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REVISTA VOLTADA PARA OS ADVOGADOS TRABALHISTAS DE MINAS GERAIS REVISTA VOLTADA PARA OS ADVOGADOS TRABALHISTAS DE MINAS GERAIS

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ARTIGO Débora Carolina Pereira Chaves Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia 20 No caso objeto da discussão presente, o empregado era exemplar no trabalho, até que, anos a p ó s i n g r e s s a r n a i n s t i t u i ç ã o b a n c á r i a , começou a apresentar alterações importantes de comportamento durante o serviço que o levaram a inúmeras internações em clínicas de tratamento para dependentes químicos. “Na oportunidade do pedido de demissão, tinha dívida com o fornecedor de droga, que estava ameaçando seus pais de morte. Assim, num ato totalmente insano e d e s e s p e r a d o , p e d i u demissão para saldar a d í v i d a ” ( T S T, 2 0 1 6 ) . Percebe-se que o exercício do direito potestativo de se demitir encontra-se eivado por vício de consentimento, em especial pelo real e sério temor incutido no u s u á r i o d e q u e o s traficantes o matem ou a seus pais. Entendeu o TRT da 9 ª R e g i ã o , e f o r a confirmado pelo TST, que: [ . . . ] o a u t o r p e d i u demissão no dia 06 de junho de 2014. Consta dos autos que ele estivera internado até três dias antes, e o r e l a t ó r i o m é d i c o d e s t a c a v a a i m p o r t â n c i a d o tratamento em regime ambulatorial. [...] A iniciativa do pedido de d e m i s s ã o e s t a v a eivada de vício de consentimento, sendo í r r i t a e n u l a a d e n u n c i a ç ã o d o contrato de emprego nessas circunstâncias. O autor era portador de doença psiquiátrica grave e o réu tinha total conhecimento desse f a t o . O p e d i d o d e demissão se deu em condições anormais: o autor estava sujo; chegou à agência antes d o h o r á r i o d e s u a abertura e esperou o gerente da agência sentado no chão, ao lado de fora. Alegou estar sob ameaça de morte caso não quite a d í v i d a c o m o s traficantes. [...] Como se vê pelas provas dos autos, no dia dos fatos, o a u t o r m o s t r o u c o m p o r t a m e n t o anormal, aparentava estar drogado, e o uso de drogas conduziu-o a pedir demissão do emprego, não estando apto a qualquer tomada de decisão. Naquelas circunstâncias, três dias após o último i n t e r n a m e n t o , o s administradores da agência deveriam ter rejeitado o pedido, pois era de se suspeitar, ao menos, da capacidade cognitiva do autor na formalização do ato jurídico. Além disso, o a t o d e d e m i s s ã o sequer foi homologado p e l o s i n d i c a t o d a c a t e g o r i a , considerando que o autor é portador de t r a n s t o r n o a f e t i v o bipolar e transtornos m e n t a i s e c o m p o r t a m e n t a i s . E s s e f a t o , isoladamente, já seria s u fi c i e n t e invalidação do pedido de demissão [...]. (TRT da 9ª Região, 6ª Vara do Trabalho de Londrina, p r o c e s s o n . 03497/2015-673-09-00- 2, Juiz: Reginaldo M e l h a d o , D E J T 0 1 . 0 7 . 2 0 1 5 , g r i f o s acrescidos). «no dia dos fatos, o autor mostrou comportamento anormal, aparentava estar drogado, e o uso de drogas conduziu-o a pedir demissão» à

ARTIGO Débora Carolina Pereira Chaves Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia Dessa feita, para o TST há de se considerar que, À luz do art. 5º, XXXV, da Lei Maior e a partir da razoabilidade do direito material afirmado na reclamação trabalhista, a tutela à saúde do trabalhador deve prevalecer em face dos interesses merament e p a t r i m o n i a i s d o Impetrante (arts. 1º, III, e 6º da Carta de 1988). [...] A questão relativa à reintegração do no emprego se encontra amplamente fundamentada na decisão atacada. Cuidou-se, num primeiro momento, de salvaguardar os direitos desse trabalhador, cujo contrato de emprego foi rompido por pedido de demissão emitido em circunstâncias visivelmente estranhas, depois de largos períodos de internação hospitalar decorrente de dependência química, com evidência de vício na manifestação de vontade. A previsível demora da prestação jurisdicional pode gerar "lesão grave e de difícil reparação" ao trabalhador. [...] Além disso, muito embora não estivesse o trabalhador interditado por ocasião do pedido de demissão, é certo que o r e f e r i d o a t o n ã o f o i homologado pelo sindicato da categoria profissional, na forma preconizada no § 1º do art. 477 da CLT. E não foi homologado porque a entidade sindical recusou-se a fazê-lo, nos termos da declaração à fl. 90, da qual consta que o litisconsorte passivo não estava apto para o trabalho e padecia de “transtorno afetivo bipolar e transtornos mentais e comportamentais”. (TST, SDI-2, processo n. RO- 665-20.2015.5.09.0000, Ministro Relator: Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26.04.2016). «o magistrado precisa estar atento a real intenção constante no pedido de demissão do empregado dependente químico crônico» Outro ponto suscetível de fundamentar, junto aos argumentos já desenvolvidos até aqui, a reintegração do dependente químico é o que se encontra no art. 112 do CC/2002, o qual dispõe que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem” (BRASIL, 2002, grifos acrescidos). Portanto, o magistrado precisa estar atento a real intenção constante no pedido de demissão do empregado dependente químico crônico, uma vez que o ato pode ser a única forma de salvar a própria vida ou a de outrem. Considerado inválido o ato, por vício de consentimento, seja por erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, é de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado do dia em que se realizou (art. 178, II do CC/2002). Por vez, no que diz respeito à ausência do procedimento de interdição e delimitação da incapacidade (arts. 747 a 758 do CPC/2015) do empregado dependente químico, não há dúvidas de que, no caso concreto em análise, o mesmo era vulnerável, e a vulnerabilidade, como visto, independe de declaração judicial ou observância a procedimento imposto por lei. Provada, nos autos, a 21

ARTIGO<br />

Débora Carolina Pereira Chaves<br />

Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia<br />

20<br />

No caso objeto da<br />

discussão presente, o<br />

empregado era exemplar<br />

no trabalho, até que, anos<br />

a p ó s i n g r e s s a r n a<br />

i n s t i t u i ç ã o b a n c á r i a ,<br />

começou a apresentar<br />

alterações importantes de<br />

comportamento durante o<br />

serviço que o levaram a<br />

inúmeras internações em<br />

clínicas de tratamento para<br />

dependentes químicos. “Na<br />

oportunidade do pedido de<br />

demissão, tinha dívida com<br />

o fornecedor de droga, que<br />

estava ameaçando seus<br />

pais de morte. Assim, num<br />

ato totalmente insano e<br />

d e s e s p e r a d o , p e d i u<br />

demissão para saldar a<br />

d í v i d a ” ( T S T, 2 0 1 6 ) .<br />

Percebe-se que o exercício<br />

do direito potestativo de se<br />

demitir encontra-se eivado<br />

por vício de consentimento,<br />

em especial pelo real e<br />

sério temor incutido no<br />

u s u á r i o d e q u e o s<br />

traficantes o matem ou a<br />

seus pais.<br />

Entendeu o TRT da<br />

9 ª R e g i ã o , e f o r a<br />

confirmado pelo TST, que:<br />

[ . . . ] o a u t o r p e d i u<br />

demissão no dia 06 de<br />

junho de 2014. Consta<br />

dos autos que ele<br />

estivera internado até<br />

três dias antes, e o<br />

r e l a t ó r i o m é d i c o<br />

d e s t a c a v a a<br />

i m p o r t â n c i a d o<br />

tratamento em regime<br />

ambulatorial. [...] A<br />

iniciativa do pedido de<br />

d e m i s s ã o e s t a v a<br />

eivada de vício de<br />

consentimento, sendo<br />

í r r i t a e n u l a a<br />

d e n u n c i a ç ã o d o<br />

contrato de emprego<br />

nessas circunstâncias.<br />

O autor era portador de<br />

doença psiquiátrica<br />

grave e o réu tinha total<br />

conhecimento desse<br />

f a t o . O p e d i d o d e<br />

demissão se deu em<br />

condições anormais: o<br />

autor estava sujo;<br />

chegou à agência antes<br />

d o h o r á r i o d e s u a<br />

abertura e esperou o<br />

gerente da agência<br />

sentado no chão, ao<br />

lado de fora. Alegou<br />

estar sob ameaça de<br />

morte caso não quite a<br />

d í v i d a c o m o s<br />

traficantes. [...] Como<br />

se vê pelas provas dos<br />

autos, no dia dos fatos,<br />

o a u t o r m o s t r o u<br />

c o m p o r t a m e n t o<br />

anormal, aparentava<br />

estar drogado, e o uso<br />

de drogas conduziu-o a<br />

pedir demissão do<br />

emprego, não estando<br />

apto a qualquer tomada<br />

de decisão. Naquelas<br />

circunstâncias, três<br />

dias após o último<br />

i n t e r n a m e n t o , o s<br />

administradores da<br />

agência deveriam ter<br />

rejeitado o pedido, pois<br />

era de se suspeitar, ao<br />

menos, da capacidade<br />

cognitiva do autor na<br />

formalização do ato<br />

jurídico. Além disso, o<br />

a t o d e d e m i s s ã o<br />

sequer foi homologado<br />

p e l o s i n d i c a t o d a<br />

c a t e g o r i a ,<br />

considerando que o<br />

autor é portador de<br />

t r a n s t o r n o a f e t i v o<br />

bipolar e transtornos<br />

m e n t a i s e<br />

c o m p o r t a m e n t a i s .<br />

E s s e f a t o ,<br />

isoladamente, já seria<br />

s u fi c i e n t e<br />

invalidação do pedido<br />

de demissão [...]. (TRT<br />

da 9ª Região, 6ª Vara do<br />

Trabalho de Londrina,<br />

p r o c e s s o n .<br />

03497/2015-673-09-00-<br />

2, Juiz: Reginaldo<br />

M e l h a d o , D E J T<br />

0 1 . 0 7 . 2 0 1 5 , g r i f o s<br />

acrescidos).<br />

«no dia dos fatos,<br />

o autor mostrou<br />

comportamento<br />

anormal, aparentava<br />

estar drogado, e o uso<br />

de drogas conduziu-o<br />

a pedir demissão»<br />

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