Revista Afirmativa-BAHIA
"APRESENTAÇÃO Se a grande mídia se apresenta com o discurso de pretensa imparcialidade, a Revista Afirmativa define bem o seu lugar de fala e, já no slogan, avisamos: “Somos nós, falando de nós, para todo o mundo”. A equipe editorial da Revista Afirmativa acredita e se debruça na produção de um jornalismo de qualidade, popular, diverso e humanizado, que renega o apelo sensacionalista e estereotipado de representação das camadas populares. Aqui não cabem receitas padrões. Experimentamos linguagens e enquadramentos novos. Apuração e aprofundamento da notícia é premissa do nosso trabalho. Derrubamos o muro: todo texto jornalístico é carregado de intenções políticas. A negação deste fato também é político. A mídia alternativa brasileira, a duras e longínquas penas, consagrou-se um campo sólido e qualificado. Aos jornalistas contemporâneos, comprometidos com o fazer profissional responsável com as demandas sociais, nossos referenciais nos impõem responsabilidades ainda maiores. Um salve aos numerosos periódicos da imprensa negra brasileira, no século XIX, fundamental para o processo de abolição da escravatura, e vanguarda da mídia alternativa no Brasil. Um salve A Voz da Raça! Ao Baluarte! Almanaque da Cidade! Um salve ao Menelik! Ao Ìronìn! Ao jornal O Pasquim, fundamental na luta pela democratização do país, salve! A todos que trilharam e trilham os caminhos pelos quais seguimos. Que entenderam a importância da comunicação na exploração e resistência dos povos e escolheram o jornalismo como campo de luta, nós os saudamos! A Revista Afirmativa chega para somar. Dar opinião e ser canal de opinião, dos silenciados pela grande mídia, a tradicional, a hegemônica. Somo mais um horizonte afirmativo para o jornalismo da diversidade e do direito à informação. Somos a Juventude Negra Voz Ativa! Há de ter mais verdade, humanidade e poesia nos jornais... Nós acreditamos!" QUEM FAZ A REVISTA ALANE REIS Editora alane.t.reis@gmail.com JONAS PINHEIRO Editor jonaspinheiro09@gmail.com MORGANA DAMÁSIO Editora morgana.damasio@gmail.com
"APRESENTAÇÃO
Se a grande mídia se apresenta com o discurso de pretensa imparcialidade, a Revista Afirmativa define bem o seu lugar de fala e, já no slogan, avisamos: “Somos nós, falando de nós, para todo o mundo”. A equipe editorial da Revista Afirmativa acredita e se debruça na produção de um jornalismo de qualidade, popular, diverso e humanizado, que renega o apelo sensacionalista e estereotipado de representação das camadas populares.
Aqui não cabem receitas padrões. Experimentamos linguagens e enquadramentos novos. Apuração e aprofundamento da notícia é premissa do nosso trabalho. Derrubamos o muro: todo texto jornalístico é carregado de intenções políticas. A negação deste fato também é político.
A mídia alternativa brasileira, a duras e longínquas penas, consagrou-se um campo sólido e qualificado. Aos jornalistas contemporâneos, comprometidos com o fazer profissional responsável com as demandas sociais, nossos referenciais nos impõem responsabilidades ainda maiores.
Um salve aos numerosos periódicos da imprensa negra brasileira, no século XIX, fundamental para o processo de abolição da escravatura, e vanguarda da mídia alternativa no Brasil. Um salve A Voz da Raça! Ao Baluarte! Almanaque da Cidade! Um salve ao Menelik! Ao Ìronìn! Ao jornal O Pasquim, fundamental na luta pela democratização do país, salve! A todos que trilharam e trilham os caminhos pelos quais seguimos. Que entenderam a importância da comunicação na exploração e resistência dos povos e escolheram o jornalismo como campo de luta, nós os saudamos!
A Revista Afirmativa chega para somar. Dar opinião e ser canal de opinião, dos silenciados pela grande mídia, a tradicional, a hegemônica. Somo mais um horizonte afirmativo para o jornalismo da diversidade e do direito à informação. Somos a Juventude Negra Voz Ativa! Há de ter mais verdade, humanidade e poesia nos jornais... Nós acreditamos!"
QUEM FAZ A REVISTA ALANE REIS
Editora
alane.t.reis@gmail.com JONAS PINHEIRO
Editor
jonaspinheiro09@gmail.com
MORGANA DAMÁSIO
Editora
morgana.damasio@gmail.com
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mentos sem parecer racista, e nem<br />
como fazer aquela idéia habitar nele<br />
com naturalidade. O candidato negro<br />
do partido. Nunca havia pensado<br />
nisso – e como se espantou ao saber<br />
que os companheiros pensavam! A<br />
pele clara e o cabelo que raramente<br />
deixava ganhar altura, se não escondiam<br />
de si mesmo alguma origem<br />
negra, igualmente não faziam dessa<br />
origem uma questão. Não tinha este<br />
pertencimento, essa identidade. Era<br />
na Europa, no pensamento ocidental<br />
onde sugava seus conhecimentos. E<br />
havia os embates contra o Movimento<br />
Negro e sua cantilena de racismo,<br />
racismo... Ora, o racismo será vencido<br />
pelo socialismo! Como outros membros<br />
do partido, não via substância<br />
ou fundamentação teórica na militância<br />
negra, embora reconhecessem<br />
que a questão racial se tornou pauta<br />
no discurso político nacional. Mais à<br />
custa de tambores e lágrimas que de<br />
argumentos, ironizava.<br />
Agora o partido precisava de um<br />
nome que pudesse transformar em<br />
votos este apelo dos negros, sem<br />
perder de vista que a questão racial é,<br />
no fundo, social e econômica. Era ele<br />
esse nome. Mesmo tomado por um<br />
conflito que, naquela intimidade, sua<br />
nudez não fazia questão de ocultar.<br />
- Não é preciso a gente se fazer passar<br />
por um deles, para os representar...<br />
- Guilherme, você é um deles!<br />
- Eu não me sinto.<br />
- Mas é.<br />
- Me sinto um impostor...<br />
O desamparo da declaração evoca<br />
na mulher uma ternura.<br />
- Querido... Depois da convenção<br />
se sentirá melhor, legitimado.<br />
E ela afaga seu cabelo, que tentava<br />
convencê-lo a deixar crescer. Até avó<br />
negra você teve...<br />
– Bisavó...<br />
- Que fosse tataravó! Você pode<br />
falar em nome dela, que podia ser até<br />
do candomblé.<br />
- Logo vai querer que use colar de<br />
orixá... Algo incompatível com minhas<br />
convicções.<br />
- E por que não? Lembre da tese do<br />
velho professor: Karl Marx não era ateu!<br />
- O que nosso ensaio monográfico<br />
contestou veementemente. Esqueceu?<br />
- Porque éramos imaturos política<br />
e teoricamente, Guilherme. A crença<br />
em Marx era mesmo seu maior atestado<br />
revolucionário. E que generosidade!<br />
O homem a olha incrédulo, mas<br />
de novo reflexivo. Admirava nela uma<br />
chama de convicção e loucura que, nele,<br />
via acomodar-se com os anos. Foram<br />
colegas na faculdade, seguiram companheiros<br />
de partido e, há alguns meses,<br />
namoravam.<br />
Ela vai ao banheiro, enquanto ele rememora<br />
conflitos entre o partido e a militância<br />
negra. Como na plenária sobre a<br />
vinda do recém liberto Nelson Mandela,<br />
em que defendeu a participação dos<br />
partidos de esquerda no palanque para<br />
dar um tom político ao ato. Um membro<br />
do Movimento União Negra, último<br />
inscrito, o fustigou. Nosso ato não precisa<br />
da esquerda branca para ter sentido<br />
político. Ao contrário, a presença desses<br />
partidos será a negação da essência<br />
política do nosso ato. Seguiu-se uma<br />
balbúrdia memorável, que saiu porta<br />
afora do local da plenária. Afirmações<br />
absurdas como essa nunca foram (nem<br />
seriam!) compreendidas por ele. Ainda<br />
bem que, se a voz dos tambores cresceu,<br />
desapareceram os fóruns e organizações<br />
que davam palco para essa militância<br />
que racha a unidade do proletariado.<br />
De volta ao abrigo do lençol, a mulher<br />
comenta:<br />
- Até parece que é a primeira vez que<br />
você disputa uma vaga no partido...<br />
- Das outras vezes você foi contra.<br />
Você e o Agapito...<br />
- Ciúmes uma hora dessas, Gui. Era<br />
outra conjuntura. Você era melhor, mas<br />
não o mais viável. É preciso dar qualidade<br />
ao debate racial nas próximas<br />
eleições. Corremos o risco de ver eleitos<br />
gente que ponga no partido, mas sai<br />
por aí dizendo que entre Esquerda<br />
e Direita continua preto! É isso que<br />
você quer pro seu povo, Guilherme?<br />
Esse fisiologismo contraditório de<br />
batinha africana?<br />
O namorado balança a cabeça negativamente.<br />
Calado, mas já demonstrando<br />
certa autoconfiança, levanta e<br />
dá uma volta cautelosa pelo quarto,<br />
como se pisasse em delicados planos.<br />
Agacha-se em frente à mulher, e tem<br />
os olhos úmidos.<br />
- Então, querido... Você é a nossa<br />
vez! Se eu fosse preta cê ia ver. Eu<br />
não ia dar vez a nenhuma ‘candidatura<br />
trancinha’, de aparência, e nem a<br />
essa falácia de irmandade negra. Mas<br />
não sou negra, não tive essa sorte,<br />
Gui. É você que tem o pé na senzala,<br />
brinca com sorriso triunfante.<br />
Ele sente a face aquecer ao ouvir<br />
isso, mas algo fresco já desembaça a<br />
paisagem que aos poucos consegue<br />
vislumbrar. Nem houve mesmo tempo<br />
para seu novo otimismo estremecer,<br />
pois ela acolheu o rosto dele com as<br />
mãos e o levou até o colo do peito. A<br />
alça do baby doll desliza, revelando o<br />
seio um pouco flácido, mas com um<br />
volume e uma atitude que exige ser<br />
mordido outra vez. E ele o faz.<br />
*Lande M. Onawale é escritor e poeta.<br />
Colaborou em antologias como Cadernos<br />
Negros, e nos documentários “Makota<br />
Valdina – um jeito negro de ser e viver” e<br />
“Lápis de Cor”. Tem três livros publicados,<br />
incluindo “Kalunga” e “Sete: diásporas<br />
íntimas”, ilustrados acima.<br />
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