edição de 6 de novembro de 2017
STORYTELLER Rasica/iStock Sem retoques Vamos proibir uso de banco de imagem em qualquer folheto, site, anúncio e cartaz exibidos em todo o território nacional LuLa Vieira Autoridades francesas de uma área qualquer – saúde talvez – concluíram que o Photoshop em determinadas circunstâncias pode fazer mal à consumidora. Segundo os doutos funcionários de algum órgão regulador, é possível que a comparação entre si mesma e a figura photoshopada de algum anúncio possa trazer um sentimento de frustração tão grande que leve à depressão ou até mesmo ao suicídio. Em matéria de estado babá acho que os caros amigos franceses estão chegando à perfeição. Eles querem que as fotos tratadas tenham a indicação do tratamento, para que fique absolutamente claro que aquela figura (homem, mulher, bebê ou cachorro) não deve ser levado a sério, ou seja, não habita entre nós, logo não é um exemplo a ser seguido. Eu comecei estas mal traçadas dizendo que o alvo desse cuidado eram as senhoras consumidoras. É verdade, no arrazoado que tenta justificar a sandice, os exemplos todos são em relação às mulheres. O que se conclui que homem não se abala com outro homem mais bonito, sarado, musculoso, espadaúdo e até mesmo mais bem dotado do que ele. A quem as bonecas querem enganar? Acho que muitas vezes inveja e vaidade de homem são muito mais perigosas do que praga de madrinha. Aqui no Brasil existe, por força do Código do Consumidor, a necessidade de se colocar “foto meramente ilustrativa” em tudo quanto é fotografia, incluindo sanduíches, comida pronta, interior de hotel ou hospital, cabelos ao vento e repartição pública trabalhando em véspera de feriado. Leia-se: a realidade é sempre outra. Sinto falta desta advertência em qualquer comercial de governo – qualquer governo – cujas – verdadeiro reino da fantasia – escolas são limpinhas e funcionam, os hospitais parecem hotéis em Cancún e o transporte público é bonito, asseado, confortável e confiável. Já no delírio, proponho importar essa lei francesa (a gente importa tanta merda da China que uma leizinha da França não faria mal) e, sob seus efeitos, vamos proibir o uso de banco de imagem em qualquer site, folheto, anúncio, cartaz exibidos em todo território nacional, que é como os legisladores gostam de escrever. Primeiro, para que se induza os anunciantes à necessidade de se aproximar da verdade. Segundo, para evitar que, tal como com as francesinhas, o brasileiro acabe achando que existem duas realidades paralelas e desenvolva um perigoso sentimento de não pertencer a este mundo que lhe enche de porradas, mas sim àquele estampado em todos os lugares, em que tudo parece Disney World, até mesmo clínica para pau mole. Desde que inventaram banco de imagem gratuito o mundo não “pegável” ficou lindo, glamuroso, asseado e sorridente. Vi outdoors de clínicas de odontologia no subúrbio onde os “fregueses” soariam falsos na Finlândia, com dentistas saídos de um conto de Natal e enfermeiras-fadas espargindo bem quereres. Para encerrar, também vou propor uma lei que obrigue todos os filmes pornográficos apresentarem na abertura esta advertência: “Não tente fazer isso em casa. Você não consegue”. Era isso por hoje. Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria de Comunicação, radialista, escritor, editor e professor lulavieira@grupomesa.com.br 16 6 de novembro de 2017 - jornal propmark
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STORYTELLER<br />
Rasica/iStock<br />
Sem retoques<br />
Vamos proibir uso <strong>de</strong> banco <strong>de</strong><br />
imagem em qualquer folheto,<br />
site, anúncio e cartaz exibidos<br />
em todo o território nacional<br />
LuLa Vieira<br />
Autorida<strong>de</strong>s francesas <strong>de</strong> uma área qualquer<br />
– saú<strong>de</strong> talvez – concluíram que o<br />
Photoshop em <strong>de</strong>terminadas circunstâncias<br />
po<strong>de</strong> fazer mal à consumidora.<br />
Segundo os doutos funcionários <strong>de</strong> algum<br />
órgão regulador, é possível que a<br />
comparação entre si mesma e a figura photoshopada<br />
<strong>de</strong> algum anúncio possa trazer<br />
um sentimento <strong>de</strong> frustração tão gran<strong>de</strong><br />
que leve à <strong>de</strong>pressão ou até mesmo ao suicídio.<br />
Em matéria <strong>de</strong> estado babá acho que os<br />
caros amigos franceses estão chegando à<br />
perfeição. Eles querem que as fotos tratadas<br />
tenham a indicação do tratamento, para<br />
que fique absolutamente claro que aquela<br />
figura (homem, mulher, bebê ou cachorro)<br />
não <strong>de</strong>ve ser levado a sério, ou seja, não<br />
habita entre nós, logo não é um exemplo a<br />
ser seguido.<br />
Eu comecei estas mal traçadas dizendo<br />
que o alvo <strong>de</strong>sse cuidado eram as senhoras<br />
consumidoras.<br />
É verda<strong>de</strong>, no arrazoado que tenta justificar<br />
a sandice, os exemplos todos são em<br />
relação às mulheres.<br />
O que se conclui que homem não se abala<br />
com outro homem mais bonito, sarado,<br />
musculoso, espadaúdo e até mesmo mais<br />
bem dotado do que ele. A quem as bonecas<br />
querem enganar?<br />
Acho que muitas vezes inveja e vaida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> homem são muito mais perigosas do que<br />
praga <strong>de</strong> madrinha.<br />
Aqui no Brasil existe, por força do Código<br />
do Consumidor, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se colocar<br />
“foto meramente ilustrativa” em tudo<br />
quanto é fotografia, incluindo sanduíches,<br />
comida pronta, interior <strong>de</strong> hotel ou hospital,<br />
cabelos ao vento e repartição pública<br />
trabalhando em véspera <strong>de</strong> feriado.<br />
Leia-se: a realida<strong>de</strong> é sempre outra.<br />
Sinto falta <strong>de</strong>sta advertência em qualquer<br />
comercial <strong>de</strong> governo – qualquer governo<br />
– cujas – verda<strong>de</strong>iro reino da fantasia<br />
– escolas são limpinhas e funcionam,<br />
os hospitais parecem hotéis em Cancún e o<br />
transporte público é bonito, asseado, confortável<br />
e confiável.<br />
Já no <strong>de</strong>lírio, proponho importar essa lei<br />
francesa (a gente importa tanta merda da<br />
China que uma leizinha da França não faria<br />
mal) e, sob seus efeitos, vamos proibir o<br />
uso <strong>de</strong> banco <strong>de</strong> imagem em qualquer site,<br />
folheto, anúncio, cartaz exibidos em todo<br />
território nacional, que é como os legisladores<br />
gostam <strong>de</strong> escrever.<br />
Primeiro, para que se induza os anunciantes<br />
à necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se aproximar da<br />
verda<strong>de</strong>. Segundo, para evitar que, tal como<br />
com as francesinhas, o brasileiro acabe<br />
achando que existem duas realida<strong>de</strong>s paralelas<br />
e <strong>de</strong>senvolva um perigoso sentimento<br />
<strong>de</strong> não pertencer a este mundo que lhe enche<br />
<strong>de</strong> porradas, mas sim àquele estampado<br />
em todos os lugares, em que tudo parece<br />
Disney World, até mesmo clínica para pau<br />
mole.<br />
Des<strong>de</strong> que inventaram banco <strong>de</strong> imagem<br />
gratuito o mundo não “pegável” ficou<br />
lindo, glamuroso, asseado e sorri<strong>de</strong>nte. Vi<br />
outdoors <strong>de</strong> clínicas <strong>de</strong> odontologia no subúrbio<br />
on<strong>de</strong> os “fregueses” soariam falsos<br />
na Finlândia, com <strong>de</strong>ntistas saídos <strong>de</strong> um<br />
conto <strong>de</strong> Natal e enfermeiras-fadas espargindo<br />
bem quereres.<br />
Para encerrar, também vou propor uma<br />
lei que obrigue todos os filmes pornográficos<br />
apresentarem na abertura esta advertência:<br />
“Não tente fazer isso em casa. Você<br />
não consegue”. Era isso por hoje.<br />
Lula Vieira é publicitário, diretor da<br />
Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação,<br />
radialista, escritor, editor e professor<br />
lulavieira@grupomesa.com.br<br />
16 6 <strong>de</strong> <strong>novembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark