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REVISTA VOLTADA PARA OS ADVOGADOS TRABALHISTAS DE MINAS GERAIS REVISTA VOLTADA PARA OS ADVOGADOS TRABALHISTAS DE MINAS GERAIS

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ARTIGO Débora Carolina Pereira Chaves Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia 22 circunstância que vulnera o sujeito, o magistrado pode, na interpretação do que lhe foi apresentado durante a dilação probatória, e na formação dos elementos de sua convicção, reintegrar o trabalhador nas situações propostas. Mas há que salientar: a vulnerabilidade do toxicômano deve ser grave e inequívoca para fundamentar, em determinadas situações, o pedido de reintegração ao emprego, sob pena de transferir ao empregador os ônus financeiros (e desproporcionais) de sérias dívidas assumidas pelo trabalhador em sua vida pessoal. A jurisprudência entende, ainda, que, apesar de não haver reconhecimento judicial, a incapacidade do dependente químico pode ser reconhecida pelos laudos dos médicos concursados do INSS e, também, pela negativa de homologação da rescisão pelo sindicato, ao constatar o estado doentio do empregado que se demitiu (TRT da 20ª Região, 2015). Por vez, do ponto de v i s t a d o e m p r e g a d o r, existem vários argumentos que podem desconstituir ou, ao menos, modificar o direito alegado pelo reclamante. O primeiro deles é que devem ser estabelecidos parâmetros objetivos para deferir o pleito reintegratório: assim, deve existir, principalmente, prova do estado de perigo ou da coação para tornar nulo o pedido de demissão. No caso paradigma (oriundo do TRT da 9ª Região e confirmado pelo TST), houve a alegação de ameaça de morte, mas o empregado não apresentou provas nesse sentido. A alegação bastou-se. É preciso, no mínimo, uma mensagem de texto, um e-mail ou uma testemunha, a fim de não banalizar o instituto jurídico da reintegração, nem causar prejuízos financeiros ao empregador, posto que os ônus da reintegração recairão sobre si. «do ponto de vista do empregador, existem vários argumentos que podem desconstituir ou, ao mesmo, modificar o direito alegado pelo reclamante» A análise puramente subjetiva feita pelo juiz pode gerar perigoso precedente e colocar em risco a saúde financeira da empresa (já que a dependência química constitui grave problema social e de saúde pública). Segundo argumento contrário à reintegração seria a falta da declaração judicial da incapacidade por meio do procedimento de interdição, imposto pela lei (CPC/2015, arts. 747 a 758). Como saber o grau da incapacidade e quais atos o trabalhador poderia celebrar com ou sem representação/assistência, se não há a interdição e a curatela? Toda pessoa viciada em tóxicos poderá ser declarada incapaz para prática dos atos da vida civil, pelo simples fato de fazer uso de drogas? O grau de dependência não será levado em consideração para esses fi n s ? D e s s e m o d o , a observância ao procedimento legal torna-se essencial para a solução do caso proposto. Terceiro, a empresa pode fazer uso de formulários, com várias questões, a serem preenchidos pelo trabalhador quando do pedido de demissão, a fim de fazer prova da aptidão mental do empregado no momento em que praticou o a t o ( c o m p r o v a ç ã o d e coesão e congruência nas respostas).

ARTIGO Débora Carolina Pereira Chaves Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia Quarto argumento seria o utilizado pela instituição bancária, ré na ação paradigma que chegou ao TST, alegando que o trabalhador agiu de má-fé, ao transferir para a empresa os perigos do vício que alimentava, e que em nada tinha relação com o trabalho (logo, alheio à alteridade): pediu demissão para que, com as verbas rescisórias, quitasse dívida com traficantes e, depois de passados dez meses do pedido de demissão, ajuizou ação para reintegrar-se ao emprego com todos os ônus financeiros de seu retorno suportados pelo e m p r e g a d o r. A m á - f é poderia ser demonstrada com os próprios argumentos alhures: sem provas da ameaça de morte, sem reconhecimento judicial de sua incapacidade e com pedido reintegratório feito quase um ano após o pedido de demissão. O TST entendeu, ainda, em outro processo, que: [...] O trabalhador, contratado como operador de produção, alegou ser dependente químico de crack e cocaína e disse que estava afastado do trabalho, internado para tratamento, quando o departamento médico da empresa sugeriu o retorno ao trabalho. Logo em seguida, foi dispensado, interrompendo, segundo ele, possível melhora no quadro. Em sua defesa, a General Motors afirmou que encaminhou o operário a um programa d e r e c u p e r a ç ã o d e dependentes químicos da própria empresa. Disse que o programa, sem ônus para o empregado ou prejuízo de salário, tinha como condição que ele fizesse o tratamento de forma correta, participando das reuniões com o serviço médico, o que não teria ocorrido. D e a c o r d o c o m o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), prova documental mostrou que não houve empenho no tratamento por parte do empregado. O Regional ressaltou que a dispensa aconteceu mais de um ano e três meses depois da empresa ter tomado ciência da dependência q u í m i c a . P o r i s s o , considerou que não houve ato discriminatório na dispensa sem justa causa, mas sim quebra de confiança, pela falta de compromisso do empregado com o tratamento, que ocasionou inúmeros afastamentos e faltas. No agravo pelo qual p r e t e n d i a t r a z e r a discussão ao TST, o trabalhador alegou, entre outras coisas, que o TRT não teria se manifestado a respeito de comunicado emitido p e l a i n s t i t u i ç ã o d e r e c u p e r a ç ã o o n d e estava internado antes de sua dispensa, que informava a necessidade de mais seis meses de tratamento. Alegou também que o Regional não poderia afirmar que ele não tinha colaborado, pois, assim que foi avisado sobre nova o p o r t u n i d a d e p a r a tratamento, internou-se imediatamente para nova tentativa de cura. Ao analisar o agravo, o r e l a t o r , m i n i s t r o Fernando Eizo Ono, não c o n s t a t o u o m i s s ã o apontada na decisão. E l e s a l i e n t o u q u e , segundo o Regional, "o próprio autor admitiu não ter frequentado regularmente os grupos de apoio". Diante dos fundamentos do TRT, o ministro verificou que não houve ofensa aos artigos 5º, inciso XLI, da C o n s t i t u i ç ã o d a República, e 1º e 4º da Lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias 23

ARTIGO<br />

Débora Carolina Pereira Chaves<br />

Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia<br />

22<br />

circunstância que vulnera o<br />

sujeito, o magistrado pode,<br />

na interpretação do que lhe<br />

foi apresentado durante a<br />

dilação probatória, e na<br />

formação dos elementos de<br />

sua convicção, reintegrar o<br />

trabalhador nas situações<br />

propostas. Mas há que<br />

salientar: a vulnerabilidade<br />

do toxicômano deve ser<br />

grave e inequívoca para<br />

fundamentar, em determinadas<br />

situações, o pedido<br />

de reintegração ao emprego,<br />

sob pena de transferir<br />

ao empregador os ônus<br />

financeiros (e desproporcionais)<br />

de sérias dívidas<br />

assumidas pelo trabalhador<br />

em sua vida pessoal.<br />

A jurisprudência<br />

entende, ainda, que, apesar<br />

de não haver reconhecimento<br />

judicial, a incapacidade<br />

do dependente químico<br />

pode ser reconhecida<br />

pelos laudos dos médicos<br />

concursados do INSS e,<br />

também, pela negativa de<br />

homologação da rescisão<br />

pelo sindicato, ao constatar<br />

o estado doentio do empregado<br />

que se demitiu (TRT<br />

da 20ª Região, 2015).<br />

Por vez, do ponto de<br />

v i s t a d o e m p r e g a d o r,<br />

existem vários argumentos<br />

que podem desconstituir<br />

ou, ao menos, modificar o<br />

direito alegado pelo reclamante.<br />

O primeiro deles é<br />

que devem ser estabelecidos<br />

parâmetros objetivos<br />

para deferir o pleito reintegratório:<br />

assim, deve existir,<br />

principalmente, prova do<br />

estado de perigo ou da<br />

coação para tornar nulo o<br />

pedido de demissão. No<br />

caso paradigma (oriundo do<br />

TRT da 9ª Região e confirmado<br />

pelo TST), houve a<br />

alegação de ameaça de<br />

morte, mas o empregado<br />

não apresentou provas<br />

nesse sentido. A alegação<br />

bastou-se. É preciso, no<br />

mínimo, uma mensagem de<br />

texto, um e-mail ou uma<br />

testemunha, a fim de não<br />

banalizar o instituto jurídico<br />

da reintegração, nem<br />

causar prejuízos financeiros<br />

ao empregador, posto<br />

que os ônus da reintegração<br />

recairão sobre si.<br />

«do ponto de vista<br />

do empregador, existem<br />

vários argumentos<br />

que podem<br />

desconstituir<br />

ou, ao mesmo,<br />

modificar o<br />

direito alegado pelo<br />

reclamante»<br />

A análise puramente subjetiva<br />

feita pelo juiz pode<br />

gerar perigoso precedente<br />

e colocar em risco a saúde<br />

financeira da empresa (já<br />

que a dependência química<br />

constitui grave problema<br />

social e de saúde pública).<br />

Segundo argumento<br />

contrário à reintegração<br />

seria a falta da declaração<br />

judicial da incapacidade por<br />

meio do procedimento de<br />

interdição, imposto pela lei<br />

(CPC/2015, arts. 747 a<br />

758). Como saber o grau da<br />

incapacidade e quais atos o<br />

trabalhador poderia celebrar<br />

com ou sem representação/assistência,<br />

se não<br />

há a interdição e a curatela?<br />

Toda pessoa viciada em<br />

tóxicos poderá ser declarada<br />

incapaz para prática dos<br />

atos da vida civil, pelo<br />

simples fato de fazer uso de<br />

drogas? O grau de dependência<br />

não será levado em<br />

consideração para esses<br />

fi n s ? D e s s e m o d o , a<br />

observância ao procedimento<br />

legal torna-se essencial<br />

para a solução do caso<br />

proposto.<br />

Terceiro, a empresa<br />

pode fazer uso de formulários,<br />

com várias questões, a<br />

serem preenchidos pelo<br />

trabalhador quando do<br />

pedido de demissão, a fim<br />

de fazer prova da aptidão<br />

mental do empregado no<br />

momento em que praticou o<br />

a t o ( c o m p r o v a ç ã o d e<br />

coesão e congruência nas<br />

respostas).

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