da<br />

COUISí\, º … , - - - - - - -<br />

- -<br />

O fim do <strong>de</strong>posito é a guarda, e não o uso da cousa.<br />

O <strong>de</strong>positario, usando, falta á fé <strong>de</strong>vida ao <strong>de</strong>posito,<br />

commette positador. furto do uso da cousa, e <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizar o <strong>de</strong><br />

** • • •<br />

III. O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve restituir o <strong>de</strong>posito. • A<br />

A palavra-<strong>de</strong>posito.—toma-se já pelo contractº, e já<br />

pela cousa <strong>de</strong>positada. Martini toma aqui a palavra -<br />

<strong>de</strong>posito— na segunda accepção. O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve re<br />

, ! |-<br />

(a) S. 5o7. — |-<br />

(b) Sr. Fortuna loc. cit.S. 594.


• V.<br />

(333 )<br />

stituir a i<strong>de</strong>ntica cousa, que recebeo em <strong>de</strong>posito, porque<br />

não acquirio o dominio d’ella, como o mutuatario, antes<br />

se obrigou á sua guarda, sem po<strong>de</strong>r por qualquer modo<br />

alienal-a, nem, para assim dizer, ### Dizemos—<br />

tocar-lhe— porque se o <strong>de</strong>positador entregou a cousa fe<br />

chada num cofre, ou por outro qualquer modo involvi<br />

da e occultada, o <strong>de</strong>positario não pó<strong>de</strong> procurar conhe<br />

cel-a, sem faltar á lealda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vida ao <strong>de</strong>positador, e ir<br />

contra a sua intenção. Por tanto, se casualmente, ou <strong>de</strong><br />

proposito veio a conhecel-a, <strong>de</strong>ve guardar segredo.<br />

IV. O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve restituir ainda antes <strong>de</strong><br />

findar o tempo do contracto. * * •<br />

_ O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve restituir a cousa logo que o ,<br />

<strong>de</strong>positador lh'a pe<strong>de</strong>, ou no contracto se tenha, ou não,<br />

marcado tempo; porque neste contracto todo o commodo<br />

é do <strong>de</strong>positador; o <strong>de</strong>positario não tem interesse algum<br />

em reter a cousa, contra vonta<strong>de</strong> daquelle; e, se pelo con<br />

tracto se fixou tempo, foi só em beneficio do <strong>de</strong>positador.<br />

O <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve resarcir o damno, filho <strong>de</strong><br />

culpa sua. … - * * … , ,<br />

, … As <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s, que a cousa soffreo ou por falta<br />

da diligencia <strong>de</strong>vida, qn porque usou d’ella, # pa<br />

# todas as outras porém, <strong>de</strong> que o <strong>de</strong>positario não<br />

i causa, pesão sobre o <strong>de</strong>positador, como senhor da<br />

acousa. Assim, o <strong>de</strong>positario se <strong>de</strong>sonerado <strong>de</strong>posito, en<br />

tregando a cousa, não como a recebeo, mas no <strong>estad</strong>o,<br />

em que se acha ao tempo da entrega, sem dólo, ou culpa<br />

$112.<br />

VI. Não ha culpa da parte do <strong>de</strong>positario nos casos<br />

seguintes: .….…<br />

..… 1.". Sema, collisão preferio salvar as suas cousas ás <strong>de</strong><br />

positadas, v.g. no caso d'incendio; porque não era obri<br />

gºdº º áo gran<strong>de</strong> diligencia, como já dissemos.<br />

• 2.° Se restituir a cousa ao verda<strong>de</strong>iro senhor d’ella,<br />

e não ao <strong>de</strong>positador. Na verda<strong>de</strong> o <strong>de</strong>positario <strong>de</strong>ve<br />

entregar a cousa ao <strong>de</strong>positador, só porque d'elle a rece<br />

beo: porém se ele tiver certeza, que a cousa foi roubada,<br />

e conhecer o senhor <strong>de</strong>lla, e lh'a entregar, não se pó<strong>de</strong><br />

dizer em culpa; porque prefere o titulo verda<strong>de</strong>iro do<br />

dominio ao falso titulo do roubo. -+<br />

3. Se a não restituir ao furioso; porque este tor<br />

*<br />

- * * * *<br />

* * *


*<br />

*<br />

(334 )<br />

nou-se incapaz d'administrar seus bens. Deve porém re<br />

stituil-a á pessoa, que se acha encarregada <strong>de</strong>ssa admini<br />

stração; e se lh'a não restituir logo que ella reclame, fi<br />

cará constituido em móra culposa. O que dizemos ácerca<br />

do furioso, pó<strong>de</strong> applicar-se a toda a pessoa, que mudar<br />

d’<strong>estad</strong>o, quando essaº mudança lhe trouxe a privação<br />

d'administrar seus bens. * * * * * , … .<br />

*: * . * . * * * * * *< … …i: ..:. …" *, *, *.***. * * * * * *<br />

"i". ;º :"… º º riº :: $. 5 Io, " " * " * * * * ******<br />

* * * * * * * *<br />

O <strong>de</strong>positador é obrigado a pagar ao <strong>de</strong>positario<br />

todas as <strong>de</strong>spesas, feitas para guardar o <strong>de</strong>posito; por<br />

# é razão, que o <strong>de</strong>positário, que por puro bene<br />

ficio para com o <strong>de</strong>positador acceitou º <strong>de</strong>pósito, <strong>de</strong>va<br />

sôffrer as <strong>de</strong>spesas feitas em utilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ste º ***: *"<br />

sº"…Porém ainda dizemos mais, o <strong>de</strong>positador <strong>de</strong>ve pa<br />

gar ao <strong>de</strong>positario as perdás e damnos; occasionados pelo<br />

<strong>de</strong>posito, pela regra <strong>de</strong> Direito–Officium sutimºnemini<br />

<strong>de</strong>betesse damnesum. — Assim"; por exemplo; se o caval<br />

lo <strong>de</strong>positado pegou molestia contagiosa aos cavallos do<br />

<strong>de</strong>positario, ou se este,º para salvar do incendio a cousa<br />

<strong>de</strong>positada <strong>de</strong> maior valor, <strong>de</strong>ixou perecer a sua, <strong>de</strong>ve ser<br />

#mizado pelo <strong>de</strong>positador(a) " " " * * * *<br />

* * Martini observa por fim, que se no contracto se<br />

eonce<strong>de</strong> o uso da cousã, o contracto não é <strong>de</strong>posito, mas<br />

será mutuo, ou commodato; e se foi estipulada alguma<br />

paga pela guarda, o contracto será oneroso, i. é, locação<br />

d'obras.<br />

•<br />

**O <strong>de</strong>posito differe e da doação propriamente dita,<br />

porque n'elle não ha transferencia do dominio; e differe<br />

do mutuo, commodato e precario, porque nestes con<br />

tractos: o commodo é da pessoa, que recebe a cousa em:<br />

pr<strong>estad</strong>a, e no <strong>de</strong>posito é dossenhor d’ella. Outras diffe"<br />

renças<br />

* * *.<br />

se* .<br />

po<strong>de</strong>m<br />

* reto, marcar,<br />

º sir , , ,<br />

mas<br />

, , rº: esta<br />

… é aº principal. "";º •<br />

) . .. **** ºr "… "é" ? : # §. 51 1. ' : {… " " " … “… , :-*.<br />

Aºi, e ºu º # ……»: A . . . . … " … … . . "… #<br />

………. Mandato é o contracto, pelo qual alguem se obrigº<br />

a tractar-gratuitamente do negocio, que lhe foi com<br />

• * * * * * * * |-<br />

*<br />

mettido.<br />

-->r-r--rtr------…+-- =T== , = … |-<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. P. 2. C. 6. S. 59%<br />

* *<br />

*


• mandato<br />

•<br />

(335)<br />

L. , o Sr. Fortuna (a) <strong>de</strong>fine mandato o contracto, felo<br />

qual alguma pessoa se encarrega gratuitamente da admi<br />

nistração e gerencia d'um negocio honesto, que ontra<br />

pessoa lhe encarregou pela confiança, que n'ella tinha.<br />

- Chamarse, mandante a pessoa, que encarrega…a ge<br />

rencia do negocio; aquella, que se encarrega do nego<br />

cio,# mandatario, ou procurador… .. … ………<br />

pó<strong>de</strong> ser geral, ou espeçial, segundº se<br />

# , ou, não, os negocios, que fazem o seu<br />

objecto,Tambem se divi<strong>de</strong> em expresso, ou tacito, pu<br />

ro ou cºndicional, judicial ou extrajudicial, etc… ,<br />

* * * ### ácerca ido mandato as regras, seguintes:<br />

. O mandante é causa moral das acções do man -<br />

datario, <strong>segundo</strong> a regra <strong>de</strong> Direito — Quod quis per alium<br />

facie, per se ipsum fecisse vi<strong>de</strong>tur.<br />

O mandante pois é responsavel pelas acções do man<br />

datario, que se comprehen<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ntro dos limites do<br />

## } ! "." + " . … … " … ……… " º •<br />

t * . * * *<br />

II. O mandatario, como tal, obra em nome do<br />

mandantea, representa-o, e para ele acquire os <strong>direito</strong>s<br />

º as ºbrigações..., .…. , , , , , ,,…, a . ! ……..……<br />

» Como o mandatario pó<strong>de</strong> obrar em seu nome, ou<br />

em nome do mandante; por isso Martini diz—como tal,<br />

i. é, em nome do mandante. Quanto aos <strong>direito</strong>s, como<br />

ut is, <strong>de</strong> ordinario, não ha dúvidas. Quanto ás obriga<br />

#es#" é mister, que o mandatario as tenha contra<br />

fido pelos po<strong>de</strong>res conferidos pelo mandante, e <strong>de</strong>baixo<br />

das mesmas, ou melhores condições; v.g.: man<strong>de</strong>i com<br />

E########""""###""""##<br />

or comprou por menos, sou responsavel pela obriga<br />

?*#*# Se pºrém º mandatºrio, obrou, além<br />

pelas<br />

dos po<strong>de</strong>res<br />

obrigações<br />

conferidos,<br />

contrahidas<br />

º mandante não é respensavel<br />

, excepto se expressamente<br />

{\S ratificar <strong>de</strong>pois...e 412 ### {{#" ## ^ * *<br />

* * * * * * * ***<br />

III, o mandatário é obrigado: "<br />

1." A administrar o negocio, <strong>de</strong> que se encarregou.<br />

O mandatario era livre em acceitar, ou <strong>de</strong>ixar d'accei<br />

tar o mandato: porém uma vez que se encarregou<br />

<strong>de</strong>le, para servir ao mandante, não pó<strong>de</strong> sem <strong>de</strong>sleais<br />

*<br />

(b)<br />

@ R<br />

§<br />

E<br />

42o.,<br />

I.P.,<br />

…<br />

C.C.<br />

, : "…<br />

são,T<br />

- .…<br />

……………T<br />

* * * * * * * * • • •<br />


(336 )<br />

da<strong>de</strong>, e sem enganar o mandante, faltar á gerencia<br />

promettida.<br />

*<br />

• •<br />

2." A administrar com toda a diligencia. A este re<br />

speito está na mesma razão do <strong>de</strong>pósitario.<br />

•<br />

3. A reparar o damnocausado por sua culpa; pois<br />

se obrigou a administrar bem", e, acceitando o mañ<br />

dato, embaraçou que o mandante escolhesse outro,<br />

que fosse diligente.<br />

•<br />

4.° A dar contas da sua administração, e a entre<br />

gar não só o que recebeo ! # virtu<strong>de</strong> do mandato,<br />

senão ainda o que recebeo fóra dos seus limites; por<br />

que <strong>de</strong> facto obrou eu nome do mandante, e este ra<br />

tifica e approva.<br />

§ 512.<br />

IV. . O mandante pela sua parte é obrigado: , , , ,<br />

1. A ratificar o negocio <strong>de</strong>ntro dos limites do manº<br />

dato.<br />

Se Martini quer dizer com isto, que o mandante é<br />

obrigado a estar pelo que fez o mandatario, e a execuº.<br />

tar as obrigações contrahidas, facilmente convimos: se<br />

porém enten<strong>de</strong>, que a ratificação posterior ágerencia<br />

é necessaria para ficar obrigadá o mandante pelo que<br />

obrou o mandatário <strong>de</strong>ntro dos po<strong>de</strong>res do mandato,<br />

não po<strong>de</strong>mos concordar com elle; porque o contracto<br />

do mandato é sufficiente para produzir essa obriga-,<br />

ção: a posterior ratificação, em nosso enten<strong>de</strong>r, não.<br />

ihe accrescenta força alguma, e é um acto ocioso e<br />

|-<br />

inutil.<br />

a.” A in<strong>de</strong>mnizar o mandatario das <strong>de</strong>spesas, qué<br />

fez á sua custa na gerencia dos negocios do mandante ;<br />

porque serido a administração só em beneficio do man<br />

dante, e as <strong>de</strong>spesas em sua utilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve este pa*<br />

gal-as, pela regra que — quem tem o commodo, <strong>de</strong>ve<br />

•<br />

ter o incommodo.<br />

* * * *<br />

Se º mandatario por occasião da gerencia dos ne<br />

gocios do mandante soffreo easualmente algum prejuizo,<br />

não cogitado ao tempo do contracto, terá <strong>direito</strong> a ser<br />

in<strong>de</strong>mnizado pelo mandante? Martini diz que o man<br />

dante só tem uma obrigação imperfeita, e não dá outra


(337 )<br />

razão senão o citar a L. 26. D. Mand. Não nos imports<br />

o que dispoz esta lei: já dissemos, que as leis positivas<br />

não são principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração em Direito Natural.<br />

O Sr. Fortuna (a) segue a mesma opinião, fundado na<br />

regra— casus nemo praestat,—Porém Felice (b) sustenta<br />

o contrario; porque o mandatario tacitamente estipulou<br />

similhante in<strong>de</strong>mnização, alias não se obrigaria á geren<br />

cia gratuita do negocio; sem ella não haveria quem qui<br />

zesse ser mandatário. -<br />

. Como o mandatario faz as vezes do mandante, e<br />

obra em seu nome é por seu unico interesse, parece-nos<br />

razoavel, que o mandante <strong>de</strong>va reparar o danino casual,<br />

que soffreo o mandatario, administrando os seus nego<br />

eios, e que alias não soffreria, pela regra — Officiúma<br />

suum nemini <strong>de</strong>bet esse damnosum,— excepto se da parte<br />

do mandatario O mandatohouve acaba: alguma impru<strong>de</strong>ncia imputavel...<br />

• … …" * ***<br />

1.° Pela revogação, que o mandante fez do man<br />

dato; porque sendo a origem <strong>de</strong>ste contracto por parte<br />

do mandante a confiança, que faz do mandatario, é cer<br />

to, que esta confiança pó<strong>de</strong> acabar, e é razão que o<br />

mandante então possa revogar o contracto. De mais o<br />

mandatario não tem <strong>de</strong> que se queixar; porque todo o<br />

interesse neste contracto é do mandante. +<br />

, 2.° Pela renuncia, que o mandatario faz do man<br />

dato; porque o contracto, pela parte do mandatario,<br />

sem o seu principio na amiza<strong>de</strong>, que tambem pó<strong>de</strong> aca<br />

bar; e por isso <strong>de</strong>ve ser livre ao mandatario <strong>de</strong>sonerar-se<br />

da obrigação <strong>de</strong> administrar<br />

os negocios do mandante.<br />

Porém, se esta renuncia prejudicar ao mandante, <strong>de</strong>verá<br />

o mandatario in<strong>de</strong>mnizal-o, excepto se o mandatario for<br />

forçado áquela renuncia para evitar algum grave pre<br />

3. Pela morte do mandante ou mandatario, pela<br />

regra — mors omnia solvit, -<br />

§ 513.<br />

v. Gestor <strong>de</strong> negocios, ou procurador voluntariº é<br />

* (a) L. I. P. a.C. 6. S. 596.<br />

(8) Lec. 28. é<br />

*<br />

".


*4<br />

(338) .<br />

aquelle, que por seu alvedrio e gratuitamente se encarº<br />


•<br />

(339<br />

-<br />

•<br />

.<br />

•<br />

)<br />

ção, e em seu beneficio; porque— ninguem se <strong>de</strong>ve locu.<br />

pletar com jactura alheia — e—officium suum nemini <strong>de</strong><br />

pet esse damnosum.<br />

•<br />

CAP. XIX.<br />

DAs durFERENTES ESPECIES DE TRocAs.<br />

JA mencionámos as differentes especies <strong>de</strong> trocas (a).<br />

Cumpre agora examinar as diversas obrigações dos pa<br />

ctuantes <strong>segundo</strong> a natureza <strong>de</strong> cada uma das suas espé<br />

cies.<br />

•<br />

§ 532.<br />

Permutação (a que tambem se chama troca no sen<br />

tido stricto, ou escambo ou cambio no sentido lato) é<br />

nm contracto oneroso, em que se dá preço vulgar por<br />

preço vulgar.<br />

Martini chama preço vulgar o valor <strong>de</strong> qualquer<br />

cousa, quando não é <strong>de</strong>terminadº por dinheiro. Esta ma<br />

teria pertence á Economia Politica. A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> Mar<br />

tini faz este sentido — é o contracto oneroso, em que<br />

sé dá uma cousa por outra. E melhor diria, que é o<br />

contracto, pelo qual os pactuantes se obrigão a dar uma<br />

cousa por outra; pois que diz, ser este contracto com<br />

sensual.<br />

•<br />

. .<br />

E visto como, diz Martini, para a transferencia da<br />

consa d'um para o outro pactuante nem sempre é ne<br />

cessaria a tradição (b), segue-se 1." que a troca é <strong>de</strong> to<br />

dos os contractos o mais antigo, 2.° que ella se celebra"<br />

pelo simples cónsenso dos pactuantes.<br />

Pelo que pertence ao primeiro corollario, com<br />

quanto nos pareça, que se não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir logicamente<br />

nem da <strong>de</strong>finição (que não é meio <strong>de</strong> provar), nem da ra<br />

zão, que Martini <strong>de</strong>u, todavia a sua doutrina parece pro<br />

vavel; porque é <strong>natural</strong>, que os homens na sua origem<br />

(a) S. 452. e 453,<br />

(b) S. 466 e 467.<br />

II. 22


(34o )<br />

tivessem costumes simplices, e relações muito limitadas,<br />

e que se lembrassam <strong>de</strong> trocar o que cada um tinha <strong>de</strong><br />

sobejo, por aquillo, <strong>de</strong> que necessitava, primeiro dº<br />

que inventassem a moéda, e as outras especies <strong>de</strong> trocas,<br />

que presuppôem maior cultura e aperfeiçoamento das re<br />

lações sociaes.<br />

Pelo que pertence ao <strong>segundo</strong> corollario, já disse<br />

mos, que não só a troca, senão todos os contractos,<br />

ficavão perfeitos pelo consentimento dos pactuantes. A<br />

tradição da cousa não é uma condição necessaria para a<br />

º sua valida<strong>de</strong> e efficacia, só serve para os completar (a).<br />

A troca divi<strong>de</strong>-se em simples, quando as cousas,<br />

que são objecto <strong>de</strong>lla, não são avaliadas pelos pactuam<br />

tes; e estimada, quando elles <strong>de</strong>terminão o seu preço.<br />

Por isso alguns não exigem igualda<strong>de</strong> na simples troca,<br />

e reputão doação qualquer excesso, que haja por um dos<br />

lados (b).<br />

A troca differe da venda em que nella o preço nãº<br />

é fixado em dinheiro. Cada uma das cousas na troca é ao<br />

mesmo tempo o preço da outra. Por isso quasi todas as<br />

regras, que vamos examinar, relativas á venda, são ap<br />

plicaveis á troca,<br />

§, 533.<br />

Compra e venda é o contracto, pelo qual se promet<br />

te uma cousa por certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro.<br />

Diz-se ven<strong>de</strong>dor aquelle, que promette a cousa, e<br />

comprador aquelle, que promette o preço.<br />

Já dissemos, que em todo o contracto ha essencial,<br />

<strong>natural</strong> e acci<strong>de</strong>ntal (c); por isso Martini dá differentes<br />

regras, quanto ao essencial da venda neste §., quanto aº<br />

<strong>natural</strong> no § 534, e quanto ao acci<strong>de</strong>ntal no §-535.<br />

I. São da essencia da compra e venda o consenso,<br />

a cousa e o preço; porque seu qualquer dos tres requi<br />

sites ou o contracto seria nullo, ou se transformaria<br />

noutro diverso.<br />

II. O ven<strong>de</strong>dor é obrigado a entregar logo a cousº,<br />

==<br />

(a) S. 465. e seg.<br />

(*) Sr. Fortuna L. I. P. a.C.8. S. 623.<br />

(2) S. 498,


• 3.<br />

•<br />

•<br />

(34 = )<br />

e o comprador o preço; excepto se ambos convenciona<br />

rem algum espaço <strong>de</strong> tempo para as entregas (a). …<br />

E essencial a tradição da cousa e preço para com<br />

pletar º contracto, mas não o tempo marcado para a tra<br />

dição; porque <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da vonta<strong>de</strong> das partes. Já disse<br />

nós o que era tradição, e quaes as suas especies. Quanto<br />

á tradição da cousa, importa atten<strong>de</strong>r ás regras seguintes:<br />

+ 1.° As <strong>de</strong>spesas da tradição até ao acto da entrega<br />

ao comprador, v.g., medição dos generos vendidos, são<br />

por conta do ven<strong>de</strong>dor; porque se obrigou a entregar, e<br />

aquellas <strong>de</strong>spesas são um meio <strong>de</strong> cumprir a sua obriga<br />

ção. Todas as <strong>de</strong>spesas posteriores, v. g., do transporte<br />

da cousa, pesão sobre o comprador; porque o ven<strong>de</strong>dor<br />

já cumprio totalmente a sua obrigação.<br />

2.° Se o ven<strong>de</strong>dor não entrega a cousa no tempo<br />

convencionado, o comprador pó<strong>de</strong> ou compellil-o a sa<br />

tisfazer a sua obrigação, ou revogar o contracto, por<br />

que pó<strong>de</strong> acontecer, que a cousa compra da já lhe não<br />

seja necessaria. Esta regra <strong>de</strong>ve ter uma excepção no<br />

caso, em que a falta da entrega seja por culpa do com<br />

prador.<br />

3." O ven<strong>de</strong>dor, que no tempo estipulado não fez a<br />

tradição, <strong>de</strong>ve resarcir o damno, que causou ao com<br />

prador. • • +<br />

Quanto á tradição do preço, <strong>de</strong>vem-se ter em vista<br />

as regras seguintes: .<br />

1." O preço <strong>de</strong>ve ser pago no lugar e tempo da<br />

entrega da cousa; porque não tendo os pactuantes esti<br />

pulado outra cousa, presume-se, que a sua vonta<strong>de</strong> fôra,<br />

que a tradição da cousa e preço fossem simultaneas.<br />

2.° Se o comprador não pagou no tempo marcado<br />

o preço, pó<strong>de</strong> o ven<strong>de</strong>dor ou compellil-o ao cumpri<br />

mento da sua obrigação, ou revogar a venda.<br />

O comprador <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizar o damno, que o<br />

ven<strong>de</strong>dor soffreo com a falta, ou <strong>de</strong>mora do pagamento<br />

do preço.<br />

III. O comprador <strong>de</strong> cousa certa e <strong>de</strong>terminada<br />

acquire sobre ella o dominio ou proprieda<strong>de</strong> pelo contra<br />

cto, e o ven<strong>de</strong>dor é d’ella <strong>de</strong>vedor (b). Por tanto, se a<br />

(a) S. 474.<br />

(b) S. 466.


•<br />

-<br />

( 342 )<br />

cousa pereceo por caso fortuito, perece por conta do<br />

comprador, pela regra — tes, suo domino perit.—E se o<br />

ven<strong>de</strong>dor segunda vez a ven<strong>de</strong>r, ou por qualquer con<br />

tracto alienar, esse contracto será nullo, por falta <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong> do ven<strong>de</strong>dor; pois o tinha transferido ao primei<br />

ro comprador.<br />

A regra <strong>de</strong> que a cousa perece por conta do com<br />

prador <strong>de</strong>ve ter as seguintes excepções: 1.° se pereceo<br />

por vicio antigo, que o ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>via <strong>de</strong>clarar ao com<br />

prador: 2.° se interveio culpa ou dólo do ven<strong>de</strong>dor:<br />

3." se o ven<strong>de</strong>dor estava constituido em móra, por não<br />

querer ou não po<strong>de</strong>r entregar a cousa: 4.° se o ven<strong>de</strong><br />

dor se sujeitou ao risco casual anterior á entrega: 5.° se<br />

a cousa vendida tem <strong>de</strong> ser medida, pesada, contada,<br />

etc. (a). •<br />

Tambem do principio, que o comprador pelo com<br />

tracto acquire o dominio na cousa comprada, se segue<br />

que lhe pertencem os fructos e accessões.<br />

IV. O comprador é <strong>de</strong>vedor do preço, i. é, d'uma<br />

cousa mediatamente singular (b); por tanto o ven<strong>de</strong>dor<br />

não acquire dominio sobre elle, em quanto lhe não for<br />

entregue; e se antes disso perecer, v.g., se for roubado<br />

o dinheiro ao comprador, este caso não prejudica ao<br />

ven<strong>de</strong>dor.<br />

•<br />

§. 534.<br />

Martini diz, que é <strong>natural</strong> á compra e venda, que<br />

o ven<strong>de</strong>dor preste a eviccão, i. é, a in<strong>de</strong>mnização, feita<br />

ao<br />

senhor<br />

comprador,<br />

d’ella.<br />

quando a cousa foi vendida a este pelo<br />

•<br />

O <strong>de</strong>vedor tem obrigação <strong>de</strong> assegurar ao compra<br />

dor contra a evicção e vicios redhibitorios. Esta obriga<br />

ção <strong>de</strong>duz-se da natureza do contracto; porém como diz<br />

respeito ao interesse particular, pó<strong>de</strong> ser supprimida pe<br />

los pactuantes. Fallemos primeiro da evicção.<br />

A epicção toma-se em diversas accepções: 1.° pela<br />

in<strong>de</strong>mnização do comprador, como diz Martini: 2.° pelo<br />

abandono, que o possuidor é obrigado a fazer da cou<br />

(*) S. 467., Sr. Fortuna L, I. P. 2, C. 8, S. 629.<br />

(*) S, 467.


(343)<br />

sa, em todo ou em parte, ao verda<strong>de</strong>iro senhor: 3."<br />

pela sentença, que or<strong>de</strong>na o abandono: 4.º pela <strong>de</strong>manda<br />

que é intentada para esse abandono. A terceira e quarta<br />

accepções são mais proprias do Direito Positivo.<br />

Se o ven<strong>de</strong>dor é obrigado a transferir ao comprador<br />

a proprieda<strong>de</strong> da cousa vendida, <strong>de</strong>ve tambem ser obri<br />

gado º assegurar-lhe a posse tranquilla. Portanto, se a<br />

cousa foi tirada ao comprador pelo verda<strong>de</strong>iro senhor <strong>de</strong>l<br />

la, ou se appareceo sujeita a onus, que o ven<strong>de</strong>dor não <strong>de</strong><br />

clarou no acto da venda, e que diminuem o seu valor,<br />

v. g., se o prédio vendido for emphyteutico, o ven<strong>de</strong>dor<br />

<strong>de</strong>ve prestar a evicção, in<strong>de</strong>mnizando ao comprador:<br />

1. Do preço da cousa, que foi tirada pelo senhor<br />

<strong>de</strong>lla; porque o preço, que o comprador <strong>de</strong>u, foi para<br />

ter a proprieda<strong>de</strong> da cousa; porém se esta lhe foi tirada,<br />

a privação do preço , que soffre o comprador, fica sem<br />

motivo, fica sem fim a entrega, que <strong>de</strong>lle fez ao ven<strong>de</strong><br />

dor, este <strong>de</strong>ve restituil-o. E <strong>de</strong>ve restituil-o por inteiro,<br />

ainda que a cousa ao tempo, que foi tirada ao compra<br />

dor, valesse menos por culpa <strong>de</strong>ste; porque o comprador<br />

não pó<strong>de</strong> ser punido por ter usado, como quiz, d'uma<br />

cousa, que accreditava sua. Se porém a cousa valer me<br />

nos em razão <strong>de</strong> <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s causadas por dólo do<br />

comprador, ou se <strong>de</strong>llas o comprador tirou interesse, o<br />

ven<strong>de</strong>dor não <strong>de</strong>ve ser obrigado a pagar uma parte do<br />

preço, igual ao valor <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s; porque o<br />

comprador ou lucraria com o seu dólo, ou locupletar-se<br />

hia com jactura alheia.<br />

2. De todas as perdas e damnos, v. g., <strong>de</strong>spesas com<br />

a celebração do contracto, fructos, que pagou ao verda<br />

<strong>de</strong>iro senhor, e do preço, que a cousa, ao tempo que foi<br />

tirada, valia <strong>de</strong> mais, do que o preço, por que foi com<br />

prada; porque o ven<strong>de</strong>dor obrigou-se a dar ao comprador<br />

a proprieda<strong>de</strong>, e quando a cousa é tirada ao comprador,<br />

savel aquella pelos obrigação resultados não é<strong>de</strong>sse cumprida, facto. e o ven<strong>de</strong>dor é respon<br />

-<br />

•<br />

No entretanto se o comprador fez bem feitorias na<br />

consa comprada, que são uteis ao senhor da cousa, é<br />

razão, que o ven<strong>de</strong>dor tenha <strong>direito</strong> a pedir a este o va-s<br />

lor <strong>de</strong>llas; porque já pagou ao comprador, e o senhor<br />

se não <strong>de</strong>ve locupletar com jactura alheia.


•<br />

•<br />

(344)<br />

"Se a cousa vendida apparecer <strong>de</strong>pois sujeita a alguns<br />

onus, ou se sómente for tirada parte <strong>de</strong>lla aº com<br />

prador, uma vez que os onus, ou a porção tirada sejãº<br />

taes, que o comprador não teria comprado, se o soubesse<br />

ao tempo do contracto, parece, que o comprador <strong>de</strong>ve<br />

ter <strong>direito</strong> ou a rescindir a venda, ou a pedir a in<strong>de</strong>mniº<br />

zação do prejuizo, que sofre pela eviccão.<br />

Pelo que pertence aos vicios redhibitorios. São todos<br />

aquelles, que o comprador n㺠podia ver ao tempo dº<br />

contracto, e que fazem com que a cousa não possa servir<br />

para o fim, a que é <strong>de</strong>stinada, ou pelo menos diminuem<br />

o seu prestimo <strong>de</strong> modo, que o comprador, se os conhe<br />

cesse, certo a não compraria. Havendo similhantes vicios<br />

na cousa vendida, o comprador <strong>de</strong>ve ter <strong>direito</strong> ou <strong>de</strong><br />

revogar o contracto, ou <strong>de</strong> pedir a in<strong>de</strong>mnização, pelo pre<br />

juizo, que lhe resulta d'elles, principalmente se o ven<br />

<strong>de</strong>dor os conhecia, e os não <strong>de</strong>clarou ao comprador no<br />

acto do contracto. O dólo, com que se houve o ven<strong>de</strong><br />

dor, torna-o ainda responsavel pelas perdas e damnos do<br />

comprador.<br />

• • §. 535.<br />

Pertencem ao acci<strong>de</strong>ntal da compra e venda alguns<br />

accessorios, que o comprador e ven<strong>de</strong>dor po<strong>de</strong>m accre<br />

scentar, e taes são os contractos secundiaros:<br />

1.° O pacto <strong>de</strong> retroven<strong>de</strong>ndo, no qual se conven<br />

ciona ou que o comprador será obrigado a ven<strong>de</strong>r <strong>de</strong>n<br />

tro <strong>de</strong> certo tempo a cousa comprada ao ven<strong>de</strong>dor, ou<br />

aos seus her<strong>de</strong>iros; ou a tornar a entregal a ao ven<strong>de</strong>dor,<br />

quando este lhe restituir o preço (a). Neste caso chama-se<br />

tambem venda a remir,<br />

•<br />

Em qualquer dos casos o <strong>direito</strong>, que o comprador<br />

acquire, é resoluvel. Acquire sim a proprieda<strong>de</strong>; mas su<br />

jeita á clausula, ou condição resolutiva da remissão. As<br />

sim, se o comprador ven<strong>de</strong>r a cousa a um terceiro, po<strong>de</strong><br />

rá havel-a <strong>de</strong>lle o primeiro ven<strong>de</strong>dor; porque o terceiro<br />

não pó<strong>de</strong> ter mais <strong>direito</strong>, do que aquelle, que lh'aven<strong>de</strong>o.<br />

O ven<strong>de</strong>dor, verificando a remissão, <strong>de</strong>ve resti<br />

tuir o preço, e pagar as benfeitorias necessarias e uteis,<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. P. a.C.8. $ 627. ,…


•<br />

( 345 )<br />

que augmentárão o valor da cousa; não só porque se<br />

presume que o ven<strong>de</strong>dor as faria tambem, se a cousa<br />

tar estivesse com jactura em seualheia.<br />

po<strong>de</strong>r, senão ainda por se não locuple<br />

•<br />

2.° O pacto da lei commissoria, pelo qual o ven<strong>de</strong><br />

dor acautela, que, se o comprador não pagar o preço<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certo tempo, avenda será nulla. Pó<strong>de</strong> ser es<br />

um pacto adjecto á compra e venda, e differe da clansula,<br />

em que se estipula sómente a obrigação <strong>de</strong> pagar o preço<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certo tempo: porque, não pagando o compra<br />

dor o preço, pelo pacto a venda é nulla, quer o ven<strong>de</strong>dor<br />

queira, quer não queira; e pela clausula fica ao arbitrio<br />

do ven<strong>de</strong>dor o revogal-a, ou compellir o comprador ao<br />

pagamento (a).<br />

3." O pacto addictionis in diem, pelo qual o com<br />

hº. e ven<strong>de</strong>dor convencionão, que a venda será va<br />

ída, se o ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> certo tempo não achar quem<br />

lhe dê mais pela cousa vendida, ou nulla, se obtiver um<br />

preço maior, do que o dado pelo comprador.<br />

Este pacto pó<strong>de</strong> celebrar-se em fórma <strong>de</strong> condi<br />

ção suspensiva ou resolutiva (b). E porém certo, que<br />

se o ven<strong>de</strong>dor quizer <strong>de</strong>sprezar o melhor partido, que<br />

outrem lhe offerece, a venda valerá ainda contra vonta<strong>de</strong> .<br />

do comprador; porque o pacto addictionis in dier é só<br />

em favor do ven<strong>de</strong>dor, que pó<strong>de</strong> renunciar ao seu di<br />

reito. E nem o comprador tem razão <strong>de</strong> queixa; porque<br />

pó<strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r a cousa a esse terceiro, que se appresenta a<br />

querer compral-a.<br />

4.° O pacto protimeseos, pelo qual o ven<strong>de</strong>dor<br />

acautela que no caso do comprador querer ven<strong>de</strong>r a<br />

cousa, será preferido tanto por tanto a qualquer com<br />

prador.<br />

Outros muitos po<strong>de</strong>m ser adjectos ao contracto da<br />

compra e venda, os quaes por brevida<strong>de</strong> omittimos,<br />

e que se po<strong>de</strong>m ver nos tractados dos JCtos (c).<br />

- A differença pois entre compra e troca está em que<br />

nº troca se dá uma cousa por outra cousa, e na venda<br />

dá-se uma cousa por dinheiro.<br />

(a) S. 533.<br />

(b) S. 469. •<br />

(*) Sr. Fortuna L. 1, P, 2. C.8. S. 627. •


- Martini<br />

(346)<br />

Locação e conducção é um contracto, pelo qual al<br />

guem promette o uso d'uma cousa não fungivel, ou obras<br />

por certa quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> dinheiro, ou outra cousa.<br />

Aquelle, que promette o uso da cousa ou as qbras,<br />

diz-se locador; aquelle, que promette o dinheiro ou ou<br />

tra cousa, diz-se conductor. ",<br />

tracta simultaneamente <strong>de</strong> todas as especies<br />

<strong>de</strong> locação e conducção. A locação e conducção em ger<br />

ral se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir como o fez Martini: divi<strong>de</strong>-se em lo -<br />

cação e conducção <strong>de</strong> cousas, que é o contracto, em<br />

que uma das partes promette o uso d'uma cousa por cer<br />

to preço; e locação e conducção dobras, i. é, o contra<br />

cto, pelo qual alguem se obriga a fazer alguma cousa a<br />

outrem por certo preço. • • 1<br />

Na locação e conducção <strong>de</strong> cousas se comprehen<strong>de</strong>m<br />

todas as cousas immoveis, moveis, e semoventes, afóra<br />

as fungiveis, porque estas pertencem ao contracto <strong>de</strong><br />

juros. Nesta especie <strong>de</strong> locação atten<strong>de</strong>-se ao uso da cou<br />

sa, porque o objecto da obrigação não é a cousa, que fica<br />

pertencendo ao locador, mas sim o seu uso. A locação<br />

gliffere da servidão do usufructo, principalmente porque<br />

no usufructo o proprietario tem sómente a obrigação <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixar gozar, pelo contrario na locação das cousas o pro<br />

prietario <strong>de</strong>ve fazer gozar o conductor.<br />

Na locação e conducção das obras se comprehen<br />

<strong>de</strong>m todos os contractos, que tem por objecto quaesquer<br />

trabalhos, serviços, ou cuidados, v. g., um criado aluga<br />

º seu trabalho, um feitor os seus serviços, etc,<br />

Entre nós a locação e conducção das cousas chama<br />

se tambem arrendamento, e quando é <strong>de</strong> prédios rusti<br />

cos por certa quota <strong>de</strong> fructos, v. g., a meta<strong>de</strong>, a terça<br />

parte, a quarta parte, etc., diz-se parçaria. O conductor<br />

<strong>de</strong> prédios urbanos diz-se inquilino, e o <strong>de</strong> prédios rus<br />

ticos colono, ou ren<strong>de</strong>iro. O preço nos arrendamentos <strong>de</strong><br />

prédios urbanos chama-se aluguer, e dos prédios rusticos:<br />

pensão, ou renda, pensão sabida, quando é certa porção<br />

<strong>de</strong> fructos, e se é uma quota eventual na parçaria, diz-se<br />

senhorio, meias, terços,<br />

•<br />

etc. O locador <strong>de</strong> cousas diz-se tambem<br />

•• * * * * * * *


•<br />

(347 )<br />

Na locação das obras o conductor se chama algumas<br />

vezes amo, e o locador criado, feitor, etc., e o preço<br />

soldada. . * . *<br />

§ 537, e 538,<br />

Neste §. dá Martini algumas regras relativas ás obri<br />

gações do locador e conductor.<br />

Quanto ao locador:<br />

I. O locador é obrigado a prestar o uso da cousa<br />

ou as obras por todo o tempo convencionado, e não pó<strong>de</strong>,<br />

antes d'elle findo, expulsar o conductor com o funda<br />

mento <strong>de</strong> necessitar disso; porque é um contracto igual,<br />

no qual sem injustiça se não pó<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>r favor, a ne<br />

nhum dos pactuantes. As obrigações <strong>de</strong>vem ser religio<br />

samente cumpridas duma e d'outra parte.<br />

Alguns põe a esta regra diversas excepções: 1.° quan<br />

do o conductor não paga a renda: 2." quando arruina a<br />

casa: 3.º quando usa d’ella d'um modo illicito e contrario<br />

aos bons costumes: 4." quando o locador tem necessida<br />

<strong>de</strong> da casa para viver nella: 5.° quando precisa fazer bem<br />

feitorias necessarias. Porém nestes dous ultimos casos<br />

dizem que o locador <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizar ao inquilino (a).<br />

O Sr. Fortuna (b) tambem admitte estas excepções;<br />

porém quanto á 4.° e 5.", só com a condição do senhorio<br />

á sua custa apromptar ao inquilino outras casas simi<br />

Jhantes e igualmente commodas. .<br />

Sendo o arrendamento um contracto igual, não é<br />

razão, que a sua duração e observancia fique <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

da vonta<strong>de</strong> d'algum dos pactuantes contra vonta<strong>de</strong> do<br />

outro; e por isso sómente nos parece admissivel a quarta<br />

excepção e só nestes termos, que o senhorio possa fazer<br />

as bem feitorias necessarias e <strong>de</strong> tal modo urgentes, que<br />

não possão ser espaçadas para o fim do tempo do contra<br />

cto; porque o inquilino, quando arrendou, <strong>de</strong>via lem<br />

brar-se da possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> virem a ser necessarios simi<br />

lhantes reparos, e não é razão que pelo commodo do in<br />

quilino o senhorio perca as suas casas. A intenção pre<br />

sumida dos pactuantes pó<strong>de</strong> justificar este <strong>direito</strong> do se<br />

C. (a) 12. S. Felice 23. Leg. : 28.;<br />

•<br />

Perreau Sect. 2.<br />

-<br />

p. 222, Burlamaqui P. 4.<br />

• • +<br />

() L. i. P. a. c. 6, 5 635. * * * * *


(348)<br />

nhorío. Porém neste caso se o inquilino sómente for pri<br />

vado da habitação <strong>de</strong> parte da casa, e continuar a viver<br />

nella, <strong>de</strong>ve ser in<strong>de</strong>mnizado do prejuizo pelo senhorio;<br />

mas se for privado <strong>de</strong> toda a casa, po<strong>de</strong>rá ou revogar o<br />

arrendamento, ou exigir o <strong>de</strong>sconto do aluguer <strong>segundo</strong><br />

o tempo, que esteve fóra da casa. Só assim, temos para<br />

nós, que se po<strong>de</strong>ráõ conciliar a fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> <strong>de</strong>vida aos<br />

contractos e os interesses bem entendidos do senhorio e<br />

do inquilino.<br />

II. Se o locador ven<strong>de</strong>r a cousa arrendada, o com<br />

prador não pó<strong>de</strong> expulsar o conductor antes <strong>de</strong> fisdard<br />

tempo do contracto; perque o locador não# pela<br />

venda transferir mais <strong>direito</strong> do que tinha. Portanto o<br />

comprador já recebeo a cousa com o onus do arrenda-*<br />

mento, e com as obrigações, que pesavão sobre o vêm<br />

<strong>de</strong>dor: excepto se o locador tinha no arrendamento re<br />

servado o <strong>direito</strong> para po<strong>de</strong>r ser expulso o conductor no<br />

caso <strong>de</strong> venda; mas <strong>de</strong>verá in<strong>de</strong>mnizal-o do prejuizo.<br />

Importa accrescentar as seguintes regras:<br />

III. O locador <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>clarar ao conductor os vi<br />

eíos da cousa, v.g., as más manhas do cavallo, que a<br />

pipa estraga o vinho, etc. É para aqui applicavel a dou<br />

trina dos vicios redhibitorios, que expozemos relativa<br />

mente á compra e venda.<br />

IV. O locador é obrigado a entregar ao condu<br />

ctor a cousa e a conserval-a em <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r servir<br />

ao conductor <strong>segundo</strong> o fim, para que foi arrendada, fa<br />

zetido!" isso as <strong>de</strong>spesas necessarias; porque sem isto<br />

o conductor não po<strong>de</strong>ria tirar da cousa a utilida<strong>de</strong>, por<br />

que a arrendou.<br />

V. O locador <strong>de</strong>ve pagar as <strong>de</strong>spesas, que o con<br />

ductor fez para a conservação da cousa; porque o loca<br />

dor tem obrigação <strong>de</strong> a conservar em <strong>estad</strong>o, que o con<br />

ductor possa usal-a. {}<br />

Quanto ao conductor:<br />

I. O conductor tem <strong>direito</strong> a usar, mas não a abu<br />

sar da cousa arrendada. Porém o mesmo uso, que o comº<br />

ductor pó<strong>de</strong> fazer da cousa, <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ntro dos limites<br />

marcados no arrendamento. Assim o inquilino, que ar"<br />

renda uma casa para elle habitar, não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>lla fazer<br />

cavalhariça. -


( 349 )<br />

11. O conductor <strong>de</strong>ve pagar a pensão, renda ou<br />

aluguer convencionado, no tempo marcado no contracto,<br />

Esta obrigação é essencial ao arrendamento. •<br />

Martini accrescenta, que o conductor não pó<strong>de</strong> ser<br />

<strong>de</strong>sonerado da obrigação <strong>de</strong> pagar a pensão no todo ou<br />

em parte por causa <strong>de</strong>sterilida<strong>de</strong>. Diz-se esterilida<strong>de</strong> a<br />

privação total, ou parcial do uso da cousa por aconteci<br />

mentos fortuitos e inopinados, v.g., quando a cheia do<br />

rio, a saraiva, os bichos, etc., <strong>de</strong>stróem a seára do con<br />

ductor, <strong>de</strong> modº que, se pagasse a pensão, per<strong>de</strong>ria no<br />

COnträCtO.<br />

•<br />

Os JCtos tractão larga e profundamente esta questão.<br />

Por isso só diremos, que se a locação comprehen<strong>de</strong> va<br />

rios annos, <strong>de</strong> modo que a esterilida<strong>de</strong> d'um possa ser<br />

compensada pela fertilida<strong>de</strong> e abundancia dos outros,<br />

assim como o colono nos annos <strong>de</strong> maior abundancia não<br />

paga mais, do que a pensão ajustada, tambem no annº <strong>de</strong><br />

esterilida<strong>de</strong> não <strong>de</strong>ve pagar menos: ficão uns annos com<br />

putados por outros. Se porém a locação foi só por um<br />

anno, e esse foi <strong>de</strong>sterilida<strong>de</strong>, uma vez que o colono<br />

não tomasse sobre si expressamente a obrigação <strong>de</strong> pagar<br />

a pensão apezar d’ella, ou a pensão não fosse diminuta,<br />

atten<strong>de</strong>ndo-se á possibilida<strong>de</strong> das esterilida<strong>de</strong>s, parece ra<br />

zoavel, que o colono tenha <strong>direito</strong> ou á total remissão, ou<br />

a uma remissão parcial, <strong>segundo</strong> a esterilida<strong>de</strong> foi maior<br />

ou menor. Esta parece ser a vonta<strong>de</strong> presumida dos pa<br />

ctuantes; porque se no acto do contracto cogitassem da<br />

esterilida<strong>de</strong> inopinada, o colono não assentiria ao contra<br />

cto sem esta condição. De mais neste contracto parece ser<br />

<strong>natural</strong> a condição— praestabo, si praestiteris — porque<br />

a pensão é a paga dos fructos, ou do uso da cousa, e é<br />

<strong>de</strong>terminada pelos pactuantes na proporção dos fructos,<br />

que o prédio costuma ordinariamente produzir. Portan<br />

to, se esses fructos faltárão sem culpa do colono e por for<br />

ça da esterilida<strong>de</strong>, parece que se não verifica o funda<br />

mento da pensão. Finalmente o locador, se não tivesse<br />

arrendado, não receberia os fructos, e por isso parece<br />

que não <strong>de</strong>ve exigir a pensão, que os substitue (a).<br />

III. O conductor não <strong>de</strong>ve abandonar a cousa sem<br />

(a) Sr. Portuna L. I. P. 2. Q. 8, § 637. •


•<br />

(35o)<br />

justas causas, v.g., invasão d'inimigos, peste, etc. E<br />

com effeito, assim como enten<strong>de</strong>mos, que o locador não<br />

tem o <strong>direito</strong> d'expulsar o conductor, tambem este não<br />

<strong>de</strong>ve ter o <strong>direito</strong> d'abandomar a cousa arrendada, quando<br />

quizer; o contracto é igual (a).<br />

IV. O conductor pó<strong>de</strong> sublocar, i. é, transferir<br />

para outrem o uso da cousa arrendada; porque pelo<br />

contracto da locação acquirio o <strong>direito</strong> sobre o uso da<br />

cousa. Porém o contracto da sublocação em nada altéra<br />

o primeiro contracto da locação, e o conductor fica su<br />

jeito a todas as obrigações, provenientes do primeiro<br />

contracto, para com o locador, ficando além disso re<br />

sponsavel pelos factos daquelle, para quem transferio o<br />

uso da cousa. Assim o conductor é obrigado a pagar a<br />

pensão ao locador, ou sublocasse por mais, ou por me<br />

nos, e a in<strong>de</strong>mnizar o locador das <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s causa<br />

das pelo subconductor: porém tem <strong>direito</strong> a pedir a<br />

mesma cto (h). in<strong>de</strong>mnização contra este pelo <strong>segundo</strong> contra<br />

- V. O conductor é obrigado a entregar a cousa ao<br />

locador, findo o tempo <strong>de</strong>terminado pelo contracto. Pa<br />

rém se o conductor continúa a usar da cousa, e o loca<br />

dor se não oppõe, dá-se uma nova locação e conducção<br />

tacita; porque do facto positivo do conductor continuar<br />

no uso da cousa, e do facto negativo do locador a não<br />

exigir, se <strong>de</strong>duz o consentimento d'ambos quererem pro<br />

longar o antigo contracto com as mesmas condições, i.<br />

e, fazer uma nova locação e conducção Com as mesmas<br />

obrigações da anterior,<br />

Martini observa, que se o <strong>de</strong>positador, ou commo<br />

datario estipulão o pagamento d'algum preço pelas obras<br />

ou pelo uso da cousa, o <strong>de</strong>posito ou commodato se trans<br />

formão em locação e conducção. -<br />

Resta finalmente observar, que sendo a locação um<br />

contracto muito analogo á compra e venda, porque na<br />

quella se ven<strong>de</strong> o uso da cousa, muitas das regras, que<br />

démos ácerca da venda, se <strong>de</strong>vem applicar ao arrenda<br />

II) entO,<br />

O arrendamento differe da troca propriamente dita,<br />

ta) Sr. Fortuna loc. cit. S. 636.<br />

(b) Sr. Fortuna loc. cit. S. 635.<br />

-----


e da venda — em que r." nestes contractos o objecto é a<br />

cousa, e naquelle o seu uso: 2.° nestes não ha a obri<br />

gação <strong>de</strong> restituir a cousa, e naquelle sim: 3.° naquelle<br />

estipula-se uma pensão, aluguer, ou renda, nestes não,<br />

etC.<br />

$. 539.<br />

Principia Martini a tractar do contracto d'emprestimo<br />

a juros. Martini não <strong>de</strong>fine (este contracto, se bem<br />

que d'elle dá alguma idêa, dizendo: «Assim como o com<br />

modato se converte em locação e conducção, quando os<br />

pactuantes estipulão o pagamento d'algum preço pelo<br />

uso da cousa não fungivel, assim tambem o mutuo,<br />

quando os pactuantes convencionão alguma usura pelo<br />

uso da cousa fungivel, se transforma em emprestimo a<br />

juros. Usura no sentido lato é tudo o que se paga pelo<br />

uso d'alguma cousa.» *<br />

Usura no sentido stricto é tudo o que se paga pelo uso<br />

do dinheiro (a). E ainda que entre os romanos esta palavra<br />

significava toda a especie d'interesse ainda mesmo le<br />

gitimo, com tudo a cerrente do tempo restringio a sua<br />

noção aos lucros illegaes, que se exigem por uma somma<br />

empr<strong>estad</strong>a. Os lucros modicos e legaes chamão-se juros,<br />

e po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>finir-se — os interesses, que o crédor <strong>de</strong> di<br />

nheiro recebe em compensação da privação do uso d'elle,<br />

e como preço do risco insolubilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>vedor (5).<br />

• O Sr. Fortuna (c) <strong>de</strong>fine emprestimo a juros aquelle<br />

contracto, em que o <strong>de</strong>vedor promette pagar alguma<br />

cousa pelo uso <strong>de</strong> uma cousa fungivel. * * * *<br />

Adoptamos esta <strong>de</strong>finição, porque não é da essencia<br />

do contracto, que a cousa empr<strong>estad</strong>a seja dinheiro; basta<br />

que seja fungivel: no que se distingue o empréstimo a<br />

juros da locação e conducção.<br />

Aquelle, que empresta a cousa fungivel, diz-se em<br />

pr<strong>estad</strong>or, ou crédor; aquelle, que se obriga aos juros<br />

pelo uso <strong>de</strong>ssa cousa, diz-se tomador, ou <strong>de</strong>vedor.<br />

O empr<strong>estad</strong>or é obrigado: 1.° a entregar a cousa<br />

fungivel: 2.° a <strong>de</strong>ixar usar <strong>de</strong>lla pelo tempo convencio<br />

203 Ul(),<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. P. a.C. 8. S. 654. •<br />

fb) Ferreira Borges Dicciou. Juridico-Com. v. Juros.<br />

(e) Loc. cit.


- Entra<br />

-<br />

(352)<br />

. O tomador, findo o tempo conveneionado, é óbri<br />

gado: 1, a restituição d'outra cousa fungivel igual áquel<br />

la, que recebeo: 2.° a pagar os juros,<br />

O dominio da cousa fungivel passa, somo no mutuo,<br />

pa Ta O tomador, e esta perece por sua conta. Este contra<br />

cto pois participa ao mesmo tempo da natureza do mutuo<br />

quanto á cousa empr<strong>estad</strong>a, e da loeação e conducção,<br />

quanto aos juros; por isso muitas das regras, que expo<br />

zemos relativamente a estes contractos, são applicaveis aº<br />

emprestimo a juros.<br />

• § 54o.<br />

Martini na questão, se o emprestimo a juros<br />

é permittido ou prolhibido por Direito Natural. Martini<br />

tracta esta questão amplamente, examinando-a não só.<br />

por Direito Naturai, senão ainda por Direito Positivo do<br />

Novo e Velho Testamento, e por Direito Ecclesiastico.<br />

Sómente o seguiremos em quanto consi<strong>de</strong>ra a questão<br />

por Direito Natural; porque não queremos transpôr as<br />

raias da Sciencia.<br />

, , Martini estabelece a proposição, que emprestimo aº<br />

juros não é indistinctamente prohibido por Direito Natu<br />

ral. Quer dizer, que o emprestimo a juros é permittido,<br />

excepto em dous casos: 1.° se as usuras do empr<strong>estad</strong>or<br />

forem excessivas, i. é, não forem proporcionadas ao usº<br />

e lucros, que o tomador, commodamente possa fazer: 2.°<br />

se o tomador for pobre, e o empr<strong>estad</strong>or podér gratuita<br />

mente emprestar; porque neste caso tem obrigação im<br />

perfeita <strong>de</strong> não haver juros (a). Adoptamos a proposição<br />

geral; quanto ás excepções, logo diremos a nossa opinião.<br />

... Para provar a sua opinião, produz Martini os cinco<br />

argumentos seguintes: … -<br />

I." O uso do dinheiro produz gran<strong>de</strong> utilida<strong>de</strong>,<br />

e não tem menos valor, do que o uso d'uma cousa<br />

não fungivel. Ora se pelo uso <strong>de</strong>sta é licito convencionar<br />

uma pensão, renda, ou aluguer, tambem pelo usº<br />

d'aquelle <strong>de</strong>ve ser permittido estipular juros. E eom ef<br />

feito os juros fazem as vezes da pensão, ou aluguer.<br />

• Por muito tempo foi o dinheiro reputado esteril, e<br />

(a) $.543.


(353 )<br />

<strong>de</strong>ste errº nascerão as prohibições ecclesiasticas e císiº<br />

do emprestimo a juros, e o reputarem-se na meia ida<strong>de</strong><br />

infames todos aquelles, que exigião usuras pelo empre»<br />

ºtimº do seu dinheiro. O progresso porém das luzes, prin<br />

cipalmente na Economia Politica, chegou, já ha muito, a<br />

mostra com evi<strong>de</strong>ncia, que os cabedaes, tanto fixos, como<br />

circulantes, tendo o primeiro lugar entre estes o dinheiro,<br />

s㺠agentes indispensaveis da producção. Não entramos<br />

besta <strong>de</strong>monstração, por ser propria da Economia Politica<br />

(a),<br />

-<br />

. * . . A obrigação d'emprestar gratuitamente é só<br />

imperfeita, e por isso <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da consciencia do em<br />

pr<strong>estad</strong>or; e taes serão as relações do empr<strong>estad</strong>or e toma<br />

dor, que nem imperfeita exista similhante obrigação, v.g.,<br />

se º tomador quizer o dinheiro não para vemiras suasneces<br />

sida<strong>de</strong>s, filhas da indigencia, mas sim para negociar, lu<br />

erar, e <strong>de</strong>sta arte augmentar a sua riqueza, por ventura<br />

já maior, do que a do empr<strong>estad</strong>or; ou se o empr<strong>estad</strong>or<br />

tiver que satisfazer maiores, ou pelo menos iguaes ne<br />

«essida<strong>de</strong>s, que o tomador. O Direito, todo exterior, não<br />

<strong>de</strong>vassa º sagrado recinto das consciencias, nem pó<strong>de</strong><br />

subministrar meios coereitivos para forçar aos empresti<br />

*aos gratuitos, Por tanto aquelle, que quizer algum cabe<br />

dal empr<strong>estad</strong>o, não o encontrando gratuito, só º por<br />

<strong>de</strong>rá obter mediante alguns interesses, que <strong>de</strong>terminem<br />

º capitalista ao emprestimo. O Direito <strong>de</strong>ve garantir nestas<br />

eircunstancias os juros, alias não haverá emprestimos <strong>de</strong><br />

eºusas fungiveis, com gravissimo prejuízo dos capitalistas,<br />

dos empresarios e da producção: e ainda dizemos mais,<br />

com gravíssimo prejuizo da indigencia; porque, como diz<br />

J. B. Say (5), o pobre laborioso nunca tem mais segura a<br />

sua subsistencia, do que quando encontra um capital era<br />

reserva para o occupar. * * * * *<br />

3. Se todos concordão em que o lucro cessante, ou<br />

o damno emergente (c) justificão o po<strong>de</strong>r levar juros, que<br />

duvida po<strong>de</strong>rá haver em os <strong>de</strong>terminar anticipadamente<br />

no contracto do emprestimo? Na verda<strong>de</strong>, o empresta<br />

dor sempre corre maior, ou menor risco da insolubili<br />

(a) Sr. Forjaz Econ. Pol. Div. 1. C. 9., J. B. Say Écom. Polit. P. g.<br />

C.5., Droz Écon. Polit, L. 1. C. 6.<br />

(b) Écon. Pºlit. L. 2.C.8.<br />

(c) 5.385.


(354)<br />

da<strong>de</strong> do tomador, que em si é um mal que soffre o emi<br />

pr<strong>estad</strong>or; além <strong>de</strong> que o empr<strong>estad</strong>or priva-se do uso da<br />

cousa empr<strong>estad</strong>a, e não pó<strong>de</strong> tirar d’ella nem os lucros,<br />

que tira o tomador, nem outros quaesquer, que por ven<br />

tura po<strong>de</strong>ria tirar.<br />

$. 541.<br />

, 4.° Se é licito em Direito Natural o contracto <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong>, em que um entra com os cabedaes, e outro<br />

com a sua industria, dividindo-se os lucros por ambos,<br />

por sem dúvida temos, que tambem é permittido o con<br />

tracto do emprestimo a juros, pelo menos quando o<br />

tomador pe<strong>de</strong> o dinheiro, ou qualquer#fungivel<br />

para negociar; porque saíndo os juros dos lucros do ca<br />

pital applicado ao negocio, dá-se uma quasi socieda<strong>de</strong>,<br />

i. é, ha a maior analogia entre um e outro contracto. E<br />

verda<strong>de</strong>, que na socieda<strong>de</strong> o interesse do capitalista é<br />

incerto e in<strong>de</strong>terminado, e no emprestimo a juros pelo<br />

contrario o interesse é certo e <strong>de</strong>terminado. Porém o to<br />

mador certo não quererá o emprestimo, senão quando<br />

calcular, que, pagos os juros, ainda pó<strong>de</strong> lucrar com a<br />

empresa; e o empr<strong>estad</strong>or sómente se resolverá a dar o<br />

seu capital a juros, quando estes forem um prémio, pro<br />

porcionado ao valor da força productiva do seu capital,<br />

e ao risco <strong>de</strong> insolubilida<strong>de</strong> do tomador. Na socieda<strong>de</strong> o<br />

capitalista aspira a maiores lucros, do que no emprestimo<br />

a jurºs; porém a incerteza d’uns compensa-se com a cer<br />

teza dos outros; assim tudo se equilibra, e os resultados<br />

são i<strong>de</strong>ntiços aos olhos da razão e na balança da justiça. .<br />

5.° E um argumento tirado do Velho. Testamento,<br />

que não admittimos, para não confundir o Bireito Divino<br />

Natural com o Direito Divino Positivo. • - -<br />

A questão sobre a legitimida<strong>de</strong> do emprestimo aju<br />

ros acha-se <strong>de</strong>cidida na republica das letras <strong>de</strong>pois dos<br />

luminosos principios proclamados pela Economia Politi<br />

ca, e dos progressos, que tem feito a Philosophia do Di<br />

reito. Quem quizer ver outros argumentos, encontral-os<br />

ha em Droz (a), J. B. Say (b), Sr. Fortuna (c), etc.<br />

(a) Econom. Polit. L. 3. C..3.<br />

(b) Econom. Polit. L. 2. C. 8.<br />

(e) L. 1. P. 2.C. 3. S. 654. e seg.<br />

§. 54a.


…"<br />

· · · · •<br />

( 555 )<br />

§ 542. .<br />

w, Appresenta Martini, as duas principaes objecções,<br />

com que se costuma attacar a legitimida<strong>de</strong> do empresti<br />

#*<br />

no a juros, e respon<strong>de</strong>-lhes: . …<br />

. . 1. O dinheiro é esteril, não produz fructos, e por<br />

isso seria injusto o empr<strong>estad</strong>or, que pelo seu uso exi<br />

gisse Juros. , , , , , º . - "<br />

Não tem razão aquelles, que assim argumentão,<br />

porque o dinheiro produz abundantissimos fructos civís,<br />

em quanto applicado ás empresas productivas é um cabe<br />

dal tão productivo, como todos os outros cabedaes fi<br />

xos e circulantes. E se os juros do dinheiro são ilegaes,<br />

que o dinheiro não produz fructos fysicos, como se pó<strong>de</strong><br />

justificar a locação e conducção d’uma casa, ou d’uma<br />

Iivraria, que tambem não produzem taes fructos? As ra<br />

zões, que justificarem o aluguer da casa, ou da livraria,<br />

hão da<strong>de</strong>. <strong>de</strong>, ser applicaveis aos juros, e provar a sua legitimi<br />

• • |- •<br />

II. Pelo emprestimo a juros o dominio da cousa.<br />

empr<strong>estad</strong>a pertence ao tomador; por tanto a elle, como<br />

senhor, <strong>de</strong>vem pertencer quaesquer lucros, assim como<br />

sobre elle pesão os prejuizos. • * , ><br />

Porém o empr<strong>estad</strong>or não tinha obrigação juridica<br />

d'emprestar; e com quanto o tomador <strong>de</strong>ve satisfazer no<br />

fim do tempo convencionado um cabedal igual, i. é, da<br />

mesma quantida<strong>de</strong>, genero e bonda<strong>de</strong>, é todavia certo, º<br />

que o empr<strong>estad</strong>or conce<strong>de</strong> o uso da cousa ao tomador,<br />

e, esta concessão tem seu valor, e por elle pó<strong>de</strong> exigir<br />

algum preço, i, é, juros. .. . . . . . , ,<br />

De mais, <strong>segundo</strong> os principios <strong>de</strong> Economia Politica,<br />

não se atten<strong>de</strong> ás moédas, ou cousas empr<strong>estad</strong>as, senão<br />

aós seus valores, e sobre o valor pó<strong>de</strong> dizer-se, que o<br />

tomador não acquire dominio; porque tem obrigação <strong>de</strong><br />

restituir ao empr<strong>estad</strong>or, findo o tempo do contracto:<br />

o tomador só tem <strong>direito</strong> ao uso <strong>de</strong>sse valor.", .. •<br />

, Resta falar das excepções, que Martini offerece á<br />

regra geral da legitimida<strong>de</strong> dos juros.<br />

Quanto á primeira, que <strong>de</strong>vem ser modicos e pro<br />

porcionados aos lucros do tomador. Os juros, que não<br />

são mais do que o preço, pelo qual o tomador compra<br />

II. 23


• (a)<br />

( 356 )<br />

o uso da cousa empr<strong>estad</strong>a, estão sujeitos á regra da con<br />

correncia, e sobem , ou <strong>de</strong>scem; <strong>segundo</strong> a relação, em<br />

que se acha a offerta e o pedido. Assim o emprestimo e<br />

os juros, a venda e o preço, o arrendamento e a pensão<br />

ou aluguer todos estão igualmente sujeitos á imperiosa<br />

lei da concorrencia, e não ha mais razão para se taxar o<br />

maximo dos juros, do que o maximo da pensão, ou alu<br />

guer, etc. Quanto mais que o interesse reciproco do em<br />

pr<strong>estad</strong>or e tomador, regulado pela concorrencia e outras<br />

circumstancias, que influem nos juros, tem sempre ca<br />

villado e illudido, e ha <strong>de</strong> sempre cavillar e illudir qual<br />

quer taxa, a que os queirão sujeitar.<br />

Quanto á segunda excepção, já dissemos que per<br />

tencia á esfera da Moral (a).<br />

§ 544. e 545.<br />

Martini limita-se neste §. a dizer o que seja cambio<br />

em geral, cambio <strong>de</strong> banco, cambio miudo, e os no<br />

mes das pessoas, que entrão n’uma letra <strong>de</strong> cambio. Mais<br />

alguma cousa diremos nós, que pelo menos dê alguma<br />

idêa do que é cambio e letras <strong>de</strong> cambio; que é fóra do<br />

nosso proposito o tractar amplamente a materia.<br />

Cambio em geral é a troca <strong>de</strong> dinheiro por dinheiro.<br />

Divi<strong>de</strong>-se em cambio <strong>de</strong> banco, que é a troca <strong>de</strong> moédas<br />

<strong>de</strong> differentes paizes ou praças, e cambio miudo, que é<br />

a troca <strong>de</strong> moédas da mesma praça.<br />

Tambem se chama cambio o prémio por qualquer<br />

daquellas trocas, e a relação do valor, em que se achão<br />

as moédas <strong>de</strong> differentes especies, ou <strong>de</strong> differentes pai<br />

2CS»<br />

Aquelles, que se occupão nesta especie <strong>de</strong> negocio,<br />

são chamados banqueiros, ou cambistas.<br />

Muitos são os modos, por que se exercita o cambio<br />

<strong>de</strong> banco. Porém sómente fallaremos das letras <strong>de</strong> cam<br />

bio. Diz-se letra <strong>de</strong> cambio uma carta, pela qual aquelle,<br />

que a assigna, encarrega aquelle, a quem a dirige, que<br />

pague em outro lugar, ou á vista, ou numa épocha <strong>de</strong><br />

terminada, a uma pessoa <strong>de</strong>signada, ou á sua or<strong>de</strong>m<br />

S. 54o.


•<br />

(35)<br />

certa somma <strong>de</strong> dinheiro em troca d'outra somma ou<br />

valor, recebido no lugar, aon<strong>de</strong> foi assignada, realmen<br />

te O Ul em CO/2ta. •<br />

. Aquelle, que assigna a letra, diz-se sacador. Aquelle,<br />

que a ha <strong>de</strong> pagar, sacado; e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter posto na letra<br />

— acceito — diz-se acceitante. Aquelle, que recebe a<br />

letra do sacador, diz-se tomador, dono da letra, ou da<br />

dor do valor. Quando a letra tem a clausula — á sua<br />

or<strong>de</strong>m — pó<strong>de</strong> o tomador cedêl-a a outro. A esta ce<strong>de</strong>ncia,<br />

orque é escripta no dorso da letra, se chamou endosso.<br />

O ce<strong>de</strong>nte diz-se endossador, e o cessionario endossatario.<br />

A ce<strong>de</strong>ncia pó<strong>de</strong> ainda repetir-se in<strong>de</strong>finidamente pelos<br />

cessionarios, e todos elles se dizem endossatarios; e o<br />

ultimo, que se appresenta ao aeceitante, para receber a<br />

quantia nella désignada, diz-se portador.<br />

•<br />

Martini parece enten<strong>de</strong>r, que na letra <strong>de</strong> cambio<br />

são necessarias quatro pessoas, tomador, sacador, ac<br />

ceitante, e appresentante; porém bastão o sacador, to<br />

mador, e sacado, e alguns até dizem, que são bastan<br />

tes o tomador, e o sacador, que pó<strong>de</strong> ser ao mesmo<br />

tempo sacado. No entretanto po<strong>de</strong>m intervir na letra<br />

<strong>de</strong> cambio quatro e mais pessoas. , ,<br />

Nas letras <strong>de</strong> cambio ha um complexo <strong>de</strong> varios con<br />

tractos, v. g., troca, mandato, fiança, etc.; e os prin<br />

cipios, que regem estes contractos, <strong>de</strong>vem ser chamados<br />

para <strong>de</strong>cidirem dos <strong>direito</strong>s e obrigações das differentes<br />

pessoas, que intervêm nas letras <strong>de</strong> cambio.<br />

A letra <strong>de</strong> cambio <strong>de</strong>ve ter os requisitos seguintes:<br />

1." Ser sacada d'um lugar sobre outro; porque<br />

d'outro modo não haveria troca por causa <strong>de</strong> risco, que<br />

o sacador toma sobre si, mandando pagar em outro lu<br />

gar a somma recebida naquelle.<br />

2.° Ser datada, para se po<strong>de</strong>r saber se o sacador<br />

a esse tempo era capaz <strong>de</strong> a assignar, e tinha fundos em<br />

po<strong>de</strong>r do sacado, sem os quaes este não é obrigado a ae<br />

ceitar a letra, nem a pagal-a. •<br />

3.° Déclarar a somma, que o sacado <strong>de</strong>ve pagar;<br />

alias será uma carta <strong>de</strong> crédito, ou <strong>de</strong> recommendação.<br />

4." Declarar o nome, sobrenome e domicílio do<br />

sacado, para que não haja dúvidas; principalmente ha<br />

vendo differentes pessoas do mesmo nome.


(358)<br />

5." Declarar a épocha e o lugar, em que o pagaº<br />

mento da letra <strong>de</strong>ve ser feito, para evitar questões entre<br />

o tomador e o acceitante.<br />

6." Declarar o valor recebido, ou seja em moéda<br />

ou em mercadorias, que o sacador se obriga a fazer pa<br />

gar ao tornador, ou á sua or<strong>de</strong>m em diverso lugar. Sem<br />

isto não haveria cambio, mas sómente emprestimo.<br />

7.° Declarar valor em conta, i. é, por conta do<br />

que umaoporção sacadorigual <strong>de</strong>veda aodivida.<br />

tomador, e com o qual compensa<br />

•<br />

8.” Declarar á or<strong>de</strong>m , quando o tomador a não<br />

quer receber, mas sim endossar noutro.<br />

9." Declarar o nome do tomador, para se saber,<br />

quem entregou ao sacador o seu valor, e quem pó<strong>de</strong><br />

endossar. |<br />

1o." Declarar se é por primeira ou segunda via. O<br />

tomador interessa em obter primeira e segunda via da<br />

letra <strong>de</strong> cambio, porque pó<strong>de</strong> per<strong>de</strong>r-se um só exemplar.<br />

Mas <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>clarar-se na letra, para o acceitante não ser<br />

ºbrigado a pagar o mesmo valor duas vezes (a). *<br />

§- 546. e 547.<br />

Emphyteuse é o contracto, pelo qual se conce<strong>de</strong> o<br />

dominio util d'um prédio por certa pensão annua em re<br />

conhecimento do dominio directo, …<br />

O Sr. Fortuna, (b) <strong>de</strong>fine emphyteuse o contracto,<br />

pelo qual se conce<strong>de</strong> o dominio util d'algum prédio em<br />

Jateusim, ou pelo menos por largo tempo, mediante certo<br />

canon directo, ou pensão annua em reconhecimento do dominio"<br />

- •<br />

O contracto da emphyteuse tambem se chama entre<br />

nós aforamento ou prazo. Aquelle, que recebe o dominio<br />

ºutil, diz-se emphyteuta ou foreiro. Aquelle, que tem o<br />

dontinio directo, diz-se senhor directo, ou senhorio. A<br />

cousa emphyteuticada chama-se emphyteuse, ou prazo;<br />

e a pensão annua diz-se canon, ou fóro, quando é uma<br />

quantida<strong>de</strong> ou cousa <strong>de</strong>terminada, v.g., um cruzado<br />

novo, um alqueire <strong>de</strong> trigo, uma gallinha; e ração,<br />

(b) (a) L. Rogron I. P. Co<strong>de</strong> 2, C. <strong>de</strong>8. Commerce S. 642. Art. Iro.<br />

• •••<br />

#


.<br />

• •<br />

•<br />

• - •<br />

•<br />

( 359 )<br />

quando é uma porção <strong>de</strong> fructos, v. g., a<br />

te, etc, -<br />

tracto emphyteutico: |-<br />

oitava par<br />

Destas <strong>de</strong>finições se vê, que é da essencia do con<br />

1.° Que o seu objecto seja um prédio, i. é, uma<br />

cousa immovel, ou seja prédio rustico, ou urbano, culto,<br />

ou inculto. • •<br />

a." Que o canon seja em reconhecimento do do<br />

minio directo; porque se fosse como preço dos fructos, o<br />

contracto seria locação e conducção.<br />

issº 3." Que o senhorio se obrigue a entregar o prazo<br />

ao foreiro. -<br />

-<br />

4.*. Que o foreiro se obrigue ao pagamento do ca- ,<br />

#OI], / , , , , - - •<br />

Assim o lau<strong>de</strong>mio, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> prelação, a quanti<br />

da<strong>de</strong> do fôro, a obrigação <strong>de</strong> melhorar o prazo, etc.,<br />

etc., tes dasão vonta<strong>de</strong> cousasdos acci<strong>de</strong>ntaes pactuantes. do aforamento, e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m<br />

-<br />

Celebrado o contracto emphyteutico, todos os direi<br />

tos, que ficão pertencendo ao senhorio, constituem o seu<br />

dominio constituem directo; o dominio e aquelles, util. que pertencem ao foreiro,<br />

•<br />

Pelos princípios, que estabelecemos, quando tractá<br />

mos da locação e conducção, se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir a questão<br />

das esterilida<strong>de</strong>s na emphyteuse. -<br />

* Muitas são as divisões, que os JCtos fazem da em<br />

phyteuse, diversas as suas naturezas, e complicadissimas<br />

as regras, que se applicão a cada uma d’ellas, para se <strong>de</strong><br />

cidirem as infinitas questões, que occorrem n’esta mate<br />

ria. Deixamos esta dóutrina ao Direito Positivo e aos<br />

saír JCtos: <strong>de</strong> similhante a simplicida<strong>de</strong> labyrintho. <strong>natural</strong> não subministra fio para<br />

……… § 549 e 55o.<br />

- Principia Martini a tractar da socieda<strong>de</strong>, a que cha<br />

ma <strong>de</strong> negocio, para differença das socieda<strong>de</strong>s menores,<br />

ou fundamentaes, <strong>de</strong> que havemos <strong>de</strong> falar a seu tempo.<br />

A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> negocio em geral pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se o con<br />

tracto, pelo qual duas, ou mais pessoas põem em com<br />

1num cousas ou obras com o fim <strong>de</strong> dividirem os lucros<br />

entre si.<br />


- - ,<br />

- - - :<br />

(360 )<br />

Os pactuantes chamão-se socios ou ossociados; e se<br />

algum foi pelos socios encarregado da administração dos<br />

negocios da socieda<strong>de</strong>, diz-se administrador.<br />

A socieda<strong>de</strong> divi<strong>de</strong>-se em universal, ou <strong>de</strong> todos os<br />

bens, quando os socios pactuão metter em commum to<br />

dos os seus bens e industria, v. g., entre nós a socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> marido e mulher, que casão <strong>segundo</strong> o costume do<br />

Reino; geral, ou universal <strong>de</strong> ganhos, quando os socios<br />

ajustão pôr em commum as suas obras e negocios, i. é,<br />

todos os ganhos por qualquer titulo acquiridos, mas sem<br />

communicação da proprieda<strong>de</strong> dos bens, com que cada<br />

um entra para a socieda<strong>de</strong>; e particular, quando osso<br />

cios põem em commum cousas, ou obras <strong>de</strong>terminadas,<br />

ou quando tem por fim certa e <strong>de</strong>terminada empresa, ou<br />

o exercicio d'algum officio, ou profissão. : …"<br />

A socieda<strong>de</strong> particular contém no commercio diffe<br />

rentes especies e <strong>de</strong>nominações, companhia, socieda<strong>de</strong><br />

em<br />

coin<br />

conta<br />

firma,<br />

<strong>de</strong> participação,<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

parcaria,<br />

capital e industria,<br />

etc.<br />

socieda<strong>de</strong><br />

* • • •<br />

Martini dá quatro regras ácerca das socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

negocio: - , , º "..…<br />

I. Não é socio aquelle, que ou nada confere para a<br />

socieda<strong>de</strong>, ou não tem <strong>direito</strong> a parte alguma dos lucros.<br />

" … Esta regra é commum a todas as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ne<br />

gocio, e pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se nas seguintes:<br />

* .…<br />

. 1." Que cada socio contribua para a socieda<strong>de</strong> com<br />

algum dinheiro, cousa, trabalho, ou industria. "… . .<br />

e ganhos, 2." Que todos os* socios #" tenhão • * quinhão , " …; nas… perdas ii: :<br />

' ' 3." Que o objecto da socieda<strong>de</strong> seja licito.… " "<br />

4.". Que o administrador, ou socio gerente seja obri<br />

gado a dar contas da sua administração. …… e 1 · ·<br />

II. Na socieda<strong>de</strong> universal <strong>de</strong> todos os bens é na<br />

tural, que não só sejão communs todos os lucros, senão<br />

ainda os capitaes, e que, dissolvida a socieda<strong>de</strong>, os qui<br />

nhões sejão arithmeticamente iguaes, i. é, por cabeça,<br />

posto que um dos socios contribuisse com mais para a<br />

socieda<strong>de</strong>, do que o outro, ou este por justa causa gastas<br />

se mais do que aquelle. • : : :<br />

"… Martini diz com razão—énatura?— porque os pa<br />

culantes po<strong>de</strong>m convencionar o contrario, v.g., que a


- 2.°<br />

(361 )<br />

socieda<strong>de</strong> seja sómente da proprieda<strong>de</strong> dos bens presen<br />

tes, e não da dos bens futuros, e neste caso não se com<br />

municão as heranças, legados ou doações futuras. Tam»<br />

bem po<strong>de</strong>m os pactuantes ajustar outro modo <strong>de</strong> divi<br />

são, lucros. quer das capitaes conferidos á socieda<strong>de</strong>, quer dos<br />

- •<br />

III. Na socieda<strong>de</strong> geral, ou universal <strong>de</strong> ganhos,<br />

se na socieda<strong>de</strong> particular é <strong>natural</strong> que os quinhões dos<br />

lucros e perdas sejão geometricamente iguaes, i. é, na<br />

proporção daquillo, com que cada socio contribuio para<br />

a socieda<strong>de</strong>: os capitaes porém, com que se formou a so<br />

cieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem ser restituidos a seus donos.<br />

A esta regra importa accrescentar as seguintes:<br />

1.° No caso <strong>de</strong> dúvida, se a socieda<strong>de</strong> universal é <strong>de</strong><br />

todos os bens, ou sómente <strong>de</strong> todos os ganhos, <strong>de</strong>ve pre<br />

sumir-se e enten<strong>de</strong>r-se que é <strong>de</strong> todos os ganhos sómen<br />

te; porque, ten<strong>de</strong>ndo a socieda<strong>de</strong> a <strong>de</strong>spojar os socios da<br />

sua proprieda<strong>de</strong>, e do lívre alvedrio <strong>de</strong> dispêr d’ella, é<br />

razão, que se entenda o mais restrictamente possivel. •<br />

2. Na socieda<strong>de</strong> universal <strong>de</strong> todos os bens ou <strong>de</strong><br />

todos os ganhos (se a divisão dos lucros for por cabeça)<br />

sómente po<strong>de</strong>m ser socios aquelles, que forem capazes <strong>de</strong><br />

doar; porque sendo diversas as entradas dos socios em<br />

capitaes, ou industria, aquelle modo <strong>de</strong> divisão conven<br />

cionado equival a uma doação, que faz o socio, que<br />

<strong>de</strong>vêra receber mais, e se contenta em receber menos.<br />

IV. A socieda<strong>de</strong>, assim como todos os <strong>de</strong>mais con<br />

tractos, <strong>de</strong>ve durar por todo o tempo convencionado, e<br />

nenhum socio pó<strong>de</strong> renunciar á socieda<strong>de</strong> contra vonta<br />

<strong>de</strong> do outro, que observa as condições do contracto.<br />

A doutrina <strong>de</strong>sta regra pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se nas re<br />

gras seguintes:<br />

1. A socieda<strong>de</strong> começa no momento do contracto,<br />

excepto se os socios convencionarem outra cousa.<br />

Se os socios não ajustão tempo <strong>de</strong>terminado<br />

para a duração da socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ve julgar-se vitalicia, ex<br />

cepto se o seu objecto é um negocio <strong>de</strong> duração limitada;<br />

porque então <strong>de</strong>ve durar pelo tempo necessario para o .<br />

concluir.<br />

3." Se o tempo for limitado, ou pelo contracto,<br />

ou pela natureza do negocio, o socio não pó<strong>de</strong> renunciar


-<br />

(362 )<br />

á socieda<strong>de</strong> contra vonta<strong>de</strong> do outro socio, excepto se<br />

este faltar ás condições do contracto, ou se por doença ha<br />

bitual, ou por outras causas se tornar inhabil para a so=<br />

cieda<strong>de</strong>; porque, sendo a socieda<strong>de</strong> um contracto igual,<br />

só justificados motivos. po<strong>de</strong>m dar <strong>direito</strong> a um socio a<br />

saír da socieda<strong>de</strong>, ou a dal-a por dissolvida. *<br />

4. Nas socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tempo illimitado pó<strong>de</strong> qual<br />

quer socio renunciar á socieda<strong>de</strong>, com tanto que o faça<br />

em boa fé, i. é, sem intento <strong>de</strong> fugir ás perdas, e quan<br />

do não haja negocio começado, que importa levar ao<br />

fim. Esta regra é fundada no favor, que merece a liber<br />

da<strong>de</strong> <strong>natural</strong> do homem, que ficaria coarctada, se o so<br />

cio fosse forçado a permanecer por toda a vida na socie<br />

da<strong>de</strong>. . … •<br />

• * * * ;* •<br />

5." Acaba a socieda<strong>de</strong>: 1.° quando expira, o tempo<br />

do contracto: 2.° se perece a cousa, que é objecto da<br />

socieda<strong>de</strong>, v. g., se o navio se per<strong>de</strong>o no mar: 3." pela<br />

morte d'algum dos socios: 4." pela renuncia nos termos,<br />

que dissemos: 5.° consummado que seja o negocio, para<br />

que foi estabelecida. é , , , !<br />

$. 551,<br />

Contractos aleatorios são aquelles, cujos effeitos,<br />

quanto á perda, ou ganho, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m d'um aconte<br />

cimento d'elles: incerto. º Martini estabelece duas regras ácerca<br />

* * * - - - - •<br />

I." Se algum dos pactuantes tem certeza ácerca do<br />

evento, que para os outros pactuantes é incerto, o con<br />

tracto <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> ser aleatorio. * *<br />

2." Os contractos aleatorios são validos, uma vez que<br />

os pactuantes tenhão <strong>direito</strong> a dispôr dos seus bens, e<br />

com tanto que estes contractos tenhão um objecto ho<br />

nesto, v. g., a compra do lanço da re<strong>de</strong> por certo preço,<br />

§ 552.<br />

Os pactos aleatorios po<strong>de</strong>m ser beneficos ou onerosos.<br />

Porém para nestes haver a necessaria igualda<strong>de</strong>, é mister,<br />

que o risco da perda e a esperança do ganho sejão pro<br />

porcionados, e que não haja dólo, ou frau<strong>de</strong>.


•<br />

(363)<br />

º Esta igualda<strong>de</strong> calcula-se pela probabilida<strong>de</strong> do even<br />

que to e se pela pó<strong>de</strong> proporção ganhar. entre o valor • •<br />

arriscado, e o valor,<br />

- -<br />

$. 553.<br />

* Refere Martini algumas especies <strong>de</strong> contractos aleato<br />

rios mais usados.<br />

1.° Compra da esperança, que é o contracto, em<br />

que se compra a esperança d'alguma cousa, cuja existen<br />

cia é casual, v. g., quando se compräo os peixes, que<br />

tirar o lanço da re<strong>de</strong>, as perdizes, que o caçador matar<br />

n'um dia, etc. -<br />

\ Neste contracto nem o comprador se pó<strong>de</strong> queixar<br />

<strong>de</strong> nada receber, nem o ven<strong>de</strong>dor <strong>de</strong> dar muito. Ambos se<br />

entregárão á sorte, que repelle toda a idêa <strong>de</strong> lesão. As<br />

sim, seja qual for o resultado, o comprador <strong>de</strong>ve o preço<br />

por inteiro, nem mais nem menos, e o ven<strong>de</strong>dor tudo o<br />

que foi objecto da esperança.<br />

, , , 2.° Lateria é o contracto, pelo qual se compráo bi<br />

lhetes, para pela sórte se <strong>de</strong>cidir, quaes serão premiados<br />

se com quanto, e quaes não. Para haver igualda<strong>de</strong> neste<br />

contracto, é mistér, que o dono da empresa, ou o que<br />

faz a loteria, faça tantos e taes prémios, que a sua somma<br />

total seja igual à somma do preço <strong>de</strong> todos os bilhetes,<br />

<strong>de</strong>duzidas as <strong>de</strong>spesas da empresa.<br />

O empresario é obrigado a fazer extrahirº por sorte<br />

fielmente e sem dólo os bilhetes, e a pagar os prémios<br />

-<strong>de</strong>signados pela sorte. E os compradores dos bilhetes são<br />

obrigados a estar pela <strong>de</strong>cisão da sorte, ou sáião, ou não<br />

sáião premiados os seus bilhetes. - "<br />

º 3." A urna da fortuna, que é o contracto, em que<br />

se compräo um ou mais bilhetes dos que se achão <strong>de</strong>ntro<br />

d'uma urna, ou sacco, uns <strong>de</strong>signando certos prémios,<br />

e outros brancos, com a condição <strong>de</strong> serem extrahidos<br />

por sorte, e tanto o comprador, como o ven<strong>de</strong>dor, ficarem<br />

sujeitos á sua <strong>de</strong>cisão. - -<br />

Neste contracto, para se conhecer a igualda<strong>de</strong>, cum<br />

pre atten<strong>de</strong>r ao preço dos bilhetes, ao numero dos que se<br />

achão na urna premiados e não premiados, e ao valor<br />

dos prêmios, para se achar a proporção entre a esperança


• -<br />

(36%)<br />

do ganho e o risco da perda. Esta operação é difficil, e<br />

por isso ordinariamente o empresario illu<strong>de</strong> os comprado<br />

res dos bilhetes. •<br />

Ha outras especies <strong>de</strong> loterias, v. g., a rifa, roda<br />

da fortuna , etc.<br />

4.". Seguro é o contracto, pelo qual alguem se obri<br />

ga, mediante certo preço, a in<strong>de</strong>mnizar a outrem d'uma<br />

perda, ou da privação d'um lucro esperado, que pó<strong>de</strong><br />

resultar-lhe d'um evento incerto. .***<br />

Aquelle, que se obriga á in<strong>de</strong>mnização, diz-se segura<br />

dor; aquelle, que tem <strong>direito</strong> á in<strong>de</strong>mnização, diz-se se<br />

gurado; o preço diz-se prémio do seguro; e o instrumento<br />

do seguro diz-se apolice <strong>de</strong> seguro.<br />

O seguro divi<strong>de</strong>-se em terrestre, e maritimo, <strong>segundo</strong><br />

os objectos segurados correm risco na terra, ou no mar<br />

Cada uma <strong>de</strong>stas especies se subdivi<strong>de</strong> em outras muitas,<br />

que a estreiteza do tempo não soffre referir e examinar.<br />

Neste contracto, verda<strong>de</strong>iramente aleatorio, correm<br />

risco tanto o segurador, como o segurado. O segurador ga<br />

nha o prémio, ainda que não haja prejuizo; porém haven<br />

do-o, <strong>de</strong>ve in<strong>de</strong>mnizal-o. O segurado, não havendo pre<br />

juizo, paga inutilmente o prémio; porém havendo-o, é<br />

in<strong>de</strong>mnizado.<br />

Tres são pois os requisitos essenciaes <strong>de</strong> toda a espe<br />

cie <strong>de</strong> seguro: 1.° uma cousa segurada: 2.° o risco, a<br />

que essa cousa seja exposta: 3.° um prémio convenciona<br />

do para o segurador.<br />

5." Decisão por sorte é o contracto, em que os pa<br />

ctuantes ajustão <strong>de</strong>cidir pela sorte algum negocio. Diz-se<br />

sorte a cousa, <strong>de</strong> cuja <strong>de</strong>terminação fortuita <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> algu<br />

rua <strong>de</strong>cisão, ou tenha por fim a escolha <strong>de</strong> uma <strong>de</strong> duas<br />

cousas, ou a adjudicação <strong>de</strong> uma cousa a um dos que a<br />

preten<strong>de</strong>m, ou nas partilhas a assignação do quinhão,<br />

com que ha <strong>de</strong> ficar cada um dos socios, ou coher<strong>de</strong>iros.<br />

6.". O censo, que é um contracto, pelo qual um pa=<br />

ctuante, ou dando o dominio d'um prédio, ou por certo<br />

preço, ou gratuitamente, obtem certa pensão annual, que<br />

outro se obriga a pagar-lhe. Aquelle, que recebe a pen<br />

são, diz-se censuista; aquelle, que a paga, diz-se censua<br />

rio; a pensão tambem se diz censo.<br />

, . Os JCtos divi<strong>de</strong>m o censo <strong>de</strong> muitos modos. Porém


- Dos<br />

( 365 )<br />

Ao censo sómente pó<strong>de</strong> entrar na especie dos contractos<br />

aleatorios, quando é vitalicio; e pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se o contra<br />

cto, pelo qual alguem se obriga a dar a outro certa pen<br />

são durante a sua vida. A morte é um evento incerto,<br />

•<br />

que torna 7. Oojogo contracto é a convenção, aleatorio. em que os pactuantes<br />

ajustão, que aquelle, que per<strong>de</strong>r, dará ao outro certa<br />

*COUlSas • +<br />

O Sr. Fortuna <strong>de</strong>fine jogo o contracto, em que os<br />

#pactuantes convencionáo, que certo ganho, ou perda<br />

pertencerá áquelle, <strong>de</strong> cuja parte se verificar certa con<br />

dição (a).<br />

jogos uns são mais d'industria, do que d'azar,<br />


(366 )<br />

"fracção da Lei, que Deos prescreveo á vida social e indí<br />

vidual do homem. Unicamente no <strong>estad</strong>o imperfeito da<br />

socieda<strong>de</strong> é que pó<strong>de</strong> ser bom recordar em certas cir<br />

cumstancias á conseiencia dos homens, que as obrigações<br />

da Moral e da Justiça são tambem as da verda<strong>de</strong>ira Reli<br />

gião. Porém as fórmulas do juramento <strong>de</strong>vem ser isentas<br />

das idêas grosseiras, que os honens se tem formado da<br />

Divinda<strong>de</strong>; porque o homem, que tem idêas mais eleva<br />

se dasa ellas maisempuras boa aconsciencia este respeito, (a).» não po<strong>de</strong>rá submetter<br />

• +<br />

§ 569., 57o. e 571.<br />

Principia Martini a tractar das seguranças dos con<br />

tractos. As garantias po<strong>de</strong>m-se reduzir aos empenhos e á<br />

fiança. Diz-se empenha em geral o contracto, pelo qual<br />

alguem entrega ao seu crédor uma cousa, ou pelo me<br />

nos lhe confere <strong>direito</strong> sobre ella, para segurança da sua<br />

divida. O empenho divi<strong>de</strong>-se em pênhor, hypotheca, e<br />

penhor antichretico.<br />

Penhor é o contracto, pelo qual alguem entrega a<br />

um crédor uma cousa movel, para que, não se pagando<br />

divida, o crédor se possa pagar por aquella. º<br />

Pelo penhor acquire o crédor, não o dominio sobre<br />

a cousa empenhada, mas um <strong>direito</strong> real a ser pago pelo<br />

seu valor com preferencia a outro qualquer crédor. Por<br />

tanto o crédor é, para assim dizer, um <strong>de</strong>positario da<br />

cousa, e não pó<strong>de</strong> usar d’ella. Só na falta <strong>de</strong> pagamento<br />

pó<strong>de</strong> usar do <strong>direito</strong> real, ven<strong>de</strong>ndo a cousa, pagando-se,<br />

e restituindo o resto do preço, paga a divida, ao dono<br />

do penhor. |- •<br />

O crédor é responsavel pelas <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s da cousa<br />

empenhada, quando foi negligente; e paga a divida é<br />

obrigado a restituir o penhor a seu dono.<br />

O <strong>de</strong>vedor é obrigado a pagar ao crédor as <strong>de</strong>spesas<br />

necessarias e uteis, que este fez para sua conservação e<br />

augmento do penhor; e não pó<strong>de</strong> pedir a restituição da<br />

cousa empenhada, senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> paga toda a divida.<br />

Hypotheca é o contracto, pelo qual alguem empe<br />

(b) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Spéc. Div. 2. P. 1. S. 2.


•<br />

(365 )<br />

nha uma cousa immovel, que fica em seu po<strong>de</strong>r, para<br />

garantia do cumprimento da obrigação. Differe do pe<br />

nhor em que este tem por objecto uma cousa movel en<br />

tregue ao crédor, e a hypotheca uma cousa immovel, que<br />

fica em po<strong>de</strong>r do <strong>de</strong>vedor. Pela hypotheca acquire o cré<br />

pago dor sobre coin apreferencia cousa hypothecada a outros crédores. um <strong>direito</strong> real, para ser<br />

• #<br />

Penhor antichretico é o contracto, pelo qual se en<br />

trega ao crédor uma cousa movel, ou immovel, para<br />

que possa usar d’ella e fruil-a em pagamento dos juros e<br />

capital empr<strong>estad</strong>o.<br />

São applicaveis a este contracto as regras seguintes:<br />

gifera. 1.° E necessario, que a cousa empenhada seja fru<br />

, º •<br />

2." O crédor, paga a divida pelos fructos, <strong>de</strong>ve en<br />

tregar a cousa e os sobejos daquelles. Se porém não che<br />

gárão os fructos para o pagamento da divida, e o <strong>de</strong>ve<br />

dor quizer levantar o penhor, <strong>de</strong>ve primeiro pagar o que<br />

falta.<br />

•<br />

3. O crédor é obrigado a dar contas dos fructos ao<br />

dono do penhor. • . • + 1<br />

4." O erédor é responsavel pelos fruetos, que <strong>de</strong>i<br />

xar <strong>de</strong> receber, e pelas <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s da cousa empe<br />

nhada, intervindo culpa ou dólo por sua parte.<br />

São communs a todos os empenhos as regras seguin<br />

teS : |-<br />

1." A cousa empenhada <strong>de</strong>ve ser daquelle, que a<br />

empenha, alias o empenho será nullo por falta <strong>de</strong> di<br />

FC1tG. • - ,<br />

2." Aquelle, que empenha, <strong>de</strong>ve ter capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

dispôr <strong>de</strong> seus bens; porque no empenho ha transferen<br />

cia <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s. • • •<br />

, 3.°. A cousa empenhada <strong>de</strong>ve ter um valor equiva<br />

lente pelo menos á divida, para ser verda<strong>de</strong>ira garantia<br />

Porém, se valer menos, nem por isso o crédor per<strong>de</strong> o<br />

seu <strong>direito</strong> a ser pago do resto; porque subsiste a obri<br />

tracto gação do empenho. contracto principal, a que foi adjecto o con<br />

•<br />

4." O crédor pelo <strong>direito</strong> real pó<strong>de</strong> reivindicar o pe<br />

nhor <strong>de</strong> qualquer possuidor, e pedir o pagamento da sua<br />

divida a qualquer possuidor da cousa empenhada.


(368)<br />

5." Perecendo a consa empenhada, não per<strong>de</strong> o<br />

crédor a sua divida; porquê subsiste a primeira obriga<br />

ção do contracto principal.<br />

6." Perecendo casualmente a eousa empenhada, pe<br />

rece por conta do <strong>de</strong>vedor, que é senhor <strong>de</strong>lla. O cré<br />

dor não tem dominio, mas sómente o <strong>direito</strong> real a ser<br />

pago com preferencia a outros crédores.<br />

S. 573,<br />

Fiança é o contracto, pelo qual alguem se obriga a<br />

pagar o que outrem <strong>de</strong>ve, não pagando o originario <strong>de</strong><br />

vedor.<br />

- •<br />

Tambem pó<strong>de</strong> o fiador obrigar-se a pagar, sem ser<br />

primeiro obrigado o originario <strong>de</strong>vedor; porém então<br />

chama-se fiador e principal pagador. Neste caso o crédor,<br />

tem a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pedir o pagamento da divida ou ao<br />

originario <strong>de</strong>vedor, ou ao fiador e principal pagador. Po<br />

rém, se este pagou a divida, tem <strong>direito</strong> a ser embolsado<br />

por aquelle.<br />

Na simples fiança tem lugar as regras seguintes:<br />

I. O crédor tem dous <strong>de</strong>vedores: um principal,<br />

que é o originario <strong>de</strong>vedor pelo primeiro contracto; e<br />

outro secundario, que é o fiador pelo <strong>segundo</strong> contracto.<br />

II. O fiador não pó<strong>de</strong> ser ºbrigado pelo crédor ao<br />

pagamento, senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> excutidos os bens do princi<br />

pal <strong>de</strong>vedor. A este <strong>direito</strong> do fiador chama-se benefício<br />

da or<strong>de</strong>m.<br />

III. O fiador, que pagou a divida, fica subrogado.<br />

no <strong>direito</strong> do crédor, e pó<strong>de</strong> pedir ao principal <strong>de</strong>vedor<br />

tudo o que pagou, ainda que este prove ter já pagº<br />

parte da divida; porque <strong>de</strong>via <strong>de</strong>clarar ao seu fiador os<br />

pagamentos, que tinha feito, para que elle os não rei<br />

tCTaSSC.<br />

-<br />

•<br />

IV. Se o <strong>de</strong>vedor não tem com que in<strong>de</strong>mnize ao<br />

fiador, que pagou a divida, este tem ainda <strong>direito</strong> contra<br />

os outros confiadores, para que lhe pague cada um a"sua<br />

parte da divida.<br />

Os contractos dos empenhos e da fiança são accesso<br />

rios e adjectos a outros principaes, e não po<strong>de</strong>m por isso<br />

subsistir sem aquelles. Por tanto são applicaveis a todos<br />

estes contractos as regras seguintes:


( 369 )<br />

1.° Todas as vezes que for nullo o contracto prin<br />

cipal, nullos são tambem estes contractos accessorios.<br />

2." As obrigações, que resultão <strong>de</strong>stes contractos<br />

accessorios, não po<strong>de</strong>m exten<strong>de</strong>r-se além dos limites da<br />

obrigação<br />

exce<strong>de</strong>nte.<br />

do contracto principal; alias serão nullas no<br />

•<br />

3." Extincta a obrigação principal, extingue-se a<br />

obrigação accessoria.<br />

4° As obrigações accessorias extinguem-se pelos<br />

mesmos modos, pelos quaes se extinguem as obrigações<br />

principaes. Porém <strong>de</strong>sta materia vamos tratar no Cap.<br />

seguinte.<br />

—--—==>


*<br />

(37o )<br />

. A extincção verifica-se: 1.° pelo pagamento: 2;"pe<br />

la compensação: 3." pela offerta: 4." pelo perecimento.<br />

da cousa: 5" pelo efeito da condição resolutiva: 6 ' pelo<br />

mutuo dissenso: 7," pela remissão e perdão, da divida:<br />

8." pela novação: 9." pela confusão: 1o." pela morte. »<br />

Vamos examinar cada um <strong>de</strong>stes modos d'extinguir:<br />

as obrigações. , |-<br />

§ 576.<br />

Pagar é dar aquillo, que se <strong>de</strong>ve: pagamento pois<br />

é o acto, pelo qual se dá aquillo, que se <strong>de</strong>ve a outrem.<br />

O pagamento é um modo d'extinguir as obrigações; por-.<br />

que o <strong>direito</strong> do crédor fica satisfeito, e cessa; e como<br />

são correlativos <strong>direito</strong>s e obrigações, e não po<strong>de</strong>m existir,<br />

uns sem as outras, é evi<strong>de</strong>nte que, cessando o <strong>direito</strong><br />

do crédor, se dissolve tambem a obrigação do <strong>de</strong>vedor.<br />

Acerca do pagamento importa observar as regras se<br />

guintes: •<br />

* * , * #<br />

r." Sómente se verifica verda<strong>de</strong>iro pagamento, quan<br />

do se paga tudo, no lugar, e tempo, e pelo modo <strong>de</strong>vido: ,<br />

v. g., prometti dar vinte moédas, em Lisboa, em dia <strong>de</strong><br />

S. João, e em ouro; sómente satisfazendo a todos estes<br />

. requisitos, tenho pago, e cumprido a minha obrigação.<br />

2." O pagamento não se verifica, dando uma cousa,<br />

por outra; porque as obrigações não po<strong>de</strong>m ser revoga<br />

das nem modificadas pelo livre alvedrio da pessoa obriga<br />

da. Esta regra porém tem duas excepções: 1.° se o cré-.<br />

dor consentir; porque então dá-se o mutuo dissenso, <strong>de</strong><br />

que logo fallaremos: 2." se o verda<strong>de</strong>iro pagamento se,<br />

tornar impossivel, e subsistir a obrigação <strong>de</strong> dar o equi<br />

valente nós termos, que dissemos (a) . . . . . {<br />

3." O crédór não pó<strong>de</strong> ser compelido a acceitar o ,<br />

pagamento <strong>de</strong> parte da divida. O <strong>de</strong>vedor é obrigado á<br />

divida toda, e não a parte <strong>de</strong>lla. Excepto se no contracto<br />

se estipulou, que o <strong>de</strong>vedor po<strong>de</strong>ria pagar por parcellas.<br />

. O <strong>de</strong>vedor <strong>de</strong> cousa certa e <strong>de</strong>terminada paga, en<br />

tregando a cousa no <strong>estad</strong>o, em que se achar ao tempo,<br />

em que é <strong>de</strong>vido a pagamento; porque, tendo o crédor<br />

o dominio sobre # todo o risco e prejuizo casual cor<br />

(a) S. 586, e 462.<br />

• TG


(371 ) | $<br />

repor sua conta. (a), excepto se as déteriorida<strong>de</strong>s forão<br />

causadas por culpa ou dólo do <strong>de</strong>vedor.<br />

5. As <strong>de</strong>spesas do pagamento, v. g., do transpor<br />

te da cousa para ser entregue no lugar convencionado,<br />

são por conta do <strong>de</strong>vedor; porque é obrigado á entrega<br />

da cousa, e por isso aos meios para ella se verificar.<br />

§ 577.<br />

Compensação é o pagamento reciproco e fictício,<br />

que se opéra entre duas pessoas, que são ao mesmo tem<br />

pu <strong>de</strong>vedoras uma á outra. O pagamento por compen<br />

sação é fundado no interesse d’ambas as partes; porque<br />

cada uma <strong>de</strong>llas tem conveniencia antes em compensar,<br />

do que em pagar e pedir <strong>de</strong>pois o que a ontra lhe <strong>de</strong>ve.<br />

A compensação evita um circulo inutil <strong>de</strong> pagamentos.<br />

Aquelle, que compensa, diz Martini, paga brevi manu,<br />

porque cada um dos <strong>de</strong>vedores <strong>de</strong>clara que paga com o<br />

que o outro lhe <strong>de</strong>ve (b). •<br />

Regras relativas á compensão:<br />

-<br />

1. Só po<strong>de</strong>m compensar-se dividas equivalentes,<br />

i. é, do mesmo genero. Com estas palavras do mesmº<br />

genero quer dizer Martini, que os objectos das obrigações:<br />

sejão cousas fungiveis. Tambem concordamos com esta<br />

doutrina, enten<strong>de</strong>ndo-se por cousas fungiveis o que já<br />

dissemos (c); porque, só as cousas fungiveis po<strong>de</strong>m ser<br />

equivalentes, e perfeitamente substituidas umas pelas"<br />

outras, sendo da mesma quantida<strong>de</strong> e bonda<strong>de</strong>.<br />

2.°. Não pó<strong>de</strong> compensar-se uma divida liquida,<br />

i. é, ácerca da qual consta o que, o quanto, e qual se<br />

<strong>de</strong>ve, com outra illiquida, v.g., proveniente <strong>de</strong> perdas<br />

e damnos, cuja quantida<strong>de</strong> ainda não foi <strong>de</strong>terminada,<br />

ou se duvída da existencia da óbrigação <strong>de</strong> pagar.<br />

3." Não tem lugar a compensação <strong>de</strong> factos com,<br />

factos, d'um genero com outro ou com a especie; por--<br />

que não são dividas liquidas, visto que é mister ainda<br />

<strong>de</strong>terminar os valores <strong>de</strong> cada uma das cousas, que por<br />

sua natureza não são equivalentes,<br />

•<br />

••••<br />

(a) S. 466.<br />

(b) S. 465. …<br />

(c) $ 505. •<br />

II. 24<br />

•<br />

4


{ 372 );<br />

4° Não tem lugar a compensação entre uma divida<br />

exigivel e outra, que o não é ainda, por estar sujeita 3 COñº"<br />

dição suspensiva; porque não haveria verda<strong>de</strong>ira igualda<strong>de</strong>.<br />

5." A divida maior fica paga pela compensação com<br />

a menor em concorrente quantia, i. é, até uma quanti<br />

da<strong>de</strong> igual á da menor: v. g., <strong>de</strong>vo a Pedró vinte moé<br />

das, e ele a mim <strong>de</strong>z; a minha divida fica compensada em<br />

<strong>de</strong>z inoédas, e só fico <strong>de</strong>vendo outras <strong>de</strong>z.<br />

§ 578.<br />

Martini sustenta, que a offerta do pagamento, não<br />

sendo acceitada pelo crédor, extingue a obrigação do <strong>de</strong><br />

vedor, e argumenta <strong>de</strong>ste modo:—Assim como o <strong>de</strong>vedor,<br />

que não paga quando chega o termo marcado, ou quando<br />

o credor lh'o pe<strong>de</strong>, fica constituido em móra, e é obri<br />

gado a reparar o damno; assim tambem o crédor, que<br />

<strong>de</strong>ixa d'acceitar, sem justa cansa, o pagamento of<br />

ferecido pelo <strong>de</strong>vedor, fica constituído em mórá, e o<br />

damno proveniente da omissão <strong>de</strong> acceitar a cousa só<br />

a elle <strong>de</strong>ve ser imputado, e por isso o <strong>de</strong>vedor fica<br />

<strong>de</strong>sligado da obrigação do pagamento. — Não vemos,<br />

que a conclusão seja necessaria; porque não está <strong>de</strong>mon<br />

strado, que o perdimento do <strong>direito</strong> do crédor seja neces<br />

sariamente o damno resultante da móra da acceitação.<br />

Se o crédor não só sem justa causa, sênão ainda sem<br />

allegar <strong>de</strong>sculpa alguma, não acceitá o pagamento, pare<br />

ce-nos razão, que a obrigação do <strong>de</strong>vedor se extingua,<br />

porque, querendo todo o homen, o que lhe é util, o cré<br />

dor, que não acceita um bom e verda<strong>de</strong>iro pagamento,<br />

tacitamente faz remissão do seu <strong>direito</strong>, é a remissão,<br />

como veremos, extingue as obrigações. Se pórém o crédor<br />

não acceita, allegando algum fanda nento, aínda que<br />

realmente injusto, então não pó<strong>de</strong> presumir-se renúncia<br />

- da sua parte, e cumpre que o <strong>de</strong>vedor o convença pri<br />

meiro da injustiça, com que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> acceitar, pelos<br />

modos, que veremos a seu tempo (a). O da inno, que<br />

nesta hypothese <strong>de</strong>ve ser imputado ao crédor pela móra<br />

em acceitar, serão todas as <strong>de</strong>spesas e perdas, que o <strong>de</strong>ve<br />

(a) Cap. 23.


: (373)<br />

dor sofrer em conservar e guardar a consa, e em comº<br />

vencer o crédor da injustiça, com que rejeita o pagamen.<br />

to, etc. -<br />

•<br />

K -<br />

§. 579.<br />

Se perece a cousa, objecto da obrigação, extingue-se<br />

esta ? Ou a cousa é em especie, i. é, certa e immediata<br />

na ente singular, ou é só em genero, ineerta e mediata<br />

in ente singular (a). No primeiro caso o pereeimento da<br />

cousa certo extingue a obrigação da restituição, porque a<br />

stra prestação é impossivel; não cabe nas forças do homem<br />

dar o que não existe. Subsistirá porém a obrigação <strong>de</strong> satis<br />

fazer o equivalente ? Ou a cousa immediatamente singu -<br />

lar pereceo casualmente, ou por culpa ou dólo do <strong>de</strong>vedor.<br />

Se pereceo casualmente, como o <strong>direito</strong> sobre similhantes<br />

cousas, que se <strong>de</strong>vem, pertence ao crédor, a cousa pe<br />

rece por sua conta—ressuo domino perit; — o senhor per<strong>de</strong><br />

o seu <strong>direito</strong>, porque este não pó<strong>de</strong> existir, <strong>de</strong>ixando<br />

d'existir o seu objecto; e visto como cessou o <strong>direito</strong> do<br />

crédor, dissolveo-se a obrigação do <strong>de</strong>vedor, pois são<br />

cousas correlativas. Se porém pereceo por culpa, ou dólo<br />

do <strong>de</strong>vedor, ou, como diz Martini, por facto injusto, o<br />

<strong>de</strong>vedor commette um damno moral, que <strong>de</strong>ve reparar,<br />

e por isso é obrigado á satisfacção.<br />

No <strong>segundo</strong> caso, i. é, sendo em genero a cousa,<br />

objecto da obrigação, como o crédor sómente acquire<br />

o dominio sobre ella pela tradição, a cousa não pó<strong>de</strong> pe<br />

recer por conta do crédor; subsiste o seu <strong>direito</strong>, e vigóra<br />

a obrigação do <strong>de</strong>vedor, v. g., se o <strong>de</strong>vedor tem obriga<br />

cão <strong>de</strong> dar um moio <strong>de</strong> trigo, e se foi roubado ou in<br />

cendiado o seu celleiro, subsiste a obrigação. Daqui vem<br />

a regra <strong>de</strong> Direito: — Nunquam genus perit.<br />

: O que dizemos, quando a cousa perece, é applicavel<br />

ao caso, em que ella se per<strong>de</strong>o <strong>de</strong> modo, que absoluta<br />

mente se ignora aon<strong>de</strong> existe, v. g., quando foi roubada.<br />

Importa porém observar, que com quanto o pere<br />

cimento da cousa extingue a obrigação, como acabamos<br />

<strong>de</strong> ver, todavia, se o crédor tinha outros <strong>direito</strong>s além<br />

do <strong>de</strong> pedir a restituição ou satisfacção <strong>de</strong>lla, v. g., o di<br />

(a) S. 466. e 467. …)


(374 )<br />

reito á in<strong>de</strong>mnização pelas <strong>de</strong>teriorida<strong>de</strong>s, e fructos-per<br />

cebidos, etc., estes <strong>direito</strong>s subsistem, apezar da cousa<br />

perecer, e vigorão as obrigações do <strong>de</strong>vedor, que lhe são<br />

relativas.<br />

• §. 58o.<br />

Aquelle, que se obriga até certo tempo, durante<br />

certo <strong>estad</strong>o, ou <strong>de</strong>baixo d'uma condição suspensiva, che<br />

gando o tempo, mudando-se o <strong>estad</strong>o, ou faltando a<br />

condição , fiea isento da obrigação; porque ninguem é<br />

obrigado a mais, do que foi sua vonta<strong>de</strong>, <strong>de</strong>clarada na<br />

convençao.<br />

O que dizemos da condição suspensiva, quando falta, é<br />

applicavel á condição resolutiva, quando se verifica (a).<br />

A obrigação durante certo tempo não se <strong>de</strong>ve con<br />

fundir com a obrigação a termo, i. é, com a obrigação,<br />

para se livrar da qual o <strong>de</strong>vedor tem convencionado certo<br />

espaço <strong>de</strong> tempo; porque neste tempo nem <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

existir a obrigação, nem suspen<strong>de</strong>, mas sómente se retarda<br />

a sua execução. E como o termo foi convencionado enr<br />

beneficio do <strong>de</strong>vedor, se este paga antes d’elle chegar, como<br />

que ce<strong>de</strong>o do seu <strong>direito</strong>, e não pó<strong>de</strong> repetir a cousa.<br />

- - §. 581.<br />

Pela perfidia dum pactuante, diz Martini, nos con<br />

tractos <strong>de</strong>siguaes extingue-se a obrigação do pactuante<br />

innocente; porque se subenten<strong>de</strong> em todos os contractos<br />

a condição— praestabo, si praestiteris. — A prestação<br />

d'um é subordinada á prestação do outro.<br />

Esta doutrina carece d'explicação. A perfidia d'um<br />

pactuante não extingue forçosamente a obrigação do pa<br />

etuante innocente; porque tambem extinguiria necessa<br />

riamente a obrigação do perfido. Dada a perfidia d’um, o<br />

outro pó<strong>de</strong> pelo seu <strong>direito</strong> perfeito compellil-o ao cum<br />

primento da obrigação, offerecendo-se a cumprir tambem<br />

a sua, ou pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> cumprir a sua pelas razões <strong>de</strong><br />

Martini. No primeiro caso subsistem ambas as obrigações;<br />

(…) S, 469.


no <strong>segundo</strong> dissolvem-se ambas, porque ha para isso o<br />

mntuo dissenso dos pactuantes (a).<br />

Ahrens (b) não admitte esta doutrina; porque o Ináo<br />

º proce<strong>de</strong>r d'um pactuante não pó<strong>de</strong> auctorizar o máo pro<br />

ce<strong>de</strong>r do outro. Quando um falta á sua promessa, o outro<br />

só pó<strong>de</strong> violental-o ao cumprimento da sua obrigação,<br />

ou pedir a in<strong>de</strong>mnização, quando por culpa, ou dólo o<br />

cumprimento se tornou impossivel. Ahrens só reputa<br />

legitima a resistencia d'um pactuante ao cumprimento da<br />

sua obrigação, ou como meio d'obrigar o outro a cum<br />

prir a sua, ou como in<strong>de</strong>mnização do damno, que por<br />

outro modo seria irreparavel. - •<br />

Não achamos na razão d'Ahrens a força necessaria<br />

para nos fazer <strong>de</strong>scer da nossa opinião. O máo proce<strong>de</strong>r<br />

d'um não auctoriza o máo proce<strong>de</strong>r do outro, quando se<br />

tracta <strong>de</strong> factos prohibidos por Direito, ou, para usar<br />

m os dos termos # Martini, quando se tracta <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

stricte taes, mas não é assim quando se tracta <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

permissivos, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes da liberda<strong>de</strong> do homem (c) Não<br />

é, em nosso enten<strong>de</strong>r, porque o perfido obrou mal,<br />

faltanto á sua obrigação, mas sim porque por esse facto<br />

} mostra não querer estar pelo contracto ; e se a este seu<br />

consentimento accrescer o do outro pactuante, temos o<br />

mutuo consentimento para <strong>de</strong>rogar o pacto, e dissolver<br />

as obrigações. A perfidia presuppõe proposito <strong>de</strong> não<br />

querer cumprir a obrigação; indica por tanto vonta<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> annullar o pacto, don<strong>de</strong> ella nasceo.<br />

} De mais a doutrina d'Ahrens ha <strong>de</strong> offerecer na pra<br />

tica gravissimos inconvenientes, e mais d'uma vez a per<br />

# fidia vencerá a lealda<strong>de</strong>. O pactuante fiel a cada passo<br />

será forçado, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cumprir a sua obrigação, ou a<br />

# per<strong>de</strong>r o que o outro lhe <strong>de</strong>ve, ou aos incommodos do<br />

{} uso dos meios coercitivos, que Ahrens aconselha.<br />

E se Ahrens admitte, que o pactuante innocente<br />

P ó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> cumprir a sua obrigação, como meio <strong>de</strong><br />

} O brigar ao outro, esta doutrina dá o mesmo resultado<br />

! Pratico, que a nossa ; porque não querendo o perfido<br />

(a) Sr. Fortuna L. I. P. a.C. 1o. S. 732. ><br />

(*) Cours <strong>de</strong> Droit, Nat. Part, Spec. Div. I. P. 2, § 6.<br />

(e) S. 84. , ,


(376)<br />

cumprir pela sua parte, o pactuante leal po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ixar<br />

<strong>de</strong> cumprir pela sua, e as obrigações nunca terão efei<br />

to, i. é, serão nullas, ou, como nós dissemos, extin<br />

Cta.S.<br />

•<br />

Coherentes com estes principios, quando tractámos<br />

dos contractos iguaes, <strong>de</strong>ixámos ao livre alvedrio do pa=<br />

ctuante leal, ou exigir pelos meios coercitivos do pa=<br />

ctuante perfidº o cumprimento da sua obrigação, ou dar<br />

o pacto por irrito, e as reciprocas obrigações por extin<br />

Cta.S, •<br />

§ 582.<br />

O pactuante pó<strong>de</strong> livremente dispôr do <strong>direito</strong>,<br />

que acquirio pelo contracto, e por isso transmittil-o ao<br />

outro pactuante. Esta transmissão, sendo gratuita, cha<br />

ma-se remissão, ou pacto <strong>de</strong> não pedir; e sendo reciproca<br />

entre os dous pactuantes, diz-se mutuo dissenso. Por con<br />

seguinte tanto a remissão, como o mutuo dissenso, são<br />

pactos liberatorios, que extinguem o <strong>direito</strong> do crédor<br />

e a obrigação do <strong>de</strong>vedor.<br />

•<br />

Martini diz, que a remissão e mutuo dissenso tem<br />

lugar — readhuc integra;— porque, se o <strong>de</strong>vedor tiver<br />

pago, não po<strong>de</strong>rá haver renúncia <strong>de</strong> <strong>direito</strong> do crédor;<br />

esse <strong>direito</strong> já não existe, e só po<strong>de</strong>rá haver doação da<br />

cousa. Tambem se o <strong>direito</strong> do crédor se tornou duvi<br />

doso, ou litigioso, e o crédor recebe alguma cousa pela<br />

renúncia, esta se transforma em transacção, como vere<br />

IllOS,<br />

§ 585, 586, 587 e 588.<br />

Novação é o pacto, pelo qual a primeira obrigação<br />

Se converte n'outra, mudada a sua causa ou modo, e<br />

permanecendo o mesmo crédor e <strong>de</strong>vedor.<br />

Esta <strong>de</strong>finição não pó<strong>de</strong> admittir-se, porque exclui:<br />

ria algumas especies <strong>de</strong> novação. A doutrina <strong>de</strong> Martini<br />

<strong>de</strong>ve ser substituida pela seguinte.<br />

Novação em geral é a substituição d’uma nova obri<br />

gação á antiga, que fica extincta.<br />

São especies <strong>de</strong> novação: 1.° a novação propria<br />

mente dita, que é a substituição d’uma nova obrigação<br />

á antiga , que fica extincta; permanecendo o mesmo cré


• ;<br />

(377 )<br />

dor e <strong>de</strong>vedor: 2." <strong>de</strong>legação, que é o pacto, pelo qual<br />

o <strong>de</strong>vedor dá ao seu crédor outro <strong>de</strong>vedor em seu lugar,<br />

consentindo todos tres, i. é, o principal <strong>de</strong>vedor (<strong>de</strong>le<br />

gante), o <strong>de</strong>vedor substituido (<strong>de</strong>legado), e o crédor (<strong>de</strong><br />

legatario): 3. substituição d'um novo crédor, que é o<br />

contracto, pelo qual o crédor e <strong>de</strong>vedor ajustão que o di<br />

reito d'aquelle passe para um terceiro, ficando o <strong>de</strong>vedor<br />

<strong>de</strong>sonerado para com o primeiro crédor: 4.° a substi<br />

tuição d'um novo <strong>de</strong>vedor, que se offerece a pagar pelo<br />

- primeiro, o <strong>de</strong>vedor consinta e a quem expressamente. o crédor acceita como tal, sem que<br />

•<br />

Differe a <strong>de</strong>legação da assignação, que é o contra<br />

cto, pelo qual o <strong>de</strong>vedor ajusta com outro, que pagará<br />

por elle ao seu crédor; mas sem este consentir, nem<br />

*lesonerar o primeiro <strong>de</strong>vedor. .<br />

Differe a substituição do crédor da ce<strong>de</strong>ncia, que é<br />

o contracto, pelo qual o crédor transfere em outro o seu<br />

<strong>direito</strong> sem consentimento do <strong>de</strong>vedor. Aquelle, que ce<br />

<strong>de</strong> o <strong>direito</strong>, diz-se ce<strong>de</strong>nte; aquelle, a quem o ce<strong>de</strong>,<br />

diz-se cessionario. • • \<br />

. . A assignação e a ce<strong>de</strong>ncia não extinguem a obriga<br />

ção do <strong>de</strong>vedor; a assiguação porque, não tendo con<br />

sentido o crédor, subsiste o seu <strong>direito</strong>, e por isso a<br />

obrigação correlativa do <strong>de</strong>vedor; e a ce<strong>de</strong>ncia, porque<br />

o cessionario faz as vezes do ce<strong>de</strong>nte, tem o <strong>direito</strong> <strong>de</strong>ste,<br />

lativa. e por isso subsiste a obrigação do <strong>de</strong>vedor, que lhe é re<br />

• •<br />

Pelo contrario todas as especies <strong>de</strong> novação extin<br />

guem a obrigação do <strong>de</strong>vedor, porque nellas expressa<br />

mente assim se convenciona. Importa porém observar,<br />

que a terceira especie sómente extingue a obrigação do<br />

<strong>de</strong>vedor para com o primeiro crédor, mas não para com<br />

o crédor substabelecido. Finalmente a quarta especie<br />

tambem extingue a obrigação do primeiro <strong>de</strong>vedor; por<br />

que o crédor, acceitando outro <strong>de</strong>vedor em lugar e com<br />

exoneração daquelle, ce<strong>de</strong>o do seu <strong>direito</strong> relativamente<br />

ao primeiro <strong>de</strong>vedor; e se e seu <strong>direito</strong> cessou, extinguio<br />

se a obrigação, que lhe era relativa. De mais pó<strong>de</strong> mes<br />

no dizer-se, que o primeiro <strong>de</strong>vedor consente na substi<br />

tuição, porque todo o homem se presume querer o que º<br />

lhe é util. •


• • • "<br />

• (378)<br />

Se todas as especies <strong>de</strong> <strong>de</strong>legação extinguem a obri<br />

gação principal, tambem extinguem as obrigações acces<br />

sorias da fiança, do penhor e da hypotheca, pela regra<br />

<strong>de</strong> Direito — O accessorio segue o principal. — As obri<br />

ções accessorias vem em adjutorio das principaes, nãº<br />

po<strong>de</strong>m paes, ficão existir extinctas sem estas.<br />

accessorias. Portanto, extinctas as princi<br />

• , -<br />

§. 589.<br />

Confusão é a reunião das qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> crédor e <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>vedor em uma só pessoa, o que pó<strong>de</strong> acontecer por he<br />

rança, doação universal, ou por outro qualquer titulo ,<br />

pelo qual os <strong>direito</strong>s do crédor passão para o <strong>de</strong>vedor,<br />

ou as obrigações do <strong>de</strong>vedor passão para o crédor. A con<br />

fusão extingue a obrigação, porque assim como ninguem<br />

pó<strong>de</strong> pactuar com sigo mesmo, tambem não pó<strong>de</strong> ter<br />

obrigação para com sigo, proveniente d'um pacto.<br />

Se pela confusão se extinguio a obrigação principal,<br />

ficão tambem extinctas as accessorias da fiança, penhor,<br />

etc.; se porém se extingue a obrigação accessoria, a<br />

principal subsiste. Assim, se o crédor veio a ser her<strong>de</strong>iro<br />

do <strong>de</strong>vedor, não pó<strong>de</strong> pedir a divida ao fiador; mas se<br />

veio a ser her<strong>de</strong>iro do fiador, pó<strong>de</strong> exigil-a do <strong>de</strong>vedor.<br />

§ 59o. e 591.<br />

A morte dissolve as obrigações <strong>segundo</strong> a regra—<br />

mors omnia soloit — º Martini faz distincção: ou o <strong>direito</strong><br />

do crédor tem por objecto os bens do <strong>de</strong>vedor , que per<br />

manecem <strong>de</strong>pois da sua morte; e então este <strong>direito</strong> subsiste<br />

no crédor, e por isso vigóra a obrigação, que lhe é relati.<br />

va nos seus her<strong>de</strong>iros, v. g., as obrigações, que resultão<br />

da compra e venda, da locação e conducção, etc.: ou o di<br />

reito é necessariamente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da industria e espe<br />

cial habilida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>vedor, v.g., se um pintor se obri<br />

gou a fazer um retrato; e então, morto o <strong>de</strong>vedor, a<br />

obrigação acaba; aquellas qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>scêrão com elle á<br />

sepultura, e é verda<strong>de</strong>ira a regra — mors omnia solºit.<br />

= Assim as obrigações do mandato e da socieda<strong>de</strong> acá<br />

bão pela morte. * *


(379 )<br />

E por morte do crédor extinguem-se as obrigações<br />

do <strong>de</strong>vedor? Como o <strong>direito</strong> do crédor passa aos seus<br />

her<strong>de</strong>iros, esse# subsiste, e vigóra a obrigação re<br />

lativa, excepto se o <strong>direito</strong> dizia respeito especialmente<br />

a pessoa do crédor, <strong>de</strong> modo que o mesmo crédor não<br />

podia alienal-o: v.g., prometti emprestar. um cavallo<br />

ara Pedro passear; pela morte <strong>de</strong> Pedro este <strong>direito</strong><br />

cessa, e dissolve-se a minha obrigação (a).<br />

• CAP. XXIII,<br />

Dos MEIos, PELos QUAEs o HoMEM PóDE PRosEGUIR<br />

O SEU DIREITO NO ESTADO NATURAL.<br />

JA noutro lugar observámos, que não podia <strong>de</strong>termi<br />

nar-se certo <strong>estad</strong>o, como proprio e privativo da natu<br />

reza (b). Portanto <strong>de</strong>vemos hoje enten<strong>de</strong>r esta rubrica,<br />

como se dissesse— Dos meios, pelos quaes o homem pó<strong>de</strong><br />

verificar as suas pretenções exigindo o cumprimento das<br />

obrigações alheias <strong>segundo</strong> o Direito Natural. — Os ho<br />

mens, <strong>natural</strong>mente consi<strong>de</strong>rados, vivem socialmente,<br />

ligados pelos vinculos da humanida<strong>de</strong>, e todos são mem<br />

bros da gran<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> do genero humano. Porém<br />

nesta socieda<strong>de</strong> não ha imperantes, nem subditos; não<br />

ha juizes; cada um é senhor <strong>de</strong> si, do seu <strong>de</strong>stino, e dos<br />

meios <strong>de</strong> o conseguir; cada um é juiz das suas acções<br />

e das dos outros, que lhe dizem respeito, ou directa<br />

mente, quando lhe são uteis ou prejudiciaes, augmen<br />

tando ou diminuindo o seu patrimonio, ou indirecta<br />

mente, quando operão sobre a socieda<strong>de</strong> geral, e <strong>de</strong>lla<br />

reverberão sobre o individuo (e). Por on<strong>de</strong> é facil ver,<br />

que estes modos e meios <strong>de</strong> exigir o cumprimento das<br />

Obrigações ha <strong>de</strong> ser muito diverso dos modos e meios<br />

empregados na socieda<strong>de</strong> civil, em que ha governo e<br />

sujeição, e juizes encarregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir as <strong>de</strong>mandas,<br />

r=<br />

•<br />

(a) Encyclop. Meth. — Jurisp. — v, Obligation.<br />

(b) S. 16o.<br />

(e) S. 176 e 457.


•<br />

(3sº)<br />

No entretanto#conhecer os principios simplices<br />

do Direito Natural a este respeito; porque o Direitº Po<br />

sitivo não pó<strong>de</strong> contrarial-os, com quanto os possa <strong>de</strong>sen<br />

volver e modificar <strong>segundo</strong> as circumstancias especiaes,<br />

em que se acha a Nação. - .<br />

+ §.<br />

613. •<br />

Já se vê que vamos entrar no exame dos principios<br />

da Philosophia do Direito, que servem <strong>de</strong> base á Juris<br />

pru<strong>de</strong>ncia#sobre a or<strong>de</strong>m do processo, em que<br />

os juizes <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m as questões entre as partes litigantes.<br />

A materia é importante: assim nós tivessemos tempo para<br />

a tractar largamente!<br />

Depois <strong>de</strong> termos visto os <strong>direito</strong>s, <strong>de</strong> que a natu<br />

reza dotou todos os homens, e as obrigações, que a todos<br />

impoz, restringindo a sua liberda<strong>de</strong>; e os <strong>direito</strong>s, que º<br />

homem podia acquirir, e as obrigações, a que se podia<br />

sujeitar por seu livre alvedrio: é mister saber, que meios<br />

dá o Direito Natural para execução dos <strong>direito</strong>s, e para<br />

se exigir o cumprimento das obrigações.<br />

S. 614 e 615.<br />

Martini dividio as obrigações naturaes do homem<br />

em obrigações para com Deos, e <strong>de</strong>stas falla neste § e<br />

no seguinte; obrigações para com sigo, e obrigações para<br />

com os outros, já imperfeitas, e d'umas e outras tracta no<br />

guintes. § 616., e já perfeitas, • das quaes tracta no S. 617, e se<br />

As obrigações para com Deos reduzem-se todas á<br />

prestação do culto, como vimos (a). E subministra o<br />

ireito Natural meios coercitivos para um homem po<strong>de</strong>r<br />

vicientar outro a prestar culto a Deos, ou a prestal-º<br />

d'um modo diverso daquelle, que lhe agrada? Como já<br />

<strong>de</strong>cidimos, que todo o homem tinha liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> con<br />

sciencia, não repetiremos, como Martini, o que já fica<br />

dito (b).<br />

(a) Cap. 8.<br />

{b) S. 326.


---- §.<br />

•<br />

(381 )<br />

§. 616.<br />

O Direito não subministra meios coercitivos para<br />

compellir alguem a cumprir os <strong>de</strong>veres para com sigo,<br />

ou os imperfeitos para com os outros; porque, diz Mar<br />

tini, se <strong>de</strong>struiria a liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong> do homem, e a<br />

absoluta igualda<strong>de</strong> e in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, que todos os ho<br />

mens tem <strong>natural</strong>mente uns dos outros.<br />

Na verda<strong>de</strong>, quanto aos <strong>de</strong>veres para com nosco, os<br />

outros não po<strong>de</strong>m usar <strong>de</strong> força para nos obrigar ao<br />

cumprimento <strong>de</strong>lles; porque mais d'uma vez temos dito,<br />

que o homem é senhor do seu <strong>de</strong>stino, e do uso dos<br />

meios ou condições necessarias para o conseguir; e que<br />

o Direito, subministrando as condições necessarias, ga<br />

rante ao mesmo tempo a liberda<strong>de</strong> da escolha do fim, e<br />

da applicação dos meios.<br />

Quanto aos <strong>de</strong>veres imperfeitos, estes pertencem<br />

privativamente á esfera da Moral: a consciencia é o seu<br />

juiz; o Direito, todo exterior, nada tem com elles (a).<br />

617.<br />

| Martini diz, que o Direito Natural subministra<br />

meios coercitivos para que os homens possão exigir reci<br />

procamente entre si o cumprimento das obrigações perfei<br />

tas; porque aquelle, que falta a similhantes obrigações,<br />

Jesa os outros, que, <strong>segundo</strong> vimos (b), po<strong>de</strong>m usar con<br />

tra elle do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, ou para <strong>de</strong>sviar a lesão<br />

actual, ou para evitar a futura imminente, ou para obter<br />

a reparação do damno causado pela lesão preterita (e).<br />

Com effeito o homem, colocado involuntariamente no<br />

conflicto entre os <strong>de</strong>veres para com sigo e os <strong>de</strong>veres<br />

para com os outros, caeterisparibus, pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve preferir<br />

os <strong>de</strong>veres para com sigo (d).<br />

$. 618, 619 e 62o.<br />

Martini diz, que os fins dos meios coercitivos, i, é,<br />

r– 1<br />

- (a) S. 334. e 373.<br />

*b) S. 155 e seg.<br />

(c) S. 149 e seg.<br />

(d) S. 361 e 362,


• fº"<br />

( 382 )<br />

do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia, são a repulsa da lesão presente, a<br />

segurança contra a lesão futura, e a restituição ou sa<br />

tisfacção do damno da lesão preterita; que, usando <strong>de</strong>stes<br />

meios, não se <strong>de</strong>ve principiar pelos mais duros, quando<br />

forem sufficientes os mais brandos; e finalmente, que os<br />

não po<strong>de</strong>mos empregar para a segurança contra a lesão<br />

futura, quando o temído aggressor nos <strong>de</strong>r sufficientes<br />

seguranças <strong>de</strong> que não nos lesará. Porém <strong>de</strong>sta materia<br />

já tractámos extensamente (a).<br />

$, 621.<br />

Os meios coercitivos, <strong>de</strong> que temos fallado, tem lu<br />

gar, quando não ha dúvida sobre os <strong>direito</strong>s e as obri<br />

perfeitas. Porém quando ha dúvida, cumpre so<br />

restar, e <strong>de</strong>cidil-a primeiro. Antes da <strong>de</strong>cisão nin<br />

guem tem <strong>direito</strong> ao recurso da força e coacção, porque<br />

não é evi<strong>de</strong>nte a lesão, que o fundamenta; quanto mais<br />

que aquelle, que possue a cousa, tem a seu favor um<br />

<strong>direito</strong> putativo, e <strong>de</strong>ve ser julgado senhor, em quanto se<br />

não mostrar o contrario; pois a posse é um dos <strong>direito</strong>s,<br />

<strong>de</strong> que se compõe o dominio (b). Finalmente os ho<br />

mens, como seres intelligentes, não <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>cidir pela<br />

força bruta questões proprias do tribunal da razão; por<br />

que a superiorida<strong>de</strong> da força não dá <strong>direito</strong>. E quaes são<br />

os meios proprios para <strong>de</strong>cidir, <strong>segundo</strong> Direito Natu<br />

ral, as dúvidas, que se suscitarem entre os homens, so<br />

bre a qual <strong>de</strong>lles pertence, e se pertence, um <strong>direito</strong>, ou<br />

oIIIII] cumprimento a l". duma obrigação? Eis o que vamos exa<br />

•<br />

Quando duas ou mais pessoas discordão entre sí, e<br />

discutem sobre a qual <strong>de</strong>llas pertence, ou se pertence,<br />

um <strong>direito</strong> ou uma obrigação, e procurão <strong>de</strong>scobrir a<br />

verda<strong>de</strong>, diz-se que litigão. Litigio pois é a discussão<br />

entre duas, ou mais pessoas ácerca <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s, ou obri<br />

gações, com o fim <strong>de</strong> apurar a verda<strong>de</strong>. As pessoas, que<br />

discutem, dizem-se litigantes. Estabelecido o litigio, diz<br />

Martini, <strong>de</strong>ve o litigante principalmente cuidar em fa<br />

(a) S. 152 , 391 e seg.<br />

(*) S. 433,


|-<br />

(*)<br />

zer certa a sua pretenção ao outro, que pó<strong>de</strong> justamente<br />

ignorar o seu fundamento. Isto carece d'explicação.<br />

Aquelle, que se julga investido d'um <strong>direito</strong>, e pre<br />

ten<strong>de</strong>, que outro cumpra a obrigação correlativa, sa<br />

tisfazendo á sua pertenção; se o <strong>segundo</strong> nega a existen<br />

cia do <strong>direito</strong> do primeiro e da sua obrigação, <strong>de</strong>ve cer<br />

tifical-o e convencêl-o, porque <strong>de</strong>s<strong>de</strong> esse momento aca<br />

ba a justa ignorancia, em que se achava, fica constituido<br />

em má fé, retêm dolosamente o alheio, lesa, e causa <strong>de</strong><br />

damno moral; o primeiro pois, <strong>segundo</strong> os principios<br />

até aqui expostos, pó<strong>de</strong> usar do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia para<br />

o compellir ao <strong>de</strong>sempenho da sua obrigação.<br />

A pretenção do litigante chama-se em Direito Posi<br />

tivo acção; aquelle, que a propõe e sustenta, diz-se<br />

autor; aquelle, que a contraria, diz-se réo; e ao que<br />

este allega para isso, chama-se contestacão, contrarieda<strong>de</strong>,<br />

etc. Usaremos <strong>de</strong>stes termos, para melhor exprimirmos<br />

nossas idêas. •<br />

Martini diz, que o autor <strong>de</strong>ve fazer certa a sua<br />

pretenção ao réo; mas na socieda<strong>de</strong> civil procura-se<br />

estabelecer esta certeza nos juizes. A razão é, como já<br />

observámos, porque entre os homens, <strong>natural</strong>mente con<br />

si<strong>de</strong>rados, não ha juizes nem tribunaes; e por isso a<br />

autor <strong>de</strong>ve dirigir-se ao réo, allegando os fundamentos<br />

da sua pretenção, e provando-os. -<br />

+ , , - §.<br />

622.<br />

Ainda que em regra, quem alega, tem obrigação <strong>de</strong><br />

provar, e por isso o autor <strong>de</strong>ve provar a sua preteu<br />

ção, e o réo a sua <strong>de</strong>fesa; com tudo esta regra tem uma<br />

excepção, i. é, quando aquelle, que allega, tem a seu<br />

favor a presumpção, pela qual se <strong>de</strong>ve estar, em quanto<br />

se não provar o contrario. Assim não tem obrigação <strong>de</strong><br />

provar aquelle, que se funda nos <strong>direito</strong>s connatos da<br />

igualda<strong>de</strong>, liberda<strong>de</strong>, boa reputação, e justa ignorancia.<br />

Prova é um facto verda<strong>de</strong>iro, ou que se suppõe ver<br />

da<strong>de</strong>iro, e que serve <strong>de</strong> motivo <strong>de</strong> credibilida<strong>de</strong> sobre a<br />

existencia ou não existencia d'outro. Por isso toda a pro<br />

va comprehen<strong>de</strong> pelo menos dous factos differentes: uta,<br />

que se pó<strong>de</strong> chamar facto principal, que é aquelle, cuja


• Os<br />

#<br />

( 384 )<br />

existencia, ou não existencia se tructa <strong>de</strong> provar; e outro,<br />

que se pó<strong>de</strong> chamar facto probatorio, o qual serve para<br />

provar, se existio, ou não existio, o facto principal (a).<br />

Presumº?ão é uma especie <strong>de</strong> prova; e pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir:<br />

se — a <strong>de</strong>ducção, que se faz, d'um facto para conheci<br />

mento da verda<strong>de</strong> d'outro. A differença entre presumpção<br />

e prova está em que a prova faz fé directamente e por si<br />

mesma, e a presumpção só indirectamente e por uma<br />

conclusão d'outra cousa diversa: v. g., a escriptura <strong>de</strong><br />

pagamento é prova, porque directamente serve a fazer<br />

acereditar o pagamento da divida; as quitações da pensão<br />

dos ultimos annos do arrendamento constituem presum<br />

pção <strong>de</strong> estarem pagas as pensões anteriores. A força<br />

probatoria das presumpções <strong>de</strong>duz-se do que é ordina<br />

rio, e costuma acontecer. Assim, no exemplo dado, a<br />

força da presumpção <strong>de</strong>riva-se <strong>de</strong> ser <strong>natural</strong> e ordinarie<br />

o pagar primeiro as pensões anteriores, do que as poste<br />

TFOI'GS. -<br />

E visto como a presumpção é uma especie <strong>de</strong> prova,<br />

aquelle, que a tem a seu favor, não tem obrigação <strong>de</strong><br />

produzir outras. Porém esta especie <strong>de</strong> prova, por isso.<br />

que directamente indirecta, pelas é fallivel, provas eemce<strong>de</strong> contrario. á verda<strong>de</strong>, manif<strong>estad</strong>a<br />

•<br />

| •<br />

$ 623.<br />

Dos principios expostos <strong>de</strong>duz Martini o corollario<br />

— que a prova só pó<strong>de</strong> ter por objecto <strong>direito</strong>s e obriga<br />

existio, gões hypotheticas, e se o factoe épor justo. isso um facto, i. é, se o facto<br />

• ,<br />

<strong>direito</strong>s absolutos, como filhos simplesmente da<br />

natureza, não necessitão <strong>de</strong> prova; são certos, claros e<br />

evi<strong>de</strong>ntes (b). Pó<strong>de</strong> porém haver dúvida sobre os direi<br />

tos acquiridos, pois estes <strong>de</strong>duzem-se d'algum facto hu<br />

mano, que se não presume, porque pó<strong>de</strong>, ou não, ter<br />

existido. Por isso verda<strong>de</strong>iramente, diz Martini, a pro<br />

va versa sempre ácerca d'um facto, para se saber se o fa<br />

cto existio, e se é justo, i. é, conforme a lei, e capaz <strong>de</strong><br />

(a) Bentham raiº <strong>de</strong>s Pretty. Judic. L. 1. C. 4,<br />

(b) S. 136. " | º •<br />


( 385)<br />

roduzir o <strong>direito</strong>, que o autor preten<strong>de</strong> ter, e à obriga<br />

ção, cujo cumprimento pe<strong>de</strong> ao réo.<br />

| Pó<strong>de</strong> pois haver duas dúvidas, ou duas questões<br />

entre os litigantes: uma, que se chama questão <strong>de</strong> facto,<br />

a qual consiste em saber, se em tal tempo e em taí lugar<br />

existio tal facto; outra, que se chama questão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>,<br />

e que consiste em saber, se o facto foi justo, e capaz <strong>de</strong><br />

produzir o <strong>direito</strong>, que o autor preten<strong>de</strong> ter; i. é, se<br />

existe uma lei# ao facto, <strong>de</strong> que se tracta, e a<br />

igual <strong>de</strong>monstre ter o autor o <strong>direito</strong>, e o réo a obriga<br />


•<br />

(386)<br />

<strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> existir; quando o autor allega facto alheio<br />

injusto, o réo pó<strong>de</strong> fundar-se no <strong>direito</strong> connato da boa<br />

reputação, <strong>de</strong> que todo o homem <strong>natural</strong>mente goza (a),<br />

e pelo qual antes se <strong>de</strong>ve presumir, que tal facto não exis<br />

tio; e quando o autor finalmente allega algum facto pro<br />

prio, o réo funda-se no <strong>direito</strong> connato da justa igno<br />

rancia, porque <strong>natural</strong>mente ninguem é obrigado a saber<br />

o que os outros fazem ou <strong>de</strong>ixão <strong>de</strong> fazer, e por isso os di<br />

reitos hypotheticos, que acquirem, e que lhes pertencem.<br />

Bentham, que parece querer <strong>de</strong>struir este principio<br />

on aphorismo dos JCtos, a final convém, que elle é<br />

plausivel; porque o autor é a parte principalmiente in<br />

teressada em subministrar as provas (4).<br />

§. 624. -<br />

• • • • . /*<br />

• * * * */<br />

O possuidor não tem obrigação <strong>de</strong> provar, que é<br />

senhor da cousa, que possue; a obrigação <strong>de</strong> provar º<br />

contrario pertence ao outro litigante; porque o possui<br />

dor tem a seu favor os <strong>direito</strong>s cónnatos — da boa repu<br />

tação, pelo qual o seu facto da posse se <strong>de</strong>ve presumir<br />

legitimo e justo,— e da justa ignorancia, para não ser<br />

obrigado a saber, quaes são os <strong>direito</strong>s adventicios dos<br />

outros.<br />

$ 625.<br />

. Os JCtos <strong>de</strong> ordinario divi<strong>de</strong>m a prova em razão do<br />

lugar, em que é feita, em judicial e extrajudicial, se<br />

gundo se faz em juizo ou fóra d’elle: em razão do seu<br />

effeito, em plena e semiplena, <strong>segundo</strong> são maiores ou<br />

menores os grãos <strong>de</strong> fé juridica, i. é, <strong>segundo</strong> a prova<br />

produz a certeza necessaria para a <strong>de</strong>monstração da<br />

verda<strong>de</strong>, ou sómente alguma fé, mas não tanta, que<br />

por ella só se possa com certeza conhecer a verda<strong>de</strong>, º<br />

<strong>de</strong>cidir a questão: em razão da sua fórma, em vocal, º<br />

que é feita por testemunhas, ou confissão da parte : li<br />

teral, a que é feita por escripto, e muda, a que é fei<br />

ta por presumpções: e em razão da causa efficiente,<br />

(…) S. 169. {<br />

(*) Bentham loc. cit. L. 7. C. 17.<br />

• GIll


( 387 )<br />

em artificial, que é aquella, pela qual a <strong>de</strong>monstração<br />

d'um facto duvidoso se <strong>de</strong>duz por um raciocinio <strong>de</strong> fa<br />

étos certos e provados, v. g., a vistoria, ou inspecção<br />

ocular; e inartificial, que é aquella, que <strong>de</strong>monstra di<br />

rectamente a verda<strong>de</strong> do facto controvertido, v. g., as<br />

testemunhas, os juramentos, e os instrumentos. "<br />

Martini sómente divi<strong>de</strong> a prova em artificial e inar<br />

tificial. Define instrumentos os escriptos, em que se refe<br />

rem os factos, e testemunhas as pessoas, que com seus<br />

<strong>de</strong>poimentos fazem fé ácerca do facto controverso.<br />

Outras muitas divisões <strong>de</strong> provas se po<strong>de</strong>m ver em<br />

Bentham (a), as quaes a estreiteza do tempo nos não<br />

<strong>de</strong>ixa referir.<br />

•<br />

§ 626.<br />

Estabelece Martini, que uma só testemunha não faz<br />

prova plena ácerca do facto, mas que são necessarias<br />

pelo menos duas ou tres; porque uma só testemunha<br />

pó<strong>de</strong> faltar á verda<strong>de</strong>, e todavia, sendo astuta, não se<br />

contradiz, nem pó<strong>de</strong> por isso ser convencida <strong>de</strong> falsi<br />

da<strong>de</strong>. |- • •<br />

Montesquieu (b), Beccaria (c) e Filangieri (d) seguem<br />

a mesma opinião <strong>de</strong> Martini, cada um <strong>de</strong>lles por differen<br />

tes razões. Esta e outras questões forão importantes e<br />

largamente tratadas pelos JCtos, em quanto esteve em<br />

voga o falso systema das provas legaes. Os legisladores dos<br />

Povos, que para tudo fizerão leis, não se esquecêrão <strong>de</strong><br />

or<strong>de</strong>nar regras, com que pretendêrão sujeitar as convic<br />

ções, e enca<strong>de</strong>ar as consciencias dos juizes. Porém hoje<br />

está <strong>de</strong>monstrado, graças aos progressos da Philosophia<br />

do Direito, a falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong> similhante doutrina; e o argu<br />

mento da arbitrarieda<strong>de</strong> dos juizes, com que se queria<br />

<strong>de</strong>monstrar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> regras legaes probatórias,<br />

acha-se <strong>de</strong>struido pela nova theoria do Jury. Deixárão<br />

se aos juizes as questões <strong>de</strong> Direito, e entrega-se aos jura<br />

dos a <strong>de</strong>cisão das questões <strong>de</strong> facto.<br />

•<br />

R<br />

(a) Loc, cit. L. I. C. 6.<br />

(b) Esprit <strong>de</strong>s Lois Liv 1.2. Chap. 3.<br />

(c) Des défits et <strong>de</strong>s peines C. 8<br />

(d) * II. De la Science<br />

•<br />

<strong>de</strong> la lºgislation • L. 255.<br />

C. 15.<br />

=*


(388)<br />

Deixemos pois esta questão para o Direito Publico<br />

Philosophico. Por agora bastará dizer, que a certeza e a<br />

oonvicção não po<strong>de</strong>m sujeitar-se a regras préviamente<br />

<strong>de</strong>finidas e <strong>de</strong>terminadas. Como ha <strong>de</strong> o homem sujeitar<br />

a essas regras a sua convicção, que, como mostra a expe<br />

riencia, até é in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte da sua propria vonta<strong>de</strong>? Não<br />

é o numero das testemunhas o que leva ao nosso espirito<br />

a convicção; muitas vezes o gesto, o tom da voz, ou<br />

qualquer outra circumstancia, não observada pelos outros,<br />

ou que lhe parece insignificante, e <strong>de</strong> que nós mesmos<br />

não sabemos dar conta, produzem a convicção a favor,<br />

ou contra a existencia do facto, <strong>de</strong> que se tracta (a).<br />

Martini observa por fim, que as testemunhas <strong>de</strong>vem<br />

ser taes, que possão e queirão dizer a verda<strong>de</strong>, e por<br />

isso que não esperem lucro algum do seu <strong>de</strong>poimento;<br />

i. é, <strong>de</strong>vem ter sufficiente intelligencia para comprehen<br />

<strong>de</strong>rem o facto em questão, e as forças fysicas necessarias<br />

para po<strong>de</strong>rem <strong>de</strong>pôr o que enten<strong>de</strong>m, e finalmente não<br />

<strong>de</strong>vem esperar lucro, ou nem recear prejuizo algum do<br />

seu <strong>de</strong>poimento (b).<br />

§ 627.<br />

Feita a prova, e estabelecida a evi<strong>de</strong>ncia e certeza<br />

sobre a verda<strong>de</strong> do facto controvertido entre os litigantes,<br />

a <strong>de</strong>manda fica <strong>natural</strong>mente <strong>de</strong>cidida. Conhece-se com<br />

clareza o <strong>direito</strong> d'um litigante e a obrigação do outro;<br />

aquelle, que tem o <strong>direito</strong>, pó<strong>de</strong> usar d’elle, e o outro,<br />

não cumprindo a sua obrigação correlativa, oppondo-se<br />

ao exercicio daquelle <strong>direito</strong>, e embaraçando-o, commet<br />

te lesão moral pelo dólo, com que obra, e o primeiro<br />

pó<strong>de</strong> usar do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção para o compellir. A <strong>de</strong>ci<br />

são pois da li<strong>de</strong> não se faz <strong>natural</strong>mente por uma sentença,<br />

porque não hajuizes ; a questão é <strong>de</strong>cidida entre as pro<br />

prias partes litigantes.<br />

§. 628,<br />

E se não houver provas, pelas quaes se possa <strong>de</strong>cidir<br />

(a) Meyer Institut. Judiciair. L. 8. C. 22.<br />

(*) Filangieri loc. cit.


( 389 )<br />

a li<strong>de</strong>? Martini diz, que ou algum dos litigantes funda<br />

menta a sua allegação nos <strong>direito</strong>s connatos, e tem a seu<br />

favor a presumpção, pela qual, como já dissemos, se<br />

<strong>de</strong>ve estar, em quanto se não prova o contrario, e a <strong>de</strong><br />

manda se <strong>de</strong>ve ter por <strong>natural</strong>mente <strong>de</strong>cidida a seu fa<br />

vor; ou nenhum pó<strong>de</strong> valer-se da presumpção, como<br />

quando se disputa, qual <strong>de</strong> dous gemeos é o mais velho,<br />

ou, <strong>de</strong>ixado um legado a Ticio, e havendo dóus homens<br />

do mesmo nome, se duvída qual <strong>de</strong>lles é o legatario, é<br />

o <strong>direito</strong> dos litigantes fica in<strong>de</strong>ciso e duvidoso.<br />

§ 629.<br />

Neste caso, com quanto nenhum dos litigantes tenha<br />

<strong>direito</strong> a seguir a sua opinião, e a usar da força para isso,<br />

pois que, durante o <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> dúvida, não pó<strong>de</strong> julgar-se<br />

melhor ou superior o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> nenhum <strong>de</strong>lles, mas<br />

antes parece igual a eondição d’ambos: todavia é tambem<br />

certo, que nenhum dos litigantes é obrigado a sujeitar-se<br />

ao juizo do seu adversario, porque não havendo lesão, não<br />

h a lugar ao <strong>direito</strong> <strong>de</strong> coacção. As cousas por tanto <strong>de</strong><br />

vem permanecer no statu quo, e cumpre empregar outros<br />

meios nos §§. para seguintes. saír da difficulda<strong>de</strong>. Destes meios falla Martini<br />

• • +<br />

§ 63o.<br />

Durante o <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> dúvida, cumpre que os litigantes<br />

fação conferencias amigaveis, ou entrem em tractados.<br />

i. é, <strong>de</strong>liberações sobre o modo <strong>de</strong> terminar a dúvida;<br />

e tambem po<strong>de</strong>m empregar-se medianeiros ou concilia<br />

dores, que procurem conciliar as partes. Desta arte pº<br />

<strong>de</strong>m vir os litigantes a <strong>de</strong>cidir a li<strong>de</strong> por uma conven<br />

ção, ou transacção (a).<br />

§. 631.<br />

A composição pó<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> dous modos: 1.° gratuitº,<br />

a que se chama composição amigavel, que tem lugar todas<br />

as vezes que um litigante ce<strong>de</strong> gratuitamente seu <strong>direito</strong><br />

(a). Vej os nossos Elem. <strong>de</strong> Direitº das Gent. Secç.5. Artig. 3.


•<br />

•<br />

(39o )<br />

duvidoso ao outro. Este contracto differe da doação e<br />

remissão em que o seu objecto é um <strong>direito</strong> duvidoso,<br />

e na doação e remissão o <strong>direito</strong> é certo: 2.° onerosa, a<br />

que se chama transaccão, que é o contracto, pelo qual um<br />

dos pactuantes ce<strong>de</strong> do seu <strong>direito</strong> em favor do outro,<br />

mas retendo alguma cousa, ou dando-lha, ou prometten<br />

do-lh'a este. Tanto a composição amigavel, como a<br />

transacção são meios <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir a <strong>de</strong>manda; porque <strong>de</strong>ven<br />

do-se observar religiosamente os pactos, os litigantes são<br />

obrigados a estar pelo convencionado.<br />

Parece-nos preferivel esta <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> transacção—<br />

o contracto, pelo qual as partes terminão ou previnem<br />

uma <strong>de</strong>manda;— porque comprehen<strong>de</strong> a li<strong>de</strong> existente,<br />

ou a que pó<strong>de</strong> vir a existir sobre o <strong>direito</strong> duvidoso (a)<br />

§. 632.<br />

Tambem os litígantes po<strong>de</strong>m recorrer a compromisso<br />

e arbitros. Diz-se compromisso o contraeto, pelo qual os<br />

pactuantes escolhem uma ou mais pessoas, que conheção<br />

da sua justiça, e <strong>de</strong>cidão a questão, obrigando-se a estar<br />

pela sua sentença. |-<br />

As pessoas <strong>de</strong>signadas no compromisso para <strong>de</strong>cidi<br />

rem a questão, chamão-se arbitros, e a sua sentença diz<br />

se laudo. Differem os arbitros dos arbitradores em que<br />

estes sómente são encarregados <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir as questões <strong>de</strong><br />

facto, e aquelles as questões <strong>de</strong> Direito. Os arbitradores<br />

tambem se chamão louvados.<br />

Os arbitros e arbitradores, acceitando a nomeação<br />

e po<strong>de</strong>res eonferidos pelos pactuantes, <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>cidir a<br />

questão, que lhe foi commettida, <strong>segundo</strong> o enten<strong>de</strong>rem<br />

em sua consciencia, e as partes <strong>de</strong>vem sujeitar-se á sua<br />

<strong>de</strong>cisão por virtu<strong>de</strong> do pacto, que fizerão.<br />

Os arbitros porém <strong>de</strong>vem, como juizes, conhecer<br />

da causa, ouvindo as alegações das partes, e exami<br />

mando as provas produzidas por uma e outra, e final<br />

respeito mente dar a pessoa o seu alguma. laudo <strong>segundo</strong> a verda<strong>de</strong> sabida e sem<br />

• •<br />

fa)<br />

Encyclop. Meth., Jurispre v. Transaction,


•<br />

(391 )<br />

$ 633. .<br />

Finalmente ainda a razão <strong>de</strong>scobre outro meio <strong>de</strong><br />

terminar a questão entre os litigantes, i. é, a sorte <strong>de</strong>ci<br />

soria. Martini com razão enumera em nltimo lugar este<br />

meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir <strong>natural</strong>mente o litigio entre as partes;<br />

porque a sorte é cega, e po<strong>de</strong>m por ella consummar-se<br />

as maiores injustiças. Já falámos <strong>de</strong>sta materia (a).<br />

Por esta razão observa Felice (b), que em regra<br />

o expediente da sorte sómente pó<strong>de</strong> ser empregado,<br />

quando a questão versar ácerca d'alguma cousa, que for<br />

objecto da proprieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que o homem livremente<br />

possa dispôr; porque ha obrigações e <strong>direito</strong>s tão sagra<br />

dos e importantes, que o homem não <strong>de</strong>ve submetter a<br />

<strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>lles á sorte, excepto se a isso for forçado pela<br />

collisão d'um mal extremo e tão imminente, que o não<br />

possa d'outro modo evitar,<br />

§ 655. e 656.<br />

Resta examinar a justiça, ou injustiça d'outro meio<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir um litigio, i. é, do duello. Martini tracta esta<br />

questão, não só por Direito Natural, senão ainda por<br />

Direito Divino Positivo. Debaixo <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista<br />

pertence á Theologia. Só examinaremos pois o que dicta<br />

a recta razão, ou o que <strong>de</strong>termina o Direito Natural.<br />

Martini <strong>de</strong>fine duello o combate <strong>de</strong>terminado entre<br />

duas pessoas, que ajustão <strong>de</strong> se baterem em certo lugar<br />

e tempo, e <strong>de</strong> certo modo, a fim <strong>de</strong> pôrem termo pela<br />

victoria a um litigio. .<br />

Lepage (c) <strong>de</strong>fine duello o combate entre duas pes<br />

soas, das quaes uma quer tirar vingança contra a offensa,<br />

que a outra lhe fez.<br />

Em ambas estas accepções se pó<strong>de</strong> tomar o duello.<br />

Nos seculos da ignorancia o duello foi um meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>ci<br />

dir os litigios; as formalida<strong>de</strong>s e circumstancias, com<br />

que se verificavão estes combates judiciarios, estabeleci<br />

(a) S. 447 e 553.<br />

(b) leg. 32.<br />

(c) Élémens <strong>de</strong> la Science du Droit Chap. 2. Art. 4. S.5.


•<br />

(392 )<br />

dos <strong>de</strong>mpelas vêr-se leis embarbaras Montesquieu daquelles (a). tenebrosos tempos, po<br />

•<br />

Parece que S. Luiz fôra o primeiro, que abolíra os<br />

combates judiciarios. Porém <strong>de</strong>pois que os tribunaes da<br />

Europa <strong>de</strong>ixárão <strong>de</strong> os admittir, ainda elles tem conti<br />

nuado por pontos d'honra, e com o fim <strong>de</strong> tirar vingança<br />

d’uma offensa, ou lavar a nódoa d’uma injuria. |-<br />

Martini sómente consi<strong>de</strong>ra o duello <strong>de</strong>baixo do pri<br />

meiro ponto <strong>de</strong> vista, i. é, como meio <strong>de</strong> pôr fim a um<br />

litigio; e nós o consi<strong>de</strong>raremos d’ambos os modos.<br />

Martini sustenta com razão, que o duello é um meio,<br />

além <strong>de</strong> improprio, injusto para <strong>de</strong>cidir uma <strong>de</strong>manda.<br />

As razões, em que se funda, são as seguintes:<br />

. 1." No duello os dous campeões arriscão temera<br />

riamente a vida, não só os membros e a sau<strong>de</strong>. Este<br />

risco é commum tanto ao lesante, como ao lesado, i. é,<br />

tanto ao que tem justiça, como áquelle, que a não tem;<br />

e uma fatal experiencia muitas vezes tem <strong>de</strong>monstrado,<br />

que a superiorida<strong>de</strong> da força, a maior agilida<strong>de</strong>, e até<br />

pequenas circumstancias casuaes, tem feito com que a<br />

victoria profira sentença a favor das maiores injustiças.<br />

2." O duello é além disto um meio injusto <strong>de</strong> ter<br />

minar os litigios. Por quanto, se o <strong>direito</strong> dos litigantes<br />

é duvidoso, elles <strong>de</strong>vem empregar os meios brandos, <strong>de</strong><br />

que temos fallado, para <strong>de</strong>cidirem a questão, e não re<br />

correr ao duello, que é, além dimproprio, um meio ex<br />

tremo (b). -<br />

3." Se porém o <strong>direito</strong> é certo, ainda o duello é<br />

injusto, tanto da parte do lesante, em quanto se propõe<br />

uma nova lesão pelo combate, como da parte do lesado;<br />

porque sem necessida<strong>de</strong> põe em risco uma causa justa,<br />

e o que mais é, a prepria vida, e só por odio e espirito<br />

<strong>de</strong> vingança prefere o duello aos outros meios mais<br />

brandos justiça. <strong>de</strong> terminar a li<strong>de</strong>, e com mais certeza d'obter<br />

•<br />

A estas razões accrescentaremos ainda a seguinte:<br />

4." Admittido este meio barbaro <strong>de</strong> terminar os li<br />

tigios, o seu resultado seria, que aquelle, que fosse do<br />

(a) Esprit <strong>de</strong>s Lois L.28. Ch. 23 e seg.<br />

(b) S. 619.


( 393 )<br />

tado <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>s forças" e agilida<strong>de</strong>, e além disso reunisse<br />

uma aptidão superior no jogo das armas, po<strong>de</strong>ria com se<br />

gurança insultar aos outros, propôr-lhes <strong>de</strong>mandas as mais<br />

injustas com a certeza <strong>de</strong> as vencer, e <strong>de</strong>sta arte ser se<br />

nhor absoluto da vida, da honra e dos bens d'aquelles,<br />

que lhe fossem inferiores naquellas qualida<strong>de</strong>s. A força<br />

produziria <strong>direito</strong>s, contra o que já <strong>de</strong>monstrámos (a).<br />

Não haveria segurança pessoal nem real para os mais fra<br />

cos, que serião victimas dos mais fortes. O duello pois é<br />

improprio para <strong>de</strong>scobrir a verda<strong>de</strong>, e se conhecer <strong>de</strong> que<br />

parte está o <strong>direito</strong>, e sómente serviria para sanccionar as<br />

maiores violencias e injustiças. -<br />

Não é como meio <strong>de</strong> terminar litígios que o duello<br />

<strong>de</strong>ve hoje ser combatido. As provas judiciarias pelo duel<br />

lo, graças aos progressos da civilização, já ha muito tem<br />

po <strong>de</strong>sapparacêrão da Europa culta. E porém mistér<br />

combatêl-o como remedio para vingar uma affronta, ou<br />

lavar uma injuria; porque para este fim <strong>de</strong>sgraçadamente<br />

<strong>de</strong> ainda ignorancià subsistee esse barbarida<strong>de</strong> legado, <strong>de</strong> quenossos <strong>de</strong>ixárão maiores. os seculos<br />

•<br />

O duello, consi<strong>de</strong>rado <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ste ponto <strong>de</strong> vista,<br />

não é menos injusto, do que consi<strong>de</strong>rado como combate<br />

judiciario, Aquelle, que faz o cartel <strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, não pó<strong>de</strong><br />

justificar º seu procedimento aos olhos da razão; porque<br />

irritado pela offensa recebida, ou que accredita recebida,<br />

não tem o sangue frio necessario para julgar da existencia<br />

e gravida<strong>de</strong> da injuria, e muito menos para <strong>de</strong>cidir, se o<br />

combate será igual, ou calcular o risco, a que se expõe.<br />

De mais, se o suicidio e o homicidio são crimes gravissi<br />

mos, com que <strong>direito</strong> pó<strong>de</strong> elle chamar outrem a um<br />

combate, em que necessariamente corre risco não só a<br />

vida d’um, senão a d’ambos ?<br />

Aquelle, que acceita o <strong>de</strong>safio, não é mais razoavel.<br />

Ou elle realmente offen<strong>de</strong>o o seu adversario, e não é ra<br />

zão, que, em lugar <strong>de</strong> lhe reparar a injuria, ajunte ao<br />

primeiro crime novos crimes; ou realmente o não inju<br />

riou, ou a injuria foi leve, e não é razão, que ceda aos<br />

caprichos <strong>de</strong>sarrazoados do seu adversario, expondo-se<br />

ou a ser morto, ou a matal-o.<br />

(a) S. 375.


(394) -<br />

•<br />

Tem-se dito a favor do duello, que lava a <strong>de</strong>shonra<br />

e a vergonha d'um insulto; porque a vergonha e a <strong>de</strong>s<br />

honra não estão em o receber, mas em o consentir e<br />

supportar impunemente. O homem d'honra, que recebeo<br />

injuria, se chama por um cartel o seu adversario a um<br />

duello, e se bate, fica honrado, e não tem vergonha d'ap<br />

parecer diante <strong>de</strong> todo o mundo; porém se pelo con<br />

irario soffre pacientemente a affronta recebida, torna-se<br />

<strong>de</strong>sprezivel aos olhos <strong>de</strong> todos, porque mostra timi<strong>de</strong>z,<br />

fraqueza e cobardia.<br />

Este argumento o que prova é que as solidas idêas<br />

d'honra não tem ainda callado em todos os espiritos, e<br />

que ha muitas pessoas, que erradamente confun<strong>de</strong>m a ver<br />

da<strong>de</strong>ira honra, resultado do mérito e virtu<strong>de</strong>s, com não<br />

sei que honra facticia, que mal se pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir. Aos olhos<br />

da razão esclarecida as injurias injurião mais ao inju<br />

riante, do que ao injuriado. Pó<strong>de</strong> acaso a honra d'um<br />

homem virtuoso estar <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte das loucuras e capri<br />

chos d'um insensato, ou d'um irreflectido e arrebatado ?<br />

Aon<strong>de</strong> está maior valor, em <strong>de</strong>sprezar uma injuria imme<br />

rita com a altivez e consciencia do merecimento proprio,<br />

ou em mostrar-se vulneravel, e succumbir diante <strong>de</strong> qual:<br />

quer attaque, que se lhe dirige? A opinião, que sustenta<br />

o duello, funda-se na verda<strong>de</strong> em uma extravagante com<br />

fusão <strong>de</strong> idêas, que não po<strong>de</strong>m conciliar-se. Por ventura<br />

entre os Gregos e Romanos, póvos tão guerreiros, para<br />

quem teve tanta consi<strong>de</strong>ração o valor e a coragem, forão<br />

usados os duellos pelas injurias pessoaes? Acaso Cesar, diz<br />

Ilousseau, mandou algum cartel a Catão, ou Pompeo a<br />

Cesar ? E o maior capitão da Grecia ficou <strong>de</strong>shonrado por<br />

se <strong>de</strong>ixar ameaçar com um bastão ?. Se estes póvos, os<br />

mais esclarecidos, os mais bravos, e os mais virtuosos da<br />

terra, não usárão do duello para lavar a nódoa das inju<br />

rias, o duello não pó<strong>de</strong> dizer-se uma instituição d'honra,<br />

mas uma moda horrorosa e barbara, digna <strong>de</strong> sua feroz<br />

origem.<br />

•<br />

Diz-se ainda a favor do duello, que é util para en<br />

frear os atrevidos e petulantes, que a cada passo attacão<br />

a honra do homem pru<strong>de</strong>nte e sisudo; porque terão a<br />

certeza <strong>de</strong> que os seus insultos os vão expôr a um duello,<br />

em tando-o, que corre a suarisco honra, a sua vida, * acceitando-o, ou, rejei<br />

• •


(395) •<br />

Este argumento porém não tem a força, que parece<br />

á primeira vista; porque o duello, se por um lado parece<br />

enfrear a audacia, por outro a anima, e lhe dá valor. Ao<br />

duello andão unidas as idêas d'honra e coragem, e bastará<br />

este attractivo para os homens ambiciosos procurarem oc<br />

casiões <strong>de</strong> se baterem. E com effeito não é raro ouvir re<br />

ferir com <strong>de</strong>svanecimento os duellos, em que se entrou,<br />

e as feridas, que se recebêrão, ou se fizerão aos adver<br />

S3 I'lOS,<br />

De mais o maior numero das pessoas ou pelo sexo,<br />

ou pela ida<strong>de</strong>, ou por doentes, ou em fim por mil outras<br />

circumstancias não estão em <strong>estad</strong>o d'enviar um cartel<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio pelas injurias recebidas. Para com todas essas<br />

o argumento não só não pó<strong>de</strong> justificar o duello, senão<br />

ainda a sua instituição as <strong>de</strong>ixaria vergando <strong>de</strong>baixo do<br />

opprobrio <strong>de</strong> não acharem um campeão, que por ellas<br />

quizesse arriscar a vida.<br />

Finalmente admitti o duello, e ahi tereis a pru<strong>de</strong>n<br />

cia, a razão e a justiça submettidas aos caprichos e <strong>de</strong>s<br />

varios <strong>de</strong> qualquer espadachim, que em lugar d’appren<br />

<strong>de</strong>r as sciencias e as artes uteis á socieda<strong>de</strong>, sómente cui<br />

dou em se tornar superiqr no jogo das armas. Todos<br />

aquelles, que reconhecem essa superiorida<strong>de</strong>, e que o<br />

acceitar-lhe um <strong>de</strong>safio é o mesmo, que subscrever a sen<br />

tença da sua morte, ficarião colocados na triste alterna<br />

tiva <strong>de</strong> ou em tudo se submetterem á sua vonta<strong>de</strong> capri<br />

chosa, ou se expôrem a uma morte certa, ou passarem<br />

na opinião <strong>de</strong> toda a gente por fracos e cobar<strong>de</strong>s (a).<br />

•<br />

(a) Rousseau La vouvelle Heloise P. 1. Lettr. 57, Lepage Science<br />

dº Droit Chap. 2. Art. 4. S. 5, Bentham Principes du Co<strong>de</strong> Pénal P. 2.<br />

C. 14, Felice Leg. 32, Montesquieu Esprit <strong>de</strong>s Lois L. 28. C. 23 et seg.


(396 )<br />

·—=oco=-<br />

•<br />

CAP.<br />

XXIV,<br />

DA secIEDADE EM GERAL,<br />

/**<br />

N Ao pareça, que sómente agora vamos a traëtar do<br />

Direito Natural Social, principiando a falar da socieda<strong>de</strong><br />

em geral, e das suas differentes especies; porque os con<br />

tractos, <strong>de</strong> que temos fallado, e os <strong>direito</strong>s absolutos, em<br />

quanto dizem respeito aos outros homens, presuppõem a<br />

existencia da socieda<strong>de</strong>. Tanto as socieda<strong>de</strong>s, como os con<br />

tractos, são factos da vida social. Associeda<strong>de</strong>s tambem são<br />

contractos; há porém gran<strong>de</strong> differença entre umas e ou<br />

tros; o objecto dos contractos é transitorio, e as preten<br />

ções e obrigações, que <strong>de</strong>lles resultão, satisfazem-se por<br />

actos momentaneos; o objecto das socieda<strong>de</strong>s é mais, ou<br />

menos permanente, e tem um fim commum, que sem ces<br />

sar attrahe a activida<strong>de</strong> dos socios (a).<br />

•"<br />

Não tractaremos <strong>de</strong> todas as especies <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s,<br />

Porque algumas pertencem ao Direito Politico, como ve<br />

remos. Só as chamadas menores, que entrão na esfera do<br />

Direito Natural, farão o objecto do nosso exame.<br />

§. 662.<br />

Socieda<strong>de</strong>, diz Martini, é o <strong>estad</strong>o, em que duas,<br />

ou mais pessoas procurão obter um fim commum.<br />

Ahrens (b) <strong>de</strong>fine a socieda<strong>de</strong> a reunião d'um nu<br />

mero maior, ou menor <strong>de</strong> pessoas, que livremente se<br />

obrigárão a procurar por seus esforços reunidos um fim<br />

COIllllllllll.<br />

•<br />

Desta <strong>de</strong>finição se vê, que Ahrens consi<strong>de</strong>ra toda a<br />

socieda<strong>de</strong> como um contracto, quando Martini consi<strong>de</strong>ra<br />

a socieda<strong>de</strong> já como um contracto, e já como um resul<br />

tado da lei; e por isso <strong>de</strong>fine socieda<strong>de</strong> um <strong>estad</strong>o, etc.<br />

Quatro são os requisitos, <strong>segundo</strong> Martini, neces<br />

sarios para haver socieda<strong>de</strong>: 1." um fim commum, por<br />

(a) Ahrens Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part. Spéc. Div. 2. P. 2.<br />

*) Loc, ºit, § 1.


(392)<br />

causa do qual se formou a socieda<strong>de</strong>: 2.° a união <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong>s, ten<strong>de</strong>ndo todas para o fim commum, como<br />

para o seu centro: 3." a união <strong>de</strong> forças dos socios, i. é,<br />

o mutuo adjutorio (a); porque não basta , que as vonta<br />

<strong>de</strong>s estejão unidas, mas é necessario, que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

vonta<strong>de</strong>s an<strong>de</strong> acompanhada do concurso das forças fysi<br />

cas: 4° negocios sociaes, i. é, meios, pelos quaes os socios<br />

procurem obter o fim proposto.<br />

A socieda<strong>de</strong> é um resultado da faculda<strong>de</strong> ou espirito<br />

<strong>natural</strong> d'associação, e do conhecimento, confirmado<br />

pela experiencia <strong>de</strong> todos os dias, <strong>de</strong> que o homem, para<br />

viver, e maiormente para se <strong>de</strong>senvolver e ser feliz, ne<br />

cessita do concurso constante dos seus similhantes. O<br />

germen das socieda<strong>de</strong>s encontra-se na ten<strong>de</strong>ncia instin<br />

ctiva, que o homem tem para a mutua convivencia; po<br />

rém o seu <strong>de</strong>senvolvimento e modificações são <strong>de</strong>vidos<br />

ao progresso das luzes dos individuos e da cultura e ci<br />

vilização dos póvos. A proporção que as luzes se dila<br />

tão, e a civilização cresce, novas relações se <strong>de</strong>scobrem,<br />

que estreitão os vinculos sociaes entre os homens, o<br />

espirito d'associação é mais forte, e a esfera das socie<br />

da<strong>de</strong>s mais larga, as existentes se aperfeiçoão, os novas<br />

se formão com melhor direcção, e todas ellas apparecem<br />

com o sello da superiorida<strong>de</strong> da intelligencia e da von<br />

ta<strong>de</strong> mais livre (6).<br />

§. 663.<br />

\, Martini divi<strong>de</strong> as socieda<strong>de</strong>s em pacticias ou volun<br />

tarias, que são resultado do livre alvedrio dos socios,<br />

que as formárão por contractos; e legaes ou necessarias<br />

aquellas, em que os homens se achão colocados por vir<br />

tu<strong>de</strong> da lei. • , , !<br />

Ahrens é d’opinião, que nenhuma socieda<strong>de</strong> pó<strong>de</strong><br />

ser formada, senão pelo livre consentimento dos mem<br />

bros, que a compõem, i. é, por um contracto. Ahrens<br />

não admitte nem mesmo socieda<strong>de</strong>s creadas por um acto<br />

civil, i. é, pela Lei ou pelo Estado.<br />

•<br />

Esta questão pertence ao Direito Politico. Por agora<br />

(a) S, 357,<br />

(b) S. 356, Ahrens loc. cit. S. 1. |


(398 ) .<br />

só diremos, que nos parece, que em regra as socieda<strong>de</strong>s<br />

são contractos, porém que é forçoso admittir socieda<strong>de</strong>s<br />

legaes e necessarias. A socieda<strong>de</strong> do genero humano,<br />

que Ahrens admitte, quando entre os fins racionaes do<br />

homem, a que se <strong>de</strong>ve dirigir o Direito, conta o fim da<br />

humanida<strong>de</strong>, certo não é obra do livre, consentimento<br />

dos homens, que não foi ella instituida |" algum con<br />

tracto prévio. Nesta gran<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> todos nascem, vi<br />

vem e morrem , e a nenhum homem é dado o não en<br />

trar, ou o saír d’ella. Esta socieda<strong>de</strong> é obra só da nature<br />

za, e por isso da Lei Natural. A união dos pais e dos fi<br />

lhos, a que se costuma chamar tambem socieda<strong>de</strong> paren<br />

ta/, não pó<strong>de</strong> classificar-se senão entre as necessarias e<br />

Jegaes; porque não pó<strong>de</strong> conceber-se acto positivo, que<br />

a institúa pelo Iivre consentimento dos filhos, que fazem<br />

arte d’ella, ainda quando não tem <strong>de</strong>senvolvida a sua<br />

intelligencia, nem po<strong>de</strong>m livremente consentir,<br />

5.664.<br />

Sendo muitos e diversos os <strong>direito</strong>s e fins dos ho<br />

firens, muitas e diversas po<strong>de</strong>m tambem ser as especies<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s. Porém ou sejão pacticias ou legaes, como<br />

a Lei Natural sómente pó<strong>de</strong> mandar o que for bom e<br />

justo, e os contractos não po<strong>de</strong>m ter objecto illicito ou<br />

torpe, é evi<strong>de</strong>nte, que as socieda<strong>de</strong>s, sob pena <strong>de</strong> nulli<br />

da<strong>de</strong> (a), não po<strong>de</strong>m ser iÍlicitas ou injustas.<br />

Vem a pêlo neste lugar a doutrina d'Ahrens (!)<br />

ácerca das diversas especies <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> <strong>segundo</strong> os di<br />

•<br />

versos fins do homem.<br />

«Como o character principal d'uma socieda<strong>de</strong> resi<strong>de</strong><br />

no fim particular, que prosegue, ha tantas especies <strong>de</strong><br />

socieda<strong>de</strong>, como ha <strong>de</strong> fins principaes para o homem e<br />

para a vida humana. Vimos na classificação dos <strong>direito</strong>s,<br />

que estes fins geraes são — a Religião, a Moral, a Scieu<br />

cia, as Bellas Ártes, a Industria, o Commercio e o Di<br />

reito. Todas as socieda<strong>de</strong>s pois são— ou religiosas, ou<br />

moraes, ou scientificas, etc. Porém tambem vimos igual<br />

to, S. 471. |-<br />

(*) Lºc, cit. S. a.<br />

T+


(39 )<br />

imente, que ha uma segunda" categoria <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s<br />

principaes, que abração em gráos differentes a persona<br />

lida<strong>de</strong> inteira dos membros reunidos, taes como a socie<br />

da<strong>de</strong> da familia, do município, da nação , que até ao pre<br />

sente é o ultimo gráo d’associação; porém para o futuro<br />

pó<strong>de</strong> passar-se além <strong>de</strong>lla á fe<strong>de</strong>ração dos póvos, e ain<br />

da á <strong>de</strong> toda a humanida<strong>de</strong>. As socieda<strong>de</strong>s da personali<br />

lida<strong>de</strong> são os fócos, que concentrão em uma esfera maís<br />

ou menos extensa tudo o que é humano, que reúnem<br />

todas as faculda<strong>de</strong>s, todas as affecções, todos os fins da<br />

natureza humana. Assim a familia é, ou <strong>de</strong>ve ser o cen<br />

tro, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolva a natureza humana <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong><br />

todas as suas faces, on<strong>de</strong> se cultivem a Religião, a Scien<br />

cia, as Artes, a Industria, o Commercio e a Justiça; e<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>ste aspecto a familia é ao mesmo tempo uma<br />

instituição religiosa, moral, juridica, etc. O mesmo sine<br />

ce<strong>de</strong> com o município, como reunião <strong>de</strong> familias, e cora<br />

o povo, como reunião <strong>de</strong> municipios.<br />

«Acontece differentemente na primeira categoria<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s, que se limitão ao conseguimento d'una<br />

fim particular, com quanto fundamental, da nature<br />

za humana. Nenhuma <strong>de</strong>stas socieda<strong>de</strong>s abarca o hô<br />

mem todo inteiro, nem <strong>de</strong>ve absorver toda a sua activi<br />

da<strong>de</strong>. A harmonia do <strong>de</strong>senvolvimento humano exige<br />

que o homem, ainda que escolha <strong>segundo</strong> a sua vocação<br />

aum dos fins, que pô<strong>de</strong> propôr-se, cultive todavia em pro<br />

porção as outras esferas da intelligencia e da vida.<br />

« Porém estas socieda<strong>de</strong>s, que se referem aos fins<br />

principaes da vida humana, po<strong>de</strong>m ser, quanto á sua<br />

duração, <strong>de</strong> duas especies, perpetuas ou temporárias.<br />

Aetualmente não ha mais do que duas socieda<strong>de</strong>s, que<br />

sejão perpetuas, a socieda<strong>de</strong> politica e <strong>de</strong> Direito, cha<br />

mada Estado, e a socieda<strong>de</strong> religiosa. As outras socie<br />

da<strong>de</strong>s, que proseguem fins igualmente importantes, não<br />

tem chegado até agora a uma organização central; se<br />

guem todavia dispersas em pequenas fracções, ainda que<br />

amanifestão uma teu <strong>de</strong>ucia pronunciada a reunir-se por<br />

meio d'associações em centros mais extensos. Mas qual<br />

quer que seja o porvir das socieda<strong>de</strong>s quanto ao seu pro<br />

gresso d'organização e centralização, é sempre certo,<br />

4ue o homem pó<strong>de</strong> preseguir em todas estas direcções


| (4oo )<br />

sociaes fins mais ou menos temporarios; e por consequen<br />

cia que <strong>de</strong>ve ter o <strong>direito</strong>, para este effeito, <strong>de</strong> se reu<br />

nir em socieda<strong>de</strong>. E como vimos que um só fim não<br />

<strong>de</strong>ve absorver toda a activida<strong>de</strong> do homem; como <strong>de</strong>ve<br />

conservar e exercer a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar, <strong>segundo</strong><br />

sua escolha, do conseguimento <strong>de</strong> todos os fins sociaes<br />

importantes: é necessario que as leis não estabeleção fór<br />

mas, pelas quaes o homem fique ligado com todos os<br />

meios intellectuaes e materiaes a uma associação ou a<br />

•<br />

uma só empresa.<br />

§. 665.<br />

Toda a socieda<strong>de</strong> se pó<strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar como uma pes<br />

soa moral; porque assim como a vonta<strong>de</strong> e as forças fy<br />

sicas <strong>de</strong> qualquer pessoa <strong>natural</strong> <strong>de</strong>vem conspirar para o<br />

seu fim e <strong>de</strong>stino, da mesma sorte todos os socios, mem<br />

bros <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vem unir suas vonta<strong>de</strong>s<br />

e forças para conseguirem o fim social. Assim como toda<br />

a pessoa <strong>natural</strong> é investida dos <strong>direito</strong>s indispensaveis<br />

para chegar ao seu fim, assim tambem a pessoa moral da<br />

socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve gozar dos <strong>direito</strong>s necessarios para po<strong>de</strong>r<br />

obter o fim, que se propõe.<br />

•<br />

Os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong> são <strong>de</strong> duas espe<br />

cies, internos e externos; aquelles competem aos socios<br />

com relação aos outros socios; estes competem aos so<br />

cios, ou antes ao seu complexo, i. é, á pessoa moral da<br />

socieda<strong>de</strong>, para com as pessoas, que não são socios. Mar<br />

tini tracta primeiro do <strong>direito</strong> interno da socieda<strong>de</strong>, e só<br />

no §. 692 tracta do <strong>direito</strong> externo.<br />

§ 667.<br />

O fim da socieda<strong>de</strong> marca a sua natureza e especie;<br />

<strong>de</strong>ste fim pois se <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>duzir o principio cognoscitivo<br />

dos <strong>direito</strong>s e obrigações dos socios, e pó<strong>de</strong> formular-se<br />

assim— Fini societatis convenienter vivas.<br />

$.668.<br />

Aquelle, que usurpa <strong>direito</strong>s alheios, ou embaraçº


•<br />

(4o 1 )<br />

outrem <strong>de</strong> usar dos seus <strong>direito</strong>s, faz, como vimos (a),<br />

lesão. Por on<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ver, que lesa os outros aquelle so<br />

cio, que: 1.° preten<strong>de</strong> maiores <strong>direito</strong>s, do que lhe com<br />

petem <strong>segundo</strong> o pacto ou o fim da socieda<strong>de</strong>: 2.º que<br />

impe<strong>de</strong> os outros socios no exercicio dos <strong>direito</strong>s, que<br />

lhe pertencem.<br />

Para se conhecerem os <strong>direito</strong>s e obrigações dos so<br />

cios, e o modo, por que cada um pó<strong>de</strong> compellir os ou<br />

tros ao cumprimento das suas obrigações, importa atten<br />

<strong>de</strong>r nas socieda<strong>de</strong>s legaes ao seu fim e natureza, e nas<br />

Pacticias á organização, que os socios lhe <strong>de</strong>rão.<br />

« Uma socieda<strong>de</strong>, diz Ahrens, presuppõe a existen<br />

cia <strong>de</strong> dous contractos, chamados — um pacto d’união, e<br />

o outro — pacto <strong>de</strong> constituição. O primeiro é o contracto<br />

preliminar, no qual sómente se convém ácerca do fim da<br />

socieda<strong>de</strong>. Logo que os pactuantes se achão d'acordo<br />

sobre o fim, o pacto d'união existe <strong>de</strong> facto, ainda que<br />

não esteja revestido <strong>de</strong> fórmas solemnes; mas a socieda<strong>de</strong><br />

não existe ainda por este só contracto. Porquanto todos<br />

os pactuantes po<strong>de</strong>m estar unanimes sobre o fim, sem<br />

estarem <strong>de</strong> acordo ácerca dos meios, que se <strong>de</strong>vem empre<br />

gar para o conseguir. E visto como cada um <strong>de</strong>ve livre<br />

mente consentir tambem sobre os meios, com que ha <strong>de</strong><br />

pela sua parte contribuir, uma socieda<strong>de</strong> não está <strong>de</strong>fini<br />

tivamente constituida, senão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> se ter verificado o<br />

consentimento geral <strong>de</strong> todos os membros ácerca dos<br />

meios d'acção. Portanto ainda <strong>de</strong>pois do pacto d'união é<br />

permittido a cada membro retirar-se da socieda<strong>de</strong>, se lhe<br />

não convêm os meios propostos. Além disto é mistér para<br />

a constituição <strong>de</strong>finitiva, e até esse momento, a unanini<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os membros. A este respeito nenhuma<br />

maioria pó<strong>de</strong> ligar a minoria, ainda que fosse d'um voto.<br />

_ « O contracto da constituição <strong>de</strong>termina as condi<br />

*ões geraes, <strong>de</strong>baixo das quaes todos os membros con<br />

sentem em cooperar para o fim da socieda<strong>de</strong>. Estas con<br />

dições formão as leis fundamentaes do pacto social. Po<br />

rém o pacto <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong>ve não só indicar as leis,<br />

<strong>de</strong>baixo das quaes se ha <strong>de</strong> obrar, senão tambem fixar<br />

o modo, <strong>segundo</strong> o qual a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve pôr-se em ac<br />

(a) S. 147.<br />

N


( 4o2 )<br />

ção. Como o fim da socieda<strong>de</strong> é um, é necessario que<br />

toda a acção marche para este fim, e que a socieda<strong>de</strong> por<br />

consequencia receba uma direcção uniforme. Esta uni<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> direcção pó<strong>de</strong> ser o resultado do concurso una<br />

nime <strong>de</strong> todos os membros; porém ainda que tal-unani<br />

mida<strong>de</strong>, por pequena que seja a socieda<strong>de</strong>, raras vezes<br />

existe na socieda<strong>de</strong>, qualquer socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve approximar<br />

se <strong>de</strong>ste typo i<strong>de</strong>al, como com effeito se approxima, á me.<br />

dida que é mais claramente conhecido o fim social em si<br />

mesmo e em todas as suas exigencias, e á medida que está<br />

mais intimamente ligado o interesse geral com o interesse<br />

particular; mas nem por isso se <strong>de</strong>ve exigir a realização<br />

<strong>de</strong> tal principio em uma socieda<strong>de</strong>, na qual as opiniões<br />

e as vonta<strong>de</strong>s, apezar <strong>de</strong> seu acordo sobre o fim geral,<br />

estão, <strong>segundo</strong> o interesse particular predominante, mui<br />

tas vezes mui divergentes em certos casos, em que se<br />

tracta <strong>de</strong> pôr em execução uma lei ou um dos meios so<br />

ciaes. E mistér pois que os socios <strong>de</strong>leguem a administra<br />

ção ou a direcção da socieda<strong>de</strong>, como funcção social,<br />

naquellas pessoas, que julgarem eapazes. Em todos os<br />

casos, em que não ha um só director responsavel, e a<br />

administração dos negocios se faz pelo concurso <strong>de</strong> to<br />

dos, ou por muitos administradores eleitos, importa que<br />

o contracto <strong>de</strong> constituição regule o modo do suffragio,<br />

e <strong>de</strong>termine a maioria, que ha <strong>de</strong> ser necessaria para<br />

que as <strong>de</strong>cisões obriguem a todos os membros.<br />

º « Como em toda a socieda<strong>de</strong> pó <strong>de</strong> haver contesta<br />

ções, já entre os membros, e já entre os membros e a<br />

administração, o contracto <strong>de</strong> constituição <strong>de</strong>signará uma<br />

auctorida<strong>de</strong> judicial, encarregada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir os casos<br />

particulares <strong>segundo</strong> as leis geraes e o contracto parti<br />

cular da socieda<strong>de</strong>. Esta auctorida<strong>de</strong> é para as socieda<strong>de</strong>s<br />

temporarias o po<strong>de</strong>r judicial do Estado: porém a consti<br />

tuição d’uma socieda<strong>de</strong> pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar outro modo <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>cisão, por exemplo, a <strong>de</strong>cisão d'arbitros.<br />

•<br />

« Justamente tem notado muitos auctores, que além<br />

<strong>de</strong>stas auctoridadés administrativas e judiciaes, era con<br />

veniente a toda a socieda<strong>de</strong> uma auctorida<strong>de</strong> d'inspecção,<br />

encarregada <strong>de</strong> velar, que a socieda<strong>de</strong> não se <strong>de</strong>sviº<br />

nem do fim, nem dos meios, adoptados em sua consti<br />

tuição. Porém o estabelecimento <strong>de</strong>sta auctorida<strong>de</strong><br />

li (1O


+ (<br />

- *<br />

4o3 )<br />

não pó<strong>de</strong> abandonar-se inteiramente á sócieda<strong>de</strong> mesma.<br />

Como não só está interessada a socieda<strong>de</strong> particular, <strong>de</strong><br />

que se tracta, em que se execute fielmente o pacto <strong>de</strong><br />

sua constituição, senão tambem todas as socieda<strong>de</strong>s<br />

existentes tem interesse em que cada uma se contenha<br />

<strong>de</strong>ntro do circulo <strong>de</strong> suas attribuições, que cumpra todas<br />

as suas obrigações, e que não se intrometta nos <strong>direito</strong>s das<br />

<strong>de</strong>mais, é necessario que o Estado, que é como que a So<br />

cieda<strong>de</strong> geral, que representa o principio do Direito,<br />

possa assegurar-se <strong>de</strong> que cada socieda<strong>de</strong> permanece fiel<br />

á sua constituição, e cumpre a respeito das <strong>de</strong>mais as con<br />

dições geraes <strong>de</strong> coexistencia. Por esta razão a eleição da<br />

auctorida<strong>de</strong> d'inspecção <strong>de</strong>ve ser feita conjunctamente<br />

pela socieda<strong>de</strong> e pelo Estado. -<br />

« As differentes funcções sociaes são commummente<br />

chamadas po<strong>de</strong>res sociaes, e são os po<strong>de</strong>res legislativo,<br />

administrativo, judicial, e d'inspecção, . . .<br />

« Nas socieda<strong>de</strong>s, em que se não ha fixado <strong>de</strong>s<strong>de</strong> e<br />

principio o numero dos membros, que hão <strong>de</strong> com<br />

- pôl-as, e que por conseguinte se tem reservado a liber<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> receber novos membros, os associados geral<br />

mente não eooperão todos para a constituição da so<br />

cieda<strong>de</strong>; porém os novos membros adherem a ella no<br />

momento da sua admissão. Pelo contrario nas socieda<br />

<strong>de</strong>s, em que o numero dos socios, ou das acções é fixa<br />

do <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o principio, a constituição <strong>de</strong>finitiva não <strong>de</strong>ve<br />

ter lugar, senão pelo concurso e <strong>de</strong>liberação <strong>de</strong> todos<br />

aquelles, que, tendo manif<strong>estad</strong>o a intenção <strong>de</strong> virem a<br />

ser membros da socieda<strong>de</strong>, tiverem concorrido nesta<br />

qualida<strong>de</strong> ao pacto prece<strong>de</strong>nte d'união. Muitas vezes na<br />

pratica não se segue este modo justo e racionavel <strong>de</strong> for<br />

mação d’uma socieda<strong>de</strong>; mas nestes casos, em que uma<br />

minoria faz a lei para a maioria, os interesses do maior<br />

numero são d’ordinario mais ou menos prejudicados em<br />

proveito administração daquelles, (a). que se tem repartido as funcções da<br />

• • -<br />

§ 67o. *<br />

ti + * *<br />

Os socios tem obrigações provenientes da socieda<strong>de</strong>;<br />

• • - • + —<br />

(a) Ahrens lec. cit. S. 3. : -<br />

}}. 26<br />

* * * * *


(4o4)<br />

porém estas obrigações não se exten<strong>de</strong>m além dos limites<br />

marcados pelo contracto, ou pelo fim da socieda<strong>de</strong>. Estas<br />

obrigação restringem a liberda<strong>de</strong> dos socios; mas além<br />

d’ellas os socios ficão gozando da sua liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>,<br />

e po<strong>de</strong>m fazer tudo o que lhes aprouver,<br />

§. 674.<br />

Divi<strong>de</strong> Martini a socieda<strong>de</strong> em simples e composta,<br />

<strong>segundo</strong> a socieda<strong>de</strong> é, ou não, formada <strong>de</strong> differentes so<br />

cieda<strong>de</strong>s componentes. Associeda<strong>de</strong>s simplices estão para<br />

com a socieda<strong>de</strong> composta, como os socios estão para com<br />

a socieda<strong>de</strong> simples: por isso assim como os socios <strong>de</strong>vem<br />

trabalhar por obter o fim da socieda<strong>de</strong> simples, e antepôr<br />

o bem da socieda<strong>de</strong> ao seu particular, pela regra — que o<br />

bem maior <strong>de</strong>ve ser preferido ao menor; assim tambem<br />

na collisão entre o bem <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong> simples e<br />

o da socieda<strong>de</strong> composta, este <strong>de</strong>ve pravalecer.<br />

#<br />

Faz outra divisão da socieda<strong>de</strong> em igual e <strong>de</strong>sigual.<br />

Nesta ha <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia e sujeição, superiores e inferiores;<br />

naquella todos os socios tem iguaes <strong>direito</strong>s, nenhum é<br />

superior, ou inferior aos outros.<br />

§. 692,<br />

A socieda<strong>de</strong>, como pessoa moral, á similhança <strong>de</strong><br />

qualquer pessoa <strong>natural</strong> ou fysica, goza dos <strong>direito</strong>s abso<br />

lutos ou universaes, v. g., <strong>de</strong> conservação, digualda<strong>de</strong>,<br />

d'in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, etc.; e hypotheticos ou particulares,<br />

e acquiridos, os quaes todos pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r pelos meios<br />

proporcionados.<br />

verda<strong>de</strong> que as socieda<strong>de</strong>s pacticias são obra da<br />

vonta<strong>de</strong> dos homens, e o facto do contracto é que lhes dá<br />

origem; e por isso parece, que os seus <strong>direito</strong>s todos <strong>de</strong><br />

vem ser hypotheticos e acquiridos. Porém os fins dos<br />

homens, a que elas se dirigem, não são obra dos homens,<br />

mas sim resultados necessarios da matureza humana. Por<br />

tanto os <strong>direito</strong>s, que se fundão na matureza das socie


•<br />

( 4o5 )<br />

da<strong>de</strong>s, ou antes dos homens, que as conspõem, po<strong>de</strong>m<br />

dizer-se naturaes e absolutos.<br />

Como Martini apenas toca no <strong>direito</strong> externo da so<br />

algum cieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>senvolvimento.<br />

e a materia seja importante, cumpre dar-lhe<br />

« O <strong>direito</strong> externo da socieda<strong>de</strong> , diz Ahrens, com<br />

prehen<strong>de</strong> o complexo das condições positivas, ou nega<br />

tivas, que os individuos e as socieda<strong>de</strong>s estranhas a ella<br />

<strong>de</strong>vem subministrar-lhe para sua existencia e <strong>de</strong>senvol<br />

vimento. Como toda a socieda<strong>de</strong>, por causa do fim ra<br />

cional, que prosegue, tem o <strong>direito</strong> <strong>natural</strong> d'existir, <strong>de</strong><br />

conservar-se e <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver-se, pó<strong>de</strong> exigir, que nin<br />

guem attente contra ella. Sendo uma pessoa moral, é<br />

tambem dotada da faculda<strong>de</strong> da liberda<strong>de</strong>; pó<strong>de</strong> orga<br />

nizar-se livremente quanto ao seu interior, escolher os<br />

"meios, que lhe parecerem mais convenientes para alcan<br />

car o seu fim, guardando as condiçóes geraes da justiça;<br />

-e para que esta liberda<strong>de</strong> seja respeitada, é necessario,<br />

que toda a pessoa individual ou moral se abstenha <strong>de</strong><br />

intervir na organização ou nos actos interiores da socie<br />

da<strong>de</strong>. De mais toda a socieda<strong>de</strong> possue tambem a facul<br />

da<strong>de</strong> moral <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>; pó<strong>de</strong> por conseguinte en<br />

trar em relações mais ou menos duraveis com outras pes.<br />

soas individuaes ou moraes; pó<strong>de</strong> celebrar contractos; até<br />

mesmo pó<strong>de</strong> associar-se com outras socieda<strong>de</strong>s para obter<br />

um fim mais geral e commum; em fim toda a socieda<strong>de</strong><br />

pó<strong>de</strong> exigir, que se lhe respeite a sua moralida<strong>de</strong> e a sua<br />

honra, que resi<strong>de</strong>m no fim racional e moral, que se<br />

propoe.<br />

« Em quanto ao <strong>direito</strong> externo, ha uma differença<br />

iniportante entre as socieda<strong>de</strong>s, que acquirem as condi<br />

ções exteriores ou materiaes da sua existencia e <strong>de</strong> seu .<br />

<strong>de</strong>senvolvimento pela realização mesma do seu fim, e<br />

aquellas, cujo fim é mais ou menos intellectual e moral<br />

propriamente dito, o qual não produz, ao tempo <strong>de</strong> cum<br />

prir-se, effeitos materiaes sufficientes para satisfazer as ne<br />

cessida<strong>de</strong>s sociaes. As socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sta especie, taes como<br />

as socieda<strong>de</strong>s scientificas, artisticas, as aca<strong>de</strong>mias, asso<br />

cieda<strong>de</strong>s d'instrucção, etc., po<strong>de</strong>m preten<strong>de</strong>r com <strong>direito</strong>,<br />

— que as outras, e nomeadamente o Estado, que tem por<br />

fim a realização social do Direito, lhes subministrem as


*<br />

• (4o6)<br />

condições necessarias para a sua existencia, sem que o<br />

Estado todavia por este auxilio se possa accreditar com<br />

um titulo para intervir em sua organização interior, ou<br />

para inteiramente as colocar <strong>de</strong>baixo da sua direcção.<br />

Toda a socieda<strong>de</strong>, que se propõe um fim moral, <strong>de</strong>ve<br />

conservar sua liberda<strong>de</strong> e sua in<strong>de</strong>pencia interior; o<br />

Estado, auxiliando-a com meios externos para conse<br />

guimento d'elle, tem sómente o <strong>direito</strong>, que por outra<br />

parte conserva com relação a qualquer socieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong><br />

exercer em concorrencia com os funccionarios d’esta<br />

po<strong>de</strong>r d'inspecção, para assegurar-se <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong><br />

permanece no circulo das suas attribuições, tal como tem<br />

sido traçado por sua constituição, e que os meios, que<br />

ella emprega, e para os quaes o Estado contribue, são<br />

effectivamente empregados para alcançar o fim social.<br />

« Um <strong>direito</strong> particular; relativo ao <strong>de</strong>senvolvimento<br />

da socieda<strong>de</strong>, consiste (quanto ás socieda<strong>de</strong>s particula<br />

res, que na vida social se encontrão ainda mais ou me<br />

nos <strong>de</strong>baixo da tutela d'outras socieda<strong>de</strong>s mais forte<br />

mente constituidas) em que po<strong>de</strong>m preten<strong>de</strong>r o gozo <strong>de</strong><br />

sua in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia, e <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> <strong>natural</strong>, fogo que<br />

a razão soeial se manifeste por provas, que <strong>de</strong>notem,<br />

que os homens reunidos reclamão a in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia para<br />

tai, ou qual fim, para tal ou qual esfera da vida social.<br />

O <strong>direito</strong> <strong>de</strong>mancipação foi reclamado noutro tempo á<br />

Igreja pelo Estado; este <strong>direito</strong> está quasi conquistado<br />

actualmente pela Industria e pelo Commercio; mas está<br />

por conquistar para as Sciencias e para as Artes (a).<br />

§ 693.<br />

Viste como, diz Martini, o fundamento <strong>de</strong> toda a<br />

socieda<strong>de</strong> é ou a lei, ou o contracto, é <strong>de</strong> vêr, que a so.<br />

cieda<strong>de</strong> acaba todas as vezes que ou cessa a razão da lei,<br />

i. é, o fim, que ella teve em vista, ou o pacto se dis<br />

solve.<br />

•<br />

Quanto ás socieda<strong>de</strong>s legaes, em verda<strong>de</strong> só po<strong>de</strong>m<br />

acabar, quando cessa a razão da lei, preenchido o fim,<br />

que a mesma lei teve em vista; dahi em diante a lei<br />

A — 1–<br />

(a) Ahrens loc, cit. S, 4. •<br />

- - - - - - - -<br />

o


( 4o7)<br />

não manda, a socieda<strong>de</strong> carece <strong>de</strong> fundamento, i. é,<br />

<strong>de</strong>ixa d'existir; porém em quanto durar a razão da lei,<br />

como esta existe in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da vonta<strong>de</strong> dos so<br />

cios, e está acima do seu alvedrio, nenhum socio se pó<br />

<strong>de</strong> subtrahir á socieda<strong>de</strong>, ou eximir da obrigação <strong>de</strong> con<br />

correr na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> socio para se obter o fim da so<br />

cieda<strong>de</strong>.<br />

Pelo que pertence ás socieda<strong>de</strong>s pacticias, afóra o<br />

casos, em que ellas se extinguem, se algum socio re<br />

nunciar á socieda<strong>de</strong>, nem por isso esta <strong>de</strong>ve logo julgar<br />

se extincta, porque pó<strong>de</strong> subsistir entre os <strong>de</strong>mais, que<br />

po<strong>de</strong>m ou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar aquelle como socio para .<br />

todos os effeitos da socieda<strong>de</strong>, ou compellil-o a cumprir<br />

as suas obrigações sociaes, ou, sendo este cumprimento<br />

impossivel, a reparar o damno por uma plena satisfac<br />

ção (a). -<br />

E quando é que acabão as socieda<strong>de</strong>s pacticias? Já<br />

dissemos, quando e como acabão as socieda<strong>de</strong>s commer<br />

ciaes, ou industriaes (b); porém relativamente a todas as<br />

outras, pó<strong>de</strong> dizer-se em geral, que incontestavelmen<br />

te acabão as temporarias, 1.° findo o tempo <strong>de</strong>finido<br />

no contracto; 2.° alcançado o fim, por que forão consti<br />

tuidas: e sendo perpetuas, 1.° morrendo os socios, ou<br />

todos, ou tantos, que os restantes não são sufficientes<br />

para a socieda<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r progredir; 2.° quando a conti<br />

nuação da socieda<strong>de</strong> se torna impossivel por algum acon<br />

cimento estranho aos socios, v. g., guerra, peste, etc.; 3.”<br />

pelo mutuo dissenso (c).<br />

Finalmente em quanto ás socieda<strong>de</strong>s perpetuas, ain<br />

da que eternas com relação ao seu fim, tem os socios a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> abandonal-as, e passar d’uma para outra,<br />

que lhe pareça melhor organizada. Até agora só temos<br />

duas socieda<strong>de</strong>s perpetuas, a saber, a Igreja e o Estado.<br />

Todas as outras, que po<strong>de</strong>m vir a ser perpetuas, são as<br />

que se dirigem aos fins eternos, <strong>segundo</strong> a natureza do<br />

homem, — a Moral, as Sciencias, as Artes, e o Com<br />

mercio, Estas socieda<strong>de</strong>s ten<strong>de</strong>m constantemente a perpe<br />

(a) Sr. Fortuna L. 2. P. 3. C. 1. S.779,<br />

(b) S. 549 e 55o.<br />

º (e) Sr. Fortuna loc. cit.<br />


( 408)<br />

tuar-se por meio d’uma associação mais extensa e mais<br />

uniforme. Estas socieda<strong>de</strong>s não <strong>de</strong>vem acabar, mas só<br />

mente transformar-se e melhorar-se, á proporção que as<br />

novas gerações, que nascerem em seu seio, forem acqui<br />

rindo idêas mais exactas ácerca dos seus respeotivos fins,<br />

e dos meios mais proficuos para os conseguirem (*).……<br />

+-- ---- … "… ! •<br />

CAP. XXV. •<br />

……… * * • *<br />

* * * * *<br />

** . BA SOCIEDADE CONJUGAL. º<br />

*<br />

As socieda<strong>de</strong>s fundamentaes divi<strong>de</strong>m-se , como vi<br />

mos (é), em duas classes: umas, que abrangem toda a vida<br />

das pessoas associadas; e outras, que só eomprehen<strong>de</strong>m<br />

certos fins principaes do homem, sem obrigar a per<br />

sonafida<strong>de</strong> inteira por toda a vida. Só pertence ao Di<br />

reito Natural a familia, e aquellas socieda<strong>de</strong>s, que são<br />

preparatorias para ella. Todas as outras pertencem ao<br />

Direito Politico. . |-<br />

§. 697.<br />

Matrimonio, diz Martini, é a união <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong><br />

differente sexo com o fim <strong>de</strong> procrear e educar a prole.<br />

As pessoas, ligadas pelo matrimonio, dizem-se conjuges;<br />

o varão chama-se marido, e a femea mulher. … …<br />

Já dissemos, que o fim <strong>de</strong> qualquer socieda<strong>de</strong> era<br />

o principio fecundo, pelo qual se podia conhecer a sua<br />

natureza, e <strong>de</strong>terminar os <strong>direito</strong>s e obrigações dos so<br />

cios. Examinemos pois, quaes são os fins do matrimonio,<br />

e qual é a sua natureza. … … e º<br />

Martini assigna-lhe por fim a procreação e educa<br />

ção da prole. Não se pó<strong>de</strong> duvidar, que qualquer <strong>de</strong>stes<br />

fins pertença ao matrimonio. "… .<br />

Quanto á procriação. O instincto da conservação<br />

esclarecido pela intelligencia, teria bastado para preser<br />

var os seres creados - da sua prompta <strong>de</strong>struição. - Porém<br />

(a) Ahrens loc. cit., S. 5,<br />

(b) S. 556.<br />

F


*<br />

( 4o9 )<br />

outra lei era necessaria para a propagação das especies,<br />

que sem ella terião <strong>de</strong>sapparecido da superficie da terra.<br />

A natureza, sempre bemfazeja, tem provido com previ<br />

<strong>de</strong>ncia á conservação das especies por outro instincto,<br />

que se pó<strong>de</strong> chamar sentimento <strong>de</strong> propagação. Este instin<br />

cto, <strong>de</strong>spido <strong>de</strong> tudo o que tem <strong>de</strong> material entre os bru<br />

tos, e combinado com os outros principios da natureza<br />

humana, produz esse sentimento vivo e <strong>de</strong>licioso, que<br />

nos attrahe para o outro sexo, que nos une ao individuo<br />

<strong>de</strong>sse sexo, nos torna felizes só com sua felicida<strong>de</strong>, e<br />

i<strong>de</strong>ntifica nossa existencia com a do ser, que amamos.<br />

, , A procreação pois dos filhos é indispensavel para<br />

se satisfazer ás vistas da natureza, e não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

ser um dos fins do matrimonio. . . . . . . . * * *<br />

..… Quanto á educação da prole. Pouco basta dizer;<br />

porque sem a mão bem fazeja dos pais os filhos, não po<br />

<strong>de</strong>rião conservar-se, nem <strong>de</strong>senvolver suas, faculda<strong>de</strong>s<br />

fysicas e intellectuaes; não po<strong>de</strong>rião ser homens. A edu<br />

cação é-lhes tão necessaria, como a existencia. A educação<br />

pois é sem dúvida tambem um dos fins do matrimonio.<br />

Porém a questão não é, se a procreação e a educação<br />

são fins do matrimonio; mas se além <strong>de</strong>stes ainda outros<br />

se lhe po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>scobrir. Vejamos o que a este respeito<br />

pensão os Philosophos Allemães, e sirva-nos <strong>de</strong> guia<br />

Ahrens. }" •<br />

* * * * * *<br />

. « A natureza, creando os dous sexos, cada um com<br />

character e qualida<strong>de</strong>s differentes, <strong>de</strong>positou n’elles, por<br />

meio <strong>de</strong>sta organização, o <strong>de</strong>sejo reciproco <strong>de</strong> se unirem,<br />

para se completarem um pelo outro, para se constituirem<br />

<strong>de</strong>sta arte uma personalida<strong>de</strong> humana perfeita, e para<br />

chegarem a ser por sua união a causa da propagação do<br />

genero humano. Com effeito o character opposto na con<br />

stituição fysica e inteliectual do homem e da mulher pro:<br />

duz o amor, que vai sempre acompanhado dum senti<br />

mento <strong>de</strong> vasio e <strong>de</strong> lacuna, que sómente a união pó<strong>de</strong><br />

encher. Este <strong>de</strong>sejo da união é o d’uma união não parcial,<br />

mas completa, que abraça todas as faces da natureza ou<br />

da personalida<strong>de</strong> sexual. O amor verda<strong>de</strong>iro, e o só dignº<br />

do homem, é aquelle, que ao mesmo tempo se exten<strong>de</strong><br />

ao espirito e ao corpo, o que abrange toda a humana in<br />

dividualida<strong>de</strong>. Um amor puramente fysico convém aº


( 4ro )<br />

bruto, mas não a um ser, dotado d'intelligencia, capaz<br />

<strong>de</strong> sentimentos mais elevados, chamado a moralizar todos<br />

os seus actos pela intervenção <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s intelle<br />

ctuaes, e até a imprimir em seus actos fysicos aquelle<br />

character <strong>de</strong> dignida<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>nota n’elle a consciencia<br />

<strong>de</strong> sua natureza mais nobre.<br />

« Se tal é o amor, fundamento da união dos sexos<br />

no genero humano, o matrimonio não pó<strong>de</strong> ter outro<br />

fim, senão o ser a expressão da consagração social <strong>de</strong>sta<br />

affecção. O fim pois do matrintonio é estabelecer uma<br />

troca contínua, e prover á satisfacção <strong>de</strong> todos as affec<br />

ções fysicas e moraes, em outros termos, o seu fim é<br />

estabelecer uma communhão <strong>de</strong> toda a vida, moral e fy<br />

sica, entre duas pessoas <strong>de</strong> sexo differente. O seu fim não<br />

pó<strong>de</strong> pois consistir, como tem querido muitos auctores,<br />

unicamente na procreação e educação dos filhos, pois<br />

que a procreação em todos os casos não é senão um ob<br />

fim parcial, e que se concebe mais justamente como<br />

e/feito <strong>natural</strong>, do que como fim do amor dos dous se<br />

xos. Na verda<strong>de</strong>, se consistisse n’este facto o fim do matri<br />

monio, não po<strong>de</strong>rião as leis permittir que contrahissem<br />

matrimonio pessoas, que por sua mui avançada ida<strong>de</strong> não<br />

po<strong>de</strong>m procrear; porém o uso nesta parte tem <strong>estad</strong>o mais<br />

d'acordo com a verda<strong>de</strong>ira noção do matrimonio, do que<br />

essas theorias exclusivas. Tambem não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>finir-se o<br />

matrimonio, como fizerão alguns auctores, dizendo, que<br />

é a união <strong>de</strong> duas pessoas <strong>de</strong> sexo diverso para a morali<br />

zapão do instincto <strong>natural</strong> do sexo, e das relações natu<br />

raes por elle estabelecidas; porque nesta noção tambem<br />

se põe o fim principal na satisfacção moral do instincto<br />

sexual, que não é mais do que um fim parcial, em quanto<br />

o matrimonio está fundado na satisfacção moral <strong>de</strong> to<br />

das as necessida<strong>de</strong>s intellectuaes e fysicas da vida humana.<br />

« O matrimonio é pois em sua natureza e em seu<br />

fim mutiplice, como a vida mesma do homem; é o fóco<br />

intimo, d’on<strong>de</strong> se reflecte tudo o que é humano; um cen<br />

tro <strong>de</strong> vida e activida<strong>de</strong> commum para todos os fins do<br />

homem: a familia é uma socieda<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>ve cultivar<br />

em seu seio a Religião, a Moral, as Sciencias, a Instruc<br />

ção, as Artes, a Industria, e o Direito ou a Justiça. A so<br />

cieda<strong>de</strong> matrimonial é pois d'uma natureza tão variada,


( 411 )<br />

como os fins, que abriga em seu seio; é uma instituição<br />

<strong>de</strong> Religião, <strong>de</strong> Moral, etc.; e é por tanto um resumo vivo<br />

da gran<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> humana. Por conseguinte só errada<br />

mente se po<strong>de</strong>rá consi<strong>de</strong>rar como d’uma natureza pura<br />

mente juridica. O Direito, em verda<strong>de</strong>, não pó<strong>de</strong> entrar<br />

na exposição <strong>de</strong>sta natureza diversa do matrimonio; to<br />

da via <strong>de</strong>ve respeital-a, e nada consagrar, que seja con<br />

trario aos principaes characteres <strong>de</strong>sta instituição. Con<br />

si<strong>de</strong>rado o matrimonio <strong>de</strong>baixo do ponto <strong>de</strong> vista do Di<br />

reito, ou o Direito do matrimonio é o complexo das con<br />

dições, que são necessarias para a formação, conservação<br />

e cumprimento dos fins da socieda<strong>de</strong> matrimonial (a).<br />

§. 698.<br />

O matrimonio é um <strong>estad</strong>o, diz Martini, que com<br />

prehen<strong>de</strong> varios <strong>direito</strong>s e obrigações dos conjuges. Taes<br />

são: 1.° o <strong>direito</strong> affirmativo, que qualquer dos conjuges<br />

tem sobre a pessoa do outro para a procreação e educação<br />

da prole, <strong>direito</strong>, que Martini consi<strong>de</strong>ra como perfeito,<br />

por nascer do pacto do matrimonio, e por ser insuffi<br />

ciente o <strong>direito</strong> imperfeito para verificar os <strong>de</strong>veres ma<br />

trimoniaes: 2.° o <strong>direito</strong> d'um conjuge para exigir do<br />

outro, que concorra para se conseguir o fim commum do<br />

matrimonio — a conservação da especie. O matrimonio<br />

pois é uma socieda<strong>de</strong> licita e honesta.<br />

Martini enten<strong>de</strong> pois, que qualquer conjuge não só<br />

tem <strong>direito</strong>, mas um <strong>direito</strong> perfeito, para compellir pela<br />

força o outro á satisfacção <strong>de</strong> todos os <strong>de</strong>veres conjugaes.<br />

Não po<strong>de</strong>mos assentir a esta opinião; porque este <strong>direito</strong><br />

<strong>de</strong> violencia, pelo lado da mulher, que quasi sempre é<br />

mais fraca, seria inutil; sómente aproveitaria ao marido, e<br />

tornaria muito <strong>de</strong>sigual a condição dos conjuges. O uso da<br />

força entre o marido e a mulher é um principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>sor<br />

<strong>de</strong>ns <strong>de</strong> terriveis resultados; porque vai attacar e <strong>de</strong>struir<br />

e gran<strong>de</strong> fundamento da socieda<strong>de</strong> conjugal — o amor,<br />

Por isso com razão diz Ahrens: .<br />

« As obrigações positivas, que existem reciproca<br />

mente entre os conjuges, geralmente são todas <strong>de</strong> tal ma<br />

(a) Ahrens loc, cit. S. 1.


( 412 )<br />

tureza que <strong>de</strong> nenhum modo se pó<strong>de</strong> justificar o uso da<br />

força para as fazer executar. Assim acontece com os <strong>de</strong>:<br />

veres conjugaes propriamente ditos, que não po<strong>de</strong>m ser<br />

mais do que manifestações livres do amor, pois a vio<br />

lencia os converteria em actos indignos da natureza mo<br />

ral do homem. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> cohabitação, em sua acce<br />

pção rigorosa, não existe, porque estes actos sómente<br />

<strong>de</strong>vem ser regidos pela liberda<strong>de</strong> moral. De mais a razão<br />

<strong>de</strong>ve tambem intervir nos actos do amor conjugal, para<br />

que o seu cumprimento não só não prejudique á sau<strong>de</strong><br />

dos conjuges, senão tambem não ponha em risco a vida<br />

do filho, que ainda ha <strong>de</strong> nascer, e que no ventre da<br />

mãi já possue um <strong>direito</strong> <strong>de</strong> vida, reconhecido pelas le"<br />

gislações civís mais adiantadas (a).<br />

§ 7oo. * *<br />

O matrimonio, diz Martini, é uma socieda<strong>de</strong> sim<br />

plicissima; e consi<strong>de</strong>rada com referencia a todo o genero<br />

humano, é uma socieda<strong>de</strong> necessaria; porém, com rela<br />

ção a cada um dos individuos, <strong>de</strong> que se compõe o ger<br />

nero humano, é uma socieda<strong>de</strong> voluntaria, e <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte<br />

do seu livre consentimento. O matrimonio, como meio<br />

<strong>de</strong> perpetuar a humanida<strong>de</strong>, é verda<strong>de</strong>iramente uma so<br />

cieda<strong>de</strong> necessaria; porque sem elle, com quanto se po<br />

<strong>de</strong>sse procrear a prole, não po<strong>de</strong>ria convenientemente<br />

educar-se. No entretanto este preceito da Legislação<br />

Natural, como affirmativo, ha mistér occasião para se<br />

cumprir, v.g., meios para a sustentação dos encargºs<br />

do matrimonio, e principalmente o amor, verda<strong>de</strong>iro fun<br />

damento <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>. E forçoso pois <strong>de</strong>ixar aos indi<br />

viduos a <strong>de</strong>cisão sobre se o po<strong>de</strong>m, ou não, contrahir, etc.<br />

… Com effeito, sendo o amor o fundamento do matri<br />

monio, como já dissemos, só as proprias pessoas, que º<br />

sentem, po<strong>de</strong>m <strong>de</strong>clarar se o tem, e se querem celebrar<br />

o matrimonio. Este mutuo consentimento, indispensavel<br />

para a socieda<strong>de</strong> conjugal, torna-a um verda<strong>de</strong>iro cou<br />

tracto na sna origem. .… - • •<br />

« Adversarios <strong>de</strong> muitas especies, diz Ahrens (b), tenº<br />

•<br />

(a) Airens toe cit. S, 5.<br />

(b) Loc cit, § 2.


( 413)<br />

encontrado a opinião, que sustenta que o matrimonio é<br />

o resultado d'um contracto. Uns dominados por idêas |<br />

erroneas em materia <strong>de</strong> Religião, quizerão ver no com<br />

eracto civil um acto religioso, uma <strong>de</strong>gradação do matri<br />

monio a uma pura instituição civil. Mas na verda<strong>de</strong> o<br />

contracto em nada prejudica a esta natureza do matri<br />

monio, não faz mais, do que consagrar um principio vi<br />

tal <strong>de</strong> toda a associação humana — o da liberda<strong>de</strong>. Não<br />

pó<strong>de</strong> permittir a justiça, que um membro da socieda<strong>de</strong><br />

seja constrangido por uma auctorida<strong>de</strong> qualquer a asso<br />

ciar-se com outrem para um ou outro fim da vida huma<br />

na; constrangimento, que seria o mais immoral, influin<br />

do n’uma socieda<strong>de</strong>, que abraça toda a vida, e toda a<br />

personalida<strong>de</strong> dos homens reunidos. O contracto é pois<br />

a solemnida<strong>de</strong> preliminar para a formação do matrimo<br />

nio. Depois ajustiça <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>ixar a cada um a liberda<strong>de</strong>,<br />

para que o acompanhe com os actos religiosos, se o julga<br />

necessario, sem que a lei possa nunca or<strong>de</strong>nar o uso da<br />

força, ou seja para que se cumprão, ou para que se emba<br />

racem, porque estes actos <strong>de</strong>vem <strong>de</strong>ixar-se á consciencia<br />

<strong>de</strong> cada um. Os attaques, dirigidos contra o contracto<br />

eivil <strong>de</strong>baixo d'um ponto <strong>de</strong> vista religioso, provém d'uma<br />

falsa theoria ácerca das relações do Estado com a Re<br />

ligião e as Igrejas, theoria, <strong>segundo</strong> a qual se quer<br />

exten<strong>de</strong>r o po<strong>de</strong>r d'uma Igreja ás instituições, em que o<br />

Estado <strong>de</strong>ve proteger a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos os seus mem<br />

bros. -<br />

… … Outros tem alegado contra o contracto civil do<br />

matrimonio a natureza especial <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>, que<br />

não permitte, que os actos fysicos e intellectuaes, aos<br />

quaes as pessoas se obrigão livremente no contracto, se<br />

jão, sendo necessario, executados com ajuda da força<br />

legal. Porém esta objecção apoia-se d'uma parte na con<br />

fusão, que se faz, dos contractos, que se celebrão sobre<br />

cousas materiaes, com os contractos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>, em que<br />

um dos socios se obriga a executar actos intellectuaes; e<br />

da outra na confusão do contracto como forma d’união<br />

com toda a natureza do matrimonio. Por ser o matrimo<br />

nio uma instituição eminentemente moral, attenta a sua<br />

intima natureza, e por subsistir por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>veres mo<br />

raes, não tem lugar a força ácerca <strong>de</strong> nenhum acto, que


•<br />

§.<br />

(44)<br />

não seja puramente material : o amor e todos os <strong>de</strong>ve<br />

res, que <strong>de</strong>lle dimanão, não permittem constrangimen<br />

to; e seria transformar o matrimonio em uma institui<br />

ção profundamente immoral, o permittir, que a força<br />

legal interviesse nos actos maritaes, º<br />

7or."<br />

Martini consi<strong>de</strong>ra o matrimonio como uma socieda<br />

<strong>de</strong> igual em quanto aos <strong>direito</strong>s e obrigações dos conju<br />

ges. Nenhum <strong>de</strong>lles tem <strong>natural</strong>mente imperio sobre as<br />

acções do outro, excepto se expressa ou tacitamente con<br />

sentio n'elle. Por quanto a maior <strong>de</strong>xterida<strong>de</strong> e pru<strong>de</strong>n<br />

cia do marido, a que se tem recorrido pera provar o con<br />

trario, nem sempre existe; quanto mais que estas qüali<br />

da<strong>de</strong>s sómente provarião a aptidão do marido para o im<br />

perio, mas não a existencia <strong>de</strong>ste, nem o <strong>direito</strong><br />

para<br />

perfeito<br />

d'elle usar. •<br />

-<br />

O Sr. Fortuna (a) reconhece com Martini a igual<br />

da<strong>de</strong> da mulher e do marido: porém como pó<strong>de</strong> haver<br />

algumas vezes discrepancia d'opiniões entre elles ácerca<br />

do modo d'administrar os negocios da socieda<strong>de</strong>, susten<br />

ta, que é forçoso <strong>de</strong>ixar ao marido a superiorida<strong>de</strong> in<br />

dispensavel, para que se termine a questão, e a gerencia<br />

dos negocios sociaes possa progredir. Esta preferencia do<br />

marido, funda-a na sua maior <strong>de</strong>xterida<strong>de</strong> e pru<strong>de</strong>ncia.<br />

Não pó<strong>de</strong> negar-se, que na socieda<strong>de</strong> conjugal oc<br />

correm lances, em que são divergentes os juizos do mari<br />

do e da mulher, e em que uma perfeita e absoluta igual<br />

da<strong>de</strong> paralyzaria o andamento da administração conjugal.<br />

Porém os Philosophos Allemães, fazendo distincção en<br />

tre negocios domesticºs, que <strong>de</strong>ixão á mulher, e nego<br />

cios exteriores, que assignão ao marido, cortão a dif<br />

ficulda<strong>de</strong>, a nosso ver, d'um modo mais razoavel, e<br />

confórme á natureza individual dos conjuges.<br />

« Pelo que diz respeito á direcção dos negocios da<br />

socieda<strong>de</strong> matrimonial, diz Ahrens (b), ou ao po<strong>de</strong>r fami<br />

liar, a posição da mulher é igual á do homem, ainda que<br />

as suas funcções sejão differentes. Não é admissivel que a<br />

• - - T<br />

@ L. P.5, G.a.S.791.<br />

# (b) Loc, cit. S. 3. * .


( 415 )<br />

mulher seja moral e juridicamente <strong>de</strong>sigual ao homem",<br />

nem que esteja submettida àquillo, º que se chama po<strong>de</strong>r<br />

marital. Tem-se querido cohonestar este po<strong>de</strong>r do mari<br />

do por meio d’uma pretendida inferiorida<strong>de</strong> intellectual<br />

da mulher; e até alguns physiologistas tem querido pre<br />

var anatomicamente, que é inferior ao homem , <strong>de</strong>ven<br />

do ser consi<strong>de</strong>rada como um homem d'um <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento fysico incompleto. Porém a Psychologia e uma<br />

Physiologia mais profunda se reúnem para <strong>de</strong>monstrar a<br />

falsida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta doutrina. O homem e a mulher tem ab<br />

solutamente as mesmas faculda<strong>de</strong>s fundamentaes da in<br />

telligencia; ha porém entre elles uma notavel differença<br />

ácerca do modo da manifestação <strong>de</strong>stas faculda<strong>de</strong>s, dif><br />

ferença, da qual resultão para cada um <strong>de</strong>lles differen<br />

tes funcções no matrimonio.<br />

« O homem é <strong>natural</strong>mente inclinado a dirigir seus<br />

pensamentos, seus sentimentos, para as relações, que o<br />

unem com o mundo; em quanto a mulher concentra<br />

suas affecções na intimida<strong>de</strong> da vida: no homem ha um<br />

espirito mais geral, uma faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> concepção mais<br />

extensa; na mulher predomina o sentimento, a facul<br />

da<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprehen<strong>de</strong>r as relações particulares, pessoaes:<br />

e se o homem por causa <strong>de</strong> sua faculda<strong>de</strong> d'intelligencia<br />

mais extensa é mais sabio, a mulher por seu sentimento<br />

é essencialmente artista. Dessa differença segue-se, que<br />

o marido, por comprehen<strong>de</strong>r melhor o mundo exterior,<br />

representa a familia nas relações exteriores; e que á mu<br />

lher <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>ixada particularmente a gerencia dos ne<br />

gocios domesticos. Com tudo é mistér não querer encerrar<br />

neste circulo estreito a vida e o <strong>de</strong>senvolvimento da mu<br />

lher. Dotada essencialmente da mesma natureza do ho<br />

mem, e das mesmas faculda<strong>de</strong>s fundamentaes, pó<strong>de</strong> in<br />

teressar-se e participar <strong>de</strong> tudo o que é humano; o mo<br />

do porém, como participa, é differente e <strong>de</strong>terminado<br />

pela natureza feminina, que ten<strong>de</strong> para a individualiza<br />

pão e intimida<strong>de</strong>, em quanto o homem é levado para<br />

a generalização e para o mundo exterior.<br />

« Por outra parte o principio da igualda<strong>de</strong> entre o<br />

homem e a mulher, comeebido <strong>de</strong> maneira, que todas<br />

as funcções particulares e sociaes <strong>de</strong>vão ser igualmente<br />

divididas entre elles, repousa sobre uma confusão com


•<br />

(416 )<br />

pleta rá terda applicação natureza na dosvida <strong>de</strong>ussocial. sexos, e por isso nunca po<strong>de</strong><br />

• •<br />

« A natureza do matrimonio não admitte o po<strong>de</strong>r<br />

marital; a familia tem dous chefes, um, que a representa<br />

no exterior, e outro, que dirige a vida mterior. Aon<strong>de</strong><br />

se tocão as duas esferas, tudo <strong>de</strong>ve fazer-se <strong>de</strong> commum<br />

acordo, o que se faz sempre e sem difficulda<strong>de</strong>, quando<br />

se tracta <strong>de</strong> interesses communs e entre pessoas, cuja<br />

amigavel con<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ncia é reciproca.<br />

«Pelo que toca aos interesses materiaes, a intimida<br />

<strong>de</strong> e a communhão <strong>de</strong> toda a vida exige a communhão<br />

<strong>de</strong> bens, que <strong>de</strong>ve estabelecer-se como regra. Com tudo<br />

os pactuantes <strong>de</strong>vem ter a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convencionar o<br />

contrario, se acaso assim lhes aprouver; importa sómen<br />

te que os fructos, os productos, e todos os acquiridos<br />

na constancia do matrimonio, sejão consi<strong>de</strong>rados como<br />

proprieda<strong>de</strong> commum.<br />

§ 7o2. -<br />

•<br />

São nullas as nupcias entre pessoas, das quaes algu<br />

ma ou por <strong>de</strong>feito do espirito, ou pela ida<strong>de</strong>, ou por<br />

impedimento do corpo não pó<strong>de</strong> pactuar, ou procrear a<br />

prole; porque o matrimonio contrahe-se por um contra<br />

cto, e entre os seus fins conta-se a procreação.<br />

São pois requisitos, ou condições para o matrimonio:<br />

1." Que os conjuges tenhão chegado a ida<strong>de</strong>, em<br />

que se obtem o <strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual ne<br />

cessario para po<strong>de</strong>rem não só contractar, senão tambem<br />

procrear os filhos sem prejuizo <strong>de</strong> sua sau<strong>de</strong>.<br />

2." Que, sendo o amor o fundamento da socieda<br />

<strong>de</strong> conjugal, sómente aquellas pessoas, º que o sentem,<br />

são as unicas, a quem pertence <strong>de</strong>clarar livremente a sua<br />

vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> pactuar e celebrar o matrimonio (a).<br />

§ 7o6.<br />

Monogamia é a socieda<strong>de</strong> conjugal entre duas pes<br />

soas; porém, se é entre muitas, diz-se polygamia simul<br />

(a). Sr. Fortuna L. 2. P.3.C. a. S. 794, Ahrens loc. cit. S. 2.


( 417 )<br />

tanea. Esta subdivi<strong>de</strong>-se em polygynesia, quando o ina<br />

rido tem muitas mulheres, e polyandria, quando a mu<br />

lher tem muitos maridos.<br />

• + §<br />

7o7, 7o8 e 7o9.<br />

Martini sustenta, que a polyandria, e polygynesia<br />

são prohibidas por Direito Natural. Contra a polyandria<br />

dá duas razões: 1° pela incerteza <strong>de</strong> pai, a qual <strong>de</strong>strui<br />

ria os estimulos da paternida<strong>de</strong>, tão necessarios para a boa<br />

educação dos filhos: 2.° porque a mulher só pó<strong>de</strong> con<br />

ceber d'um homem; e por isso não po<strong>de</strong>m cohonestar-se<br />

dsactos d’união com os outros. Quanto á polygenesia,<br />

ainda que a questão lhe parece mais difficil, faz distinc<br />

eão entre o Direito Natural Absoluto, e Direito Natural<br />

Hypothetico. Não se atreve a affirmar, que aquelle pro<br />

hibe a polygynesia, porque um homem pó<strong>de</strong> ter filhos<br />

<strong>de</strong> muitas mulheres, e a prole ser certa, e porque pelo<br />

Velho Testamento foi permittido o ter muitas mulheres;<br />

porém sustenta, que este reprova a polygynesia: º por<br />

que a multiplicida<strong>de</strong> das mulheres muitas vezes atréra a<br />

z da familia, e torna mais difficil a procreação e educa<br />

ção dos filhos: 2.° porque a quasi igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> homens e<br />

mulheres, <strong>de</strong> que se compõe o genero humano, clara<br />

mente <strong>de</strong>monstra, que sómente é conforme ás vistas da<br />

natureza a monogamia, e não a polygenesia.<br />

A polyandria, relegada e circumscripta a um peque.<br />

no ponto da terra,—ao Thibet, não encontra <strong>de</strong>fensores<br />

na republica das letras: a sentença contra ella passou em<br />

julgado. A polygynesia ainda hoje é muito usada na Asia<br />

e na Africa, e não lhe tem faltado <strong>de</strong>fensores.<br />

« Para que a socieda<strong>de</strong> conjugal possa existir e pro<br />

duzir os seus resultados, é mistér que os conjuges vivão<br />

d'um modo conforme ás suas obrigações moraes, que re<br />

sultão da sua união. Como o matrimonio abrange a per<br />

sonalida<strong>de</strong> inteira, é necessario que os conjuges se votem<br />

reciprocamente um ao outro toda a sua pessoa, que se<br />

entreguem completamente, e que nenhum <strong>de</strong>lles admit<br />

ta em seus sentimentos o d'amor a outras pessoas, que<br />

não seja o seu conjuge. Por on<strong>de</strong> é <strong>de</strong> ver que a monoga<br />

ania pura é o unico matrimonio racionavel e moral. Na


}<br />

#<br />

a<br />

•<br />

*<br />

( 418 )<br />

verda<strong>de</strong> fundando-se o matrimonio na união das indiví<br />

dualida<strong>de</strong>s, sobre a troca <strong>de</strong> todas as affecções pessoaes,<br />

exige necesssariamente igualda<strong>de</strong> na posição dos conju<br />

ges. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, que traria com sigo a divisão do<br />

amor, quer do lado do marido, quer do lado da mulher,<br />

entre muitas pessoas, <strong>de</strong>struiria aquella intimida<strong>de</strong> e con<br />

fiança, que nascem da convicção, em que estão duas<br />

pessoas, <strong>de</strong> que possuem mutuamente a totalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas<br />

affecções. A polygamia pois é contraria ás condições es<br />

senciaes do matrimonio, e as leis <strong>de</strong>vem prohibil-a (a).<br />

Sómente sacrificando os sentimentos moraes aos<br />

prazeres grosseiros dos sentidos se pó<strong>de</strong> admittir a poly<br />

gamia. A união dos corações, e a doce intimida<strong>de</strong>, que<br />

<strong>de</strong>lla resulta, a com munhão <strong>de</strong> prazeres e soffrimentos,<br />

a ternura dos pais pelos filhos sómente po<strong>de</strong>m existir na<br />

monogamia. Todos estes prazeres moraes, <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> va<br />

lia para seres sensíveis e almas bem formadas, se per<strong>de</strong>m<br />

por entre longas fileiras <strong>de</strong> mulheres encarceradas nos<br />

serralhos e harens; todos elles <strong>de</strong>sapparecem eom a poly<br />

gamia. O homem não se appresenta como um marido á<br />

sua amada mulher, mas como um senhor <strong>de</strong>scravas, que<br />

são forçadas a prodigalizar caricias a um homem, sacia<br />

do <strong>de</strong> prazeres, a quem não amão, nem po<strong>de</strong>m aular,<br />

-porque o temem.<br />

Montesquieu (b), reconhecendo, que a polygamia<br />

nem é util ao genero humano, nem a algum dos dous<br />

sexos, nem aos filhos, pensa, que ella não é um uso<br />

eontrario á natureza nos elimas ar<strong>de</strong>ntes do meio-dia.<br />

Funda sua opinião sobre os calculos, diz elle, que tem<br />

sido feitos, e que provão nascer maior numero <strong>de</strong> ho<br />

mens do que <strong>de</strong> mulheres na Europa, e pelo contra<br />

rio maior numero <strong>de</strong> mulheres do que <strong>de</strong> homens na<br />

Asia e na Africa. Don<strong>de</strong> Montesquieu conelue, que a<br />

lei, que só permitte uma mulher na Europa, e a que<br />

permitte, muitas na Asia e na Africa, estão em relação<br />

com o clima. "… * * *<br />

Porém são por ventura authenticos estes caleulos?<br />

A importação, que se faz <strong>de</strong> mulheres, trazidas<br />

<strong>de</strong> dir<br />

(a) Ahrens loc. cit. S. 3. . * *<br />

(b) º Esprit <strong>de</strong>s Lois L. 16. C. 1. e seg. •<br />

|-<br />

VOrSOS


•<br />

( 419 ) •<br />

fersos paizes, não torna pelo menos duvidosos similhan<br />

tes calculos ? A Circassia e a Georgia <strong>de</strong>spovoão-se para<br />

fornecerem os mercados e entulharem os serralhos e ha<br />

rens do Sultão e ricos da Turquia. , . ' '<br />

Montesquieu não só julga razoavel a polygamia nos<br />

paizes quentes, senão ainda lhe parece, que nelles as<br />

mulheres são <strong>de</strong>stinadas pela natureza para viverem na<br />

<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ncia dos homens; porque o clima ar<strong>de</strong>nte torna<br />

as mulheres aptas para a socieda<strong>de</strong> conjugal aos oito,<br />

nove ou <strong>de</strong>z annos, a infancia é a ida<strong>de</strong> do matrimonio,<br />

aos vinte annos são velhas. Por isso, diz elle, a razão<br />

não se encontra com a belleza; quando a belleza pe<strong>de</strong> o<br />

imperio, recusa-o a razão, e quando a razão o po<strong>de</strong>ria<br />

obter, falta a belleza. •<br />

Este pensamento <strong>de</strong> Montesquieu é, em verda<strong>de</strong>,<br />

muito engenhoso; mas não nos parece conclu<strong>de</strong>nte, por<br />

que os factos não são rigorosamente exactos. Nos climas<br />

quentes a vida é mais curta, e o aperfeiçoamento fysico<br />

e intellectual mais rapido; porém o <strong>de</strong>senvolvimento do<br />

espirito marcha igualmente com o corpo, <strong>de</strong> modo que<br />

a razão vem a ser contemporanea da belleza. De mais o<br />

<strong>de</strong>senvolvimento das faculda<strong>de</strong>s fysicas e intellectuaes ..<br />

segue a mesma marcha precipitada nos homens. Assim<br />

pois a natureza guardou nos climas quentes a mesma<br />

proporção entre as relações moraes dos sexos, que guar<br />

da nos climas temperados, ou nos septentrionaes. O<br />

<strong>de</strong>senvolvimento fysico e intellectual é igual, e igual<br />

para os dous sexos: a differença está em vir o <strong>estad</strong>o<br />

<strong>de</strong> perfeição mais cedo ou mais tar<strong>de</strong> <strong>segundo</strong> a diversi<br />

da<strong>de</strong> dos climas. Por on<strong>de</strong> é bem <strong>de</strong> ver, que o argu<br />

mento <strong>de</strong> Montesquieu não pó<strong>de</strong> justificar a subservien<br />

cia das mulheres aos homens nos paizes quentes.<br />

Finalmente Montesquieu, como é geralmente reco<br />

nhecido, conce<strong>de</strong> muito ao clima. Não negamos a sua<br />

influencia. O sol e a atmosphera influem directamente<br />

nos homens, como nas plantas. Porém a influencia dos<br />

climas quentes não justifica a necessida<strong>de</strong> da polygamia;<br />

porque na America, nas latitu<strong>de</strong>s mais ar<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong>baixo<br />

da linha, não tem forçado os homens a terem muitas mu<br />

lheres. É mistér atten<strong>de</strong>r tambem aos costumes, á fór<br />

ma dos governos, á Religião, etc., para explicar factos,<br />

II. 27


( 4ao )<br />

que Montesquieu sómente attribue á influencia dos cli<br />

IIldS.. - • • •<br />

Resta fazer uma pequena observação. Nos paizes,<br />

on<strong>de</strong> as leis positivas permittem a polygamia, sómente nas<br />

classes opulentas se ella acha em uso: as classes pobres,<br />

i. é, a massa geral do povo, vivem no <strong>estad</strong>o da mono<br />

gania; e a observação <strong>de</strong>monstra, que a polygamia não<br />

concorre para o augmento da população.<br />

§ 71o.<br />

O contracto e os fins do matrimonio, diz com razão<br />

Martini, são os principios, don<strong>de</strong> se <strong>de</strong>duzem as obriga<br />

ções do marido e da mulher. E pois um <strong>de</strong>ver dos con<br />

juges a cohabitação, a gerencia commum dos negocios<br />

domesticos, e o evitar o adulterio.<br />

Já falámos dos <strong>de</strong>veres dos conjuges. Agora só di<br />

remos, que o adulterio, ou seja commettido pelo marido,<br />

ou pela mulher, aos olhos da razão e da moral é da<br />

mesma gravida<strong>de</strong> e igualmente reprovado pelo Direito<br />

Natural; porque repagua aos fins do matrimonio, áquella<br />

união total das individualida<strong>de</strong>s, á troca constante das<br />

affecções pessoaes dos dous conjuges.<br />

"…<br />

De mais o adulterio da parte da mulher leva a per<br />

turbação e a <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m ao seio da famila, e <strong>de</strong>stróe a con<br />

fiança do marido. Uma dúvida funesta entra em seu co<br />

ração; — o filho, que elle educa, e a quem prodigaliza<br />

seus cuidados, pé<strong>de</strong> não ser seu filho; um sangue estra<br />

nho pó<strong>de</strong> correr em suas veias.<br />

O adulterio da parte do marido não tem resultados<br />

tão prejudiciaes; porém pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>struir a boa harmonia<br />

entre os conjuges, esfriar º amor da mulher, e provo<br />

cal-a a funestas represalias.<br />

• |- .<br />

- - … •<br />

… : |-<br />

$ 712. . 4 |<br />

|- . * * *<br />

5 … Diz-se consanguinida<strong>de</strong> o nexo <strong>de</strong> pessoas, que <strong>de</strong>.<br />

seen<strong>de</strong>m d'um tronco, commum. Esta subdivi<strong>de</strong>-se em<br />

aguação, se provém <strong>de</strong> tronco masculino; e cognação,<br />

- quando provém <strong>de</strong> tronco feminino,<br />

• * * * |-<br />

4 . "<br />

•<br />

* *


• (4a,<br />

)<br />

# * $. 714.<br />

, , , Zinha é uma serie <strong>de</strong> pessoas, que <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m do<br />

mesmo tronco. Divi<strong>de</strong>-se em recta, quando se compõe<br />

<strong>de</strong> pessoas, das quaes uma gerou a outra; e obliqua , ou<br />

colateral, quando as pessoas da serie não <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>m<br />

uma da outra, posto que todas provém d'um tronco<br />

COIII III ll Ille<br />

•<br />

§ 72o. e 721.<br />

O vinculo da sonsanguinida<strong>de</strong> será impedimento<br />

para o matrimonio ? Martini distingue entre linha recta<br />

e collateral. Na linha recta enten<strong>de</strong>, que as nupcias são<br />

Prohibidas por Direito Natural: porque, <strong>segundo</strong> alguns,<br />

repugnão ao pudor <strong>natural</strong>, que se encontra entre todas<br />

as nações; á diffusão das affinida<strong>de</strong>s, que são vinculos<br />

importantissimos para a vida social; e a igualda<strong>de</strong> das<br />

ida<strong>de</strong>s, necessaria para não haver esterilida<strong>de</strong> ou má<br />

procreação da prole; e, <strong>segundo</strong> Martini, porque o amor<br />

conjugal, sendo o fundamento do matrimonio, não pó<strong>de</strong><br />

existir sem certa igualda<strong>de</strong> moral entre os conjuges,<br />

igualda<strong>de</strong>, que <strong>de</strong>stróe a auctorida<strong>de</strong> <strong>natural</strong> dos pais e<br />

a reverencia e sujeição dos filhos.<br />

§. 722.<br />

Na linha porém collateral é Martini <strong>de</strong> opinião, que<br />

não se verificão aquelles inconvenientes, e por isso que<br />

as nupcias não são prohibidas por Direito Natural. Com<br />

tudo teme, que a contínua familiarida<strong>de</strong> entre estas pes<br />

soas, sendo acompanhada da esperança do matrimonio,<br />

possa dar occasião a costumes <strong>de</strong>shonestos, e por isso<br />

diz, que <strong>de</strong>vem ser gravemente prohibidas. |-<br />

Ahrens (a) é d’opinião, que a Moral prohibe os ma<br />

trimonios entre irmãos. Por quanto as relações, que exi<br />

stem entre elles, produzem <strong>natural</strong>mente um sentimento<br />

diverso do amor, i. é, o sentimento d'amiza<strong>de</strong>, não<br />

d’uma amiza<strong>de</strong> ordinaria, mas d’uma amiza<strong>de</strong> fortificada<br />

pelos vinculos do sangue, e alimentada pelos cuidados<br />

(a) Loc, cit. S. 2.


•<br />

( 422 )<br />

iguaes, que tem recebido da mesma mão. Ahrens argu<br />

menta ainda com as <strong>de</strong>scobertas da Physiologia; porque<br />

os matrimonios entre irmãos são contrarios á lei geral da<br />

natureza, <strong>segundo</strong> a qual é mais vigoroso o frneto, quan<br />

do as causas da producção se encontrão em seres, que,<br />

ainda que pertenção ao mesmo genero, não tem uma<br />

origem i<strong>de</strong>ntica.<br />

§ 723. +<br />

Entra Martini na questão, se o divorcio é, ou não<br />

licito por Direito Natural; e sustenta, que não é permit<br />

tido pela simples vonta<strong>de</strong> dos conjuges, porém que mo<br />

tivos po<strong>de</strong>m occorrer na socieda<strong>de</strong> conjugal, que o tor<br />

nem justo.<br />

•<br />

O vinculo do matrimonio, diz elle, <strong>de</strong>ve <strong>natural</strong><br />

mente subsistir entre os conjuges, que o não po<strong>de</strong>m<br />

romper por seu alvedrio. Por quanto, além do matri<br />

monio ser uma socieda<strong>de</strong> necessaria, os conjuges <strong>de</strong>vem<br />

trabalhar na educação da prole, e em mutuamente se<br />

ajudarem e soccorrerem; fins estes, que não po<strong>de</strong>m ob<br />

ter-se, <strong>de</strong>struidos os sentimentos d'amor e amiza<strong>de</strong>, e<br />

quebrado o vinculo matrimonial. Todavia em taes cir<br />

cumstancias se achão os conjuges muitas vezes, que a<br />

dissolução do vinculo do matrimonio não repugna a estes<br />

fins: v. g., se um dos conjuges é esteril; se morrêrão os<br />

filhos, ou já estão educados; ou se o adulterio, ou a<br />

cruelda<strong>de</strong> d'algum dos conjuges tornou impossivel a paz<br />

e união entre ambos, e se per<strong>de</strong>o absolutamente a espe<br />

rança da sua reconciliação. -<br />

Ahrens (a) tambem concorda em que o matrimo<br />

mio <strong>de</strong>ve, em regra, ser vitalicio; porque sendo o amor<br />

a base da socieda<strong>de</strong> conjugal, quando por elle impellidos<br />

os conjuges celebrárão as nupcias, é certo que foi com<br />

a intenção <strong>de</strong> se unirem por toda a vida; porém, diz<br />

etle, factos ha, que justificão aos olhos da Moral e do<br />

Direito a dissolução do matrimonio.<br />

«. Nunca se pozera em dúvida o <strong>direito</strong> e a morali<br />

dº <strong>de</strong> do divorcio, se os espiritos se não tivessem <strong>de</strong>ixado<br />

(a) Log. cit. §- 4.


( 423 )<br />

dominar por opiniões erroneas, e completamente oppostas<br />

á natureza moral da associação matrimonial. Esta socie<br />

da<strong>de</strong> funda-se na fusão livre <strong>de</strong> duas personalida<strong>de</strong>s hu<br />

manas, produzida pelos sentimentos d'um amor recipro<br />

co. Porém assim como este amor não é producto exclu<br />

sivo da razão e da vonta<strong>de</strong>, assim tambem a sua conser<br />

vação não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> só <strong>de</strong>stas faculda<strong>de</strong>s. Para que seja<br />

duravel, é mistér o concurso d'outras muitas condições<br />

essencialissimas. Primeiramente os conjuges contrahírão<br />

o matrimonio, convencidos <strong>de</strong> que haveria em todo o<br />

seu modo <strong>de</strong>xistir, em seus characteres, em suas dispo<br />

sições bastantes pontos <strong>de</strong> contacto, ou d'analogia para<br />

estabelecer entre elles um laço duravel. Mas se os con<br />

juges se enganárão sobre este ponto essencial, um erro<br />

sobre aquillo, que constitue a essencia e verda<strong>de</strong>ira sub<br />

stancia do matrimonio, é «ausa sufficiente para provo<br />

car a sua dissolução. Os casados são os unicos juizes<br />

<strong>de</strong>stas incompatibilida<strong>de</strong>s.<br />

« Tem-se dado razões particulares para a dissolução<br />

do matrimonio, tiradas já dos factos d'infi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong>, quer<br />

sejão d'um, quer do outro dos conjuges, e já dos actos,<br />

que attacão a personalida<strong>de</strong> fysica, ou moral, taes como<br />

as sevicias corporaes, e os actos, que trazem com sigo<br />

uma pena pública infamante.<br />

« Em todos os casos, em que uma incompatibilida<br />

<strong>de</strong> intellectual e moral se pó<strong>de</strong> provar entre os dous im<br />

dividuos, a vonta<strong>de</strong> madura e reflectida d'um só dos con<br />

juges <strong>de</strong>ve ser bastante para dissolver o matrimonio. Por<br />

quanto a continuação da socieda<strong>de</strong> não só violentaria as<br />

affecções d’uma pessoa, senão ainda seria causa <strong>de</strong> se<br />

praticarem actos d’uma verda<strong>de</strong>ira immoralida<strong>de</strong>. O ma<br />

trimonio comprehen<strong>de</strong> o que se chama cohabitação; po<br />

rém quando este acto se executa contra as affecções pes<br />

soaes, e até com repugnancia interior, <strong>de</strong>genéra em um<br />

acto brutal, com razão marcado com o nome <strong>de</strong> prosti<br />

tuição. O respeito dos verda<strong>de</strong>iros sentimentos humanos<br />

exige, que as leis se não tornem cumplices <strong>de</strong> tal immo<br />

ralida<strong>de</strong> por uma <strong>de</strong>masiada severida<strong>de</strong> nas condições da<br />

dissolução do matrimonio.<br />

«Resultão estes principios da natureza moral d’esta<br />

instituição, e são incontestavelmente applicaveis ao esta<br />


•<br />

( 424 )<br />

do, em que os conjuges ou não tem tido filhos, ou <strong>de</strong>ixá<br />

rão <strong>de</strong> os ter. Porém passemos a examinar, se a existencia<br />

dos filhos exige modificação dos principios estabelecidos<br />

Os filhos são um efeito do matrimonio, e ácerca <strong>de</strong>lles<br />

tem os pais uma responsabilida<strong>de</strong> moral e juridica, que<br />

lhes impõe <strong>de</strong>veres, a que não po<strong>de</strong>m subtrahir-se <strong>de</strong>bai<br />

xo <strong>de</strong> nenhum pretexto <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>. Estes <strong>de</strong>veres resu<br />

mem-se na educação fysica, intellectual e moral. A edu<br />

cação moral necessariamente se ha <strong>de</strong> resentir pela se<br />

paração dos conjuges, porque embaraça que os filhos<br />

sejão educados no meio daquelle acordo e daquelle amor<br />

commum, que <strong>de</strong>pois se communica a seus proprios<br />

sentimentos. Porém esta educação tornar-se-ha muito<br />

mais difficil em uma familia, em que os conjuges não<br />

estão em acordo, e em que a <strong>de</strong>sunião os conduz a dispu<br />

tas e actos, que servem <strong>de</strong> funesto exemplo aos filhos.<br />

Em taes casos, que são na verda<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>sgraça, o bem<br />

<strong>de</strong> todos está na separação. Por outra parte o laço e no<br />

vos sentimentos, que a natureza cria entre os conjuges,<br />

e os <strong>de</strong>veres, que a Moral lhes faz conhecer pelo nasci<br />

imento dos filhos, são os maiores motivos, que po<strong>de</strong>m<br />

obrigal-os a permanecer unidos, e a não procurar a se<br />

paração, senão como um remedio extremo.<br />

« Os conjuges separados ficão livres moral e juridi<br />

camente para po<strong>de</strong>rem contrahir matrimonio com outras<br />

pessoas, que lhes pareção <strong>de</strong> melhores condições para a<br />

socieda<strong>de</strong> conjugal.<br />

«. Não sendo o divorcio senão uma necessida<strong>de</strong> so<br />

cial, resultado já do erro ácerca da personalida<strong>de</strong>, já dos<br />

vicios d'um dos conjuges, sua realização virá a ser me<br />

nos frequente, á proporção que o homem e a humanida<strong>de</strong><br />

progredirem no <strong>de</strong>senvolvimento intellectual e moral; e<br />

longe d'admittir-se que as uniões dos conjuges, sendo<br />

vitalicias, sejão contrarias á natureza do homem, e venhão<br />

a ser cada vez menos frequentes, <strong>de</strong>ve pelo contrario sus<br />

tentar-se que o <strong>de</strong>senvolvimento mais extenso das facul<br />

da<strong>de</strong>s do homem e da mulher estabelecerá entre as duas<br />

individualida<strong>de</strong>s, mais ricamente <strong>de</strong>senvolvidas, um<br />

maior numero <strong>de</strong> pontos <strong>de</strong> contacto, don<strong>de</strong> resultará uma<br />

communhão mais intima e mais duravel. Porém esta du<br />

ração não <strong>de</strong>ve ser imposta pelas leis, <strong>de</strong>ve ser o producto


•<br />

( 425 )<br />

exclusivo da liberda<strong>de</strong> e da moralida<strong>de</strong> proprias dos ho<br />

Ill Cl]S. »<br />

•<br />

Nem se diga, que a socieda<strong>de</strong> conjugal <strong>natural</strong>men<br />

te acaba, quando, passada a épocha da procreação, os<br />

conjuges se encontrão sem filhos, porque faltão para a<br />

continuação do matrimonio os fins da procreação e edu<br />

cação da prole. Aquelles, que estabelecem estes fins como<br />

unicos da socieda<strong>de</strong> conjugal, certo não po<strong>de</strong>rião negar<br />

a sua dissolução <strong>natural</strong> nestas circumstancias. Porém<br />

nós lhe assignamos outros fins, que ainda <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa.<br />

épocha subsistem e justificão a constancia do matrimo<br />

Ill Os<br />

•<br />

« Quando a ida<strong>de</strong>, diz Lepage (a), não permitte os<br />

prazeres do amor, a união dos corações, longe <strong>de</strong> ces<br />

sar, tóma força do habito. Tal é o meio, <strong>de</strong> que se serve<br />

a natureza para substituir a energia dos sentidos amorte<br />

cidos, e or<strong>de</strong>nar a constancia aos conjuges, aos quaes o<br />

ardor da mocida<strong>de</strong> já não reúne. O homem probo pó<strong>de</strong><br />

acaso negar os seus soccorros, as suas consolações á mu<br />

lher, que tem-lhe consagrado seus bellos dias, que lhe<br />

tem prodigalizado suas caricias, que lhe <strong>de</strong>u os filhos,<br />

que lh'os tem educado, em uma palavra áquella, por<br />

quem tem sido amado, e que tem tanto maior necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>lle, quanto se acha menos em <strong>estad</strong>o d'encontrar outro<br />

apoio ? E quão <strong>de</strong>sprezível não é igualmente a mulher,<br />

que abandona um homem, do qual se tem honrado <strong>de</strong><br />

ser companheira; aquelle, a quem <strong>de</strong>ve a doce satisfac<br />

ção <strong>de</strong> ser mái; aquelle, a quem os seus cuidados se tor<br />

para não atão fazer maisfeliz?»<br />

indispensaveis, quanto mais ele trabalhou<br />

Alguns fazem differença entre divorcio e repudio.<br />

Dizem divorcio a separação dos conjuges, dissolvido o<br />

vinculo matrimonial por mutuo consentimento d’ambas<br />

as partes; e repudio o rompimento do vinculo do matri<br />

monio pela vonta<strong>de</strong> ou interesse d'uma parte sómen<br />

te duas (b) accepções. — Até aqui temos tomado a palavra — divorcio nas<br />

• • +<br />

Tambem alguns fazem differença entre divorcio e<br />

(a) Science du Droit C. 2. Art. 4. S. 1o.<br />

(b) Montesquieu Esprit <strong>de</strong>s Lois L. 26. Ch. 15.


•<br />

- ,<br />

( 426 )<br />

separação quoad ad thorum et habitationem. Esta separ<br />

ração dos conjuges faz cessar todos os effeitos matrimo<br />

niaes; porém subsiste o vinculo do matrimonio, e os con<br />

juges não po<strong>de</strong>m casar com outras pessoas. Aquelles<br />

mesmos, que conbatem o divorcio, são forçados a admit<br />

tir a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta separação todas as vezes que as<br />

dissensões são taes entre os conjuges, que não ha espe<br />

rança <strong>de</strong> reconciliação, todas as vezes, que se tornou<br />

impossivel o cumprimento dos fins da socieda<strong>de</strong> conju<br />

gal.<br />

Enten<strong>de</strong>mos, que a Politica, <strong>segundo</strong> as circum<br />

stancias particulares <strong>de</strong> qualquer Nação, <strong>segundo</strong> a Re<br />

ligião, os habitos, e <strong>estad</strong>o da sua cultura e civili<br />

zação, pó<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve modificar a liberda<strong>de</strong> do divorcio;<br />

porém temos para nós, que, consi<strong>de</strong>rada a materia em<br />

geral e <strong>segundo</strong> os principios <strong>de</strong> Direito Natural, não<br />

pó<strong>de</strong> admittir-se e justificar-se a separação quoad tho<br />

ruiu et habitationem em lugar do divorcio.<br />

A separação faz <strong>de</strong>sapparecer todos os fins da socie<br />

da<strong>de</strong> conjugal. A procreação dos filhos não tem lugar,<br />

porque os conjuges não cohabitão : cessa o mutuo adju<br />

torio, porque os conjuges vivem separados, e cada um<br />

cuida <strong>de</strong> si; não ha essa união das individualida<strong>de</strong>s, essa<br />

communhão <strong>de</strong> sentimentos e fusão <strong>de</strong> vidas, que consti<br />

tuem a essencia do matrimonio; em poucas palavras, o<br />

mimarido não tem realmente mulher, a mulher não tem<br />

<strong>de</strong> facto marido. Qual é pois o effeito da conservação fi<br />

cticia do vinculo conjugal? Para que conservar com tanto<br />

cuidado o nome , quando a cousa não existe? . . .<br />

O unico effeito <strong>de</strong>stas separações é diametralmente<br />

opposto á natureza e fins do matrimônio; é tornar celi<br />

batarios os conjuges separados, tirando-lhes toda a espe<br />

rança <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem contrahir um novo laço legitimo, pelo<br />

qual possão obter no <strong>segundo</strong> matrimonio o que não<br />

encontrárão no primeiro. Não quero falar dos tristes ef<br />

feitos <strong>de</strong>ste <strong>estad</strong>o forçado, que todos os dias attesta a<br />

experiencia nos paizes, on<strong>de</strong> as leis estabelecem simi<br />

lhantes separações. Deixo as conveniencias da vida social,<br />

que são obvias, e quero só consi<strong>de</strong>rar a separação quoad.<br />

thorlim et habitationem <strong>segundo</strong> a sua moralida<strong>de</strong> e<br />

Justiça. •<br />

… * …" |-<br />

, , " " …; …


( 427 )<br />

Não será por ventura uma immoralida<strong>de</strong> extrema;<br />

puma injustiça atroz, que aquelle conjuge, que foi victi<br />

ima innocente da brutalida<strong>de</strong> do outro, seja ainda além<br />

* forçado a um novo sacrificio legal pela prohibição<br />

do gozo dos sentimentos conjugaes? Com que <strong>direito</strong> ha<br />

<strong>de</strong> a lei metter-se <strong>de</strong> permeio a obstar a que elle se una<br />

com outra pessoa, que tenha as qualida<strong>de</strong>s, que faltavão<br />

no primeiro conjuge, para fazerem ambos a sua recipro<br />

ca felicida<strong>de</strong>, e satisfazerem aos fins da natureza? E o<br />

proprio conjuge, cujos excessos <strong>de</strong>struírão os sentimen<br />

ios d'amor, e tornárão impossivel a continuação da vida<br />

conjugal, não pó<strong>de</strong> acaso pela maior ida<strong>de</strong> e reflexão,<br />

e até mesmo ensinado pelas lições da experiencia, ter<br />

obtido a pru<strong>de</strong>ncia necessaria para viver unido a outra<br />

pessoa, que por ventura tenha mais docilida<strong>de</strong>, e quali<br />

da<strong>de</strong>s mais analogas ás suas ? Será razão, que a lei obste<br />

á sua felicida<strong>de</strong>, ao interesse social, ao voto da natureza?<br />

Mas, diz-se, a pru<strong>de</strong>ncia aconselha estas separações<br />

com preferencia ao divorcio pela esperança <strong>de</strong> reconci<br />

liação, e pela possibilida<strong>de</strong> d'uma reunião entre os con<br />

juges; porque o tempo, que tudo cura, dá occasião a<br />

que o calor das paixões abran<strong>de</strong>, e a reflexão mostre os<br />

erros e excessos do preterito, e a conveniencia dos con<br />

juges serem pru<strong>de</strong>ntes para o futuro.<br />

Porém, se consultarmos a experiencia, acharemos<br />

que poucas reuniões ella appresenta <strong>de</strong> conjuges separa<br />

dos, e muitas menos ainda, que sejão duraveis, e fação a<br />

verda<strong>de</strong>ira felicida<strong>de</strong> dos casados. A separação suppõe<br />

corações ulcerados, e o amor extincto entre os conjuges,<br />

porque antes disso tanto a separação, como o divorcio,<br />

são extemporaneos e injustos; as disputas sobre a divisão<br />

e separação dos bens augmentão o <strong>de</strong>samor dos conjuges,<br />

e accrescentão o veneno da discordia; e quem conhece o<br />

coração humano, facilmente vê, senão a impossibilida<strong>de</strong>,<br />

pelo menos a gran<strong>de</strong> difficulda<strong>de</strong> d'uma nova união soli<br />

da, duravel, e em que possa haver uma verda<strong>de</strong>ira com<br />

munhão <strong>de</strong> sentimentos e <strong>de</strong> vida entre os conjuges, que<br />

dê em resultado a sua felicida<strong>de</strong>, e o cumprimento dos<br />

<strong>de</strong>veres matrimoniaes. , , , , º • •<br />

Confessamos, que a intensão daquelles, que <strong>de</strong>fen<br />

<strong>de</strong>m as separações, é boa, Accreditão, que, separados


( 428) ,<br />

os conjuges numa ida<strong>de</strong> avançada, em que a mulher<br />

per<strong>de</strong>o parte dos encantos da belleza, e o marido parte<br />

da activida<strong>de</strong> e vigor da mocida<strong>de</strong>, mais facilmente virão<br />

a uma reconciliação, do que encontrem novas nupcias.<br />

Não sabemos se só factos justificão esta crença; mas dize<br />

mos, que se este é o fim, o divorcio acompanhado da li<br />

berda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa reconciliação e reunião dá o mesmo resul<br />

tado, e ainda com a vantagem <strong>de</strong> ser essa reunião intei<br />

1amente espontanea, e sem a suspeita <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r ser força<br />

da d'algum dos lados pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novos laços<br />

matrimoniaes, <strong>de</strong>seonfiança, que <strong>de</strong>ve ser fn nesta para o<br />

restabelecimento do amor entre os conjuges, sem o qual<br />

será a nova união uma socieda<strong>de</strong> negociatoria, mas não<br />

uma socieda<strong>de</strong> matrimonial, cujos fins são mais nobres<br />

e elevados.<br />

Mas, diz-se ainda, a separação quoad thorum et ha<br />

bitationem é um freio aos conjuges, para não rompe<br />

rem <strong>de</strong> leve o vinculo conjugal; é um remedio heroico,<br />

para que qualquer dos conjuges, com vistas <strong>de</strong> novos<br />

laços, não promova dolosamente o divorcio. Admitti<br />

nos, que seja para este mal um remedio, mas um re<br />

medio mais funesto, do que saudavel. Quando o conjuge<br />

se <strong>de</strong>libéra a contrahir novo matrimonio, já tem o co<br />

ração envenenado, o amor conjugal está extincto, ou<br />

quasi extincto, e a certeza da prohibição <strong>de</strong> novas nu<br />

Pcias não o cura, suffoca-o, reprime-o, e a explosão mui<br />

tas vezes vem a ser maior. O amor não se fórça, é in<strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong>nte; e se neste caso as caricias e attractivos o não<br />

conquistão, a socieda<strong>de</strong> conjugal será uma calamida<strong>de</strong>, e<br />

Valerá mais <strong>de</strong>ixar a lei a porta aberta para o divorcio,<br />

do que fechal-a.<br />

-<br />

. . Em resumo, só causas gravissinas po<strong>de</strong>m justificar<br />

o divorcio, só <strong>de</strong>pois dos conjuges terein maduramente<br />

reflectido sobre a sua posição, <strong>de</strong> estarem certificados da<br />

incompatibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus characteres, e <strong>de</strong> terem perdi<br />

do completamente a esperança <strong>de</strong> serem felizes na socie<br />

da<strong>de</strong> conjugal, e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem satisfazer aos seus fins. Os<br />

divorcios , em nosso enten<strong>de</strong>r, são um mal, que sómente<br />

outro mal maior pó<strong>de</strong> justificar; são uma calamida<strong>de</strong><br />

social: mas as separações, subsistindo o vinculo conju<br />

gal, e forçando ao <strong>estad</strong>o do celibato, são uma cala


( 429 )<br />

mida<strong>de</strong> ainda maior e mais funesta á vida social e aos<br />

conjuges. …<br />

+ CAP.<br />

XXVI. #<br />

DA SOCIEDADE DOS PAIS E DOS FILHOS»<br />

Mo"… , assim como estabeleceo a attracção dos<br />

dous sexos, eomo uma lei primitiva, don<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>m<br />

<strong>de</strong>duzir os <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres dos conjuges, assim tam<br />

bem fundamenta os <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres dos pais e dos fi<br />

lhos no amor paternal, que em breve é seguido do amor<br />

filial, como reconhecimento e remuneração daquelle,<br />

Não negamos a existencia <strong>de</strong>stes sentimentos: mas já<br />

mostrámos, que o Direito Natural <strong>de</strong>via ser todo fun<br />

dado na razão, e não <strong>de</strong>rivado dos estimulos naturaes.<br />

§. 725.<br />

Ao matrimonio seguem-se ordinariamente os filhos,<br />

que são homens, e como taes investidos pela natureza<br />

<strong>de</strong> todos os <strong>direito</strong>s connatos, entre os quaes <strong>de</strong>ve con<br />

tar-se o <strong>direito</strong> á acquisição das cousas mecessarias á vida,<br />

<strong>direito</strong>, que não po<strong>de</strong>m exercitar pela fraqueza, que<br />

lhes é propria nos primeiros tempos da vida.<br />

§. 726.<br />

Durante este <strong>estad</strong>o, os pais são obrigados a edu<br />

cal-os, i. é, a subministrar-lhes todas as condições neces<br />

sarias para a conservação da vida, e para o <strong>de</strong>senvolvi<br />

Biento <strong>de</strong> suas faculda<strong>de</strong>s fysicas e intellectuaes.<br />

Martini <strong>de</strong>duz este <strong>de</strong>ver parental: 1.° dos estimulos,<br />

que inclinão-<strong>natural</strong>mente os pais para com os filhos,<br />

porque sendo obra da Natureza (Deos), claramente mani<br />

festão a sua vonta<strong>de</strong>: 2. do fim do matrimonio, porque,<br />

como vimos, a educação dos filhos era utu <strong>de</strong>lles: 3." do<br />

Pacto conjugal, pelo qual, ao menos tacitamente, se obri<br />

garão á educação dos filhos: 4." do <strong>direito</strong> absoluto dos


•<br />

( 43o )<br />

ákos ás cousas necessarias, <strong>direito</strong>, que os pais violarião,<br />

se fizessem com que os filhos carecessem <strong>de</strong>ssas cousas.<br />

Felizmente não são necessarias longas <strong>de</strong>monstrações,<br />

para convencer os pais da existencia <strong>de</strong>sta sua obrigação,<br />

e muito menos para lhes persuadir o seu cumprimento. A<br />

fernura, que a natureza inspira aos pais para com os fi<br />

hos, nós quaes como que se vêm reproduzidos, é tão<br />

viva, e além disso é uma origem <strong>de</strong> tantos e taes gozos<br />

díarios, que os pais facilmente supportão os incommodos<br />

da educação dos filhos pelo prazer, que dahi lhes resulta.<br />

A Natureza, que teve em vista a conservação da especie<br />

humana, foi tão próvida, que vinculou á conservação e<br />

<strong>de</strong>senvolvimento dos filhos o amor dos pais e os seus<br />

proprios interesses, pois os pais tem razão para esperar<br />

que aquelles, a quem educão, venhão na sua velhice a<br />

ser o seu proprio apoio, retribuindo-lhes os cuidados,<br />

que lhes prodigalizárão na infancia. Esta Lei da Natureza<br />

é tão forte, e tão pontualmente observada, que pela sua<br />

observancia o genero humano tem subsistido, e continua<br />

rá a subsistir,<br />

§ 727.<br />

Principia Martini a examinar, qual é o verda<strong>de</strong>iro<br />

fundamento do patrio po<strong>de</strong>r <strong>segundo</strong> Direito Natural.<br />

Martini expõe primeiro a sua opinião neste §.; e <strong>de</strong>pois<br />

as <strong>de</strong> Grocio, Puffendorf e Hobbes nos §§. seguintes.<br />

Patrio po<strong>de</strong>r é o <strong>direito</strong>, que tem os pais, <strong>de</strong> dirigir<br />

as acções dos filhos, em quanto elles não tem a capacida<br />

<strong>de</strong> necessaria para satisfazerem ás suas obrigações (a).<br />

Martini assigna ao patrio po<strong>de</strong>r o mesmo funda<br />

mento, que Burlamaqui (b) Os pais, diz elle, tem obri<br />

gação <strong>de</strong> educar os filhos, i. é, <strong>de</strong> empregar os meios<br />

necessarios para que se <strong>de</strong>senvolvão, e conformem suas<br />

acções aos preceitos da Lei Natural. Para os pais cum<br />

prirem esta obrigação, é mistér, que tenhão <strong>direito</strong> a tu<br />

do o que para isso for necessario, pela regra — quem quer<br />

os fins, quer os meios— (c); e não pó<strong>de</strong> duvidar-se, que<br />

(a) (4) Burlamaqui Loc. cit. S. 3P. e 4. seg. C. 15. S. 2.<br />

•<br />

(c) S. 57. •<br />

N


•<br />

( 431 )<br />

as para pais issonão terem po<strong>de</strong>ráõ <strong>direito</strong>, dirigir i. é, legitimamente patrio po<strong>de</strong>r. os filhos, sem•<br />

§. 728.<br />

Grocio, diz Martini, não sem razão <strong>de</strong>duzio o pa<br />

trio po<strong>de</strong>r do facto da geração, como seu fundamento<br />

mediato; porque <strong>de</strong>rivando-se da educação, cuja obriga<br />

ção compete áquelles, que gerárão os filhos, pó<strong>de</strong> dizer<br />

se, que o patrio po<strong>de</strong>r provém immediatamente da edu<br />

cação, e mediatamente da geração (a).<br />

$ 729.<br />

Martini rejeita a opinião <strong>de</strong> Puffendorf (5), que fun<br />

dou o patrio po<strong>de</strong>r na sociabilida<strong>de</strong>, ou num paeto pre<br />

sumido entre os pais e os filhos; porque abrangendo a<br />

sociabilida<strong>de</strong> a todos os homens, se ella fosse<br />

o funda<br />

mento do patrio po<strong>de</strong>r, todos elles se po<strong>de</strong>rião dizer in<br />

vestidos <strong>de</strong>ste po<strong>de</strong>r; o que é visivel absurdo. O pacto<br />

não passa d’uma ficção, porque não pó<strong>de</strong> presumir-se con<br />

sentimento em quem não pó<strong>de</strong> consentir. Finalmente re<br />

puta absurda a opinião <strong>de</strong> Hobbes (c), que sustenta que<br />

a mãi pela occupação estabelece <strong>direito</strong> sobre o filho<br />

para que se não torne seu inimigo, mas antes lhe obe<br />

<strong>de</strong>ça; por quanto os filhos não só não são cousas nullius,<br />

senão tambem são seres dotados pela natureza <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s<br />

absolutos, e iguaes aos <strong>de</strong> todos individuos da especie hu<br />

II12II a. • • • •<br />

Não só para se enten<strong>de</strong>r a doutrina <strong>de</strong> Martini, mas<br />

tambem por ser curioso o systema <strong>de</strong> Hobbes, daremos<br />

d'elle uma breve idêa, transcrevendo o que diz a este<br />

respeito Felice (d):<br />

« Segundo Hobbes todo o homem tem no <strong>estad</strong>o da<br />

natureza a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer relativamente aos outros<br />

tudo o que julga conveniente para sua propria conser<br />

(a). Grotius De J. B. ac P. L. 2.C.5. S. 1, Felice Natas a Burla<br />

maqui S. r.<br />

(b) De Off. Hom. et Civ. L. a.C. 3. S. 2.<br />

(c) De Civ. L. 11. C. 5. +<br />

{*) Nºtas a Burlamqui P. 4. C. 15. S. 5.


• Felice,<br />

( 432 )<br />

vação: o vencedor vem a ser senhor do vencido; o mais<br />

forte do mais fraco. Don<strong>de</strong> se segue, que uma filho <strong>de</strong><br />

pen<strong>de</strong> originariamente <strong>de</strong> sua mãi, que primeiro o teve<br />

em seu po<strong>de</strong>r. Ora como, <strong>segundo</strong> os principios d'Hoh<br />

bes, todos aquelles, que não são nem sujeitos um ao<br />

outro, nem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes d'um senhor com mum, se po<br />

<strong>de</strong>m olhar reciprocamente como inimigos; se uma mái<br />

quer educar seu filho, presume-se, que ella não se obriga<br />

a isso, senão <strong>de</strong>baixo da condição <strong>de</strong> que não venha a ser<br />

seu inimigo, quando for homem, i. é, lhe obe<strong>de</strong>ça; pois<br />

não se pó<strong>de</strong> presumir, que uma pessoa dê a vida a ou -<br />

tra, para que acquirindo forças com a ida<strong>de</strong>, acquira ao<br />

mesmo tempo <strong>direito</strong> <strong>de</strong> lhe resistir. Por tanto no <strong>estad</strong>o<br />

da natureza toda a mulher vem a ser ao mesmo tempo<br />

mãi e senhora do filho, que dá á luz. Deste modo, se<br />

gundo Hobbes, sómente a mãi tem no <strong>estad</strong>o da natu<br />

reza po<strong>de</strong>r sobre seus filhos; porque, diz elle, neste<br />

<strong>estad</strong>o não se pó<strong>de</strong> saber quem é o pai d'um filho, se a<br />

mãi o não <strong>de</strong>clara. . . .» |- * *<br />

Todos os principios, invocados por este systema, tem<br />

sido já refutados neste <strong>Curso</strong> (a); por isso não gastare<br />

mos tempo em <strong>de</strong>monstrar a sua falsida<strong>de</strong>.<br />

•<br />

Esta questão foi tractada largamente pelos Philoso<br />

phos antigos, que seguírão a este respeito differentes<br />

opiniões, as quaes se po<strong>de</strong>m ver no Commentario <strong>de</strong><br />

Cocceo a Grocio (b). Bentham (c) refuta algumas razões<br />

<strong>de</strong> Cocceo, assim como Felice (d) procura refutar a opi<br />

nião <strong>de</strong> Burlamaqui. Felice reconhece com Burlamaqui,<br />

que os pais, tendo obrigação d'educar os filhos, <strong>de</strong>vem<br />

ter <strong>direito</strong> a todos os meios necessarios: confessa, que o<br />

patrio po<strong>de</strong>r é um meio; mas nega, que por esta argu<br />

mentação se tenha <strong>de</strong>scoberto o fundamento do patrio<br />

po<strong>de</strong>r; prova-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lle, e não o seu funda<br />

III e Int().<br />

para fundamentar o patrio po<strong>de</strong>r, figura uma<br />

hypothese totalmente arbitraria, e cuja verda<strong>de</strong> e exa<br />

ctidão não <strong>de</strong>monstra, nem é possivel <strong>de</strong>monstrar-se :<br />

(a) Append, ao C. 1. .<br />

(b) De J. B. ac P. L. a.C. 5. S. 1.<br />

(c) Principes <strong>de</strong> Legisl. C. 13. •<br />

(d) \otas a Burianaqui P. 4. C. 15. S. 5.


•<br />

( 433)<br />

«No <strong>estad</strong>o da natureza, diz elle, cada familia, separada<br />

das outras, era um <strong>estad</strong>o, cujo chefe tinha o <strong>direito</strong> ab<br />

soluto sobre todos os membros; as mulheres e os filhos, os<br />

criados e os escravos, todos <strong>de</strong>pendião inteiramente <strong>de</strong>ste<br />

chefe: era seu verda<strong>de</strong>iro soberano, que tinha em suas<br />

mãos o po<strong>de</strong>r legislativo, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> fazer guerra, tra<br />

ctados e allianças. As mulheres e os filhos erão <strong>natural</strong><br />

mente iguaes aos maridos e aos pais; porém inferiorês<br />

e sujeitos a seus soberanos. Não consi<strong>de</strong>rando pois no<br />

chefe da familia senão a qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pai, ou <strong>de</strong> mari<br />

do , em vão se procurará nelle a origem <strong>de</strong> qualquer<br />

po<strong>de</strong>r. é a origem, Porémporque se o consi<strong>de</strong>ramos tem a plenitu<strong>de</strong>.» como soberano, elle<br />

Esta theoria acha-se em opposição com todos os<br />

principios, que temos estabelecido, nem merece as honras<br />

d'uma refutação. A soberania, que Felice figura na fa<br />

milia, absorve o patrio po<strong>de</strong>r. E qual é o fundamento<br />

<strong>de</strong>ssa soberania? Isso é o que Felice não diz:<br />

Vejamos agora como Ahrens (a) se explica a este<br />

respeito: º . •<br />

«As relações, diz elle, entre os pais e os filhos não<br />

são sómente <strong>de</strong> natureza fysica, mas participão essencial<br />

mente d'um character moral e juridico. A relação <strong>de</strong><br />

<strong>direito</strong>, que existe entre elles, e <strong>de</strong> que temos <strong>de</strong> nos<br />

occupar aqui, é reciproca. O filho, que tem que exigir<br />

das pessoas, que lhe <strong>de</strong>rão o ser, as primeiras condições <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>senvolvimento, pó<strong>de</strong> fazer valer os <strong>direito</strong>s, que se<br />

fundão, em geral, no titulo <strong>de</strong> ser humano, e em parti<br />

cular nas relações , que a natureza estabeleceo entre elle<br />

e seus pais. Estes <strong>direito</strong>s não se fundão num contracto,<br />

não tem necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lle para existir; nascem, como to<br />

dos os <strong>direito</strong>s primitivos, da natureza mesma do ser hu<br />

mano. Os <strong>direito</strong>s dos filhos e as obrigações dos pais re<br />

sumem-se no <strong>direito</strong> e na obrigação da educação; ha en<br />

tre elles sem dúvida outras relações affectivas e moraes;<br />

porém ao Direito sómente incumbe o reconhecer e justi<br />

ficar o complexo das condições necessarias para a educa<br />

ção fysica e intellectual dos filhos. Aos pais toca em pri<br />

meiro lugar o fornecer estas condições; mas para que a<br />

(a) Cours <strong>de</strong> Droit Nat. Part Spéc, Div. 2. Sect. 2, Chap, 2.


• §<br />

* * * |-<br />

•<br />

( 434 )<br />

educação possa verificar-se, tem <strong>direito</strong> á obediencia e<br />

respeito dos filhos." . . .<br />

« A educação é obra commum dos dous conjuges; na<br />

primeira infancia com tudo é a mãi a principalmente en<br />

carregada do cuidado <strong>de</strong> educar o filho <strong>de</strong>baixo d'ambos<br />

os pontos <strong>de</strong> vista, fysico e intellectual, pois as mulheres<br />

até certa ida<strong>de</strong> sabem melhor, do qué os homens, dirigir.<br />

o espirito dos filhos. Porém quando começão a <strong>de</strong>senvol<br />

ver-se com mais energia sua razão e sua reflexão, <strong>de</strong>vem<br />

os filhos do sexo masculino ser confiados aos homens. .<br />

« O po<strong>de</strong>r, que acquirem os pais sobre os filhos em<br />

virtu<strong>de</strong> do <strong>direito</strong> e obrigação da educação, é dividido<br />

igualmente pelos dous conjuges, ainda que na primeira<br />

infancia seja melhor exercitado pela mulher, do que pelo<br />

marido. Não existe po<strong>de</strong>r puramente paternal. O po<strong>de</strong>r<br />

pertence ao pai e á mãi, e funda-se não no facto pura<br />

mente fysico da geração, como accreditárão os antigos<br />

Auctores, mas na funcção da educação.»<br />

Por on<strong>de</strong> é bem <strong>de</strong> ver, que o patrio po<strong>de</strong>r, consi<br />

<strong>de</strong>rado como um <strong>direito</strong>, se <strong>de</strong>duz, como todos os di<br />

reitos absolutos, da natureza humana, e das relações<br />

necessarias, qne a natureza estabeleceo entre os pais e os<br />

filhos, para que se possa verificar a educação <strong>de</strong>stes,<br />

que é o seu fim. O patrio po<strong>de</strong>r pois é uma auctorida<strong>de</strong><br />

benefica, <strong>de</strong> que a natureza revestio os pais em beneficio<br />

dos filhos.<br />

•<br />

O patrio po<strong>de</strong>r, que os pais tem sobre os filhos,pó<strong>de</strong><br />

equiparar-se ao dominio? Não. O patrio po<strong>de</strong>r é todo<br />

benefico, e só tem por fim a educação dos filhos; pºr.<br />

tanto não pó<strong>de</strong> justificar acções algumas, que offendão<br />

os <strong>direito</strong>s connatos dos filhos, v.g., o da conservaçãº,<br />

da liberda<strong>de</strong>, etc. Os pais por consequencia não tem di<br />

reito <strong>de</strong> os matar, ou ven<strong>de</strong>r; em fim não tem <strong>direito</strong>,<br />

<strong>de</strong> dispôr <strong>de</strong>lles, como cousas, i. é, não tem dominio<br />

Os filhos são pessoas, revestidas pela natureza <strong>de</strong> todos<br />

os <strong>direito</strong>s universaes (a). - , , "º ><br />

, ,<br />

(a) Burlamaqui P. 4. C. 15. S. 11. |-<br />

731.


-<br />

( 435 ) . .<br />

§. 731. .<br />

• ! *<br />

* E quaes são os <strong>de</strong>veres dos pais ácerca da educação<br />

dos filhos, ou, noutros termos, quaes são os limites, que<br />

o Direito Natural marca ao patrio po<strong>de</strong>r? Os pais, como<br />

educadores, <strong>de</strong>vem fazer em beneficio dos filhos tudo,<br />

o que estes farião, se estivessem perfeitamente <strong>de</strong>senvol<br />

vidos, e tivessem a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> prover ás suas necessi<br />

da<strong>de</strong>s, e <strong>de</strong> promover a sua felicida<strong>de</strong>. Portanto os pais<br />

<strong>de</strong>vem alimentar os filhos, e cuidar da sua perfeição no<br />

<strong>estad</strong>o interior e exterior, fazendo-os instruir na Reli<br />

gião, nas Sciencias, nas Artes, e em fim procurando<br />

hes , <strong>segundo</strong> a sua vocação, alguma profissão, com<br />

que possão viver, <strong>de</strong> modo que sejão uteis a si e á socie<br />

da<strong>de</strong> (a). |- * . * * *<br />

. A experiencia mostra, que o <strong>de</strong>senvolvimento in<br />

tellectual dos filhos marcha á proporção do <strong>de</strong>senvolvi<br />

mento fysico, até que chegão a ter as suas faculda<strong>de</strong>s<br />

fysicas e intellectuaes em <strong>estad</strong>o <strong>de</strong> po<strong>de</strong>rem por si diri<br />

gir-se. O que sendo assim, facil é <strong>de</strong> ver, que os cuida<br />

dados dos pais <strong>de</strong>vem ser maiores na primeira ida<strong>de</strong> dos<br />

filhos, e que vão diminuiu do á proporção que estes vão<br />

acquirindo maior habilida<strong>de</strong> nas faculda<strong>de</strong>s fysicas, e<br />

maior aperfeiçoamento nas intellectuaes. Debaixo <strong>de</strong>ste<br />

ponto <strong>de</strong> vista, sendo a auctorida<strong>de</strong> dos pais toda em be<br />

neficio dos filhos, pó <strong>de</strong> dizer-se com Burlamaqui (b),<br />

que ella diminue, por assim dizer, insensivelmente, até<br />

que <strong>de</strong> todo se extingue, quando os filhos tem perfeito<br />

uso <strong>de</strong> razão. * * * … … - …* * * *<br />

Os filhos pela sua parte não só <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer a<br />

seus pais, durante o po<strong>de</strong>r paterno, senão ainda re<br />

speital-os pela sua ida<strong>de</strong>, pela sua experiencia, pelos seus<br />

conselhos e pelos seus exemplos. Devem remunerar o<br />

amor e ternura parental com o amor filial, e não se<br />

esquecer jámais dos cuidados e trabalhos, que os pais<br />

tiverão com a sua educação. Assim, se os pais nas en<br />

fermida<strong>de</strong>s ou na velhice precisarem do seu adjutorio,<br />

os filhos <strong>de</strong>vem subministrar-lh'o até on<strong>de</strong> chegarem<br />

(a) Burlamaqui loc. cit. L., 1. S. 19.<br />

(b), Loc. cit. S. 12. •<br />

II. • - 28<br />

* *


•<br />

( 436 )<br />

as suas forças. De que doces impressões não é privado os<br />

filho, que não sente a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> provar a sua ter<br />

mura para eom os auctores <strong>de</strong> seus dias? E se resiste a voz<br />

da natureza, que lhe brada alto, para que seja grato aos<br />

beneficios da educação, é um monstro, não é homem.<br />

CAP. XXVIII.<br />

BA FAMILIA, É Do DIREITo DA succEssão.<br />

Depois <strong>de</strong> termos fallado das socieda<strong>de</strong>s conjugal e<br />

parental, vamos falar da familia, na qual entrão os pais,<br />

os filhos e<br />

composta.<br />

os criados. Já se<br />

•<br />

vê que esta socieda<strong>de</strong> é,<br />

§. 775.<br />

Toda a socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ter um fim, a que se dirija.<br />

E qual é o fim da familia? Martini diz, que, assim como<br />

a familia é uma socieda<strong>de</strong> composta das simplices, for<br />

madas dos conjuges, pais e filhos, amos e criados, assim<br />

tambem o seu fim é composto dos differentes fins das .<br />

simplices, dirigindo-se ao seu conseguimento pelo reci<br />

proco adjutorio <strong>de</strong> todos os membros, que a compõem.<br />

A perfeição pois e a salvação domestica é o fim geral e<br />

commum da socieda<strong>de</strong> da familia.<br />

O Sr. Fortuna assigna á familia dous fins: 1.° a<br />

acquisição das cousas necessarias para passar commoda<br />

mente a vida: 2.° a mutua <strong>de</strong>fesa dos membros da fami<br />

Iia contra os inimigos.<br />

Porém já dissemos com Ahrens, que a familia se<br />

dirigia a todos os fins do homem, e que por isso em seu<br />

seio se <strong>de</strong>via cultivar a Religião, a Moral, as Sciencias,<br />

as Artes, a Industria, e o Direito ou a Justiça.<br />

Os homens sómente reunidos em familias po<strong>de</strong>m<br />

obter o seu fim e <strong>de</strong>stino pelo mutuo adjutorio <strong>de</strong> todos<br />

os socios, e não po<strong>de</strong>m conceber-se separados, e <strong>de</strong>ixado<br />

cada um ás suas proprias forças. Por isso disse com razão


( 437)<br />

taferriére (a): «O homem, como ser fysico, não vive,<br />

não se sustenta, senão pelos cuidados do pai, da mãi e da<br />

amilia, que constitue a primeira socieda<strong>de</strong>; como ser<br />

intellectual e moral, não vive, não se <strong>de</strong>senvolve, senão<br />

pela educação da familia e da socieda<strong>de</strong>.» A familia não<br />

é pois uma instituição humana, é obra da natureza; os<br />

vinculos do sangue, o amor dos pais e dos filhos, a ami<br />

za<strong>de</strong> dos irmãos, os interesses feciprocos <strong>de</strong> todos, que a<br />

mais curta intelligencia comprehen<strong>de</strong>, tudo mostra evi<br />

<strong>de</strong>ntemente, que a familia é uma das Leis mais imperio.<br />

sas da Natureza, e que sómente no centro <strong>de</strong>lla po<strong>de</strong>m<br />

os homens obter os fins, que se propõem. :<br />

-<br />

Martini observa por fim, que o socio <strong>de</strong> parte é<br />

pelo menos tacitamente socio do todo; e por isso que os<br />

seus <strong>direito</strong>s e obrigações são <strong>de</strong> duas especies.<br />

Para isto se enten<strong>de</strong>r, cumpre observar, que os<br />

membros da familia são ao mesmo tempo membros d'al<br />

guma das socieda<strong>de</strong>s simplices, <strong>de</strong> que ela se compõe,<br />

v. g., o marido e a mulher, etc. O marido e a mulher<br />

pois tem os <strong>direito</strong>s e obrigações, que lhes resultão da<br />

socieda<strong>de</strong> conjugal, e os <strong>direito</strong>s e obrigações, que lhes<br />

provém da socieda<strong>de</strong> da familia.<br />

§ 777.<br />

Assim como os conjuges são iguaes, e vindo a ser<br />

pais, tem igual auctorida<strong>de</strong> sobre os filhos, assim na fa<br />

milia vem a ser os cabeças e pais <strong>de</strong> familia com o po<strong>de</strong>r<br />

<strong>de</strong> dirigir os filhos e os criados, que por seu alvedrio se<br />

lhes sujeitárão. Com tudo pó<strong>de</strong> acontecer, que no pai<br />

ou na mãi se reúna toda a auctorida<strong>de</strong>, ou pela morte <strong>de</strong><br />

algum <strong>de</strong>lles, ou pelo seu consentimento expresso, ou<br />

tacito, •<br />

Os principios, que <strong>de</strong>ixámos expostos ácerca da so<br />

cieda<strong>de</strong> em geral, e especialmente da conjugal, e dos<br />

<strong>direito</strong>s e obrigações dos pais e dos filhos, po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong><br />

vem ser chamados para <strong>de</strong>cidir em gran<strong>de</strong> parte as dá<br />

vidas, que occorrerem sobre os <strong>direito</strong>s e obrigações dos<br />

(a) cours <strong>de</strong> Droit Publ. Admin., Droit Philosophique.<br />

• • •


•<br />

( 438 ) .<br />

membros da familia. Passemos pois á segunda parte dó<br />

Cap., i. é, ao <strong>direito</strong> hereditario.<br />

§. 782.<br />

Diz-se patrimonio a totalida<strong>de</strong> das cousas corporeas<br />

e incorporeas, ou dos bens (tomados no sentido juridico)<br />

acquiridos por qualquer ; herança é o patrimonio <strong>de</strong>i<br />

xado pelo <strong>de</strong>functo; <strong>direito</strong> hereditario é o <strong>direito</strong> d'ha<br />

ver a herança do <strong>de</strong>functo; e her<strong>de</strong>iro é aquelle, que<br />

tem o <strong>direito</strong> hereditario.<br />

• O <strong>direito</strong> hereditario acquire-se por dous modos—<br />

successão testamentaria , e successão ab intestato. A suc<br />

cessão ab intestato funda-se na vonta<strong>de</strong> presumida do<br />

<strong>de</strong>functo, passando os bens do seu patrimonio para aquel<br />

les, a quem elle <strong>de</strong>via mais amor e affeição; a successão<br />

testamentaria tem por base a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>clarada no testa<br />

mento, na doação mortis causa, ou no pacto successo<br />

rio (a). Por isso é que geralmente prefere a successão<br />

testamentaria á successão ab intestato. . . -<br />

Restando do presente anno lectivo sómente alguns<br />

dias, que é mistér applicar para o <strong>direito</strong> das Gentès,<br />

não po<strong>de</strong>mos ser mais extensos a este respeito; e con<br />

cluiremos este <strong>Curso</strong> com a questão ácerca do principio<br />

e fundamento das successões, sobre o que são diversas as<br />

opiniões dos Philosophos e JCtos.<br />

« A questão ácerca da successão, diz Ahrens (b),<br />

ainda que é intimamente ligada com a da proprieda<strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>ve com tudo ser resolvida em gran<strong>de</strong> parte <strong>segundo</strong><br />

os principios do <strong>direito</strong> <strong>de</strong> familia, que nesta materia<br />

geralmente se tem perdido <strong>de</strong> vista. -<br />

« Quanto ao modo <strong>de</strong> tractar e resolver a questão<br />

— se a successão testamentaria e ab intestato são funda<br />

das em Direito Natural, — ha gran<strong>de</strong> differença entre os<br />

Auctores antigos e as Escholas mo<strong>de</strong>rnas. Os Escriptores<br />

do seculo XVII, e os seus partidistas do seculo XVIII.,<br />

taes como Hugo Grocio, Puffendorf, Wolf, Barbey<br />

rac, admittem quasi sem exame o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> testar e a<br />

(a) S. 3o7. •<br />

• Y<br />

(b) Cours <strong>de</strong> Droit, Wat. Part, Spec. Div. 1, P. 2, Chap. 4,


(<br />

•<br />

· -<br />

439 )<br />

successão ab intestato; porém a maior parte dos Aucto<br />

res, que escrevêrão <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Kant, taes como o mesmo<br />

Xant, Fichte, Gros, Krug, Haus, Droste-Hulshoff,<br />

Rotteck, etc., procurárão <strong>de</strong>monstrar, que nenhuma<br />

especie <strong>de</strong> successão está em Direito Natural. -<br />

« Segundo estes ultimos Auctores não ha successão<br />

testamentaria, porque extinguindo a morte todos os di<br />

reitos do homem , o principio <strong>de</strong> que cada um pó<strong>de</strong> se<br />

gundo o seu livre alvedrio dispôr <strong>de</strong> seus bens, não é<br />

susceptivel d'applicação: a mesma razão é applicavel á<br />

successão ab intestato, que não pó<strong>de</strong> justificar-se pela<br />

supposição d’uma communhão d'interesses, ou d’uma<br />

proprieda<strong>de</strong> comunum, que tenha existido entre o <strong>de</strong><br />

functo e seus proximos parentes, e que estabeleça uma<br />

especie d'i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas; porque nesta supposição<br />

haveria uma tal união entre o <strong>de</strong>functo e seus her<strong>de</strong>i<br />

ros, que estes estarião obrigados a acceitar toda a suc<br />

cessão, sem ter o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> repudiar a que lhes fosse<br />

OIl GE'OS8 s<br />

«Alguns Auctores pensárão, que tendo havido entre<br />

o <strong>de</strong>functo e seus her<strong>de</strong>iros uma convenção ácerca da<br />

transferencia dos bens, a successão estaria fundada so<br />

bre os principios, que regulão os contractos. Porém<br />

tem-se objectado contra esta successão convencional,<br />

que tal contracto com a condição suspensiva não teria<br />

objecto <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento, em que a condição se verifi<br />

casse;<br />

pela morte.<br />

porque os <strong>direito</strong>s d'um individuo se extinguem<br />

• |- • * * • ' +<br />

« Porém parece-nos, que estas opiniões nascem<br />

d'um princípio <strong>de</strong> Direito muito estreito. Os Auctores,<br />

que as emittírão, adoptárão geralmente o principio <strong>de</strong><br />

Direito, tal como Kant o tinha estabelecido, mas que,<br />

como vimos, não explica senão d’uma maneira parcial a<br />

noção da justiça. Examinada <strong>segundo</strong> o nosso principio<br />

<strong>de</strong> Direito, que é mais completo, a questão testamenta<br />

ria e ab intestato tem uma solução mui differente,<br />

º «O Direito, como vimos, tem por fim subministrar<br />

as condições, para o <strong>de</strong>senvolvimento do homem em to<br />

das as suas relações, e para satisfacção <strong>de</strong> todas as neces<br />

sida<strong>de</strong>s intellectuaes, affectivas e fysicas, fundadas na<br />

natureza humana. A naturezadotou a todos os homens<br />

+


•<br />

( 44o )<br />

<strong>de</strong> sentimentos d'amor e d’affeição para com os seus<br />

ascen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes. Esta relações affectivas, que<br />

existem por um e outro lado, <strong>de</strong>vem ser reconhecidas<br />

pelo Direito, que <strong>de</strong>ve procurar as condições, que pos<br />

são subsistir e <strong>de</strong>senvolver-se. Tracta-se pois <strong>de</strong> saber,<br />

se o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> testar, assim como a successão ab intestato<br />

<strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>radas como condições necessarias para<br />

a expressão e conservação <strong>de</strong>stas affecções <strong>de</strong> familia.<br />

Haverá sem dúvida quem negue o character <strong>de</strong> necessi<br />

da<strong>de</strong> a estas condições, alegando que similhantes affec<br />

ções po<strong>de</strong>m existir e conservar-se sem o vehiculo dos bens<br />

materiaes. Apezar disso este argumento <strong>de</strong>sconhece a<br />

natureza do homem, que não é puramente intellectual,<br />

mas, á maneira do espirito, que se manifesta pelo cor<br />

po, quer tambem manifestar seu amor, suas affee<br />

ções por alguma cousa sensivel e material. Do mesmo<br />

modo que uma communhão <strong>de</strong> bens, para não ser<br />

<strong>de</strong>struidora da personalida<strong>de</strong> e das affecções pessoaes,<br />

<strong>de</strong>veria garantir ao individuo uma esfera <strong>de</strong> bens pre<br />

prios, dos quaes po<strong>de</strong>sse dispôr <strong>segundo</strong> os impulsos <strong>de</strong><br />

seus pensamentos e <strong>de</strong> seus sentimentos, do mesmo mo<br />

do o homem <strong>de</strong>ve ter a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> testemunhar no<br />

caso <strong>de</strong> morte suas affecções a seus parentes ou a outras<br />

pessoas. O principio <strong>de</strong> que todos os <strong>direito</strong>s se extin<br />

guem pela morte d'uma pessoa, exten<strong>de</strong>-se <strong>de</strong>masiada<br />

mente; é mistér limital-o, para que seja justo em sua ap<br />

plicação. Sem entrar em consi<strong>de</strong>rações transcen<strong>de</strong>ntaes,<br />

e sem consi<strong>de</strong>rar precisamente, como fizerão alguns Au<br />

ctores, o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> testar como uma consequencia da<br />

immortalida<strong>de</strong> do homem, é certo que o respeito á ultima<br />

vonta<strong>de</strong> do homem entra geralmente nos sentimentos <strong>de</strong><br />

seus parentes e amigos. Estes sentimentos estão funda<br />

dos na natureza humana, e por conseguinte, em quanto<br />

a ultima vonta<strong>de</strong> não ferir os <strong>direito</strong>s <strong>de</strong> terceiras pes<br />

soas, o Direito <strong>de</strong>ve procurar as condições para a sua<br />

execução. Por outra parte vai-se muito longe, quando se<br />

preten<strong>de</strong>, que a vonta<strong>de</strong> não possa ter efeito algum <strong>de</strong><br />

pois da morte. Assim como a activida<strong>de</strong> <strong>de</strong> qualquer<br />

homem, em qualquer esfera subordinada, em que te<br />

nha vivido, se exten<strong>de</strong> por seus effeitos além da morte,<br />

do mesmo modo não ha razão para que a socieda<strong>de</strong> se


• «Quanto<br />

(44 )<br />

opponha, em Direito, a que a vonta<strong>de</strong> tenha sua exe<br />

cuçao... á successão ab intestato, justifica-se igual<br />

mente pela ligação das affecções, que em regra existia<br />

entre o <strong>de</strong>functo e os seus mais proximos parentes.<br />

«Apezar disto não po<strong>de</strong>rá justificar-se em Direito<br />

Natural a herança testamentaria, ou ab iniestato, senão<br />

relativamente aos objectos, que forão d'algum modo<br />

impregnados da personalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>functo, por exem<br />

#" as obras por elle executadas, os objectos <strong>de</strong> recor<br />

dação, etc. A fóra estas cousas, que po<strong>de</strong>ráõ chamar-se<br />

objectos <strong>de</strong> affeição, a successão não é mais do que uma<br />

instituição civil, sustentada pelas leis em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong> ra<br />

zões similhantes, com quanto menos fortes e menos nu<br />

merosas, que aquellas, que justificão na nossa socieda<strong>de</strong><br />

o systema da proprieda<strong>de</strong>.»<br />

Alartini (a) faz entrar na esfera do Direito Natural<br />

as successões testamentaria e ab intestato, procura re<br />

futar uma longa serie <strong>de</strong> razões dos adversarios, e con<br />

clue argumentando por analogia a favor da sua opinião:<br />

— se o Soberano na socieda<strong>de</strong> civil pó<strong>de</strong> legislar ácerca<br />

das successões, porque não po<strong>de</strong>rá dispôr ácerca da sua o<br />

cabeça da familia, que a ninguem está sujeito —? Porém<br />

pouca reflexão basta para ver a gran<strong>de</strong> differença entre<br />

um e outro: o pacto social, as conveniencias politicas<br />

po<strong>de</strong>m dar ao Soberano <strong>direito</strong>s, que a simplicida<strong>de</strong> na<br />

tural não conce<strong>de</strong> aos individuos.<br />

Tambem seguem a opinião <strong>de</strong> Martini o Sr. For<br />

tuna (b) e Gouveia Pinto (e). Não temos tempo para<br />

expôr extensamente a nossa opinião; e por isso só dire<br />

nºos, que o argumento d'Ahrens, <strong>de</strong>duzido dos senti<br />

mentos e affecções do homem, a ter a força para limitar<br />

o principio <strong>de</strong> que a morte acaba todos o <strong>direito</strong>s, justi<br />

ficaria as successões testamentaria e ab intestato em to<br />

da a sua amplitu<strong>de</strong>, e iria além da successão das cousas<br />

impregnadas, como elle diz, da personalida<strong>de</strong> do <strong>de</strong>fun<br />

cto, e que são objectos <strong>de</strong> affecção, a que elle restringe<br />

2S SIl CCCSSOCS.<br />

(a) S. 815 e seg. •<br />

• (b) L. I. P. 2. 8. 6. S. 577 e seg. •<br />

(c) Tractado <strong>de</strong> Testamentos e Successões C. 4. •


( 442 )<br />

Reconhecemos a existencia, da sympathia e amor<br />

pelos pais, pelos filhos, pelos irmãos e pelos parentes;<br />

prestamos respeito as estes sentimentos <strong>de</strong> familia, que<br />

são um dos mais bellos apanagios da humanida<strong>de</strong>; até<br />

mesmo quizeramos, que o nosso espirito po<strong>de</strong>sse ce<strong>de</strong>r<br />

aos impulsos do nosso coração; porém não vemos como os<br />

<strong>direito</strong>s d'um homem hão <strong>natural</strong>mente <strong>de</strong> saltar pela sua<br />

morte para certas e <strong>de</strong>terminadas pessoas. O testamento<br />

é como uma lei; e será razoavel, que os mortos gover<br />

nem os vivos? Nas successões ab intestato o fundamento<br />

das affecções não pó<strong>de</strong> <strong>natural</strong>mente passar d’uma pre<br />

sumpção, que a experiencia <strong>de</strong>smente (<strong>de</strong>sgraçadamente<br />

é verda<strong>de</strong>) todos os dias; e como po<strong>de</strong>rá a Justiça Natu<br />

ral edificar sobre uma base tão incerta o edificio das suc<br />

cessões ab intestato ? A nossa opinião pois é a dum<br />

gran<strong>de</strong> JCto Portuguez (a): — as successões testamenta<br />

ria e ab intestato são <strong>de</strong> Direito Civil, e não <strong>de</strong> Direito<br />

Natural, \<br />

FIM.<br />

(…) 'Sr. Mello Freire Instit. Jur, ciº. Lusit. L. 3. T. 5. S. .


• } \<br />

•<br />

\<br />

> *-*<br />

TABELLA ANALYTICA E ALFABETICA<br />

DAS MATERIAS.<br />

A.<br />

Abia. Seu systema. Appendix ao C. 1.<br />

Abusar não pó<strong>de</strong> o senhor da cousa $ 437; abuso § 194.<br />

"Accessão. O que seja, especies e regras ácerca <strong>de</strong> cada<br />

uma $.444 e seg. +<br />

Acci<strong>de</strong>ntal o que seja $. 9.<br />

Acções. O que sejão e suas especies S. 36 e 17o ; se as ha<br />

indifferentes S. 63 e seg.; imputação das acções fa<br />

ceis §. 188 e difficeis e 196. S. 187; das ultroneas e invitas, etc.<br />

•<br />

Adjuncção. O que seja, suas especies e regras S. 446 e<br />

Seg.<br />

Adulterio. O que seja, é prohibido a ambos os conju<br />

ges S. 71o.<br />

Agente. O que seja $. 36 e 6o.<br />

Ajudar, 357. adjutorio, • em que consiste, obrigação, \| * etc. §.<br />

Aleatorios (contractos). O que sejão, divisão e especies,<br />

regras ácerca <strong>de</strong>lles S. 551 e seg.<br />

Alluvião. O que seja S. 444; a quem pertence $ 445.<br />

Alveo abandonado pelo rio, a quem pertence, differem<br />

tes opiniões S. 445.<br />

Amigo. O que seja, <strong>de</strong>vem os homens ser amigos S. 363.<br />

Amor proprio, sua força e effeitos $.334; amor dos ou<br />

tros, o que seja, obrigação, etc. § 359, não se op<br />

Analogia põe aos S. officios 137. <strong>de</strong> justiça S. 374.<br />

•<br />

Animaes tem vida intelligente, e <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> muitas re<br />

lações, analoga á dos homens, gozão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s,<br />

mas não entrão na esfera <strong>de</strong> Direito Natural; sua<br />

protecção em Inglaterra e Prussia; opinião <strong>de</strong> Ben<br />

tham § 1 15. Se o homem tem communhão <strong>de</strong> direi


•<br />

•<br />

(444)<br />

tos com elles, se os pó<strong>de</strong> matar e comer, se po<strong>de</strong>m<br />

occupar-se $ 431 ; os filhos <strong>de</strong>lles a quem pertencem<br />

§. 445. : -<br />

Antimonia S.88.<br />

Apprehensão. O que seja, se será fundamento da pro<br />

prieda<strong>de</strong> nas cousas fungiveis S. 419.<br />

Arbitradores. O que sejão $.632.<br />

Arbitrio. Noção S. 4o.<br />

Arbitros. O que sejão, seus <strong>de</strong>veres e laudo § 632.<br />

Architectura. Vid. Palavra.<br />

Artes uteis. Vid. Bellas Artes.<br />

Assignação. O que seja e seus effeitos. §.585 e seg.<br />

Associação, o que seja, <strong>direito</strong> d'associação, em que<br />

consiste,<br />

$.356.<br />

origem da associação, suas especies, etc.<br />

B.<br />

Base do systema <strong>de</strong> Martini e dos Philosophos Allemães<br />

ácerca do Direito Natural $. 5o, e <strong>de</strong> diversos syste<br />

mas. Appendix ao C. 1.<br />

Bellas Artes <strong>de</strong>vem ser livres $.332.<br />

Bem. O que seja, e suas especies $ 15 e 34.<br />

Beneficencia. O que seja, obrigação <strong>de</strong>lla, em que con<br />

siste, gras para etc, o$.364; seu exercicio sua natureza § 368. e especies S. 365; re<br />

Beneficio. Será verda<strong>de</strong>ira a regra — in vito non datur<br />

beneficium º §. 369.<br />

Benevolencia. O que seja $.364; sua natureza $.365.<br />

Benignida<strong>de</strong>. O que seja, e obrigação <strong>de</strong>lla etc. S. 364;<br />

sua natureza e especies $ 365; regras para o seu exer<br />

cicio §, 368.<br />

Bentham. Seu systema. Appendix ao Cap. 1; não admitte<br />

Leis Naturaes S. 93; prefere a utilida<strong>de</strong> geral $.361;<br />

seu systema <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> $ 425.<br />

Bonald. Seu systema. Appendix ao C. 1.<br />

Bonda<strong>de</strong> 62 e 71. intrinseca das acções S. 61; especies <strong>de</strong>stas $.<br />

•<br />

Bouterweck. Seu systema. Appendix ao C. 1.<br />

Brutos. Vid. Animaes.


•<br />

•<br />

(445 ) •<br />

C.<br />

Caça . 429. •<br />

Salumnia. O que seja $.378. . * •<br />

Cambio. O que seja, suas especies, letras <strong>de</strong> cambio, o<br />

que sejão, requisitos <strong>de</strong>llas, e pessoas que nellas figuº<br />

rão, <strong>direito</strong>s e obrigações S. 544 e seg.<br />

Carida<strong>de</strong>. Principia por nós S. 361 ; excepção § 312.<br />

Casos fortuitos não tem imputação §, 183.<br />

Causa. O que seja $. 57; voluntaria S. 44; differentes<br />

especies <strong>de</strong> causas S. 181. , .<br />

Ce<strong>de</strong>ncia. O que seja e seus effeitos & 585 e seg.<br />

Censo. O que seja, suas especies e regras S. 553.<br />

Coacção. putação Vid. ao coacto Violencia. § 183. Coacção fysica exime da im<br />

Collisão <strong>de</strong> leis. O que seja, dá-se collisão <strong>de</strong> leis em<br />

Direito Natural, refutação da opinião d'Ahrens $.<br />

88 e 184.<br />

Commodato. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lle S. 5o6 e seg.<br />

Communhão primeva, sua natureza S. 417; seus conse<br />

ctarios S. 418; communhão <strong>de</strong> bens, refutação <strong>de</strong>ste<br />

systema S. 418; negativa, positiva e mista S. 417 e<br />

423; se o homem tem communhão <strong>de</strong> <strong>direito</strong>s com<br />

. os brutos $.428.<br />

Eompensação. gras ácerca <strong>de</strong>lla O que$ seja, 577. suas especies, effeitos e re<br />

Composição amigavel. O que seja S. 631.<br />

Compra e venda. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lla $.533<br />

e seg.; diversos pactos, que po<strong>de</strong>m ser-lhe adjectos<br />

§ 535;— da esperança S. 553.<br />

Compromisso. Vid. Arbitros..<br />

Comte. Seu systema, Appendix ao C. 1.<br />

Conciliadores. O que sejão S. 63o.<br />

Concurso d’officios, modos <strong>de</strong> fazer a excepção $.347 e<br />

seg., § 391 e seg.<br />

Condição. O que seja, suas especies e effeitos nos pactos<br />

§ 468 e seg.; suspensiva e resolutiva se extinguem<br />

a obrigação 9.58o.<br />

Condominio. Vid. Communhão positiva.<br />

Conferencias amigaveis, o que sejão $ 63o.


-<br />

• (446 )<br />

Conflicto. Vid. Concurso,<br />

Conformida<strong>de</strong> $ 137. :<br />

Confusão,<br />

seja, e seus<br />

como<br />

effeitos<br />

modo<br />

S.<br />

d'extinguir<br />

589.<br />

as obrigações, o que<br />

•<br />

Confusão, como especie d'accessão, o que seja, regras<br />

acerca <strong>de</strong>lla $ 446 e 447.<br />

Consanguinida<strong>de</strong>. O que seja $.7 12; se será impedimen<br />

to para o matrimonio S. 72.o e seg.<br />

Consciencia, <strong>de</strong>lla S. 326. differença d'imputação §. 175; liberda<strong>de</strong><br />

A •<br />

Conservação. Direito <strong>de</strong> conservação é universal e abso<br />

luto, existe S. 148; obrigação <strong>de</strong>lla S. 337.<br />

Contingente. Noção e especies $ 37 e 38.<br />

Contracto. Vid. Pacto.<br />

Convenção não é fundamento da proprieda<strong>de</strong> § 424,<br />

426 e 427, • -<br />

Cousas. Direito a ellas é absoluto, o que são cousas, co<br />

mo se differenção <strong>de</strong> pessoas S. 149 e 416; suas espe<br />

refutação cies S. 423; da fungiveis opinião dos e não antigos fungiveis $.5o5. o que sejão,<br />

•<br />

Criminações vagas. O que sejão, e sua natureza S. 378.<br />

Culpa. O que seja e suas especies, é menos imputavel,<br />

do que o dólo §.191.<br />

Culto. O que seja, suas especies, obrigação <strong>de</strong> o pre<br />

star, seu fundamento § 3o7 e 3o9; a obrigação do<br />

culto é <strong>de</strong> todas a maior S. 3o8; necessida<strong>de</strong> do ex<br />

termo, refutação da opinião contraria S. 32o; obri<br />

gação <strong>de</strong> o prestar por actos positivos semper e não<br />

pro per S. semper, 324. e por actos negativos seu per et pro sem º<br />

• -<br />

Cultura.<br />

Vid. Instrucção,<br />

D.<br />

Damno. O que seja, suas especies S. 385; <strong>de</strong>ve ser resar<br />

cido, e por que modos $ 386; quem o <strong>de</strong>ve prestar<br />

§ 387; não são obrigados a elle aquelles, que não<br />

tem uso <strong>de</strong> razão $.388; modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar a quan<br />

tida<strong>de</strong> <strong>de</strong>lle S. 389; se forem muitos os lesantes, co<br />

mo ha <strong>de</strong> ser reparado §. 39o; causado pelo animal,<br />

se o dono o presta S. 44o.


•<br />

( 447)<br />

Decisão por sorte. Vid, Sorte. Por Arbitros. Vid. Arbi<br />

ty'OS.<br />

Decoro S. 34o. -- { • •<br />

Defesa. O que seja, <strong>direito</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa é universal S. 151!<br />

Defraudamento. O que seja $ 438. -<br />

Delegação.<br />

Demencia,<br />

O<br />

se<br />

que<br />

exime<br />

seja,<br />

da<br />

e<br />

imputação<br />

seus effeitos<br />

S. 185.<br />

$.585 e seg.<br />

•<br />

Deposito. O que seja, regras ácerca <strong>de</strong>lle S. 5o9 e seg<br />

Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento e applicação dá ori<br />

Desprezo gem a §. <strong>direito</strong>s 343. hypotheticos diversos § 14o.<br />

«Dignida<strong>de</strong>, digno § 1.43.<br />

Diligencia. O que seja, seus grãos e imputação § 194.<br />

Direito. Como tem sido <strong>de</strong>finido pelos Philosophos Alle<br />

mães, Appendix ao C. r. Differentes accepções S. 84;<br />

<strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> $ 88; lei, <strong>direito</strong> e obrigação são<br />

cousas correlativas S. 85; <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong> o que seja<br />

§. 378; <strong>de</strong> veracida<strong>de</strong> Cap. XII.; ás cousas absoluto<br />

e hypothetico S. 416; <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>. Vid. Proprie<br />

| da<strong>de</strong>. " " " " "<br />

Direitos universaes ou absolutos, quantos e quaes são $4<br />

136 e seg.; suas proprieda<strong>de</strong>s S. 136; perfeitos e im<br />

perfeitos $ 155 e seg.; hypotheticos, o que sejão,<br />

são subordinados aos absolutos S. 136; não ha di<br />

reitos reaes $ 436: mais fortes e mais fracos existem,<br />

refutação da opinião d'Ahrens S. 88 e 184. +<br />

Divorcio. O que seja, é permittido por Direito Natural,<br />

posto que a Politica o possa modificar <strong>segundo</strong> as<br />

circumstancias da Nação §. 723. " :<br />

Doação. O que seja, suas especies e regras S. 5o3.<br />

| Dólo.<br />

193.<br />

O que seja, suas especies e imputação §. 191 e<br />

, - | •<br />

Dominio. O que seja $. 422; como se acquire pela occu<br />

pação, é <strong>direito</strong> hypothetico e causa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

entre os homens S. 425; seus effeitos e <strong>direito</strong>s que<br />

comprehen<strong>de</strong> S. 432 e seg.; suas especies 436. . .<br />

uello, var affrontas se é justo$ como 655 emeio seg. <strong>de</strong> , , <strong>de</strong>cidir , , litigios, ou la<br />


•<br />

(448 )<br />

Educação. O que seja, os pais<br />

$.726<br />

<strong>de</strong>vem<br />

e<br />

dal-a<br />

seg.<br />

a seus filhos,<br />

• • º |<br />

Edicto da lei S. 74; das Leis Naturaes S. 93.<br />

Embriaguez, se exime da imputação<br />

Emphyteuse.<br />

§ 185.<br />

O que seja, suas especies, e regras ácerca<br />

<strong>de</strong>lla $ 446 e seg.<br />

•<br />

Emprestimo a juros. O que seja, regras ácerca <strong>de</strong>lle, se<br />

é licito por Direito Natural $. 539 e seg.<br />

Empenho. O que seja, suas especies, effeitos e regras<br />

ácerca <strong>de</strong>lles S. 569 e seg.<br />

Equida<strong>de</strong> Endosso, Natural. Endossatarios. O queVid. seja Cambio. Cap. X.<br />

•<br />

Erro invencivel <strong>de</strong> Direito se excusa $ 151; seus effeitos<br />

nos pactos S. 458 e seg.<br />

Eschola historica.# ao Cap. 1.<br />

Escolha.<br />

Escravidão,<br />

Sua noção<br />

Escravatura<br />

S. 44.<br />

são contra o Direito Natural,<br />

opinião <strong>de</strong> Montesquieu, Rousseau e Aristoteles $.375.<br />

Especificação. O que seja, regras ácerca <strong>de</strong>lla S. 446 e 447.<br />

Espontaneida<strong>de</strong>.<br />

Essencia.<br />

Sua noção<br />

O que<br />

§ 4o.<br />

seja $. 9; sua divisão $, ! o._<br />

•<br />

Estado. Sua noção e especies $ 54, 55, 139; <strong>natural</strong><br />

não pó<strong>de</strong> <strong>de</strong>terminar-se $ 1 6o.<br />

Esterilida<strong>de</strong>s. O que sejão, se eximem da obrigação <strong>de</strong><br />

pagar a pensão ou canon S. 537, 538, 546 e 547.<br />

Evicção. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lla S. 534.<br />

Extineção das obrigações $ 575 e seg<br />

F.<br />

Faculda<strong>de</strong><br />

Facto. O que<br />

<strong>de</strong><br />

seja<br />

conhecer<br />

$ 174.<br />

o Direito Natural tem o homem<br />

§ 1o I; em que consiste, opinião <strong>de</strong> Martini e dos<br />

mo<strong>de</strong>rnos §. I o 2 e seg.<br />

|-<br />

Faculda<strong>de</strong> moral.<br />

Faculda<strong>de</strong>s<br />

O que seja<br />

humanas<br />

$.83.<br />

necessitão <strong>de</strong> educação, e por que<br />

meios S. 332.<br />

Fama. O que seja, <strong>de</strong>veres ácerca <strong>de</strong>lla $ 343.


•<br />

•<br />

•<br />

(449)<br />

Familia. O que seja, sua natureza, e quaes os seus fins<br />

• 75.<br />

Fávor% necessida<strong>de</strong> S. 88; requisitos $ 392.<br />

Felicida<strong>de</strong>. O que seja <strong>segundo</strong> Martini, Sr. Fortuna, e<br />

Bentham $ 331.<br />

Fernão Men<strong>de</strong>s Pinto, sua opinião ácerca do conflicto dos<br />

officios $.394. -<br />

Fiança. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lla $.573.<br />

Ficht, seu systema sobre Direito Natural, Appendix ao<br />

Cap. 1.; sobre proprieda<strong>de</strong> $ 427. :<br />

Fim. Sua moção e especies $ 57; ultimo da creação §.59;<br />

do homem $.59, 114; intermedios do homem $ 115.<br />

Florez ra, Estrada, e refutação sua<strong>de</strong>lla theoria $ 431. sobre a occupação da ter<br />

Força, Systema d'Hobbes, Appendix ao C. 1; não pro<br />

duz <strong>direito</strong> $ 375; seus effeitos nos contractos $ 461;<br />

não pó<strong>de</strong> empregar-se para exigir o cumprimento<br />

das obrigações para com Deos, nem para com nosce<br />

§ 614 e seg.; mas sim os <strong>de</strong>veres para com os outros<br />

S. 61 7.<br />

Fortuna$… especies $ 345.<br />

Furor exime da imputação § 185.<br />

Furto. O que seja $ 438.<br />

G.<br />

Genero <strong>de</strong> vida todo o homem <strong>de</strong>ve ter $.34r; modo<br />

<strong>de</strong> o escolher $.342.<br />

Gestor <strong>de</strong> negocios. O que seja, seus <strong>direito</strong>s e obriga<br />

ções S. 513.<br />

Gloria. O que seja, <strong>de</strong>veres ácerca <strong>de</strong>lla S. 343.<br />

Graça offensiva. O que seja, e <strong>de</strong>veres ácerca <strong>de</strong>lla S. 378.<br />

G". d'alma em que consiste, e meios para a ter<br />

§ 345. •<br />

Gratidão. O que seja, obrigação <strong>de</strong>lla S. 37o e seg.<br />

Grocio. Seu systema <strong>de</strong> Direito Natural, Appendix ao<br />

C. 1. •<br />

Guerra. O que seja $ 159 e seg.<br />

-


-<br />

•<br />

-<br />

|-<br />

•<br />

( 45o)<br />

H.<br />

Habilida<strong>de</strong>. O que seja $ 335. • • • •<br />

Habito. máosOhabitos que seja, S. 335. suas especies, : <strong>de</strong>veres relativos aos<br />

• • *<br />

Herança, Her<strong>de</strong>iro. O que sejão S. 782.<br />

Honesto S. 161. |- |-<br />

Hutcheson. Seu systema, Appendix ao C. 1.<br />

Hypotheca. O que seja, seus effeitos, e regras ácerca<br />

<strong>de</strong>lla S. 569 e seg.<br />

Igualda<strong>de</strong> é um <strong>direito</strong> universal e absoluto §. 137; seu<br />

fundamento, especies e natureza S. 14o.<br />

Illegitimo é sempre nullo? Vid. Nullo.<br />

Imperante N. 141. . .<br />

Imperio. O que seja $ 141.<br />

Impossivel. Sua noção e especies $ 37 e 38.<br />

Imputação. O que seja S. 174 e seg.; seus requisitos, e<br />

quem pó<strong>de</strong> imputar $. 176; suas especies S. 177 e<br />

seg.; sujeito e objecto <strong>de</strong>lla S. 18o; das causas media<br />

tas S. 182; quaes as acções, que não tem imputação<br />

por falta <strong>de</strong> espontaneida<strong>de</strong> $ 183; por falta <strong>de</strong> con<br />

tingencia S. 184; por falta <strong>de</strong> intelligencia S. 185;<br />

das acções faceis e difficeis últroneas e invitas, etc.<br />

187 e seg.; das differentes causas S. 189; da culpa e<br />

dólo § 191 e seg; do proposito e intenção S. 192 e<br />

Seg.; da diligencia e negligencia $ 194; da infancia<br />

e ida<strong>de</strong> madura S. 195.<br />

Imputabilida<strong>de</strong>. O que seja S. 175. |- * •<br />

Incolumida<strong>de</strong>. O que seja, <strong>de</strong>veres ácerca <strong>de</strong>lla $.392 e<br />

seg. - -<br />

- In<strong>de</strong>mnização <strong>de</strong> fazendas alijadas ao mar, <strong>de</strong> casas <strong>de</strong><br />

molidas em occasião d'incendio, e como se ha <strong>de</strong><br />

fazer S. 442 e 443.<br />

Indústria, sua liberda<strong>de</strong> e protecção $.332.<br />

Infamia S. 343. • • * - - -<br />

Infancia. 195 e 343. O que seja e se exime da imputação S. 185,<br />

•<br />

Infelicida<strong>de</strong>.<br />

*


•<br />

( 451 )<br />

Infelicida<strong>de</strong>. Vid. Felicida<strong>de</strong>.<br />

Ignorancia, O que seja, suas especies, se escusa a <strong>de</strong> Direi<br />

3o4. to e a <strong>de</strong> facto §. 185; e a da existencia <strong>de</strong> Deos $.<br />

•<br />

Ingratidão. O que seja, <strong>de</strong>ver ácerca <strong>de</strong>lla $.371.<br />

Inimigos. O que sejão, obrigação <strong>de</strong> os amar $ 363.<br />

Injuria. O que seja, suas espécies, lei dos Imperadores<br />

Theodosio, Arcadio e Honorio § 377; a verda<strong>de</strong> do<br />

convicio não exime do animo d'injuriar $. 378; será<br />

verda<strong>de</strong>ira a regra — volenti nulla fit injuria º- §.<br />

384. , .<br />

Injusto S. 161.<br />

Instrucção <strong>de</strong>ve ser livre $.332.<br />

Instrumentos. O que sejão $ 625. •<br />

Intenção. O que seja, suas especies, e imputação § 192<br />

e seg.<br />

Intensida<strong>de</strong> S. 137.<br />

Invasão. O que seja $ 438.<br />

Irrito. O que seja, sua differença <strong>de</strong> nullo S. 73.<br />

J. .<br />

Jacentes (causas), se po<strong>de</strong>m occupar-se $ 43o.<br />

Jeroglyficos. O que sejão $ 49.<br />

Jogo. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lle S. 553.<br />

Juramento, não accrescenta força aos contractos, Cap. 2o.<br />

Justo §. 161. Todo o homem se presume S. 169. *"<br />

K.<br />

Kant. Seu systema <strong>de</strong> Direito, Appendix ao C. 1.<br />

Érause. Seu systema <strong>de</strong> Direito, Appendix ao C.I.; <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong> $ 427.<br />

Laudo.<br />

Vid. Arbitros.<br />

L.<br />

Lei. Sua origem, o que seja, pó<strong>de</strong> conceber-se, sem se<br />

II. 29


|- tural<br />

( 452 )<br />

recorrer á idêa do Legislador S. 69; suas especies e<br />

differentes <strong>de</strong>finições S. 7o e seg. e $.89; promulga<br />

ção e retroactivida<strong>de</strong> $ 73; edicto e sancção §. 74;<br />

permissivas, e imperfeitas S. 78; fim S. 79; obedien<br />

cia ás leis S. 8o; quem pecca ou viola a lei $ 81;<br />

existem leis mais fortes e mais fracas, refutação da<br />

opinião d'Ahrens S. 88; existem Leis Naturaes S. 98<br />

e seg.; suas proprieda<strong>de</strong>s S. 121.<br />

Lesão. O que seja $ 146; acções, que se po<strong>de</strong>m dizer<br />

lesivas S. 147; fundamenta o <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia $.<br />

152 e 153.<br />

Letras <strong>de</strong> Cambio. Vid. Cambio. *<br />

Liberda<strong>de</strong>. Noções e existencia 44. E um <strong>direito</strong> uni<br />

versal e absoluto, suas especies, etc. S. 142; não a<br />

ha <strong>de</strong> Religião, mas sim <strong>de</strong> consciencia $ 326 e 614<br />

e seg.<br />

Licença. O que é S. 83.<br />

Linguagem d'acção S. 49.<br />

Linha. O que seja, e suas differentes especies S. 714.<br />

Litigio. O que seja, sua natureza <strong>segundo</strong> Direito Na<br />

S. 62 1 ; quando está <strong>de</strong>cidido S. 627.<br />

Livramento das obrigações S. 575 e seg.<br />

Locação e conducção, <strong>de</strong>nominações diversas, º que se<br />

ja, especies e regras ácerca <strong>de</strong>lla S. 536 e seg.<br />

Loquela S. 49.<br />

Loteria, O que seja, <strong>direito</strong>s e <strong>de</strong>veres ácerca <strong>de</strong>lla S.<br />

553.<br />

Louvor S. 343.<br />

M.<br />

•<br />

Mal. O que seja $ 15. . •<br />

Malda<strong>de</strong> intrinseca das acções $. 61; suas especies S. 62.<br />

Matrimonio.<br />

Mandato. O que<br />

O que<br />

seja,<br />

seja<br />

e regras<br />

e seus<br />

ácerca<br />

fins S.<br />

<strong>de</strong>lle<br />

697;<br />

S. 51" e seg.<br />

<strong>direito</strong>s dos<br />

conjuges, e natureza <strong>de</strong>lles S. 698 ; é socieda<strong>de</strong> volun<br />

taria $ 7oo; funcções diversas dos conjuges § 7or;<br />

requisitós para as nupcias S. 7o2; são prohibidas na<br />

linha dos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes $.72o e seg. ; na linha colate<br />

ral entre irmãos S.722; dissolve-se pelo divºrciº»


•<br />

•<br />

(453 )<br />

que é preferivel á separação quoad torum et habi<br />

tationem S. 723; monogamia, polygamia, polyan<br />

dria, polygynesia, o que sejão s. 7o6; a polygamia<br />

é prohibida por Direito Natural, refutação das dou<br />

trinas <strong>de</strong> Montesquieu a este respeito S. 7o7 e seg.<br />

Medianeiros. O que sejão S. 63o.<br />

Medo. Seu effeito nos contractos $. 461.<br />

Meio. O que seja S. 57.<br />

Merito S. 143.<br />

Meu e teu não são causa dos males sociaes S. 149.<br />

XModo d’acquirir, o que seja, suas especies,<br />

S. 424.<br />

Cap. XIII, e<br />

Modos Monogamia. <strong>de</strong> proseguir Vid. Matrimonio. o <strong>direito</strong> <strong>natural</strong>mente S. 589 e seg.<br />

Montaria S. 429.<br />

Montesquieu. ao Cap. 1.; Seu <strong>de</strong> systema proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Direito S. 425. Natural, Appendix<br />

•<br />

Moralida<strong>de</strong>. O que seja S. 63; é diversa nas aeções S. 17o<br />

e seg.; modo <strong>de</strong> conhecer os seus gráos S. 173; outra<br />

accepção, speito <strong>de</strong>lla eS. o 334. que <strong>de</strong>ve <strong>de</strong>terminar o Direito * * a re<br />

•<br />

Morte, seus effeitos ácerca dos <strong>direito</strong>s e obrigações S.<br />

59o e seg.<br />

Matuo. O que seja, e regras ácerca <strong>de</strong>lle S. 5o4 e seg.<br />

Mutuo dissenso. O que seja, se extingue as obrigações S.<br />

582.<br />

N.<br />

Natural. O que seja $. O ; suas fontes e divisão $. 1o.<br />

Natureza. O que seja S. 1; sua divisão $.8; do homem e<br />

suas fontes S. 5o.<br />

•<br />

Necessida<strong>de</strong>, Necessario. Suas accepções e especies S.<br />

37 e 38.<br />

Negligencia. O que seja, suas especies e imputação S.<br />

1 94.<br />

Norma. Vid. Regra.<br />

Novação. O que seja, suas especies e effeitos S. 585 e<br />

seg.<br />

Noxa não tem lugar em <strong>direito</strong> Natural S. 44o.<br />

\,


( 454 )<br />

Nullo. O que seja, differença <strong>de</strong> irrito $ 73; se é sempre<br />

tudo o que é ilegitimo º §.471 e seg.<br />

Nupcias. Vid. Matrimonio. |-<br />

O.<br />

Obrigação. O que seja, seus requisitos e especies S. 67 e<br />

seg., e S. 115; sujeito e objecto S. 72; modos, porque<br />

se extingue $.575 e seg.<br />

Occasião. O que seja S. 187.<br />

Occupação. O que seja, seus requisitos S.42 1; <strong>de</strong>lla na<br />

sce o dominio <strong>segundo</strong> Martini e Bentham S. 422; co<br />

mo por ella se acquire a proprieda<strong>de</strong> S. 425; cousas,<br />

que po<strong>de</strong>m ser occupadas S.428; como §. 429 ; cou<br />

sas, que não po<strong>de</strong>m ser occupadas S. 43o e 431;<br />

especies <strong>segundo</strong> Grocio §.429; se pó<strong>de</strong> occupar-se<br />

a terra, refutação da theoria <strong>de</strong> Florez Estrada $.<br />

43 1.<br />

Ocio. O que seja, <strong>de</strong>veres a respeito <strong>de</strong>lle S. 338.<br />

Officio. O que seja e suas especies S. 86 e 162.<br />

Officios erga Deum pertencem ao Direito Natural C. 8;<br />

suas especies S. 3o3; a ignorancia da existencia <strong>de</strong><br />

Deos não exime da falta do seu cumprimento § 3o4;<br />

para com nosco; differentes <strong>de</strong>nominações, perten<br />

cem ao Direito Natural C. IX.; sua existencia S. 329,<br />

em que consistem S. 33o e seg.; para com os outros<br />

imperfeitos suas diversas <strong>de</strong>nominações Cap. X, espe<br />

cies S. 355; em que consistem $ 356 e seg.; não po<br />

<strong>de</strong>m ser exigidos pela força S. 372; não é vãa a sua<br />

obrigação, pertencem á Moral S. 373; <strong>de</strong>finidos e<br />

in<strong>de</strong>finidos em que consistem §. 366; innoxiae uti<br />

litatis e noariae utilitatis em que consistem S. 367;<br />

quando são perfeitos S. 381 e seg; perfeitos, suas <strong>de</strong><br />

nominações Cap. XI.; existencia S. 374, em que con<br />

sistem $ 375 e seg.<br />

Opprobio. O que seja S. 343.


•<br />

•<br />

•<br />

•<br />

Paciente. O que seja $.36.<br />

Pacto. O que seja $.449; suá necessida<strong>de</strong> Cap. XV.; <strong>de</strong>lle<br />

não nascem <strong>direito</strong>s $.449; requisitos dos pactos $.<br />

45o; diversas opiniões sobre o fundamento das obri<br />

gações, que provém dos pactos S. 45o; modos <strong>de</strong> co<br />

nhecer o consentimento dos pactuantes S. 45 r; di<br />

versas classes e especies S. 452 e 453, quem pó<strong>de</strong> pa<br />

ctuar S. 457; effeitos do erro nos pactos $ 458 e seg.;<br />

effeitos do medo e força nos pactos S. 46 1; materia<br />

ou objectos dos pactos S. 462 e seg., como satisfaz o<br />

promittente á sua promessa S. 465; diversas condi<br />

ções e effeitos nos pactos §. 468 e seg.; quando <strong>de</strong>ve<br />

o promittente satisfazer á sua obrigação §. 478; es<br />

sencial, <strong>natural</strong> e acci<strong>de</strong>ntal dos pactos, o que seja<br />

§ 498; todos os <strong>de</strong>siguaes se po<strong>de</strong>m reduzir á doa<br />

ção § 5o3; os Escriptores mo<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Direito Na<br />

tural não tractão <strong>de</strong>lles em especial s. 5o3; por que<br />

modos cessão os pactos S. 575 e seg.<br />

Pactos aleatorios, o que sejão, especies e regras S. 551 e<br />

Seg.<br />

•<br />

Pagamento. O que seja, regras ácerca da extincção das<br />

obrigações por elle S. 776 ; se offerecido e não accei<br />

tado, extingue a obrigação S. 578.<br />

Paixões. O que sejão $ 36; não tem imputação S. 183.<br />

Palavra Patrimonio. (domOda). que Differentes seja $ 782. modos <strong>de</strong> o exercer S. 49.<br />

Patrio po<strong>de</strong>r. O que seja, seus limites, e diversas opi<br />

niões dos antigos e mo<strong>de</strong>rnos sobre o fundamento<br />

<strong>de</strong>lle S. 727 e seg.; quando acaba S. 731.<br />

Paz. O que seja S. 199 e seg.<br />

'Pecca ou viola a lei (quem) S. 81.<br />

Peccado. O que seja S. 82. |-<br />

Penhor. O que seja, effeitos e regras S. 569 e seg.<br />

Penhor antichretico. O que seja, regras ácerca <strong>de</strong>lle S.<br />

569 e seg.<br />

Perecimento da cousa se extingue a obrigação s. 579.<br />

Perfeição. O que seja e suas especies S. 13; é a base do<br />

systema <strong>de</strong> Welf $. 5o.


( 456 )<br />

Perfidia d'um pactuante se extingue a obrigação do ou<br />

tro S. 581.<br />

Perigo. O que seja e suas especies S. 15o.<br />

Permutação. Vid. Troea.<br />

º<br />

Pesca §. 429.<br />

Pessoa, Personalida<strong>de</strong>, o que seja, e differença <strong>de</strong> cou<br />

sas $.72, 416; pessoa juridica o que seja $ 7o.<br />

Pieda<strong>de</strong> Natural. O que seja C. VIII.<br />

Plantação. O que seja e a quem pertence S. 448.<br />

Pollicitação. O que seja, <strong>de</strong>lla não nasce obrigação $.455.<br />

Polygamia. Vid. Matrimonio.<br />

Polyandria. Vid. Matrimonio.<br />

Polygynesia. Vid. Matrimonio,<br />

Posse. O que seja, suas especies, é effeito e não causa<br />

da proprieda<strong>de</strong> S. 421.<br />

Possivel. Suas accepções e especies S. 37 e 38.<br />

Precario. O que seja $. 5o8.<br />

Prece<strong>de</strong>ncia. O que seja S. 1 38.<br />

Prerogativa. O que seja S. 138.<br />

Presumpção. O que seja, seus effeitos S. 622 e seg.<br />

Principio. Noção e especies S. 39; <strong>de</strong> conhecimento das<br />

Leis Naturaes, suas especies, e qual seja $. 1o I e seg.<br />

Proprieda<strong>de</strong> em geral, <strong>de</strong> Direito, Direito <strong>de</strong> proprie<br />

da<strong>de</strong>, moral, e intellectual o que sejão, suas natu<br />

rezas e differenças $ 416; theoria, que fundamenta a<br />

proprieda<strong>de</strong> no trabalho §. 4 18; systemas da proprie<br />

da<strong>de</strong> individual e com munhão <strong>de</strong> bens S. 418; como<br />

se introduzio nas cousas fungiveis e não fungiveis se<br />

gundo Martini S. 419 e 42 o ; o que entendião os<br />

antigos por proprieda<strong>de</strong> e suas especies $ 42o; a<br />

sua introducção não teve principio na occupação §.<br />

424; nem n’uma convenção §. 424, 426 e 427; como<br />

se acquire pela occupação <strong>segundo</strong> Martini S. 425;<br />

refutação do systema <strong>de</strong> Montesquieu e Bentham, que<br />

a <strong>de</strong>rivão da lei s. 425; opinião <strong>de</strong> Kant, Fichte e<br />

Ahrens, a nossa opinião e juizo critico sobre todos<br />

os systemas s. 427. }<br />

Proprieda<strong>de</strong>s das Leis Naturaes S. 1 a 1.<br />

Proposito. O que seja $.192. •<br />

Prova. O que seja, especies, a quem incumbe, seu obje<br />

cto, etc. S. 622 é seg.; refutação das regras legaes<br />

probatorias S. 626,<br />


( 457 )<br />

Puffendorf. Seu systema, Appendix ao C. 1.<br />

Q.<br />

Qualida<strong>de</strong>. O que seja $.137.<br />

Quantida<strong>de</strong>. O que seja $ 137.<br />

Rapina. O que seja s. 438.<br />

Reato. O que seja $.191.<br />

Rectidão. O que seja S. 82.<br />

Regra. Suas accepções § 1.3 e 68.<br />

Religião. O que seja, suas especies, existencia da Natu<br />

ral, refutação da opinião d'alguns Theologos $ 325;<br />

não ha liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Religião S. 326; uso da Religião<br />

Natural <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> Revelada S. 328.<br />

Remissão. O que seja, se extingue as obrigações $ 582.<br />

Repudio. O que seja $ 723. … . .<br />

Reputação. O que seja e suas especies S. 343; <strong>de</strong>veres a<br />

seu respeito §. 344.<br />

Restituição. O que seja, como <strong>de</strong>ve fazer-se S. 386;<br />

quando somos obrigados a ella S. 439. - -<br />

Sancção da lei s. 74; das Leis Naturaes S. 93 e 94. -<br />

Satisfacção. O que seja, suas especies, quando tem lugar<br />

§. 386; como se ha <strong>de</strong> fazer pelas fazendas alijadas ao<br />

mar, e casas <strong>de</strong>rribadas por occasião d'incêndio §.<br />

442 e 443. , .<br />

Segurança.<br />

$. 15o.<br />

Direito <strong>de</strong>lla é absoluto; o que é segurança<br />

|- * -<br />

Seguro. O que seja e regras ácerca <strong>de</strong>lle S. 553. . .<br />

Sementeira. O que seja, e a quem pertence S. 448. -<br />

Senso moral, não é principio <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstração em Di<br />

reito Natural S. I o 2 e seg. , º<br />

Sentimento religioso é o fundamento do culto <strong>segundo</strong><br />

Montesquieu, refutação S. 3o7.


•<br />

( 458)<br />

Separação quoad torum et habitationem é injusta § 723.<br />

Servidão. O que seja, especies, não ha servidões reaes,<br />

- todas são pessoaes S. 436.<br />

Seu. O que seja S. 144 e seg.<br />

Similhança. O que seja S. 137.<br />

Sociabilida<strong>de</strong>, sua existencia S. 49. -<br />

Socialistas. Seu systema, Appendix ao Cap. 1.<br />

Socieda<strong>de</strong> em geral, o que seja e seus requisitos S. 662 e<br />

seg.; especies S. 663 e 674 e seg.; o <strong>direito</strong> das so<br />

cieda<strong>de</strong>s é interno e externo § 665; quaes são os di<br />

reitos internos, sua organização, pacto <strong>de</strong> união e<br />

<strong>de</strong> constituição, administração, auctorida<strong>de</strong>s e sua<br />

nomeação, especies <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res, unanimida<strong>de</strong> para<br />

a constituição §.668; obrigações dos socios S. 67o;<br />

tem <strong>direito</strong>s absolutos S. 692; <strong>direito</strong>s externos da<br />

socieda<strong>de</strong> S. 692; quando acaba S. 693 — conjugal<br />

o que seja e seus fins S. 697— <strong>direito</strong>s dos conjuges.<br />

Vid. Matrimonio; dos pais e dos filhos $.725 e seg;;<br />

os pais <strong>de</strong>vem educar os filhos, natureza e limites da<br />

educação s. 726 e seg.; patrio po<strong>de</strong>r o que seja e seu<br />

fundamento S. 727; é pessoa moral S. 357 e 665; so<br />

cieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> negocio o que sejão, especies e regras<br />

ácerca <strong>de</strong>llas S. 549 e seg.; do genero humano sua<br />

natureza C. XXIII.<br />

Somnambulismo se exime da imputação S. 135.<br />

Sonhos. Vid. Somnambulismo. • •<br />

Sorte. Decisão por sorte. O que seja S. 553 e 633.<br />

Subdito. O que seja $ 141.<br />

Substancia. O que seja S. 9.<br />

Substituição feitos s. 585 <strong>de</strong> crédor e seg. ou <strong>de</strong>vedor, o que seja e seus ef<br />

-<br />

Successão testamentaria e ab intestato, qual a origem e<br />

fundamento, diversas opiniões dos Philosophos e<br />

JCtos, e refutação da opinião d'Ahrens S. 782.<br />

Suicidio, se é ou não licito § 353 e seg.<br />

Sujeição. O que seja S. 141.<br />

Systema <strong>de</strong> Direito Natural <strong>de</strong> Martini S. 5o; differentes<br />

especies <strong>de</strong> systemas <strong>de</strong> Direito Natural e juizo criti<br />

co sobre cada um, Appendix ao Cap. 1.<br />

Systemas diversos sobre a proprieda<strong>de</strong>, exposição, ana<br />

lyse e juizo critiso, Cap. XIII.


•<br />

( 459 )<br />

T.<br />

Terra. Se pó<strong>de</strong> occupar-se, refutação da theoria <strong>de</strong><br />

Florez Estrada $- 431.<br />

Testemunha. O que seja S. 625; se uma só faz prova, re<br />

futação das regras legaes probatorias S. 626.<br />

Thesouro. O que seja, se pó<strong>de</strong> occupar-se S. 43o.<br />

Thomasio. Seu systema, Appendix ao C. 1.<br />

Titulo da acquisição da proprieda<strong>de</strong>, se pó<strong>de</strong> separar-se<br />

do modo em Direito Natural, qual foi o da acquisi<br />

ção primeva, refutação da occupação como titulo da<br />

introducção da proprieda<strong>de</strong> S. 424.<br />

Trabalho. O que seja, <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> trabalhar $ 338; syste<br />

ma, que funda nelle a proprieda<strong>de</strong> S. 418.<br />

Tractados. O que sejão S. 63o.<br />

Tradição. O que seja S. 465; se é necessaria para a trans<br />

ferencia do dominio S. 466 e seg.<br />

Transacção. O que seja S. 63 1.<br />

Transformação. Vid. Trabalho.<br />

Troca. O que seja, differentes <strong>de</strong>nominações, regras<br />

ácerca <strong>de</strong>lla $.532.<br />

U.<br />

Utilida<strong>de</strong> Systema <strong>de</strong> Bentham, Appendix ao Cap. I.<br />

Vid. Bentham.<br />

•<br />

Urna da fortuna, o que seja, sua natureza e regras S. 553.<br />

V.<br />

Veracida<strong>de</strong>." Direito ácerca <strong>de</strong>lla. Cap. XII.<br />

Verda<strong>de</strong>. Suas especies, e obrigação. Cap. XII.<br />

Venda. Vid. Compra e Venda. Venda a remir o que se<br />

ja $.535.<br />

Vicios redhibitorios, quaes sejão, e regras ácerca <strong>de</strong>lles<br />

§. 534.<br />

Vicios. Suas especies $.34o.<br />

Violencia. O <strong>direito</strong> <strong>de</strong> violencia é universal e absoluto 3<br />

seus requisitos, quando tem lugar, e regras a respeito<br />

\


( 46o )<br />

<strong>de</strong>lla, exten<strong>de</strong>-se até matar o aggressor, refutação<br />

da opinião d'Ahrens S. 152, funda-se na lesão S. 153;<br />

não se <strong>de</strong>duz das obrigações sómente para com nosco<br />

§. 154.<br />

Violação da lei S. 81.<br />

Virtu<strong>de</strong>. Suas especies S. 34o.<br />

JZis fluminis. O que seja e a quem pertence $.444 e 445.<br />

Vituperio. O que seja S. 343.<br />

Vocabulos. O que sejão S. 49.<br />

Warburton. Seu systema, Appendix ao C. 1.


( 461 )<br />

We=-<br />

TABELLA<br />

Dos erros e correcções.<br />

|<br />

Pag.<br />

3o2<br />

3o4<br />

3oá<br />

314<br />

332<br />

342<br />

353<br />

355<br />

379<br />

383<br />

388<br />

39o<br />

4 I o<br />

Linh.<br />

4<br />

I9<br />

2O<br />

2 I<br />

22<br />

23 e 24<br />

“A O<br />

I9<br />

17 e 18<br />

Errºs<br />

465<br />

effeito dos contractantes<br />

se extinguem.<br />

E taes são 1.º o dom<br />

gratuito<br />

2 ** O USO<br />

3.º o uso<br />

4.º a prestação<br />

(<strong>de</strong>posito, mandato e pre<br />

C(27"ZO<br />

E se não conseguir d'um<br />

O Imutuatar 1 O e CO Ill InO<br />

datario : estes<br />

são obrigados<br />

porque no commodato e<br />

mutuo toda<br />

é do mutuario e commo<br />

datario<br />

o mutuatario<br />

e commo<br />

datario <strong>de</strong>vem<br />

foi vendida a este<br />

mostra com evi<strong>de</strong>ncia<br />

que <strong>direito</strong> não produz<br />

ha <strong>de</strong> ser muito diverso<br />

dos modos<br />

Pretenção; se o <strong>segundo</strong><br />

Ou nem recear<br />

ao outro, Este contracto<br />

um ob-fim<br />

Emendas.<br />

464 •<br />

effeito dos contractos<br />

se extinguem. Diz-se <strong>de</strong>s<br />

igual o contracto, quan<br />

do se estipula uma só<br />

obrigação e uma só pre<br />

tenção.<br />

E taes são o dom gratuito:<br />

1.a<br />

2.º do uso<br />

3.º do uso<br />

4.º do uso da cousa por<br />

tempo a arbitrio do pro<br />

mittente (precario): 5.°<br />

da prestação<br />

(<strong>de</strong>posito, mandato e nego<br />

tiorum gestão.)<br />

E se não conseguir<br />

o commodatario: este<br />

é obrigado<br />

porque nº commodato to<br />

A<br />

é do commodatario<br />

o commodatario <strong>de</strong>ve<br />

foi vencida a este<br />

mostrar com evi<strong>de</strong>ncia<br />

porque o <strong>direito</strong> não pre<br />

duz<br />

hão <strong>de</strong> ser muito diversos<br />

dos modos<br />

pretenção, se o <strong>segundo</strong><br />

JI e Im FC Ce2F •<br />

ao outro; este contracto<br />

um fim


( 463 )<br />

IND I C E<br />

Das materias contidas na II.<br />

Parte.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAP.<br />

CAr.<br />

XIII.<br />

XIV.<br />

XV.<br />

XVII.<br />

XIX.<br />

XX.<br />

XXI.<br />

XXIII.<br />

XXIV.<br />

XXV.<br />

XXVI.<br />

no DoMINIo, E Do Modo DE ACQUI<br />

RIR siMPLESMENTE oRIGINAR1o, o U<br />

DA occupAÇÃO . . . . . .<br />

Bos EFFEITos Do DoMINIo, ou Dos<br />

DIREITos e o BRIGAçóEs, QUE NA<br />

scEM Do DoMINIo, E DA AccEssão<br />

DOS PACTOS • • • • • • • • •<br />

DOS PACTOS ESPECIALMENTE BENEFI<br />

COS. - - - • • • • • • •<br />

DAS DIFFERENTES ESPECIES<br />

DE TRO<br />

CAS • • • • • • • • • •<br />

no JunAMENTo, e dos outros Modos,<br />

PELes QUAEs se coMFIRMÃo os con<br />

TRACTOS • • • • • • • •<br />

Dos MoDos, PELos QUAEs eEssão As<br />

oBRIGAções e os conTRActos .<br />

Dos MEIOS, PELos QUAEs o HoMEM<br />

PóDE PRosEGUIR o SEU DIREITo No<br />

ESTADO NATURAL • • • • • •<br />

DA SOCIEDADE EM GERAL , , , ,<br />

DA sociEDADE conJUGAL . . . .<br />

DA SOCIEDADE DOS PAIS E DOS FI<br />

LHOS • • • • • • • • • • •<br />

CAP. XXVIII. DA FAMILIA E DO DIREITO DE SUC<br />

cessão . . . . . . . . .<br />

TABELLA ANALYTICA E ALFABETICA DAS MATERIAS<br />

229<br />

28I<br />

298<br />

32o<br />

339<br />

365<br />

369<br />

379<br />

396<br />

4o8<br />

429<br />

437<br />

443


--<br />

-<br />

----<br />

-<br />

|-<br />

|-<br />

# >|-•<br />

*-|-<br />

| |<br />

|-=<br />

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