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REFÚGIO-INT

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Refúgio<br />

Histórias dos novos curitibanos<br />

vindos do oriente<br />

Amanda Lüder<br />

Bárbara Rubira<br />

Fernanda Glinka<br />

Karen Sailer<br />

Edição única<br />

2017


Autoras<br />

Amanda Lüder<br />

Bárbara Rubira<br />

Fernanda Glinka<br />

Karen Sailer<br />

Orientação<br />

Myrian del Vecchio<br />

Beatriz Pozzobom<br />

[2017]<br />

Livro-reportagem apresentado à discipina de Redação<br />

Jornalística III, ministrada pela profª Myrian del Vecchio,<br />

no 6º período do curso de graduação em Comunicação<br />

Social - Jornalismo da Universidade Federal do Paraná


efúgio<br />

re·fú·gi·o<br />

1. lugar seguro para onde alguém vai para não se expor<br />

a situação de perigo; abrigo, esconderijo.<br />

2. amparo ou proteção que se pede a alguém.


- prefácio -<br />

Este livro-reportagem expõe ao mundo a vida de<br />

três refugiados vindos de diferentes partes do Oriente<br />

Médio que hoje vivem na cidade de Curitiba, Paraná.<br />

Através de extensas pesquisas e entrevistas, buscamos<br />

compreender questões como os motivos que os levaram<br />

a deixar seus lares e como suas vidas mudaram desde<br />

então.<br />

Infelizmente, este é um assunto ainda pouco abordado<br />

pela mídia tradicional, apesar das pesquisas que<br />

comprovam que o número de refugiados no mundo<br />

aumenta exponencialmente ano após ano. Dados divulgados<br />

pelo Alto Comissariado das Nações Unidas<br />

para os Refugiados (Acnur) mostram que, em 2014, o<br />

número de refugiados em todo o mundo já passava de


59,5 milhões de pessoas.<br />

Atualmente, os principais conflitos que contribuem<br />

para este número estão na África e na Ásia, destacando-se,<br />

principalmente, o Oriente Médio. Em meio às<br />

belezas naturais e às riquíssimas culturas da região,<br />

desenvolvem-se cenários de terror e desolação, marcados<br />

por conflitos religiosos, políticos e situações de<br />

guerrilhas.<br />

Os perfis elaborados para este livro-reportagem são<br />

de pessoas reais e suas histórias reais, incluindo o preconceito<br />

e os desafios que enfrentam, seus problemas,<br />

medos e receios, que refletem-se nas vidas de tantos<br />

outros refugiados ao redor do globo.


- capitulo um -<br />

Marjan Sabeti<br />

Refugiada pela fé<br />

Há duas décadas, Marjan Sabeti e sua família fugiram<br />

de Teerã, capital do Irã, à procura de um lugar<br />

onde a Comunidade Bahá’í não fosse discriminada<br />

pelo governo e pelo povo. A refugiada religiosa mora<br />

em Curitiba com seu marido e sua filha, que nasceu no<br />

Brasil.<br />

A mãe de Marjan era professora em uma escola<br />

pública, e teve que deixar o emprego por conta de sua<br />

religião: a Fé Bahá’í. Depois disso, não conseguiu encontrar<br />

nenhum trabalho que a aceitasse. “Em todos<br />

os lugares do Irã havia preconceito. Foi um momento<br />

muito difícil para nós”, relembra. Essa postura é in-


compreensível para Marjan e outros bahá’ís. Um dos<br />

principais ensinamentos da religião é o repúdio a qualquer<br />

tipo de preconceito, seja racial, social, religioso<br />

ou geográfico.<br />

Marjan é parte de<br />

um grupo maior de refugiados<br />

bahá’ís que<br />

vieram para o Brasil<br />

na década de 1980. A<br />

Revolução Iraniana,<br />

que teve início no ano<br />

de 1979, tornou as<br />

perseguições contra<br />

as minorias étnicas e<br />

religiosas ainda mais<br />

duras no país. Isso fez<br />

com que cerca de uma<br />

centena de bahá’ís fugisse<br />

para o Brasil na<br />

época. O objetivo principal<br />

da revolução era<br />

O QUE É A FÉ BAHÁ’Í?<br />

É uma religião monoteísta baseada<br />

nos ensinamentos do seu fundador,<br />

Bahá’u’lláh, nobre persa que viveu no<br />

século XIX. Ele afirmava que todas as<br />

grandes religiões mundiais têm a mesma<br />

origem divina. Os seguidores da<br />

religião são conhecidos como Bahá’ís.<br />

A palavra deriva do árabe “Bahá”, que<br />

significa “glória” ou “esplendor”. Os<br />

princípios fundamentais que regem<br />

suas atuações podem ser resumidos<br />

na crença e na unicidade de Deus e da<br />

humanidade, assim como, na igualdade<br />

entre todos os membros da<br />

família humana. Esses preceitos se<br />

resumem na frase de Bahá’u’lláh, “A<br />

terra é um só país e a humanidade os<br />

seus cidadãos”.<br />

eliminar a viabilidade da comunidade bahá’í do Irã<br />

através da supressão econômica, do impedimento<br />

do acesso à educação e da instabilidade gerada pelas<br />

prisões e detenções arbitrárias dos bahá’ís.<br />

Em Teerã, havia uma sede da Fé Bahá’í. Mas ela foi<br />

destruída, e os invasores se apossaram do terreno,<br />

fato que se repetiu em outras cidades iranianas. Além


disso, os revoltosos<br />

entravam nas casas<br />

dos bahá’ís e saqueavam<br />

objetos ligados à<br />

religião.<br />

Até mesmo entrar<br />

em uma faculdade no<br />

Irã não é fácil quando<br />

se é bahá’í. Para poder<br />

prestar o exame de admissão e entrar em uma universidade,<br />

todos os jovens iranianos devem preencher<br />

uma ficha, em que um dos itens perguntados é a religião.<br />

Quem responde que é bahá’í não entra. Por isso,<br />

Marjan nem tentou.<br />

Nas escolas, a situação não é melhor. As crianças<br />

não querem ir às aulas pois são humilhadas e apanham<br />

dos colegas muçulmanos. Apesar disso, Marjan<br />

tem boas as recordações de sua infância. Ela relembra<br />

com carinho as tardes que passava brincando com<br />

seus primos e primas nas casas de sua avó e tia. “As<br />

lembranças que tenho na cabeça são mais bonitas do<br />

que quando a gente vê a realidade”.<br />

Mapa do Irã e localização da cidade de Teerã<br />

Saindo do Irã<br />

A travessia da fronteira não foi fácil. A fuga de Marjan<br />

não seria possível se não fossem por seus conta-


tos e pelo dinheiro pago aos policiais. Os bahá’ís não<br />

podem tirar passaporte, portanto sua família teve de<br />

sair ilegalmente através da fronteira com o Paquistão.<br />

“Não foi como viajar de ônibus ou avião. Nós fomos no<br />

carro de uma pessoa que cobrou um valor para levar<br />

um grupo até o Paquistão”.<br />

A cada posto policial em que o automóvel parava,<br />

um pacote era entregue. Cada um dos pacotes continha<br />

um valor previamente combinado com os policiais,<br />

para que os deixassem passar. “Às vezes, eu penso que<br />

hoje não teria mais coragem para fazer isso”, afirma<br />

Marjan. Desde a Revolução Islâmica no Irã, os bahá’ís<br />

têm sido perseguidos, torturados, presos e, até mesmo,<br />

mortos. É incontável o número de pessoas e famílias<br />

atingidas por um único motivo: a sua fé.<br />

Marjan ficou aterrorizada durante toda a fuga. Antes<br />

de atravessar a fronteira de fato, o grupo decidiu<br />

parar e entrar em uma aldeia que os abrigou para<br />

que pudessem descansar. As mulheres foram separadas<br />

dos homens tanto na hora de comer quanto na de<br />

dormir. Elas não podiam mostrar o cabelo, nem usar<br />

maquiagem. Apenas mãos e rosto à mostra. O restante<br />

ficava embaixo de um lenço escuro e preto.<br />

Marjan e sua família conseguiram chegar ao Paquistão.<br />

Eles ficaram no local por um tempo até que receberam<br />

um convite da irmã de Marjan, que já morava<br />

no Brasil há alguns anos. O cunhado dela instruiu a<br />

família a procurar a Embaixada do Brasil no Paqui-


stão. Ele arrumou passaportes e passagens, apenas de<br />

ida, para cada um dos familiares, que não levaram nenhum<br />

documento na fuga. Além do passaporte, cada<br />

membro da família recebeu um cartão que indicava<br />

que se tratavam de pessoas refugiadas.<br />

Marjan Sabeti com sua família na sede Bahá’í<br />

de Curitiba. Foto: Arquivo pessoal


Em terras brasileiras<br />

Há mais de duas décadas vivendo no Brasil, Marjan<br />

sente falta principalmente da comida de sua terra natal.<br />

A saudade da família também é grande. A irmã e o<br />

cunhado que ajudaram<br />

a família a vir<br />

para o Brasil se mudaram<br />

para o Canadá há<br />

sete anos. Ela tem outros<br />

parentes refugiados<br />

nos Estados Unidos<br />

e na Austrália e mantém<br />

contato com todos<br />

eles através das redes<br />

sociais.<br />

Hoje, Marjan é uma<br />

dos cerca de 60 mil fiéis<br />

bahá’ís espalhados<br />

pelo Brasil em mais de<br />

1300 municípios. Ela<br />

No Brasil, residem mais de 60 mil<br />

bahá’ís, espalhados por cerca de 1300<br />

municípios, em todos os estados do<br />

país. A primeira fiel a chegar por aqui<br />

foi Leonora Holsapple, em 1921. A jovem<br />

estadunidense desembarcou em<br />

Salvador com o objetivo de ensinar<br />

os princípios de unidade e valorização<br />

da diversidade constantes da Revelação<br />

de Bahá’u’lláh. Leonara tornou-se<br />

conhecida entre os moradores das cidades<br />

por onde passou, promovendo<br />

atividades educacionais em comunidades<br />

carentes e ensinando a Fé para<br />

pessoas de todas as classes sociais.<br />

Aqueles que se encantavam com seus<br />

discursos eram atraídos pela profundidade<br />

e beleza dos princípios Bahá’ís,<br />

que ela ensinava e refletia na comunidade<br />

local.<br />

se diz apaixonada pelo país e por Curitiba: “O povo é<br />

maravilhoso, simpático, quente”. Nas comemorações<br />

e encontros realizados na sede Bahá’í da capital paranaense,<br />

Marjan encanta a todos com sua bela voz,<br />

cantando músicas bahá’ís e recitando orações em persa,<br />

a sua língua materna.


2017 é um ano de comemorações para os bahá’ís. No mês de<br />

outubro completaram-se 200 anos do seu fundador, o Bahá’u’lláh.<br />

Para celebrar a data, as sedes do mundo todo preparam as suas<br />

homenagens e comemorações. Em Curitiba, Marjan esteve presente<br />

e, ao lado de Danilo Rudah, encerrou a celebração cantando<br />

a música Alláh’u’Abhá.<br />

Reportagem radiofônica exibida no<br />

Jornal Ràdio Comunicação, transmitido<br />

pela UNIFM em 28 de outubro de 2017.


- capítulo dois -<br />

Amr Hadef<br />

Um jornalista fugitivo<br />

Este perfil é sobre o sírio refugiado de guerra Amr<br />

Hadef. O jornalista se mudou para Curitiba com seus dois<br />

irmãos em março de 2016. Amr tem 26 anos e já tem cabelos<br />

brancos. Ele foi preso 21 vezes por conta de seu<br />

posicionamento político contrário à guerra e ao governo<br />

da Síria. Atualmente, Amr e sua família vendem doces e<br />

pães sírios para sobreviver. Apesar das dificuldades, ele<br />

deseja voltar o mais rápido possível para a Síria, onde deixou<br />

seu pai e diversos amigos.


- capítulo três -<br />

Samaan Nasri<br />

Um padre no oriente médio<br />

Samaan Nasri é um padre da Igreja Católica Ortodoxa<br />

refugiado da Síria desde 2013. Sua igreja, que ficava na cidade<br />

de Tabqa, foi destruída pelo Estado Islâmico. Antes<br />

de chegar ao Brasil, Samaan percorreu cidades libanesas<br />

e sírias. O processo de saída do Oriente Médio foi difícil<br />

para ele, pois sentia que tinha um dever a ser cumprido<br />

com seus paroquianos. O padre é casado e tem dois filhos<br />

adolescentes.

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