Nortão - BR 163: 46 anos depois

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AM Eduardo Gomes de Andrade PA Nortão BR-163 46 anos depois

AM<br />

Eduardo Gomes de Andrade<br />

PA<br />

<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

<strong>46</strong><br />

<strong>anos</strong><br />

<strong>depois</strong>


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

<strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>


Eduardo Gomes de Andrade<br />

<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

<strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>


Autor<br />

Eduardo Gomes de Andrade<br />

Título<br />

<strong>Nortão</strong> - <strong>BR</strong><strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

1ª Edição<br />

Capa e editoração<br />

Edson Xavier<br />

edsonxavierartes@gmail.com<br />

(65) 9.9942-2534<br />

Prefácio e revisão<br />

Marinaldo Custódio<br />

mcmarinaldo@hotmail.com<br />

(65) 9.9290-7117<br />

Distribuição<br />

WAF de Andrade Comunicação - ME<br />

(Revista MTAqui)<br />

mtaquionline@gmail.com<br />

(65) 9.9982-1191<br />

A553n<br />

Andrade, Eduardo Gomes de.<br />

<strong>Nortão</strong> – <strong>BR</strong><strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>./ Eduardo<br />

Gomes de Andrade. Cuiabá-MT: Defanti Editora,<br />

2016.<br />

1.Literatura. 2.História – <strong>Nortão</strong> – <strong>BR</strong><strong>163</strong>.<br />

I.Título.<br />

CDU 82:94<br />

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO<br />

Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou<br />

mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, sem a permissão por<br />

escrito, do editor. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98.


Dedicatória<br />

Dedico este livro aos meus pais Alzira e Agenor<br />

Andrade<br />

(In memoriam)<br />

Aos meus irmãos Amélia, Alda, Maria, Acúrsio,<br />

Agenor, José e José Fernandes, que não estão mais<br />

entre nós; e Arnóbio, Selma e Marley<br />

À minha companheira há 31 <strong>anos</strong> Wanderly<br />

Aos meus filhos Jeisa, Agenor e Luiz Eduardo<br />

Aos meus netos Ana Júlia, Maria Carolina e Eduardo


Prefácio<br />

Um singular contador de causos<br />

O ponto mais alto da expectativa de um escritor com relação ao seu público<br />

leitor, o maior reconhecimento que ele pode almejar pelo seu trabalho, seja num<br />

artigo ou num conjunto maior, em livro, sob a forma de crônica, conto ou romance,<br />

a meu ver, é quando os seus leitores o aceitam plenamente, ou, em termos mais<br />

atualizados, curtem deveras o que ele escreveu. Trata-se daquela coisa de o leitor<br />

de repente tomar você por um bom companheiro de viagem ou, por outro lado, de<br />

quando ele reconhece em ti um bom contador de histórias, um distraidor da noite<br />

longa ou de eventos tristes, por exemplo: num velório ou <strong>depois</strong> de outra perda<br />

muito doída. E, claro, também nos momentos alegres, descontraídos, a exemplo<br />

daqueles que o compositor Hyldon nos apresenta em sua singela canção “Na rua,<br />

na chuva, na fazenda (Casinha de sapê)” 1 .<br />

Nesse sentido, observação recente de um colega 2 de redação dá bem a<br />

medida do modo como Eduardo Gomes de Andrade, o Brigadeiro, sabe bem lidar<br />

com as palavras quando escreve e, com isso, fisga os seus leitores. Foi quando<br />

o repórter me contou que, há pouco, andou lendo e relendo o Livro 44, estreia<br />

do Brigadeiro em livro, e teve o seu prazer de ler ainda uma vez renovado. Disse,<br />

basicamente, o seguinte: que ele escreve de um jeito que é como se estivesse ali<br />

na sua frente te transportando, num segundo, para cada lugar descrito, te levando a<br />

conviver de perto com homens, mulheres, crianças, até animais e bichos sobrenaturais,<br />

em cada cena que elabora.<br />

(1) “Jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso tiver / Alguém que você gostaria que / estivesse sempre<br />

com você / Na rua, na chuva, na fazenda / ou numa casinha de sapê”. (Disco lançado em 1975 pela gravadora<br />

Polydor).<br />

(2) O repórter esportivo Admar Portugal, do Diário de Cuiabá.


E eu também acho que é precisamente isso que ocorre: isso aí mesmo que o<br />

colega percebeu e traduziu tão bem em palavras.<br />

Mas, por outro lado, cada um de nós que escreve – por mais que as pessoas,<br />

os leitores digam que gostam daquilo que produzimos – sempre guarda lá as nossas<br />

dúvidas, uma das quais aquela que diz respeito precisamente ao ato de se repetir, algo<br />

sempre ameaçador para todo escritor, para todo artista, de qualquer área, ao longo de<br />

sua vida produtiva.<br />

Ao ser requisitado, mais uma vez, para escrever um prefácio (ou coisa que o<br />

valha) para um livro do Brigadeiro, eu, que já havia escrito o texto introdutório de seu<br />

segundo livro (Dois dedos em prosa em silêncio – para rir, refletir e arguir), por um momento<br />

me preocupei um pouco, achei que poderia ficar repetitivo, maçante ou algo assim.<br />

Mas o fato é que tais temores logo se mostraram infundados tão logo comecei<br />

a ler as primeiras páginas deste <strong>Nortão</strong> <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> que Eduardo Gomes<br />

de Andrade nos traz agora a lume. E isso muito simplesmente porque ele, a exemplo<br />

do que um crítico literário disse certa vez a propósito dos romances do paraibano José<br />

Lins do Rego 3 , é um escritor que tem muitas cordas no seu arco: para o lado que atirar,<br />

geralmente acerta.<br />

A exemplo do mestre Zé Lins, o Brigadeiro é muito craque nessa coisa de escrever<br />

relatos literários, sim, porém fartamente imersos na oralidade, trazendo ao papel<br />

os falares, as ideias, as crenças e obsessões características das gentes interioranas de<br />

qualquer canto do Brasil. Por isso, precisamente, penso que logra com facilidade obter<br />

aquela proximidade salutar, aquela camaradagem cúmplice que estabelece com os seus<br />

leitores de qualquer faixa etária, ideologia, religião, seja o leitor homem ou mulher, negro,<br />

branco, amarelo, rico ou pobre, culto ou apenas suficientemente letrado.<br />

(3) Escritor da chamada segunda geração modernista. Entre seus principais livros estão: Menino de Engenho<br />

(1932), Pedra Bonita (1938) e Fogo Morto (1943).


Por falar em oralidade, você que começa a ler este livro, logo no início, já vai<br />

encontrar um belo exemplo. Trata-se de uma história do tempo em que os bichos falavam<br />

e os homens escutavam, como na canção de Jorge Mautner 4 . No caso presente,<br />

um sapo, no breu da noite, chamando pelo nome o cidadão numa barraca instalada<br />

dentro da mata, no <strong>Nortão</strong> Mato-grossense, enquanto lá fora tudo o mais era solidão e<br />

silêncio – menos, como é óbvio, os barulhos naturais da noite, os esturros, os cricris e<br />

o coaxar dos bichos naquelas horas mortas. E atento, na condição de bom documentarista<br />

que também é, ainda oferece aos leitores a localização geográfica do acontecido:<br />

diz que aconteceu “em 11 de outubro de 1978 num cantão ermo de Mato Grosso que<br />

alguns <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> seria vizinhança da cidade de Nova Ubiratã, no <strong>Nortão</strong>”.<br />

Enfim, o <strong>Nortão</strong> de Mato Grosso é mesmo o grande personagem do livro –<br />

como o próprio título, aliás, indica. Nesse sentido, ainda na apresentação, Eduardo vai<br />

falar de momentos capitais vividos por ele na região: uma C-10 encravada num atoleiro<br />

na Estrada do Rio Novo; o Correntão do Exército em Posto Gil, para identificação e<br />

vacinação obrigatória contra a malária; o acidente do jato do Voo Gol 1907 que vitimou<br />

todos os 154 ocupantes, perto do Xingu. Também não se esquece de relatar os dramas<br />

de vítimas da malária em busca de quinino nas farmácias da Rua do Comércio em<br />

Peixoto de Azevedo no ciclo do ouro.<br />

Grande viajante e pessoa que conhece Mato Grosso como poucos, o Brigadeiro,<br />

embora mineiro de nascença e nunca tenha residido na região, está, de fato, muito à<br />

vontade para falar do <strong>Nortão</strong>. O <strong>Nortão</strong> efetivamente não é terra estranha para ele. E aqui,<br />

você, leitor, vai poder comprovar isso, à larga, na prazerosa viagem que ora se inicia.<br />

Marinaldo Custódio é escritor e mestre em Literatura<br />

Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF).<br />

(4) “Samba dos animais”, que diz: “O jeito é tomar este foguete / e comer deste banquete / para encontrar a<br />

paz / aquela paz que a gente tinha / quando falava com os animais”.


Apresentação<br />

Construção coletiva<br />

Nem um ruído sequer. O jogo de pilhas acabou. O silêncio sepulcral tomou<br />

conta do pequeno rádio. Sem ele, que tocava músicas e apresentava o horário<br />

eleitoral paulista, fiquei ainda mais só, completamente isolado. Entre eu e o mundo<br />

havia 17 quilômetros de floresta com um rasgo estreito a nos ligar – era a única<br />

janela para fugir da solidão.<br />

Silêncio total, absoluto. Os dias se arrastam. A chuva não dá trégua. Anoitece.<br />

Na cama improvisada, busco o sono que teima em não vir. As águas cessam. O<br />

barulho da mata noturna dá sinais de vida. De repente, na porta, escuto: “Eduardo!”.<br />

Não respondo. O chamado se repete: “Eduardo!... Eduardo!... Eduardo!...”. Reflito:<br />

o rasgo estreito na mata é um imenso atoleiro; nenhum carro chegaria até a porta<br />

sem que ouvisse seu barulho e visse seu farol pelas frestas da parede de tábuas.<br />

Continuo refletindo: a pé ninguém se atreveria... Rezo o Credo, pois aquilo poderia<br />

ser alma do outro mundo. Porém, a zoada continua: “Eduardo!... Eduardo!... Eduardo!...”.<br />

Em silêncio pego a 16 de dois c<strong>anos</strong>. Cauteloso, cutuco a tramela com<br />

seu cano. O vento forte empurra a porta para o canto escancarando-a. Nheeeeeeem!<br />

– geme a dobradiça. O dedo firme no gatilho, deitado no chão, estou atento.<br />

Ninguém entra... Nem sinal de gente... O barulho continua e noto que está junto ao<br />

chão batido da varanda. É um sapo na escuridão da quarta-feira 11 de outubro de<br />

1978 num cantão ermo de Mato Grosso que alguns <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> seria vizinhança da<br />

cidade de Nova Ubiratã, no <strong>Nortão</strong>.<br />

Bem antes desse sapo que me chamava pelo nome, tive bons encontros<br />

com o <strong>Nortão</strong>. No carnaval de 1974 um atoleiro na Estrada do Rio Novo engoliu as<br />

rodas traseiras da C-10 em que viajava, o que me forçou a caminhar mais de uma<br />

légua com água nas canelas, e com fome, até uma balsa no rio Paranatinga, que<br />

um pouco mais abaixo vira Teles Pires. Vivi o Correntão do Exército em Posto Gil,<br />

para identificação e vacinação obrigatória contra a malária. Dirigi sobre o rastro dos<br />

tratores que rasgavam a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Vi cidades nascerem. Acompanhei a chegada dos


parceleiros pioneiros que fundaram Itanhangá na sexta-feira 12 de agosto de 1994.<br />

Respirei o ar da morte na clareira aberta pelo jato do Voo Gol 1907 que caiu perto do<br />

Xingu com 154 ocupantes e nenhum sobreviveu. Presenciei dramas de vítimas da malária<br />

em busca de quinino nas farmácias da Rua do Comércio em Peixoto de Azevedo<br />

no ciclo do ouro.<br />

No <strong>Nortão</strong> estou em casa, onde a terra se abriu para receber o corpo de minha<br />

mãe Alzira Soares de Andrade, a Dona Filhinha, que repousa em paz no cemitério de<br />

Marcelândia.<br />

Portanto, <strong>Nortão</strong> não é terra estranha para mim. Ao contrário, tenho muita<br />

identificação com aquela região, que me proporcionou alegrias e tristezas.<br />

Afrânio Carlos da Silva foi bom amigo e colega de redação. Sonhava alto com<br />

o amanhã no <strong>Nortão</strong>, embora morasse em Cuiabá. Viajamos juntos da capital para<br />

Sinop com uma rápida passagem por Diamantino. Saímos no ensolarado domingo 16<br />

de março de 2003. O carro quebrou perto de Lucas do Rio Verde. Um guincho nos<br />

levou até lá, onde o prefeito Otaviano Pivetta nos emprestou um automóvel para que<br />

fôssemos a Tapurah. O reparo mecânico demoraria dois dias.<br />

Na segunda 17, à noite, embarquei em Lucas num ônibus de volta para a<br />

capital. Afrânio permaneceu até a sexta 21. Aproveitou a viagem para rever amigos,<br />

falar sobre política – sua paixão – e apresentar sua “Revista do Interior”, que circulou<br />

pela primeira e única vez.<br />

Sozinho, Afrânio viajava na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> para casa. Ao lado da vila Aparecidinha,<br />

município de Diamantino, seu carro cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta.<br />

O impacto foi violento demais e ele ao olhar em volta viu que não estava mais entre<br />

nós, mas no reino de Deus.<br />

Sempre cruzo a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no ponto fatídico. Ali, em silêncio, elevo uma prece<br />

a Deus. Uma estranha sensação me deixa arrepiado. Depois da oração, buzino e dou<br />

adeus dizendo o nome do meu amigo. Descanse em paz, companheiro!<br />

Colhi belas histórias de lutas e dramáticos relatos de quem sofreu no <strong>Nortão</strong>.<br />

Seus personagens dão vida ao livro, que embora cite números e datas não tem pretensão<br />

de conteúdo histórico nem estatístico. Sua meta é apenas mostrar a região como ela é.


O que me levou a publicar esta obra foi minha identificação com o <strong>Nortão</strong>.<br />

O fiz enquanto jornalista e não aceito o rótulo de escritor, por entender que somente<br />

exerce essa profissão quem sobrevive com a venda de livros, o que não acontece<br />

em Mato Grosso com nenhum dos autores, e menos ainda comigo, que não tenho<br />

respaldo das leis de incentivo cultural.<br />

Mais: senti a necessidade de produzir <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> porque a intelectualidade<br />

mato-grossense ainda não voltou seu olhar sobre o <strong>Nortão</strong>. Mesmo com minha<br />

limitação, cataloguei o conteúdo ora apresentado e o fiz com o coração.<br />

Dificilmente alguém conseguirá mostrar o <strong>Nortão</strong> em sua dimensão num espaço<br />

editorial tão curto. Mesmo assim, atrevo-me a apresentar a californiana região<br />

mato-grossense da qual o Brasil deve se orgulhar e o planeta tem que aplaudir por sua<br />

relevância para a política de segurança alimentar mundial.<br />

Ao leitor mato-grossense que mora fora do <strong>Nortão</strong>: debruce sobre o livro.<br />

Devore-o, mas não seja ambicioso: compartilhe-o com sua família e círculo de relacionamento,<br />

não pela autoria, mas pela região abordada, que embora seja conhecida<br />

nacionalmente continua estranha em nossa terra exatamente por falta de obras iguais<br />

a esta.<br />

Ao leitor morador no <strong>Nortão</strong> meus parabéns por viver num lugar extraordinário.<br />

Compartilhe o livro com os seus que continuam em sua cidade de origem, para<br />

que saibam o quanto você acertou ao escolher esta terra que ganhou sopro de vida<br />

com a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

Divido a autoria do livro com todos os que de uma forma ou outra contribuíram<br />

para a sua publicação. Ou seja, tanto quanto a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e o <strong>Nortão</strong>, esta é uma<br />

obra de construção coletiva.<br />

Cuiabá, dezembro de 2016<br />

Eduardo Gomes de Andrade


Sumário<br />

Três mineiros e uma rodovia.............................................................18<br />

Um lugar especial chamado <strong>Nortão</strong>.................................................28<br />

O <strong>Nortão</strong> visto de cima......................................................................42<br />

A realidade e o rótulo da agricultura...............................................44<br />

Terra do boi e de boiadas...................................................................53<br />

Cadeado na Hidrovia Teles Pires-Tapajós......................................55<br />

Trem chinês para Santarém descarrila no <strong>Nortão</strong>..........................64<br />

Onde o Brasil se encontra..................................................................68<br />

<strong>Nortão</strong> na visão de quem o administrou.........................................88<br />

A cidade pioneira do <strong>Nortão</strong>.............................................................92<br />

Primeira cidade na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem nome de Miss Brasil....................96<br />

O lugar onde começa o <strong>Nortão</strong>.......................................................101<br />

Santa Rita do Trivelato, terra da arara Mancho...........................109<br />

Em homenagem à musa Claudia Cardinale.................................115<br />

Da irreverência nasce o nome do município.................................120<br />

Fazenda se transforma em cidade no rio Ferro............................123<br />

Marcelândia, o sonho bom de Bianchini.......................................127<br />

Santa Carmem, na vizinhança de Sinop........................................132<br />

Lucas do Rio Verde e da qualidade de vida.................................136<br />

Peixoto de Azevedo, a terra do ouro..............................................142<br />

Nome simboliza pensamento de sua gente...................................148<br />

Do pesadelo ao sonho bom .............................................................152


A segunda povoação mais antiga da região.................................157<br />

Expulsos por índios encontram abrigo..........................................159<br />

Juara é o maior município do <strong>Nortão</strong>............................................162<br />

Nome do município reverencia uma árvore.................................166<br />

Gervásio Azevedo fundou Nova Monte Verde............................169<br />

Nova Santa Helena, à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.....................................172<br />

Do café à geração de energia elétrica.............................................175<br />

A boa terra do Grito do Ipiranga....................................................179<br />

Tapurah rende homenagem ao cacique José Tapurá...................183<br />

Uma nova terra para colonos gaúchos...........................................187<br />

Uma bela cidade na divisa com o Pará..........................................191<br />

A grande cidade fundada por Ênio Pipino...................................195<br />

Fora da malha rodoviária pavimentada........................................202<br />

Cidade homenageia Carlinda Teles Pires......................................206<br />

Uma linda cidade chamada Colíder...............................................208<br />

A porta de entrada dos paraenses..................................................212<br />

No <strong>Nortão</strong>, a cidade mais distante de Cuiabá..............................216<br />

Começo conturbado em Nova Canaã do Norte ..........................220<br />

A cidade do garimpeiro Cacheado.................................................223<br />

Cidade Bonita ou apenas Tabaporã...............................................227<br />

Dos céus para sempre no solo.........................................................229


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Couto Magalhães<br />

I<br />

Três mineiros e uma rodovia<br />

Antes de se escrever sobre a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> ao norte de Cuiabá é preciso<br />

abordar seus idealizadores, os mineiros de Diamantina Couto Magalhães<br />

e Juscelino Kubitschek. De igual modo é imprescindível focalizar o<br />

coronel José Meirelles, também nascido em Minas, que foi o comandante<br />

militar responsável pela implantação do maior trecho daquela rodovia.<br />

18


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Juscelino Kubitschek<br />

José Vieira Couto de Magalhães foi um grande estrategista. Jornalista,<br />

historiador, poliglota, advogado e militar, governou as capitanias<br />

de Goiás, São Paulo e Mato Grosso (de 2 de fevereiro de 1857<br />

a 13 de abril de 1868). Antes do combate aos paraguaios na retomada<br />

de Corumbá, Couto Magalhães criou uma logística para transportar<br />

combatentes paraenses ao teatro da guerra que o Brasil juntamente<br />

com a Argentina e o Uruguai travavam com o Paraguai (1864-1870).<br />

Ele construiu navios em Cuiabá, mandou desmontá-los e transportá-<br />

19


Eduardo Gomes de Andrade<br />

-los em lombo de burros e carros de boi até Araguaiana, onde seriam<br />

remontados e navegariam até o território paraense.<br />

Couto Magalhães sentiu a necessidade de se criar uma rota segura<br />

entre Cuiabá e Santarém. Juscelino, o maior estadista brasileiro,<br />

abraçou esse projeto e em 1957 anunciou o plano para criar uma cruz<br />

rodoviária na Amazônia ligando o Brasil de leste a oeste e de norte a<br />

sul. Em suma, JK sonhava com a construção da Transamazônica (<strong>BR</strong>-<br />

230) e a Cuiabá-Santarém (<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>). Essa cruz mais tarde ganharia forma<br />

rodoviária no município paraense de Itaituba, onde as duas rodovias<br />

se cruzam.<br />

Meirelles foi o primeiro comandante do 9º Batalhão de Engenharia<br />

de Construção (9º BEC), unidade militar criada em 29 de julho de<br />

1970 em substituição ao 3º Batalhão Rodoviário instalado em Carazinho,<br />

no Rio Grande do Sul.<br />

Casal Zulmira e José Meirelles<br />

20


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O 9º BEC foi instalado no dia 31 de janeiro de 1971, em Cuiabá,<br />

mas desde setembro do ano anterior seus efetivos e funcionários civis<br />

trabalhavam na construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

A obra da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> foi delegada ao Exército pelo Ministério dos<br />

Transportes e sua execução era considerada estratégica dentro do Plano<br />

de Integração Nacional para a ocupação do vazio demográfico amazônico.<br />

Dois bordões a inspiravam “Integrar para não entregar” e “Terra<br />

sem homens para homens sem terra”. Meirelles deveria executá-la<br />

até a divisa com o Pará, numa extensão de 793 quilômetros, onde o 9º<br />

BEC se encontraria com o 8º BEC, de Santarém. Porém, o ritmo dos<br />

trabalhos foi tão intenso que a frente da obra rumo norte estendeu seu<br />

trecho ao córrego Santa Júlia, no Pará, 321 quilômetros à frente, perfazendo<br />

a extensão de 1.114 quilômetros.<br />

Discreto, Meirelles evitava citar nomes importantes na construção.<br />

Porém, numa de nossas conversas em sua casa, revelou-me que<br />

o topógrafo civil Antônio Nunes Severo Gomes foi exemplar. No comando,<br />

o coronel defendia junto ao Incra a regularização fundiária do<br />

eixo da rodovia e colaborava com os projetos privados de colonização<br />

no <strong>Nortão</strong>.<br />

9º BEC<br />

Máquinas trabalham na abertura<br />

da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Mato Grosso - 1973<br />

21


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Sobre a obra, Meirelles falava pouco. Mesmo assim, arranquei<br />

duas informações dele que julgo importantes: foi a companhia aérea<br />

Cruzeiro do Sul a executora do serviço de aerofotogrametria da <strong>BR</strong>-<br />

<strong>163</strong>. Os acampamentos eram montados às margens dos rios, o que<br />

contribuía para o aumento da incidência de malária. Isso o levou a<br />

construir carroções montados sobre chassis e os rebocava à medida<br />

que a frente de serviço avançava. As geringonças foram apelidadas<br />

de “Circo do Meirelles”, mas reduziram a taxa da doença. O 9º BEC<br />

estava no auge da popularidade. Para evitar possíveis ciumeiras por<br />

parte do 16º Batalhão de Caçadores (rebatizado 44º Batalhão de Infantaria<br />

Motorizado) em Cuiabá, mineiramente ele criou o conciliador<br />

slogan “Integração é com o 9º BEC e Segurança com o 16º Batalhão<br />

de Caçadores”.<br />

Quantos tombaram na construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Mato Grosso?<br />

Não há resposta precisa. Uma placa à margem da rodovia em Novo<br />

Progresso (PA) relaciona 21 militares e civis mortos vítimas de acidentes,<br />

malária e outras causas. Porém esse número pode ser muito<br />

maior porque soldados e trabalhadores na obra contraíram malária e<br />

após seu desligamento do 9º BEC não há registro sobre cura ou óbito.<br />

Em 1992 Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá com<br />

Meirelles de vice. Em meados de 1994 Dante deixou a prefeitura<br />

para disputar e vencer a eleição ao governo e Meirelles assumiu o<br />

cargo. Certa feita me confidenciou que esteve a um passo da renúncia,<br />

diante das pressões de vereadores por dinheiro sujo. Legalista<br />

e avesso à corrupção, planejou deixar a prefeitura, mas sua mulher<br />

Zulmira Meirelles não permitiu que o fizesse, para não macular sua<br />

biografia. Em 28 de agosto de 2012, aos 89 <strong>anos</strong>, quando fechou os<br />

olhos pela última vez, vencido por um choque hemorrágico causado<br />

por um aneurisma, Meirelles levou para o túmulo seu desencanto<br />

com a Câmara Municipal de Cuiabá, que, segundo ele, era<br />

abominável.<br />

22


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Inauguração da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em 20 de outubro de 1976<br />

FOTOS: 9º BEC<br />

Em 20 de outubro de 1976, na Cachoeira do Curuá, área de litígio<br />

entre Mato Grosso e Pará, mas sob tutela paraense, o presidente<br />

Ernesto Geisel inaugurou a rodovia. Geisel estava acompanhado dos<br />

ministros Sílvio Frota (Exército) e Dirceu Nogueira (Transportes) e dos<br />

governadores Garcia Neto e Aloísio da Costa Chaves (Pará).<br />

23


Lucas do Rio Verde<br />

Nobres<br />

Sorriso<br />

Nova Mutum<br />

Sinop<br />

Itaúba<br />

Guarantã do Norte<br />

Matupá<br />

Peixoto de Azevedo<br />

Terra Nova do Norte<br />

Nova Santa Helena<br />

Eduardo Gomes de Andrade<br />

Guarantã do Norte<br />

Matupá<br />

Peixoto de Azevedo<br />

Terra Nova do Norte<br />

Itaúba<br />

Nova Santa Helena<br />

Sinop<br />

Sorriso<br />

PA<br />

Lucas do Rio Verde<br />

Guarantã do Norte<br />

Matupá<br />

Peixoto de Azevedo<br />

Itaúba<br />

Terra Nova do Norte<br />

Nova Santa Helena<br />

Sinop<br />

Sorriso<br />

Lucas do Rio Verde<br />

Nova Mutum<br />

Nova Mutum<br />

Nobres<br />

PA<br />

Nobres<br />

24


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Sinop<br />

25


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Santarém<br />

Do Rio Grande do Sul ao Pará<br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é uma longitudinal com 4.447 quilômetros. Começa em<br />

Tenente Portela (RS), cruza Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do<br />

Sul, Mato Grosso e termina em Acotipa, no Pará, na fronteira com o<br />

Suriname.<br />

O trecho entre Cuiabá e Santarém é chamado de Cuiabá-Santarém<br />

e tem 1.770 quilômetros. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> liga o centro geodésico da América<br />

do Sul ao porto de Santarém, na foz do Tapajós no Amazonas. No<br />

Pará seu nome é Santarém-Cuiabá.<br />

Partindo do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na área metropolitana<br />

de Cuiabá, a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem um trecho de 155 quilômetros coincidente<br />

com a <strong>BR</strong>-364. Em Posto Gil, município de Diamantino, as duas<br />

rodovias se bifurcam: a <strong>BR</strong>-364 avança rumo oeste pelo Chapadão do<br />

Parecis, para Rondônia, e a outra segue em direção norte, para Santarém.<br />

26


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Em Posto Gil, rumo norte, começa o trecho isolado da Cuiabá-<br />

-Santarém, que em Mato Grosso cruza os perímetros urb<strong>anos</strong> de Nova<br />

Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena,<br />

Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte.<br />

Em 2016, transcorridos 40 <strong>anos</strong> da inauguração, a rodovia está<br />

pavimentada em Mato Grosso, mas restam mais de 160 quilômetros<br />

encascalhados no lado paraense até Santarém. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> está em obra<br />

de duplicação no trecho de 850 quilômetros entre o município de Itiquira,<br />

na divisa com Mato Grosso do Sul, até Sinop. Essa obra é híbrida,<br />

executada pelo governo federal e a concessionária Rota do Oeste,<br />

que explora a rodovia em regime de concessão por 30 <strong>anos</strong> a contar de<br />

março de 2014.<br />

Na margem esquerda do Amazonas, <strong>depois</strong> de Santarém, onde a<br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> não se chama mais Santarém-Cuiabá, existem trechos encascalhados,<br />

e parte do traçado ainda não saiu do papel.<br />

27


Eduardo Gomes de Andrade<br />

II<br />

Um lugar especial chamado <strong>Nortão</strong><br />

<strong>Nortão</strong> é a região que se espalha por uma área da Amazônia<br />

Mato-grossense situada abaixo do Paralelo 13 até as divisas com Pará e<br />

Amazonas e delimitada pela margem esquerda do rio Xingu e alguns<br />

de seus formadores, e pela direita do rio Arinos até sua foz no Juruena,<br />

prosseguindo por ele em sua margem direita até o encontro das águas<br />

com o Teles Pires, onde começa o Tapajós. No tocante aos municípios<br />

banhados pelo Arinos, para efeito de limites consideram-se como partes<br />

integrantes do <strong>Nortão</strong> somente os que têm sede em sua margem<br />

direita. A base territorial da região tem 35 municípios (¹).<br />

Essa área com 233.038 km² representa 25,80% do território<br />

mato-grossense de 903.198,091 km² e se divide em dois ciclos históricos.<br />

Um de vazio demográfico anterior à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e outro após<br />

(1) Sinop, Marcelândia, Cláudia, Porto dos Gaúchos, Tabaporã, Alta Floresta, Itanhangá, Vera, Apiacás, Nova<br />

Guarita, Carlinda, Novo Mundo, Feliz Natal, Novo Horizonte do Norte, Guarantã do Norte, União do Sul, Ipiranga<br />

do Norte, Itaúba, Juara, Lucas do Rio Verde, Matupá, Nova Bandeirantes, Paranaíta, Nova Canaã do Norte, Sorriso,<br />

Tapurah, Nova Mutum, Nova Santa Helena, Peixoto de Azevedo, Santa Carmem, Nova Monte Verde, Colíder, Santa<br />

Rita do Trivelato, Nova Ubiratã e Terra Nova do Norte.<br />

Arigatô<br />

Paulo Japonês<br />

Yassutaro Matsubara era um<br />

empresário japonês polêmico, mas<br />

amigo do presidente Getúlio Vargas.<br />

Em 1953 Vargas lhe deu uma gleba<br />

28


Apiacás<br />

Nova<br />

Bandeirantes<br />

Nova<br />

Monte<br />

Verde<br />

Paranaíta<br />

Carlinda<br />

Alta Floresta<br />

Nova Matupá<br />

Guarita<br />

Peixoto de Azevedo<br />

Terra<br />

Nova<br />

Nova<br />

Canaã Colíder do Norte<br />

do Norte<br />

Nova Santa<br />

Helena<br />

Marcelândia<br />

Itaúba<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Cláudia<br />

União do Sul<br />

Sinop<br />

Santa Carmem<br />

Feliz Natal<br />

Vera<br />

Juara<br />

Novo<br />

Tabaporã<br />

Horizonte<br />

do Norte<br />

Porto dos Gaúchos<br />

Ipiranga<br />

Itanhangá do<br />

Norte<br />

Tapurah<br />

<strong>BR</strong><br />

Lucas <strong>163</strong><br />

do Rio Sorriso<br />

Verde<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Nova<br />

Mutum<br />

CUIABÁ<br />

Novo Mundo<br />

Santa<br />

Rita do<br />

Trivelato<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Guarantã<br />

do Norte<br />

Nova Ubiratã<br />

<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

AM<br />

Apiacás<br />

PA<br />

Nova<br />

Bandeirantes<br />

Juara<br />

Nova<br />

Monte<br />

Verde<br />

Novo<br />

Horizonte<br />

do Norte<br />

Paranaíta<br />

Porto dos Gaúchos<br />

Itanhangá<br />

Tapurah<br />

Ipiranga<br />

do<br />

Norte<br />

Novo Mundo<br />

Sinop<br />

Vera<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Cláudia<br />

Guarantã<br />

do Norte<br />

Alta Floresta<br />

Carlinda<br />

Nova Matupá<br />

Guarita<br />

Terra<br />

Peixoto de Azevedo<br />

Nova<br />

Nova<br />

Canaã<br />

do Norte<br />

do Norte<br />

Colíder<br />

Nova Santa<br />

Helena<br />

Marcelândia<br />

Itaúba<br />

Tabaporã<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Santa Carmem<br />

Feliz Natal<br />

União do Sul<br />

<strong>BR</strong><br />

Lucas <strong>163</strong><br />

do Rio<br />

Verde<br />

Sorriso<br />

Nova Ubiratã<br />

AM<br />

Nova<br />

Mutum<br />

Santa<br />

Rita do<br />

Trivelato<br />

PA<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

CUIABÁ<br />

de 250 mil hectares na calha do rio<br />

Ferro, município de Chapada dos<br />

Guimarães, para que ele desenvolvesse<br />

projetos agrícolas com mão<br />

de obra japonesa e de seus descendentes.<br />

Yassutaro sequer tinha tempo<br />

para visitar seu projeto mato-<br />

-grossense, que era administrado<br />

pelo filho nissei Iosihua Matsubara –<br />

chamado de Paulo, e figura conhecida<br />

em Cuiabá, onde viveu até 13 de<br />

setembro de 2004, quando fechou<br />

os olhos para sempre.<br />

29


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Paulo recrutou mais de 50 famílias<br />

da colônia japonesa no Paraná<br />

e São Paulo e as levou para rio Ferro.<br />

A vontade de produzir e a paciência<br />

oriental esbarravam na acidez do<br />

solo, numa época em que o calcário<br />

era figura desconhecida nos meios<br />

agrícolas no cerrado.<br />

A malária e a contínua frustração<br />

do cultivo provocaram verdadeisua<br />

construção nos <strong>anos</strong> 1970. Se fosse estado, o <strong>Nortão</strong> seria o 12º<br />

em extensão e maior que Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Ceará,<br />

Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,<br />

Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina ou o Distrito<br />

Federal.<br />

O marco temporal do livro é o ano de 1953. Porém, o detalhamento<br />

tem o ponto de partida em 1970 com o início da obra da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

A história registra a presença de exploradores e aventureiros na região<br />

desde o começo do século XIX, mas não se tratava de colonização<br />

e sim de incursões. Se o objetivo fosse retratar as importantes figuras<br />

que lá estiveram, não seria difícil citá-las.<br />

No começo do século XIX aventureiros tentaram escoar o diamante<br />

mato-grossense para a Europa via Santarém chegando até a<br />

cidade paraense por meio daquela que se chamou Navegação Paranista,<br />

pela hidrovia formada pelos rios Arinos, Juruena e Tapajós.<br />

O tenente da Polícia Militar de Mato Grosso Antônio Peixoto<br />

de Azevedo, que explorou o rio São Manuel em 1919 buscando caminho<br />

seguro ao Pará em substituição à navegação pelo Juruena, não<br />

poderia ser omitido; Peixoto de Azevedo empresta seu nome a um<br />

município e um rio da região.<br />

O barão Georg Heinrich von Langsdorff seria figurinha carimbada;<br />

entre 1824 e 1829 ele chefiou a Expedição Langsdorff percorrendo<br />

16 mil quilômetros Brasil afora a partir de Minas Gerais, com<br />

roteiro terrestre e fluvial por Mato Grosso.<br />

30


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

ra debandada e o projeto fracassou.<br />

A área fica próxima à cidade de Feliz<br />

Natal, que hoje registra alta taxa de<br />

produtividade agrícola com o emprego<br />

do calcário que é extraído de<br />

grandes jazidas no município de Nobres,<br />

distante dali 400 quilômetros.<br />

A tentativa de colonização de rio Ferro<br />

abriu as portas de Mato Grosso à<br />

colonização japonesa.<br />

O capitão do Exército Antônio Lourenço Teles Pires seria uma<br />

das citações; Teles Pires foi escalado para fazer levantamento do rio<br />

São Manuel, que nasce com o nome indígena de Paranatinga, mas não<br />

concluiu a missão: em 2 de maio de 1890 sua embarcação afundou e o<br />

matou – em sua homenagem o rio foi rebatizado com seu nome.<br />

Além deles, em maior ou menor escala, seringueiros habitaram<br />

a região. De um deles surgiu o nome de uma das principais cidades de<br />

Mato Grosso: Lucas do Rio Verde. Francisco Lucas de Barros explorava<br />

um seringal nativo na calha do rio Verde. Quando alguém se referia ao<br />

lugar, dizia “lá no (seringal do) Lucas do rio Verde”.<br />

Alguns fazendeiros também exploravam seringais no eixo da Estrada<br />

do Rio Novo, vicinal que era intransitável no inverno amazônico<br />

e que tem um trajeto quase paralelo ao da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e dava passagem<br />

ao látex extraído na região, com destaque para o cultivo do deputado<br />

estadual Mário Spinelli.<br />

Spinelli, além de presidir a Assembleia Legislativa, foi considerado<br />

um dos políticos mais influentes de sua época. Para agradá-lo os<br />

pecuaristas Roberto e Carlos Brunini denominaram de Ubiratan a fazenda<br />

que tinham na região – Ubiratan é nome de um dos filhos de<br />

Spinelli. Essa propriedade foi vendida em 1976 para Manuel Pinheiro,<br />

fundador da vila que mais tarde seria a cidade de Nova Ubiratã.<br />

Ubiratan Spinelli, filho de Spinelli, foi deputado estadual e presidente<br />

da Assembleia; também se elegeu deputado federal e ganhou uma<br />

cadeira de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, o qual presidiu.<br />

31


Eduardo Gomes de Andrade<br />

A base territorial do <strong>Nortão</strong> é formada por novas e modernas cidades.<br />

Porto dos Gaúchos foi fundada em 1955, mas somente em 1963<br />

conquistou emancipação política. A colonização de Novo Horizonte<br />

do Norte começou oficialmente em 21 de agosto de 1968 com a criação<br />

daquela vila (mais tarde cidade) no município de Porto dos Gaúchos.<br />

As demais nasceram e ganharam autonomia com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Sinop,<br />

Alta Floresta e Colíder se emanciparam em 1979. Juara, em 1981.<br />

Marcelândia, Vera, Peixoto de Azevedo, Guarantã do Norte, Nova Canaã<br />

do Norte, Terra Nova do Norte, Itaúba, Paranaíta e Sorriso, em<br />

1986. Nova Mutum, Matupá, Cláudia, Tapurah, Lucas do Rio Verde e<br />

Apiacás, em 1988. Santa Carmem, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes,<br />

Tabaporã e Nova Guarita, em 1991. Carlinda, em 1994. Nova<br />

Ubiratã, Feliz Natal, Novo Mundo e União do Sul, em 1995. Nova Santa<br />

Helena em 1998 e Santa Rita do Trivelato em 1999, mas ambas foram<br />

instaladas em 1º de janeiro de 2001. Ipiranga do Norte e Itanhangá em<br />

2000 e instaladas em 1º de janeiro de 2005.<br />

Tomando-se o ano de 1970 para referência na ocupação do vazio<br />

32


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

demográfico da região e levando-se em conta que na área somente havia<br />

dois núcleos urb<strong>anos</strong>: a cidade de Porto dos Gaúchos e a vila Novo<br />

Horizonte, é possível mensurar o que aconteceu. É preciso observar<br />

que o mosaico fundiário municipal era outro, porém sem interferência<br />

no quesito número de habitantes, pois os territórios pertencentes a<br />

Chapada dos Guimarães, Diamantino, Nobres, Rosário Oeste e Aripuanã<br />

que juntamente com Porto dos Gaúchos formavam a base territorial<br />

do <strong>Nortão</strong>, eram desabitados.<br />

Em 1970, Porto dos Gaúchos (consequentemente o <strong>Nortão</strong>) tinha<br />

1.235 habitantes. A população cuiabana era de 100.860 moradores<br />

e Mato Grosso, incluindo a parte que mais tarde seria seccionada para<br />

a criação de Mato Grosso do Sul, era habitado por 1.597.090 residentes<br />

(em 1980, com a divisão consumada, esse número despencou para<br />

1.138.691). No ano do começo da abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> o número de brasileiros<br />

chegou a 90 milhões e virou música: “Noventa milhões em ação<br />

/ Pra frente Brasil do meu coração / Todos juntos, vamos / pra frente<br />

Brasil, salve a Seleção”. Este refrão foi o DNA da música mais tocada<br />

no rádio e cantada pelas multidões nas ruas do país inteiro no começo<br />

de 1970. Ele é a alma da canção “Pra frente Brasil”, do compositor Miguel<br />

Gustavo, e levava ao delírio os militares donos do poder.<br />

Em nenhuma época e lugar o Brasil registrou tamanho aumento<br />

populacional proporcional no período de <strong>46</strong> <strong>anos</strong> quanto no <strong>Nortão</strong>:<br />

a população subiu para 724.297 habitantes e a taxa de crescimento foi<br />

de 58.547,53%. Melhor: a migração em busca do sonho de dias melhores<br />

contribuiu, e muito, para solucionar problemas agrários e conflitos<br />

com indígenas no Rio Grande do Sul e para realocar atingidos pela<br />

inundação de barragens.<br />

Dados divulgados em 2016 pelo IBGE mostram que a renda<br />

per capita média no <strong>Nortão</strong> é de R$ 34.247,84. Em Mato Grosso<br />

é de R$ 23.218. O Produto Interno Bruto mato-grossense (PIB) é de<br />

R$ 89.124.000.000 e na região, de R$ 24.842.072.000 o que representa<br />

27,86% do montante estadual. O número de habitantes por quilômetro<br />

quadrado no estado é de 3,66 e na região, de 3,10.<br />

33


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Travessia do Teles Pires na estrada<br />

secundária de Carlinda a Novo Mundo<br />

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Mato Grosso é<br />

de 0,725 numa escala de zero a um. Na região a média é de 0,699. Esse<br />

indicador foi apurado com números de 2010, portanto há seis <strong>anos</strong>, período<br />

em que uma região em transformação igual o <strong>Nortão</strong> muda por<br />

completo seu perfil social.<br />

Dos 35 municípios, 24 são sedes de comarca. Sinop, de entrância<br />

especial; Alta Floresta, Sorriso e Lucas do Rio Verde, de terceira<br />

entrância. Peixoto de Azevedo, Colíder, Nova Mutum e Juara, de<br />

segunda entrância. Apiacás, Nova Canaã do Norte, Vera, Matupá,<br />

Cláudia, Terra Nova do Norte, Feliz Natal, Tapurah, Guarantã do<br />

Norte, Itaúba, Tabaporã, Porto dos Gaúchos, Nova Monte Verde,<br />

Marcelândia, Nova Ubiratã e Paranaíta, de primeira entrância.<br />

34


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

A região tem 12 zonas eleitorais: Sorriso e Sinop, duas cada; e<br />

Alta Floresta, Nova Monte Verde, Peixoto de Azevedo, Colíder, Nova<br />

Mutum, Guarantã do Norte, Lucas do Rio Verde e Juara, uma cada.<br />

Com duas varas, Sinop é o único município do <strong>Nortão</strong> que é sede<br />

da Justiça Federal.<br />

O Estado é o grande ausente no <strong>Nortão</strong>, onde foram instaladas<br />

apenas seis unidades do Corpo de Bombeiros Militar. Sinop tem um<br />

quartel; Nova Mutum, Alta Floresta, Sorriso, Colíder e Lucas do Rio Verde<br />

contam com Companhias Independentes do Corpo de Bombeiros. A<br />

Polícia Militar tem efetivo em todos os municípios. A Polícia Rodoviária<br />

Federal tem postos na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Sorriso e Nova Santa Helena.<br />

Em novembro de 2016 o site institucional da Perícia Oficial e Identificação<br />

Técnica do Governo de Mato Grosso (Politec) revelou que seu polo<br />

regional em Sinop, que tem abrangência no <strong>Nortão</strong>, contava apenas com<br />

seis peritos criminais, nove médicos-legistas e quatro papiloscopistas.<br />

Cuiabá é sede do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região<br />

e de nove varas do Trabalho. No <strong>Nortão</strong> as varas estão instaladas em<br />

Colíder, Juara, Nova Mutum, Sinop (duas), Alta Floresta, Lucas do Rio<br />

Verde, Peixoto de Azevedo e Sorriso.<br />

ENERGIA - O plano nacional de expansão dos aproveitamentos hidrelétricos<br />

definiu seis barragens para o rio Teles Pires, sendo quatro no<br />

<strong>Nortão</strong>. Na região uma foi concluída e as demais estão em construção.<br />

Outras três estão planejadas para os rios Juruena e Arinos.<br />

UHE TELES PIRES - A maior usina hidrelétrica (UHE) é a Teles Pires,<br />

na divisa de Mato Grosso e Pará. Com cinco turbinas, essa UHE gera<br />

1.820 MW, energia suficiente para a demanda residencial de 5 milhões<br />

de consumidores. Seu reservatório tem 95 km² e o rio sofre represamento<br />

em 70 quilômetros. A altura máxima é de 80 metros com queda bruta<br />

de 59 metros e extensão de 1.650 metros. Seu raio direto tem 84% em<br />

Paranaíta e 16% em Jacareacanga (PA), considerando-se a divisa atual<br />

entre os dois estados, divisa essa que é questionada por Mato Grosso<br />

no Supremo Tribunal Federal.<br />

35


Eduardo Gomes de Andrade<br />

A usina, que é a maior de Mato Grosso, dista 85 quilômetros de<br />

Paranaíta e recebeu financiamento de R$ 5 bilhões do Programa de<br />

Aceleração do Crescimento (PAC). Estima-se que 5 mil operários e técnicos<br />

trabalharam em sua construção.<br />

UHE COLÍDER - A UHE Colíder está praticamente concluída e a previsão<br />

é que gere 300 MW em três turbinas, a partir de meados de 2017.<br />

Construída nos municípios de Colíder, Nova Canaã do Norte, Itaúba e<br />

Cláudia, tem 40 metros de altura com barragem de 1.526 metros e seu<br />

reservatório forma um lago de 171,7 km². Sua energia corresponderá<br />

ao consumo de uma população de 850 mil habitantes. Sua obra também<br />

contou com financiamento do PAC.<br />

UHE SINOP - Essa UHE gerará 400 MW e a previsão de sua entrada<br />

em funcionamento é para 1º de janeiro de 2018. Orçada em R$ 1,8 bilhão<br />

com financiamento pelo PAC, terá potência instalada de 400 MW.<br />

O represamento formará um lago com 337 km², sua altura máxima é<br />

de 53 metros e a queda bruta, de 29,97 metros. A barragem dista 70<br />

quilômetros de Sinop.<br />

O lago se espalhará por quatro municípios com 19.9<strong>46</strong> hectares<br />

(ha) em Sinop, 5.085 ha em Cláudia, 4.363 ha em Itaúba e 2.185 ha em<br />

Ipiranga do Norte. A previsão de geração é para 1º de janeiro de 2018.<br />

UHE SÃO MANOEL - A UHE São Manoel produzirá 700 MW e inundará<br />

64 km² na divisa de Paranaíta e Apiacás com Jacareacanga. Com<br />

quatro turbinas, gerará 7<strong>46</strong> MW, formando um lago de 53 km². Sua<br />

obra recebe aporte de R$ 2.292.000 do PAC.<br />

PLANOS - Três UHEs estão planejadas para o <strong>Nortão</strong> e vizinhança,<br />

mas fora do Teles Pires.<br />

A UHE Salto Augusto Baixo para gerar 1.<strong>46</strong>1 MW no rio Juruena e<br />

entrar em operação no mês de janeiro de 2022. Seu lago de 129 km² abrangerá<br />

Apiacás e Nova Bandeirantes; Cotriguaçu; e Apuí, no Amazonas.<br />

36


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Com capacidade para gerar 3.509 MW e prevista para janeiro de<br />

2022, a UHE São Simão Alto, no Juruena, formará um lago com 289 km²<br />

em Apiacás; Cotriguaçu; e Apuí.<br />

Com projeto que prevê a entrada em operação de suas turbinas<br />

em abril de 2021, no rio Arinos, a UHE Castanheira terá capacidade<br />

para 140 MW. Seu lago com 95 km² inundará áreas em Juara e Novo<br />

Horizonte do Norte.<br />

ÍNDIOS - Tanto no <strong>Nortão</strong> quanto em qualquer outra região da Amazônia<br />

e do Centro-Oeste não há segurança jurídica para a terra, inclusive<br />

nas cidades. À menor suspeita antropológica sobre a presença remota<br />

de índios na área, a Funai e o Ministério Público Federal tratam<br />

de levar adiante seu processo de regularização.<br />

No <strong>Nortão</strong> existem 12 territórios indígenas homologados e em<br />

tramitação. As áreas homologadas somam 2.267.906,95 hectares (ha).<br />

As demais nem Deus sabe, pois não há definição fundiária sobre as<br />

mesmas. Essas terras se espalham por nove municípios: Santa Rita do<br />

Trivelato, Nova Ubiratã, Feliz Natal, Matupá, Juara, Peixoto de Azevedo,<br />

Marcelândia, Apiacás e Nova Canaã do Norte. Nelas estão aldeados<br />

indivíduos mundurucus, apiakás, bakairis, kayabis, menkragnotis,<br />

mentuktires, panarás e outros, incluindo os chamados índios arredios,<br />

que a Funai jura que existem.<br />

Megaron Txucarramãe, cacique em Capoto-Jarina e funcionário<br />

da Funai, viajou ao Canadá para oferecer mogno a uma empresa daquele<br />

país. Isso consta de seu depoimento prestado em maio de 2005<br />

à CPI da Biopirataria na Câmara. Megaron disse que agiu com autorização<br />

do Ministério de Meio Ambiente e do Ibama. Seu depoimento<br />

não convenceu o deputado Hamilton Casara (PL-RO), que presidiu a<br />

sessão que o ouviu. Casara tentava encontrar a ponta da meada de uma<br />

nebulosa venda para canadenses de 66 mil m³ de mogno retirado de<br />

terras indígenas.<br />

37


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Matupá<br />

Réu confesso, Megaron não foi condenado. A Funai o manteve<br />

em seus quadros funcionais chefiando sua unidade em Colíder, e o Ministério<br />

Público Federal, imitando vampiro quando vê claridade, não<br />

mostrou sua face.<br />

ASSENTAMENTOS - Quantificar os projetos de assentamentos da reforma<br />

agrária em Mato Grosso e o número de parceleiros é faltar com a<br />

verdade. Incra e os demais órgãos não sabem quantos são. Fala-se que<br />

o número varia entre 617 e 700 unidades com 104 mil famílias. Porém,<br />

alguns detalhes jogam por terra a exatidão da afirmação. No <strong>Nortão</strong> a<br />

situação não é diferente e tanto lá quanto nas demais regiões esse assunto<br />

é tratado no chutômetro.<br />

A dificuldade é debitada a alguns fatores. Há assentamento com<br />

uma só denominação, mas subdividido em I, II e etc. Há glebas cujas<br />

parcelas foram parcialmente reagrupadas por meio de documentos semelhantes<br />

aos contratos de gaveta do antigo sistema de financiamento<br />

do Banco Nacional de Habitação (BNH).<br />

Em praticamente todos os setores da economia e das questões<br />

sociais o <strong>Nortão</strong> responde por 25% de Mato Grosso. Esse é o percentual<br />

38


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

mais indicado para os dados da reforma agrária, mas sem que o mesmo<br />

leve a algum número concreto.<br />

É impossível se saber sobre a reforma agrária por falha nos cruzamentos<br />

de informações entre o Incra, o Instituto de Terras de Mato<br />

Grosso (Intermat) e as prefeituras. Isso se agrava ainda mais por falta<br />

de recenseamento dos parceleiros e de georreferenciamento da maioria<br />

das áreas, o que impede a emancipação dos assentamentos.<br />

O melhor modelo de complementação da reforma agrária no<br />

Brasil foi criado por Jair Mariano, mineiro radicado em Alta Floresta.<br />

Quando deputado estadual (1999-2002), Jair foi autor de uma lei sancionada<br />

em 24 de abril de 2000 pelo governador Dante de Oliveira, que<br />

criou o programa Nossa Terra, Nossa Gente. Em 2003 Jair assumiu a<br />

presidência do Intermat e seu programa assentou 1.198 famílias em<br />

40 municípios em pequenas áreas no entorno de cidades. O perfil dos<br />

contemplados exigia que cada um tivesse idade igual ou superior a 45<br />

<strong>anos</strong>. Em 2006 Jair deixou o Intermat e estranhamente o programa foi<br />

abandonado.<br />

PRESERVAÇÃO - Em Mato Grosso algumas áreas de preservação<br />

permanente extrapolam limites de municípios e até mesmo divisa de<br />

estados. No <strong>Nortão</strong> não é diferente.<br />

O Parque Nacional do Juruena, com 1.958.203,56 ha, tem<br />

1.181.154 ha em Apiacás e Nova Bandeirantes; e Cotriguaçu fora do<br />

<strong>Nortão</strong>; e o restante se espalha por Apuí e Maués, no Amazonas. Essa<br />

reserva ocupa 971.935 ha em Apiacás. Criado em 5 de maio de 2006, o<br />

Parque é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e<br />

Biodiversidade (ICMBio).<br />

O Parque Estadual do Cristalino I e II tem 184.900 ha em Guarantã<br />

do Norte, Novo Mundo e Alta Floresta, e faz divisa com o Campo<br />

de Provas Brigadeiro Velloso, mais conhecido como Base Aérea do<br />

Cachimbo, que tem 21,6 mil km², no Pará, e pertence à Força Aérea<br />

Brasileira.<br />

39


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Terra de ninguém<br />

Mato Grosso tenta judicialmente restabelecer a divisa seca com o<br />

Pará feita por uma linha imaginária reta de 690 quilômetros, do ponto<br />

mais ao norte da Ilha do Bananal, em Tocantins, na margem esquerda<br />

do rio Araguaia, ao Salto das Sete Quedas, na margem direita do rio<br />

Teles Pires, em Apiacás. Ação com esse objetivo tramita no Supremo<br />

Tribunal Federal (STF) desde 2004, mas a morosidade judicial impede<br />

a definição da titularidade da área em litígio, de 22 mil km² equivalentes<br />

a 2.200.000 hectares – do tamanho de Israel ou Sergipe – e que afeta<br />

diretamente nove municípios mato-grossenses.<br />

A divisa foi adulterada em 1922 pelo Clube de Engenharia do<br />

Rio de Janeiro, que discordou da homologação da mesma e dos mapas<br />

anteriores. Esse Clube errou ao interpretar o mapa original definido<br />

pelos dois estados numa convenção em 1900 homologado pelas assembleias<br />

legislativas em Belém e Cuiabá com reconhecimento por decreto<br />

do Congresso Nacional em 1919.<br />

Em 1921 e 1922 as Cartas de Rondon emitidas pelo general Cândido<br />

Mariano da Silva Rondon (mais tarde Marechal Rondon) ratificaram<br />

a divisa acordada entre os estados.<br />

Com a alteração, a linha reta imaginária que une a margem esquerda<br />

do Araguaia ao Salto de Sete Quedas, no rio Teles Pires, município<br />

de Apiacás, deixou de ser observada por Belém, que passou a<br />

adotar como ponto extremo a Cachoeira de Sete Quedas, no mesmo<br />

rio, 120 quilômetros acima, no município de Paranaíta. Esse escamoteamento<br />

de interpretação resultou num contestado que leva os dois<br />

estados a litígio no STF.<br />

Mato Grosso nunca se preocupou em ocupar a área em litígio, ao<br />

contrário do governo paraense, que o faz e marca presença na região<br />

executando obras públicas. No final dos <strong>anos</strong> 2000 o Instituto de Terras<br />

do Pará (Iterpa) iniciou uma campanha de regularização fundiária de<br />

propriedades rurais, para reforçar a tese da titularidade de Belém sobre<br />

o contestado, mas o STF suspendeu a continuidade de tal procedimento.<br />

40


Apiacás<br />

Paranaíta<br />

Novo Mundo<br />

Alta<br />

Floresta<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

CUIABÁ<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Matupá<br />

Peixoto de Azevedo<br />

<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

àrea do Contestado<br />

no NORTÃO<br />

Apiacás<br />

Paranaíta<br />

Alta Floresta<br />

Novo Mundo<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

Guarantã<br />

do Norte<br />

Matupá<br />

Peixoto de Azevedo<br />

AM<br />

PA<br />

Guarantã<br />

do Norte<br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

<strong>BR</strong><br />

<strong>163</strong><br />

A área sob controle do<br />

Pará encolhe a superfície de<br />

seis municípios no <strong>Nortão</strong>:<br />

Peixoto de Azevedo, Matupá,<br />

Guarantã do Norte, Novo<br />

Mundo, Alta Floresta e Paranaíta,<br />

e três no Vale do Araguaia:<br />

Santa Terezinha, Vila Rica e Santa<br />

Cruz do Xingu. Do lado paraense<br />

ela aumenta os territórios de<br />

Jacareacanga, Novo Progresso, Altamira,<br />

São Félix do Xingu, Cumaru<br />

do Norte e Santana do Araguaia.<br />

CUIABÁ<br />

Ambos os estados construíram postos de fiscalização fazendária<br />

e sanitária na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> próximos à divisa litigiosa. O trânsito é intenso,<br />

principalmente de veículos pesados transportadores de commodities<br />

agrícolas mato-grossenses para o porto de Santarém.<br />

De um e de outro lado da divisa de Mato Grosso com o Pará<br />

a nação é a mesma e o povo também. Obviamente estão em jogo interesses<br />

territoriais, econômicos e políticos. Cuiabá tem plena certeza<br />

que a titularidade da área contenciosa é mato-grossense. Belém pensa<br />

exatamente o contrário.<br />

Independentemente da decisão que venha a ser tomada pelo<br />

STF, é preciso que o impasse seja resolvido para que o Estado Brasileiro<br />

ofereça segurança jurídica a quem vive na área, nos dois lados<br />

da divisa, o que ora não acontece e impede seu desenvolvimento por<br />

conta da incerteza sobre a posse da terra, o que afugenta investidores.<br />

41


Eduardo Gomes de Andrade<br />

III<br />

O <strong>Nortão</strong> visto de cima<br />

A infraestrutura aeroportuária da região concentra-se em Alta<br />

Floresta, Sinop, Sorriso, Matupá, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum,<br />

que são os municípios com pistas pavimentadas. Nos demais, nem<br />

sempre a aviação passa pelo crivo das autoridades.<br />

Alta Floresta tem a maior pista pavimentada de Mato Grosso e<br />

a quarta do Centro-Oeste; a pista do Aeroporto Piloto Oswaldo Marques<br />

Dias tem 2.500 metros de extensão por 30 de largura. A pista do<br />

Aeroporto Municipal Presidente João Figueiredo, de Sinop, tem 1.630<br />

metros por 30.<br />

A pista do Aeroporto Regional Orlando Villas-Bôas, em Matupá,<br />

mede 1.950 metros por 30. Em Sorriso, o Aeroporto Regional<br />

Adolino Bedin tem 1.600 metros por 30. A pista do Aeroporto Bri-<br />

42


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

gadeiro Eduardo Gomes, de Nova Mutum, tem 1.600 metros por 30.<br />

Em Lucas do Rio Verde a pista do Aeroporto Bom Futuro tem 1.600<br />

metros por 30.<br />

Na região operam voos noturnos os aeroportos de Alta Floresta,<br />

Sinop e Sorriso. Todos têm pousos e decolagens diários de jatos médios<br />

e turboélices de companhias aéreas com rotas regionais para Cuiabá e<br />

conexões.<br />

AEROAGRÍCOLA - Nhaaaaaam! Esse é o som característico dos aviões<br />

agrícolas nos rasantes sobre rodovias que cruzam lavouras onde<br />

aplicam agroquímicos. O barulho do motor sobre o teto dos carros assusta<br />

muitos motoristas. Solitário em sua cabine, o piloto não dá bola<br />

ao trânsito rodoviário e prossegue em sua excitante profissão de voar<br />

rente ao solo sabendo que qualquer falha mecânica ou erro humano<br />

pode ser fatal.<br />

Mato Grosso domina esse tipo de aviação no Brasil. Com dados<br />

relativos a meados de 2009, o Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB),<br />

subordinado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), aponta a<br />

existência de 1.044 aviões agrícolas no país. Considerando-se as baixas<br />

e a incorporação de novas aeronaves no setor, estima-se que em 2016<br />

a frota nacional gire em torno de 1.400 aeronaves predominantemente<br />

nacionais. Cruzamento de dados de empresas do setor com sede e hangares<br />

em Mato Grosso revela a existência de 560 aviões em atividade<br />

no Estado, com aproximadamente 220 no <strong>Nortão</strong>.<br />

Em 2005, na feira Agrishow Cerrado, em Rondonópolis, a Indústria<br />

Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer, apresentou a versão a<br />

álcool do avião Ipanema, cujo motor não lança poluentes pesados na<br />

atmosfera e é mais econômico que o similar a gasolina. Para pilotos<br />

de Mato Grosso não se tratava de novidade, pois há muito voavam<br />

com motores convertidos clandestinamente para esse combustível e carinhosamente<br />

chamavam suas máquinas de Lulinha, em referência ao<br />

costume do então presidente Lula de tomar uma branquinha, como o<br />

próprio admite.<br />

43


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Soja<br />

IV<br />

A realidade e o rótulo da agricultura<br />

Tão ou maior que a produção agrícola em Mato Grosso é o chororô<br />

das entidades representativas puxadas pela Federação da Agricultura<br />

e Pecuária (Famato), a Associação dos Produtores de Soja e<br />

Milho (Aprosoja) e a Associação dos Produtores de Algodão (Ampa).<br />

Não é fácil se chegar a informação precisa, clara e objetiva sobre<br />

produção, produtividade agrícola e rentabilidade. Uma verdadeira<br />

máquina disseminadora de pessimismo e criadora de fantasiosas catástrofes<br />

financeiras se encarrega de massificar adversidades criadas<br />

atrás das orelhas e frustrações de safras que nunca se confirmaram a<br />

médio ou longo prazo, muito embora raramente ocorram oscilações<br />

de um para outro ano. Ora a máquina culpa o El Niño pelo caos. Ora<br />

44


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

joga nas costas de São Pedro. Ora os responsáveis são os fungos, as<br />

doenças e assemelhados. O dólar jamais é absolvido; quando sobe,<br />

não se diz que ele é a moeda que paga as commodities exportadas<br />

– fala-se apenas que os insumos são cotados por ele; quando despenca,<br />

o discurso muda e a moeda americana se transforma no vilão<br />

muquirana. O frete é um marginal! Nunca tais entidades tiveram a<br />

decência de dizer: obrigado Mato Grosso por sua generosidade com<br />

nossos sindicalizados ou associados! Fazendo coro com elas, jornalistas<br />

e formadores de opinião se prestam ao ultrajante papel de avalizar<br />

com seus textos, vozes e imagens a deslavada mentira que pinta<br />

a agricultura como atividade insegura e sem lucratividade, como se<br />

ela não fosse o que é: transformadora de pobres em suas regiões de<br />

origem em barões da soja na abençoada e ensolarada terra do Marechal<br />

Rondon.<br />

Não confiem nos números da tragédia fabricada. Tenham em<br />

mente que Sorriso cultiva 626 mil hectares (ha) de soja e responde por<br />

17% da safra mato-grossense ou por 3% da produção dessa leguminosa<br />

no Brasil. Regionalizando esses percentuais, pode-se afirmar com<br />

índices arredondados que o <strong>Nortão</strong> responde por 30% dessa leguminosa<br />

em Mato Grosso cuja safra ano após ano chegou ao patamar de<br />

28 milhões de toneladas liderando com folga a produção nacional.<br />

Mais: o Ministério da Agricultura revela que o Valor Bruto da Produção<br />

(VBP) mato-grossense em 2016 foi de R$ 70,97 bilhões; trata-se da<br />

receita da porteira para dentro e esse número representa um aumento<br />

de 12% sobre os R$ 63,36 bilhões faturados um ano antes. Observem<br />

atentamente que 2016 foi tachado pela Famato como “ano ruim para<br />

o agronegócio”.<br />

A soja que chegou ao <strong>Nortão</strong> como única lavoura na mesma<br />

área em um ano agrícola foi desbancada na década de 1990 pela rotação<br />

de culturas, com a dupla vantagem econômica e ambiental da safrinha,<br />

que permite no mesmo espaço dois cultivos distintos no mesmo<br />

ano, em plantio direto. Assim surgiu a safrinha, que deveria ser<br />

chamada de safrona, porque sua produção estadual dá a Mato Grosso<br />

45


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Algodão<br />

o título de maior produtor nacional de milho safrinha e o faz responsável<br />

por um mar branco no campo, que em números representa 65%<br />

do algodão tupiniquim.<br />

A cotonicultura mato-grossense cultiva 580 mil ha e produz em<br />

média 2,3 milhões de toneladas de algodão em caroço que se resumem<br />

em 935 mil toneladas de pluma de primeira qualidade. Um terço dessa<br />

lavoura leva a chancela do <strong>Nortão</strong>.<br />

O milho safrinha de Mato Grosso se espalha por 4,25 milhões de<br />

ha, com 40% dessa lavoura no <strong>Nortão</strong>, e sua produtividade média gira<br />

em torno de 110 sacas/ha. Sorriso, o maior produtor nacional do cereal,<br />

colhe 2,6 milhões de toneladas e Lucas do Rio Verde, 765.000 toneladas.<br />

Quem se encarrega de desmentir a permanente e fantasiosa<br />

catástrofe agrícola é o tempo. Busco dois exemplos sobre esse tema,<br />

um com o senador e ministro da Agricultura Blairo Maggi, fora do<br />

<strong>Nortão</strong>, e outro nessa região, com Sorriso, o maior município agrícola<br />

do mundo.<br />

<strong>46</strong>


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Milho<br />

BLAIRO - Na edição de 31 de dezembro de 2002 o Diário de Cuiabá<br />

publicou um especial sobre o governador que seria empossado no dia<br />

seguinte. A matéria assinada por mim, focalizando Blairo, eleito para o<br />

cargo em outubro daquele ano, dizia: Aos 11 <strong>anos</strong>, operava um velho<br />

trator agrícola nas lavouras do pai, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná.<br />

Na juventude, atravessou a ponte sobre o rio Correntes na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

e chegou a Mato Grosso. “Era um lavoureirozinho e nem me passava<br />

pela cabeça esse negócio de política, quanto mais que um dia seria governador”,<br />

disse o entrevistado.<br />

Cultivando e ocupando outros elos da cadeia do agronegócio<br />

em Mato Grosso, Blairo se transformou no maior produtor agrícola<br />

mundial, líder de um grupo familiar que mantém a única trade brasileira<br />

entre as gigantes mundiais no mercado, a Amaggi Commodities,<br />

do Grupo André Maggi. Se a tragédia inventada pelas instituições<br />

classistas fosse real, Blairo e centenas de outros grandes produtores<br />

estariam no limbo.<br />

47


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Sorriso<br />

Sorriso - Referindo-se a esta cidade, o povo diz que prédio ali não<br />

tem alicerce: tem raízes. Lá é o paraíso da soja e do agronegócio como<br />

um todo. Nenhum centavo circula no município sem que tenha a ver<br />

direta ou indiretamente com a lavoura. A cidade é uma das mais modernas<br />

de Mato Grosso. Bairros com moradias de alto padrão e um<br />

comércio vibrante não deixam dúvida que ali é um bolsão de prosperidade.<br />

E se alguma dúvida ainda restar, os carrões nas ruas tratam de<br />

sacramentar que riqueza é lugar comum naquelas bandas. O município<br />

tem 9.329,604 km² e 82.792 moradores. Sua densidade demográfica<br />

é de 7,13 habitantes/km² na cidade, zona rural e nos distritos de Caravagio,<br />

Boa Esperança e Primavera. O segundo tenta se emancipar. O<br />

último fica à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. É o sétimo município mais populoso<br />

de Mato Grosso.<br />

A cidade é polo universitário, mas enfrenta problema de saneamento.<br />

Em novembro de 2016 a empresa que explora os serviços<br />

de água e esgoto jurava que 60% da rede coletora de esgoto estavam<br />

48


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

prontos e que 25% da mesma estariam em operação.<br />

Sorriso é o maior município agrícola do mundo e o principal<br />

exportador de Mato Grosso. Em 2016, seu volume exportado foi de<br />

US$ 1.367.359.238 (FOB). A soja respondeu por US$ 713,3 milhões<br />

(FOB) e o milho por US$ 527,6 milhões (FOB); farelo de soja, algodão<br />

e carnes completaram o leque exportado. No período as importações<br />

de adubos, aviões agrícolas, pneus e implementos, dos Estados<br />

Unidos, Chile, Canadá, China e outros 25 países somaram US$<br />

174.962.043 (FOB), apresentando superávit de US$ 1.192.397.000. As<br />

commodities produzidas em suas lavouras e transformadas em seu<br />

parque industrial chegaram à China, Holanda, Irã, Japão e outros 25<br />

países. A movimentação de Sorriso na balança comercial chegou a<br />

US$ 1,54 bi. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 4.437.696.000 e a<br />

renda per capita, de R$ 57.087,49.<br />

Acostumado a colecionar títulos nacionais e mundiais na produção<br />

agrícola, Sorriso também é incomparável na água doce. É o<br />

49


Eduardo Gomes de Andrade<br />

maior produtor de peixes nativos do Brasil. Centenas e centenas de<br />

hectares em lâmina d’água garantem a produção de tambacus e outras<br />

espécies. De quebra, o distrito de Primavera é o endereço do<br />

maior frigorífico de pescado de água doce brasileira.<br />

As imensas áreas cultivadas exigem grandes investimentos financeiros.<br />

Até meados dos <strong>anos</strong> 2000 a agência do Banco do Brasil<br />

no município era a segunda maior financiadora de lavouras no país,<br />

atrás de sua similar em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.<br />

Com a capitalização dos produtores, as operações de crédito sofreram<br />

redução. A praça de Sorriso é uma das principais no mercado de<br />

máquinas e implementos agrícolas no mundo.<br />

A agência do Banco do Brasil em Santa Cruz do Sul injeta montanhas<br />

de dinheiro no plantio do fumo da indústria do tabaco por<br />

meio de uma linha de crédito criada pelo governo federal para os<br />

fumicultores que alimentam os fabricantes e distribuidores de cigarros<br />

e similares Philip Morris, Souza Cruz, Associated Tobacco Company,<br />

Universal Leaf Tabacos, Alliance On e outros gigantes multinacionais<br />

do setor.<br />

Nos primórdios de sua colonização, Sorriso somente cultivava<br />

arroz de sequeiro, lavoura que lhe empresta o nome. Claudino Francio,<br />

catarinense de Joaçaba, dono da Colonizadora Feliz, que criou<br />

Sorriso, disse que a denominação nasceu da irreverência. Agricultores<br />

gaúchos descendentes de itali<strong>anos</strong> visitavam a região. De regresso<br />

ao Rio Grande do Sul, seus parentes, vizinhos e amigos queriam<br />

saber quais as culturas que teriam visto por lá. A resposta era invariável:<br />

só rizzo (em italiano, arroz se pronuncia rizzo). O colonizador<br />

gostou e batizou a cidade com o nome de Sorriso, bem à brasileira e<br />

com a palavra tendo outro sentido.<br />

A colonização da área rural no entorno do local onde surgiria<br />

Sorriso começou em 1975, após a implantação de cidades ao norte<br />

daquele lugar. Agricultores sulistas foram se instalando na região e,<br />

em 2 de fevereiro de 1977 Claudino Francio fundou às margens da<br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> a vila que agora é a Capital Mundial da Soja.<br />

50


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Até 1978, o povoado não passava de um amontoado de casas<br />

simples de madeira e o principal estabelecimento era um posto de<br />

combustíveis com bandeira da Shell, localizado no entroncamento<br />

da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com a MT-242 que à época ligava fazendas na região do<br />

rio Ferro ao restante de Mato Grosso, e hoje é acesso pavimentado à<br />

cidade de Nova Ubiratã.<br />

Sorriso colheu (sem trocadilho) Mato Grosso de surpresa. Em<br />

29 de dezembro de 1980, o governador Frederico Campos sancionou<br />

uma lei de autoria dos deputados Ary Campos e Osvaldo Sobrinho<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa criando aquele distrito no município<br />

de Nobres, quando na verdade a vila de Sorriso localizava-se<br />

no município de Chapada dos Guimarães. O rio Teles Pires era o<br />

limite de Nobres (margem esquerda) e Chapada (direita). O erro foi<br />

abafado com a emancipação em 13 de maio de 1986, mas evidenciou<br />

que o Estado não sabia sequer onde se localizavam os novos aglomerados<br />

urb<strong>anos</strong> surgidos com a expansão da fronteira agrícola.<br />

Sorriso emancipou-se de Nobres, Paranatinga e Sinop por uma<br />

lei de autoria da mesa diretora da Assembleia Legislativa e sancionada<br />

pelo governador Júlio Campos. É sede de comarca de terceira<br />

entrância, Vara do Trabalho e duas zonas eleitorais.<br />

O pioneiro Matsubara<br />

O cerrado e a mata de transição no <strong>Nortão</strong> viraram cenário<br />

econômico e ganharam função social com o cultivo da soja e da rotação<br />

de culturas com o milho safrinha e o algodão. Até 1978 ambos<br />

os biomas deixavam com um pé atrás os produtores de soja interessados<br />

na região, pois não havia nenhum indicativo de que a leguminosa<br />

se adaptaria bem naquela área abaixo do Paralelo 13.<br />

Em Mato Grosso, abaixo do Paralelo 13, o arroz de sequeiro era<br />

a única cultura em escala. Em meio às dúvidas e incertezas, o sonhador<br />

nissei Munefumi Matsubara botava a mão na massa – e no bolso<br />

– amansando o solo para a chegada da soja, que hoje é o carro-chefe<br />

da economia mato-grossense.<br />

51


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Matsubara<br />

Pioneiro no cultivo de soja abaixo do Paralelo 13 em Mato<br />

Grosso, Matsubara acreditou na viabilidade desse projeto na região.<br />

Na fazenda Progresso, de 10 mil ha, no município de Sorriso e perto<br />

de Lucas do Rio Verde, Matsubara desenvolveu pesquisas que lhe<br />

deram uma facada de US$ 1 milhão entre 1972 e a safra 77-78, quando<br />

cultivou a leguminosa em campos experimentais e em lavouras,<br />

sendo a maior de 3.600 ha com a cultivar UFV-1 da qual colheu 15<br />

sacas/ha.<br />

A dinheirama que saiu do bolso de Matsubara resultou na pesquisa<br />

que abriu a porteira para a soja no eixo de influência da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

no <strong>Nortão</strong>. Paulista de Vera Cruz e ex-morador do Paraná, Matsubara<br />

agora é residente em Sinop, onde milita nos meios empresariais.<br />

Discreto, Matsubara não se preocupa em alardear seu feito e<br />

até desconversa sobre ele. Sua obra fala mais alto sobre a soja do que<br />

todas as vozes.<br />

52


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

V<br />

Terra do boi e de boiadas<br />

A atividade econômica de maior visibilidade na região é a agricultura,<br />

com suas lavouras a perder de vista, mas a pecuária com sua solidez<br />

e discrição dos pecuaristas é o grande esteio da estabilidade econômica<br />

do <strong>Nortão</strong>, onde pastam 7.086.442 bovinos de um rebanho estadual<br />

com 29.122.782 animais de mamando a caducando, segundo dados oficiais<br />

do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) com<br />

base nos números apurados na campanha universal de vacinação contra<br />

a febre aftosa em novembro e dezembro de 2015. Em resumo, os 35 municípios<br />

da área respondem por 24,33% dos animais mato-grossenses.<br />

O gado está presente em todos os municípios da região. Em alguns,<br />

além da pecuária extensiva há confinamentos e semiconfinamentos. Jua-<br />

53


Eduardo Gomes de Andrade<br />

ra e Alta Floresta estão entre os quatro maiores rebanhos municipais de<br />

Mato Grosso. Cáceres, fora do <strong>Nortão</strong> e na fronteira com a Bolívia, tem<br />

1.083.371 cabeças; Vila Bela da Santíssima Trindade, também na fronteira,<br />

é o segundo, com 984.335; Juara é o terceiro, com 944.605; e Alta Floresta<br />

fecha o ranking com 712.874. Na outra ponta da tabela o menor rebanho é<br />

o de Ipiranga do Norte, com 8.854; São Pedro da Cipa, no polo de Rondonópolis,<br />

tem 15.139; e Lucas do Rio Verde, 20.088.<br />

A cadeia pecuária no <strong>Nortão</strong> inclui o elo da carne, mas a atividade<br />

frigorífica causou prejuízos a muitos criadores com o efeito sanfona de<br />

algumas empresas que abriam e baixavam suas portas. Nos <strong>anos</strong> 1980 e<br />

1990 e o começo da década de 2000 o abate era algo quase sombrio. Na<br />

papelada havia frigorífico sem planta e planta sem unidade de abate. Alta<br />

Floresta, Colíder, Nova Monte Verde, Matupá, Juara e Sinop sofreram<br />

grandes prejuízos com isso.<br />

A região é palco de grandes feiras agropecuárias em que o forte<br />

é a pecuária. Exponop, em Sinop; Expoalta, em Alta Floresta; Expovale,<br />

em Juara; Expolider, em Colíder; Expotã, em Guarantã do Norte; Expomutum,<br />

em Nova Mutum; e em várias outras cidades o maior evento<br />

popular é a exposição que, além de promover leilões, palestras técnicas,<br />

expor animais de elite e maquinário para o campo, também promove<br />

grandes shows populares com a participação de milhares de moradores<br />

e visitantes.<br />

A qualidade sanitária do rebanho do <strong>Nortão</strong> é considerada excelente,<br />

a exemplo do que se verifica nos municípios fora daquela área.<br />

Porém, o último foco de febre aftosa notificado em Mato Grosso ocorreu<br />

no município de Terra Nova do Norte, em 16 de janeiro de 1996; esse<br />

foco não teve comprovação laboratorial, mas foi catalogado enquanto<br />

foco clínico.<br />

NÚMEROS – Além de Juara e Alta Floresta, outros municípios da região<br />

também têm grandes rebanhos bovinos: Nova Bandeirantes, 429.103<br />

cabeças; Paranaíta, 425.419; Nova Canaã do Norte, 397.309; Colíder,<br />

375.947; Nova Monte Verde, 360.754; Novo Mundo, 349.606; Guarantã<br />

do Norte, 334.605; Peixoto de Azevedo, 315.580; Terra Nova do Norte,<br />

268.272; Matupá, 244.829; Carlinda, 229.035; e Apiacás, 219.002.<br />

54


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Pedro Taques no <strong>Nortão</strong><br />

VI<br />

Cadeado na Hidrovia Teles Pires-Tapajós<br />

Seguramente a melhor rota para escoamento de commodities<br />

do <strong>Nortão</strong> pelos portos do Arco Norte, a Hidrovia Teles Pires-Tapajós<br />

tem um cadeado judicial que impede estudos e obras em seu leito.<br />

Essa proeza foi conseguida em 1997 pelos procuradores da República<br />

José Pedro Gonçalves de Taques, de Mato Grosso, e Felício Pontes<br />

Júnior, do Pará. A sentença foi proferida pelo juiz Edison Messias de<br />

Almeida, da Vara Descentralizada da Justiça Federal em Santarém, e<br />

impede ainda a liberação de recursos para tais intervenções.<br />

55


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Balsa no Tapajós em Itaituba<br />

A decisão saiu com base na ação civil pública impetrada por<br />

Taques e Pontes Júnior, que a fundamentaram no artigo 231 da Constituição<br />

Federal. Tal artigo prevê que o aproveitamento dos recursos<br />

hídricos em áreas indígenas só pode acontecer após autorização do<br />

Congresso Nacional e <strong>depois</strong> de ouvidas as comunidades afetadas.<br />

A hidrovia banha terras pertencentes aos índios mundurukus.<br />

A ação de Pedro Taques que feriu interesses do <strong>Nortão</strong> foi noticiada<br />

pelo jornal Diário de Cuiabá em sua edição de 24 de outubro<br />

de 1997, numa reportagem assinada pelo jornalista Anselmo Carvalho<br />

Pinto.<br />

O projeto da Teles Pires-Tapajós prevê a ligação de Cachoeira<br />

Rasteira, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Entre as obras previstas<br />

estão a dragagem e o derrocamento em partes do rio Tapajós<br />

56


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

no trecho entre São Luís do Tapajós (PA) e Itaituba, e a construção<br />

de uma eclusa. As interferências no trecho têm os custos estimados<br />

em aproximadamente US$ 254 milhões.<br />

O projeto da Teles Pires-Tapajós foi elaborado pela Administração<br />

das Hidrovias da Amazônia Oriental (Ahimor) e pela Companhia<br />

Docas do Pará. As duas empresas recebiam verba para realização<br />

de estudos por meio de um convênio com o Ministério dos<br />

Transportes. A liberação dos recursos foi barrada pela sentença.<br />

Os índios mundurukus habitam as margens do rio Tapajós,<br />

nas terras Sai Cinza, Munduruku I, Munduruku II, Praia do Mangue<br />

e Praia do Índio, numa área de aproximadamente 950 mil hectares.<br />

A ação civil pública traz anexo um mapa da Funai informando<br />

que à beira do Tapajós, no município de Itaituba, existem duas terras<br />

indígenas, a Praia do Mangue e a Praia do Índio.<br />

Pedro Taques trocou o Ministério Público Federal pela política.<br />

Em 2010 elegeu-se senador pelo PDT. Quatro <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>, mantendo<br />

sua filiação, conquistou o governo de Mato Grosso e posteriormente<br />

se filiou ao PSDB.<br />

NAVEGAÇÃO – A decisão do juiz não inclui o trecho do Baixo Tapajós,<br />

com 259 quilômetros ou 140 milhas, entre os portos de Miritituba<br />

(em Itaituba) e Santarém, na foz do Tapajós no rio Amazonas.<br />

Itaituba fica a 30 quilômetros à esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido<br />

Cuiabá-Santarém, e até meados da década de 1970 a ligação entre as<br />

duas cidades era feita por aviões e a hidrovia. Por rodovia a distância<br />

é de 380 quilômetros, com trechos na Transamazônica (<strong>BR</strong>-230) e<br />

na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> via Rurópolis.<br />

Santarém tem 294.447 habitantes, Itaituba 98.485 e Rurópolis,<br />

47.971; essa última cidade nasceu com a abertura da Transamazônica<br />

e da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

57


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Tapajós em Itaituba<br />

Trancamento fere a tradição amazônica<br />

Senhores das grandes navegações, os portugueses descobriram o<br />

Brasil e espalharam seus domínios pelos sete mares. Mestres da guerra,<br />

os patrícios instalaram fortes nas embocaduras dos rios amazônicos<br />

para garantir a posse da terra.<br />

58


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Ao redor das fortificações surgiram núcleos urb<strong>anos</strong> e a ocupação<br />

da Amazônia se deu às margens dos rios. Em locais bem estudados,<br />

Portugal fundou cidades, muitas delas com nomes que ajudavam<br />

a matar a saudade da terrinha. Assim nasceram Alenquer,<br />

Almeirim, Aveiro, Belém, Bragança, Faro, Santarém e tantas outras,<br />

ora; pois, pois!<br />

Santarém, centro regional de prestação de serviços, com 6 mil<br />

barcos e outras embarcações controladas pela Capitania dos Portos,<br />

universidades, terminal hidroviário, amplas avenidas, modernas<br />

construções, comércio vibrante e força política, localiza-se na barra<br />

onde o azul do Tapajós se encontra com as águas barrentas do Amazonas,<br />

e descem curso comum, porém separadas por alguns quilômetros<br />

até se juntarem.<br />

Colonizadores do além-mar, escravos afric<strong>anos</strong> e índios pegos<br />

no laço. Essa foi a base da formação do povo amazônico ribeirinho,<br />

gente que tem no rio sua fonte de alimento e lazer, meio de transporte,<br />

inspiração cultural, cenário para expressão da religiosidade e palco<br />

para lendas iguais à do boto-cor-de-rosa, que nas noites enluaradas<br />

se transforma em charmoso galã que enfeitiça e seduz donzelas.<br />

Na Amazônia o rio é tudo ou quase tudo. Desde a infância se<br />

aprende a remar, navegar, a conhecer os segredos e mistérios das<br />

águas. Nas vilas e cidades os terminais hidroviários são os locais mais<br />

movimentados. É por eles que chegam e saem os moradores e turistas,<br />

mercadorias e o atendimento médico em barcos especializados. Habitantes<br />

das duas margens do Tapajós ao longo de seus 851 quilômetros<br />

de extensão se fundem e se confundem com esse rio.<br />

Caso seja liberada, a Hidrovia Teles Pires-Tapajós permitirá a<br />

navegação ao longo do rio Tapajós e além dele até Sinop, pelo Teles<br />

Pires, independentemente do ciclo das águas. Essa condição seria alcançada<br />

com a realização de obras de engenharia nos leitos e com<br />

59


Eduardo Gomes de Andrade<br />

eclusas nas barragens para garantir a passagem contínua de embarcações<br />

subindo e descendo.<br />

Atualmente, barcos e lanchas fazem linha regular diária de passageiros<br />

entre Itaituba – no Baixo Tapajós – e cidades do percurso a<br />

Santarém. Com a hidrovia, o transporte se estenderia até Sinop – seu<br />

porto mais ao sul – beneficiando moradores ribeirinhos nos dois estados<br />

e abrindo mais um importante leque ao turismo numa região de<br />

rara beleza.<br />

Para Mato Grosso o trancamento inviabiliza o aproveitamento<br />

dos cursos dos rios Teles Pires e do Tapajós em sua parte alta. Com<br />

isso, a movimentação de cargas pela hidrovia ganha contornos de manga<br />

curta e o único caminho para se chegar ao porto é a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, enquanto<br />

o Brasil sonha com a construção de uma ferrovia ligando Nova<br />

Mutum a Santarém.<br />

De Sinop a Santarém pelos rios<br />

A Hidrovia Teles Pires-Tapajós mudaria a logística de transporte<br />

na região central do continente se fosse operada no trecho de<br />

Sinop a Santarém: ela iria bem além do chamado eixo de influência,<br />

que é a área em seu entorno. Os rios Teles Pires e Tapajós são caminhos<br />

naturais entre o Atlântico e o Centro-Oeste, e por eles se pode<br />

estabelecer uma nova rota longitudinal que desafogaria os portos<br />

de Santos e Paranaguá, evitando risco de estrangulamento ou apagão<br />

logístico na exportação de commodities agrícolas.<br />

O chamado eixo de influência da hidrovia é composto por 48<br />

municípios paraenses e mato-grossenses, com extensão territorial de<br />

550.783 km² – do tamanho da França.<br />

No Pará, a hidrovia beneficiaria diretamente uma área de 295.181<br />

km² nos municípios de Santarém, Aveiro, Belterra, Itaituba, Jacareacanga,<br />

Juruti, Novo Progresso, Trairão, Rurópolis e parte de Altamira.<br />

60


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Balsa com soja em Santarém<br />

Caboclo e vice-versa<br />

RO-RO é a abreviação em inglês de roll on-roll off, que significa o<br />

modo como as cargas são embarcadas e desembarcadas, rolando para dentro<br />

e fora das embarcações. Na Amazônia, RO-RO Caboclo é o nome que<br />

se dá ao transporte de carretas carregadas por balsas de fundo chato, proa<br />

lançada e baixo calado.<br />

A maior parte dos produtos industrializados na Zona Franca de Manaus<br />

é transportada pelo RO-RO Caboclo, que também responde pela fatia<br />

principal do abastecimento da capital amazonense, o que garante intensa<br />

movimentação de balsas.<br />

Para Manaus o embarque nas balsas é feito em Belém, <strong>depois</strong> de<br />

uma viagem rodoviária de 2.950 quilômetros de São Paulo até lá. Esse modal<br />

se completa com uma viagem de 1.700 quilômetros pelo rio Amazonas.<br />

Caso a consolidação da Hidrovia Teles Pires-Tapajós ocorra, Mato Grosso<br />

se transformará no grande corredor para essa interligação, com a inclusão<br />

61


Eduardo Gomes de Andrade<br />

do transporte ferroviário num multimodal hidrorrodoferroviário, que reduziria<br />

a distância rodoviária e o preço do frete.<br />

Caso a navegação comercial entre Sinop e Santarém entre em operação,<br />

o RO-RO Caboclo se transferiria para Mato Grosso e com uma vantagem<br />

a mais do que o modelo atual que utiliza a rodovia Belém-Brasília<br />

para acesso ao porto de Belém: os trilhos da ferrovia da Rumo ALL estão<br />

em Rondonópolis. Ou seja, o transporte entre São Paulo e Rondonópolis<br />

seria ferroviário; daquela cidade a Sinop, rodoviário; e a partir dali, por<br />

embarcações.<br />

No cenário realista, o multimodal por trilhos, rodovias e hidrovia<br />

baixaria o trecho rodoviário da rota do RO-RO Caboclo via Mato Grosso<br />

para 750 quilômetros, ou seja, 2.200 quilômetros a menos do que o atual,<br />

via Belém.<br />

A interligação de Manaus e São Paulo por Mato Grosso e o Oeste paraense<br />

criaria oportunidades de emprego e renda no eixo de influência do<br />

multimodal e mais acentuadamente nas cidades de transbordo de cargas<br />

do trem para o caminhão e nos portos onde aconteceriam as operações do<br />

RO-RO Caboclo.<br />

O preço médio mundial do frete fluvial é 60% menor do que o transporte<br />

rodoviário. Essa redução de custo teria reflexos positivos em Mato<br />

Grosso, que compra industrializados nas duas pontas do RO-RO Caboclo.<br />

Nordeste pelo modal hidrovia e cabotagem<br />

Cabotagem. Esta palavra típica da linguagem náutica aparentemente<br />

não tem nada a ver com Mato Grosso. Mas tem! Com a navegação comercial<br />

de Sinop a Santarém, seria possível incrementar o comércio inter-<br />

-regional com o Nordeste. É nesse contexto que a cabotagem entra.<br />

O Nordeste depende do milho produzido em outras regiões para a<br />

ração pecuária e sempre o importa da Argentina, que ocupa aquele nicho<br />

de mercado graças ao preço praticado em relação aos concorrentes brasileiros.<br />

Ou seja, os herm<strong>anos</strong> têm competitividade porque pagam frete naval,<br />

bem abaixo do praticado pela concorrência sobre rodas.<br />

62


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Carregamento de grãos em Santarém<br />

O <strong>Nortão</strong> perde em logística para a Argentina quando o assunto é<br />

milho para o Nordeste. Sinop, a principal cidade da região, é classificada<br />

como sendo de alta continentalidade – índice que mede a distância da<br />

lavoura ao porto –, porque sua matriz de transporte é rodoviária. Com a<br />

hidrovia, a situação mudaria por completo e o cereal chegaria em balsas ao<br />

Baixo Tapajós, onde seria transbordado para navios de cabotagem, que em<br />

sentido contrário carregariam industrializados, química fina, sal, insumos,<br />

eletrodomésticos e outros produtos.<br />

Sem comparativo<br />

Menor distância para as commodities chegarem aos principais<br />

centros importadores mundiais. Essa é uma das armas de Santarém<br />

em relação aos portos de Santos e Paranaguá, por onde Mato Grosso<br />

exporta a maior parte de sua produção agrícola.<br />

De Paranaguá a Roterdã, na Holanda, a distância é de 11.600 quilômetros.<br />

De Santos àquela cidade, 11.128. Santarém dista apenas 7.401<br />

daquele porto holandês. E Tóquio, no Japão, fica a 24.600 quilômetros<br />

de Santos, a 24.087 de Paranaguá e a 20.800 de Santarém.<br />

63


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Jatene e Silval<br />

VII<br />

Trem chinês para Santarém<br />

descarrila no <strong>Nortão</strong><br />

Castelo de Sonhos, município de Altamira (PA), 3 de setembro<br />

de 2011. Ouço o brasileiro Marco Polo Moreira Leite, presidente da<br />

Asian Trade & Investiments (ATI), que é de pouca e objetiva conversa.<br />

Esse predicado – creio – o apadrinhou para chegar ao comando<br />

daquele gigante chinês. Moreira Leite explana aos governadores Simão<br />

Jatene e Silval Barbosa e outras autoridades; a Léo Reck, fundador<br />

do lugar, e a empresários, uma proposta mandarim capaz de<br />

revolucionar a logística de transporte no Pará e em Mato Grosso.<br />

A proposta é construir uma ferrovia com 1.800 quilômetros<br />

paralela à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> criando um corredor de exportação de commodities<br />

no sentido norte e, numa escala infinitamente menor, na direção<br />

64


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

sul, para a entrada de máquinas, eletroeletrônicos, perfumes, roupas,<br />

brinquedos e uma infinidade de outros produtos made in China que<br />

inundam prateleiras e bancas no Paraguai, Bolívia e parte do Brasil.<br />

Para tanto, a ATI estaria disposta a investir R$ 10 bilhões nos<br />

trilhos, terminais intermodais de embarque e desembarque, composições<br />

dos trens, e se preciso, desembolsar para garantir a instalação de<br />

um porto no rio Tapajós. A obra seria executada em 450 dias. A China<br />

constrói em média quatro quilômetros de ferrovia diariamente.<br />

Maior parceira comercial de Mato Grosso, a China entendia<br />

que a ferrovia seria estratégica tanto para sua política de segurança<br />

alimentar que garante panela cheia para 1,3 bilhão de pares de olhos<br />

puxados quanto por se tratar de corredor de interesse universal.<br />

Essa ferrovia levaria vantagem sobre a logística atual de escoamento<br />

de commodities do <strong>Nortão</strong>, por duas razões: eliminaria os<br />

longos fretes rodoviários até os portos de Santos e Paranaguá; e os<br />

embarques nos navios seriam mais rápidos se construídas modernas<br />

instalações portuárias no Pará.<br />

Com a ferrovia e o porto de Santarém, o trecho marítimo do<br />

multimodal também levaria vantagem sobre Santos e Paranaguá encurtando<br />

a distância e reduzindo o tempo do transporte tanto para<br />

a Europa quanto para a Ásia, afinal o rio Amazonas que recebe as<br />

águas do Tapajós cruza a Linha do Equador no Amapá, o que deixa<br />

aquela hidrovia no centro do mundo.<br />

Tomando-se Sorriso por referência para efeito de embarque de<br />

grãos, farelo de soja, plumas, carnes e madeira, o multimodal exorcizaria<br />

o percurso rodoviário até o terminal da ferrovia da Rumo ALL<br />

em Rondonópolis, distante 650 quilômetros. O trajeto ferroviário de<br />

Sorriso a Santarém teria 1.400 quilômetros, enquanto que o trem percorre<br />

1.660 quilômetros de Rondonópolis a Santos. De Sorriso para<br />

Paranaguá o transporte rodoviário aumenta consideravelmente a<br />

distância no comparativo com o percurso ao porto paulista.<br />

65


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Pequim<br />

Silval defendia a ferrovia. Seu colega paraense Simão Jatene<br />

demonstrava indiferença. O projeto não foi adiante porque o Brasil<br />

não conseguiu dar segurança jurídica aos chineses – no trajeto há<br />

problemas agrários, ambientais e questões indígenas.<br />

66


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O <strong>Nortão</strong> perdeu um negócio da China. Foi vencido pelo Estado<br />

velhaco que chafurda na atividade-meio e que não é compatível<br />

com a grandeza do Brasil em todos os aspectos. Jatene achou bom o<br />

desfecho, afinal Belém vê Santarém como rival. Pobre nação da papelada<br />

e do bairrismo.<br />

67


Eduardo Gomes de Andrade<br />

VIII<br />

Onde o Brasil se encontra<br />

Região povoada por brasileiros dos quatro cantos do país, o <strong>Nortão</strong><br />

é uma babel, mas com predomínio sulista, notadamente paranaense.<br />

Seu poder político é bom indicador da origem de sua população.<br />

O <strong>Nortão</strong> tem 35 prefeitos. Em 2016, foram eleitos dezessete paranaenses,<br />

seis gaúchos, quatro catarinenses, quatro mato-grossenses,<br />

três paulistas e um mineiro.<br />

O grupo paranaense é formado por Asiel Bezerra (PMDB), de<br />

Alta Floresta; Adalto José Zago (PSDB), de Apiacás; Tony Rufatto<br />

(PSDB), de Paranaíta; Bia Sueck (PMDB), de Nova Monte Verde; Valdir<br />

Rio Branco (PSB), de Nova Bandeirantes; Carmem Martines (DEM),<br />

de Carlinda; Érico Gonçalves (PRB), de Guarantã do Norte; Terezinha<br />

Carrara (DEM), de Nova Santa Helena; Rosana Martinelli (PR), de Sinop;<br />

Valdenir Santos (PSDB), de Nova Ubiratã; Rafael Pavei (PSDB),<br />

de Feliz Natal; Altamir Kurten (PSDB), de Cláudia; Ari Lafin (PSDB),<br />

de Sorriso; Claudiomiro Queiroz (PSD), de União do Sul; Edu Pascoski<br />

(PR), de Itanhangá; Sirineu Moleta (PMDB), de Tabaporã; e Maurício<br />

Ferreira (PSDB), de Peixoto de Azevedo.<br />

O segundo estado em número de prefeitos é o Rio Grande do<br />

Sul com Zeca Zamoner (PSD), em Nova Guarita; Toni Mafini (PSDB),<br />

em Novo Mundo; Valtinho Miotto (PMDB), em Matupá; Flori Binotti<br />

(PSD), em Lucas do Rio Verde; Adriano Pivetta (PDT), em Nova Mutum;<br />

e Moacir Giacomelli (PSB), em Vera.<br />

Foram eleitos os catarinenses Egon Hoepers (PSD), em Santa<br />

Rita do Trivelato; Iraldo Ebertz (DEM), em Tapurah; Pedro Ferronatto<br />

(PSDB), em Ipiranga do Norte; e Valter Kuhn (PR), no município de<br />

Terra Nova do Norte.<br />

Quatro mato-grossenses foram eleitos. Valcir Donato (PV), de<br />

Itaúba, e Rodrigo Frantz (PSD), de Santa Carmem, são sinopenses.<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Luciane Bezerra<br />

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Eduardo Gomes de Andrade<br />

Baixinho Piovesan (PMDB), de Porto dos Gaúchos, e Silvano Neves<br />

(PSD), de Novo Horizonte do Norte, nasceram naqueles municípios.<br />

Porto dos Gaúchos é a cidade mais antiga da região e Novo<br />

Horizonte do Norte foi a segunda povoação do <strong>Nortão</strong>.<br />

Os paulistas conquistaram três prefeituras: Nova Canaã do<br />

Norte, com Rubens Roberto Rosa (PDT); Colíder, com Noboru Tomiyashi<br />

(PSD); e Juara, com Luciane Bezerra (PSB); Luciane foi deputada<br />

estadual (2011-14).<br />

Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), de Marcelândia, é mineiro.<br />

Arnóbio é o decano dos prefeitos mato-grossenses; foi reeleito<br />

aos 77 <strong>anos</strong>.<br />

As mulheres conquistaram cinco prefeituras na região em<br />

2016, dentre elas a de Sinop, que é a maior da região. O <strong>Nortão</strong><br />

tem 333 vereadores e em 2016 apenas 50 mulheres foram eleitas<br />

para o cargo.<br />

Em 2016, nos municípios de Nova Canaã do Norte, Nova<br />

Mutum, Vera, Ipiranga do Norte, Marcelândia, Novo Mundo, Itaúba<br />

e Nova Santa Helena nenhuma mulher foi eleita para a câmara<br />

municipal. Santa Carmem, com nove vereadores, é o único município<br />

com bancada feminina majoritária; as mulheres ocupam cinco<br />

cadeiras com a paranaense Elizete Faita (PSD) – campeã de votos,<br />

com 212; com a gaúcha Luiza Maziero (PR); com a paranaense Marlene<br />

Alexandre (PMDB); com a mato-grossense de Alto Araguaia<br />

Luleide Cabral (PSB); e com a paranaense Ana Paula Araújo (DEM).<br />

Dos povos indígenas que habitam a região, em 2016, somente<br />

em Feliz Natal um índio se elegeu: Txonto do Xingu (PMDB), da<br />

etnia Ikpeng, recebeu 176 votos. Txonto nasceu no Parque Indígena<br />

do Xingu, na área pertencente ao município de Canarana, Vale do<br />

Araguaia.<br />

O vice-governador Carlos Henrique Baqueta Fávaro (PSD) é<br />

paranaense e morador no <strong>Nortão</strong>; Fávaro foi eleito pelo PP.<br />

70


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Arnóbio Vieira de Andrade<br />

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Eduardo Gomes de Andrade<br />

Janaína Riva<br />

A representação política do <strong>Nortão</strong> na Assembleia Legislativa<br />

é expressiva. A legislatura eleita em 2014 tem 24 deputados e 10 são<br />

da região; Romoaldo Júnior, Janaína Riva e Silvano Amaral (PMDB),<br />

Dilmar Dal’Bosco (DEM), Baiano Filho (PSDB), Oscar Bezerra e Mauro<br />

Savi (PSB), Pedro Satélite e José Domingos Fraga (PSD) e Valdir Barranco<br />

(PT).<br />

A distribuição geográfica dos representantes do <strong>Nortão</strong> na Assembleia<br />

tem três mato-grossenses: Janaína Riva, de Juara; José Domingos<br />

Fraga, de Nortelândia; e Oscar Bezerra, de Cuiabá. Três paranaenses:<br />

Romoaldo Júnior, Valdir Barranco e Mauro Savi. Dois catarinenses:<br />

Pedro Satélite e Dilmar Dal’Bosco. Dois paulistas: Baiano Filho e<br />

Silvano Amaral.<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nilson Leitão<br />

Nilson Leitão (PSDB), nascido em Mato Grosso do Sul, foi o único<br />

deputado federal eleito pela região em 2014. O <strong>Nortão</strong> não elegeu<br />

senador.<br />

Leitão foi vereador por Sinop (1997-98) e duas vezes consecutivas<br />

foi prefeito daquele município (2001-08). Exerceu mandato de deputado<br />

estadual (1999-2000) e está na segunda legislatura na Câmara<br />

dos Deputados.<br />

O histórico da região na Câmara dos Deputados é de pequena<br />

participação. O mineiro João Teixeira cumpriu mandato entre 1991 e<br />

1994. O catarinense Ricarte de Freitas exerceu dois mandatos (1999-02<br />

e 2003-07). O mineiro Rogério Silva foi deputado em duas legislaturas:<br />

1995-98 e 2003-06.<br />

73


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Silval Barbosa<br />

74


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Um político do <strong>Nortão</strong> chegou ao governo. O paranaense Silval<br />

da Cunha Barbosa (PMDB) foi eleito vice-governador em 2006 e assumiu<br />

o governo em março de 2010 com a desincompatibilização do<br />

titular Blairo Maggi (PR), que disputou e venceu a eleição ao Senado.<br />

Em 2010, Silval foi eleito governador em primeiro turno. Ao deixar o<br />

poder, Silval passou a ser investigado por supostos crimes de improbidade<br />

administrativa, teve a prisão decretada e se apresentou em 17 de<br />

setembro de 2015. Até o final de dezembro de 2016 continuava preso<br />

em Cuiabá, sem que tivesse sido condenado.<br />

Silval foi prefeito de Matupá (1993-96), cumpriu dois mandatos<br />

de deputado estadual (1999-2006) e presidiu a Assembleia em um biênio<br />

(2005-06).<br />

O produtor rural gaúcho radicado em Lucas do Rio Verde Neri<br />

Geller foi nomeado ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento<br />

pela presidente Dilma Rousseff em março de 2014 e permaneceu no<br />

cargo até janeiro de 2015. Neri foi vereador por Lucas do Rio Verde e<br />

suplente de deputado federal.<br />

O político que é apontado como maior ficha suja do Brasil é o<br />

capixaba José Riva, que foi prefeito de Juara e exerceu cinco mandatos<br />

consecutivos de deputado estadual entre 1995 e 2014 na condição de<br />

campeão de votos e nesse período ora presidiu a Assembleia ora foi<br />

primeiro-secretário da mesa diretora. Após deixar o cargo, ao qual não<br />

pode mais concorrer por impedimento legal da Lei Ficha Limpa, Riva<br />

foi preso em várias ocasiões acusado de improbidade administrativa.<br />

O ex-deputado responde a dezenas de ações por suposto desvio<br />

milionário de recursos públicos e cumpre medidas cautelares; ele nega<br />

a maior parte das acusações. Em meados de 2016 Riva passou a colaborar<br />

com a justiça apontando outros supostos envolvidos nos crimes<br />

aos quais responde.<br />

Janaína Riva, deputada estadual, é filha de Riva e sua sucessora<br />

política. Antes de chegar à Assembleia, Janaína não disputou nenhum<br />

outro cargo. Sua candidatura foi articulada e coordenada pelo pai.<br />

75


Eduardo Gomes de Andrade<br />

José Riva<br />

76


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O adeus de Jorge Abreu<br />

Um acidente aéreo em 19 de setembro de 1998 na cabeceira da<br />

pista em Jauru botou fim à carreira política de Jorge Antônio de Abreu<br />

(PMN), 44 <strong>anos</strong>, deputado estadual em campanha pela reeleição. O<br />

monomotor Corisco PT-NQG tentou decolar para Comodoro, perdeu<br />

sustentação, caiu e explodiu. Jorge Abreu, o piloto João Figueiredo e<br />

o político Ronald Borges morreram no local. Márcio Ronaldo de Deus<br />

da Silva, assessor do parlamentar, sobreviveu.<br />

Jorge Abreu era paranaense, engenheiro agrônomo e empresário;<br />

desde criança morava em Sinop, onde administrava negócios da família<br />

e por duas vezes foi vereador (1988 e 1992). A Câmara de Sinop deu<br />

seu nome ao plenário das deliberações. A viúva Sinéia Abreu foi vice-<br />

-prefeita de Sinop em 2000 e vereadora em 2004.<br />

77


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Primeiro senador de origem japonesa<br />

Jorge Yanai, do <strong>Nortão</strong>, foi o primeiro senador brasileiro de<br />

origem japonesa.<br />

<strong>Nortão</strong>, 1979. Jorge Yoshiaki Yanai chega à recém-fundada e<br />

emancipada Sinop. Na bagagem, o diploma de médico outorgado<br />

pela Universidade Federal do Paraná. Na cabeça, pl<strong>anos</strong> para exer-<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

cer a profissão e enveredar pela atividade pecuária. Política não povoava<br />

sua mente.<br />

Sinop era cidade insalubre, assolada pela malária e também<br />

destino regional de vítimas de cobras, escorpiões, abelhas e queda<br />

de galhada na região. Cirurgião e ginecologista, o doutor Jorge Yanai<br />

tornou-se uma das referências em sua área para a população do<br />

município.<br />

De referência a líder político, o médico subiu ao palanque.<br />

Para ele, candidatura era novidade, coisa que encontrou em Sinop e<br />

com a qual nunca havia pensado em sua terra natal, Bandeirantes,<br />

no Paraná.<br />

As urnas foram generosas com o doutor Jorge Yanai em sua<br />

primeira candidatura e ele se elegeu deputado em 1990. Cumpriu o<br />

mandato e se orgulha de seu posicionamento em plenário, sempre<br />

em defesa do <strong>Nortão</strong>. A política lhe roubou o título de doutor e lhe<br />

deu identidade parlamentar. Virou deputado Jorge Yanai. Em 2002,<br />

o senador e candidato à reeleição Jonas Pinheiro o convidou para<br />

segundo suplente de sua chapa, que foi vencedora. Jonas morreu e<br />

foi sucedido pelo primeiro suplente Gilberto Goellner.<br />

Numa composição política, Goellner se licenciou no Senado e<br />

Yanai, mais uma vez, perdeu um título para ganhar outro. Deixou<br />

de receber o tratamento de deputado e virou senador. Com sua curta<br />

passagem pelo plenário entre 6 de maio de 2010 e 9 de setembro<br />

daquele ano, foi rebatizado. Passou a ser o senador Jorge Yanai.<br />

Mais que chegar ao plenário, ele se tornou o primeiro senador de<br />

origem japonesa, condição essa que lhe deu notoriedade nacional.<br />

Em 2008, o senador Jorge Yanai (DEM) foi candidato a vice-prefeito<br />

do empresário paulista Paulo Fiúza (PV) em Sinop e sua chapa foi<br />

vencida pelo radialista paranaense Juarez Costa (PMDB). Na eleição<br />

de 2014, pelo PMDB, voltou à suplência no Senado, na condição de<br />

primeiro suplente de Wellington Fagundes (PR).<br />

79


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Das pistas para a Câmara de Sinop<br />

Franzino e baixinho, trabalhando em Sinop na oficina de motos<br />

do Besouro, aquele mecânico de mão cheia e piloto de cair o queixo<br />

não poderia mesmo ser reconhecido pelo nome civil de Gilmar Pereira<br />

Flores. A irreverência popular lhe deu o apelido de Joaninha.<br />

Moto não existe somente para conserto, assim pensava o mecânico<br />

Joaninha. Também não sai da fábrica apenas para o trabalho<br />

e lazer, reforçava o pensamento. Além disso, ela é talhada para<br />

competição, para prova em que a adrenalina e a coragem se unem<br />

numa cumplicidade sem igual, acreditava – e continua com esse entendimento.<br />

Com esse entendimento, em 2003, Joaninha trocou as ferramentas<br />

e o macacão sujo de graxa pelas provas de motocross. Sinop<br />

perdeu um mecânico de motos. O motocross mundial ganhou um ás.<br />

80


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

A genialidade de Joaninha queria espaço, romper barreiras, superar<br />

desafios, literalmente voar decolando sobre duas rodas. Sinop era apenas<br />

o ponto de partida e Mato Grosso, a primeira etapa do horizonte. Ganhou<br />

o Brasil, arrebanhou provas, conquistou o reconhecimento nacional, extrapolou<br />

as fronteiras, saiu pelo mundo e agora é nome internacional. Tornou-se<br />

incorrigível ganhador de títulos sobre duas rodas.<br />

Gilmar Flores nasceu em Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, no<br />

dia 14 de setembro de 1980. Dezessete <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> desembarcava em<br />

Sinop. O piloto Joaninha tem o privilégio de ser um dos ídolos da população<br />

sinopense.<br />

Nas provas oficiais e nas apresentações em festividades é embaixador<br />

mato-grossense itinerante. Jovem, no início de uma carreira<br />

arrojada e promissora, o campeão de motocross Joaninha enveredou<br />

pela política. Em outubro de 2016, com 1.625 votos, elegeu-se vereador<br />

pelo PMDB de Sinop.<br />

81


Eduardo Gomes de Andrade<br />

82


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Raoni, de ideia clara e idade indefinida<br />

Se ele sabe, esconde. O certo é que o cacique caiapó Raoni Metuktire,<br />

da Terra Indígena Capoto-Jarina, não revela a idade nem mesmo<br />

para seu amigo e cantor inglês Sting, que o tornou celebridade internacional<br />

em 1989 ao levá-lo a uma turnê por 17 países, entre abril e<br />

junho daquele ano, numa campanha contra suposta invasão de suas<br />

terras e para tentar impedir a hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira<br />

(PA), o que acabou acontecendo décadas <strong>depois</strong>. Sting é o nome artístico<br />

de Gordon Matthew Thomas Sumner, súdito de Sua Majestade.<br />

Janeiros à parte, Raoni é a maior liderança indígena brasileira.<br />

Data de nascimento para ele é secundária, mas registros internacionais<br />

dão conta de seu nascimento em 1930, em Mato Grosso.<br />

Decidido e de poucas palavras, em 1984, Raoni pintou-se com o<br />

urucum dos guerreiros para negociar a demarcação de Capoto-Jarina<br />

com o então poderoso ministro do Interior, coronel do Exército Mário<br />

Andreazza. Essa reserva tem 634.915,22 ha, com a maior área em Peixoto<br />

de Azevedo, ao lado do Parque Indígena do Xingu, e se estende ao<br />

Vale do Araguaia em Santa Cruz do Xingu e São José do Xingu.<br />

Raoni saiu vitorioso e ainda deu um literal puxão de orelhas em<br />

Andreazza, gesto que repetiria em 1999, com o mato-grossense presidente<br />

da Funai, Márcio Lacerda.<br />

Cidadão do mundo, Raoni está acima do endereço domiciliar.<br />

Tanto pode se encontrar em sua aldeia no município de Peixoto de<br />

Azevedo, no <strong>Nortão</strong>, como em qualquer outro lugar, independentemente<br />

de seu continente.<br />

Radical, mas sem radicalizar, Raoni costuma se juntar a políticos,<br />

e cumpre bem seu papel. Quando a Fifa escolhia as 12 sedes para<br />

a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, ele veio a Cuiabá e defendeu a<br />

capital mato-grossense junto ao cartola Ricardo Teixeira, da CBF, e o<br />

mandachuva Jérôme Valcke, que dava as cartas no futebol mundial.<br />

83


Eduardo Gomes de Andrade<br />

De Sinop para o topo do futebol<br />

Sinop tem 32 mil habitantes. O ano é 1990. Até então, conquista do<br />

campeonato estadual é feito exclusivo dos times da região metropolitana<br />

de Cuiabá. Cáceres, 15 de abril daquele ano. O Sinop Futebol Clube enfrenta<br />

o time da casa e que leva o nome da cidade. O apito final se aproxima<br />

com o placar mostrando 1 a 0 para os visitantes. Um pênalti assusta os<br />

sinopenses. João Carlos é encarregado da cobrança. No gol um adolescente,<br />

terceiro goleiro da equipe e escalado por força das circunstâncias. O<br />

jogador chuta forte e o goleiro defende. Aquele lance abre as portas do<br />

mundo do futebol para Rogério Ceni – que conseguiu a proeza de defender<br />

a penalidade.<br />

Rogério Mücke Ceni foi um garoto que a exemplo de tantos outros<br />

veio para Mato Grosso acompanhando os pais. Paranaense de Pato<br />

Branco, chegou a Sinop quando a cidade ainda era pequena. Na ado-<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

lescência tentou dividir o tempo entre a escola pública e o emprego na<br />

agência pioneira do Banco do Brasil, mas nem uma coisa nem outra era<br />

o que queria.<br />

Lateral, Rogério Ceni trocou de posição e se tornou o terceiro goleiro<br />

do Sinop. Seu batismo de fogo aconteceu em Cáceres, quando o<br />

titular e o seu reserva imediato estavam contundidos. Escalado de última<br />

hora, brilhou. Seu time foi campeão estadual e o São Paulo Futebol<br />

Clube o contratou.<br />

No clube do Morumbi, Rogério Ceni começou na reserva e somente<br />

em 1997 ganhou a camisa 1, que vestiu até 2015, quando se aposentou<br />

após defender o Tricolor por 25 <strong>anos</strong>. Acumulou recordes. Com 132 gols,<br />

é o maior goleiro-artilheiro mundial. Atuou em 1.237 partidas, sendo<br />

que em 982 foi capitão. Em 17 jogos integrou a Seleção Brasileira.<br />

Títulos? Muitos. Campeão Mato-grossense, Paulista, Brasileiro, da<br />

Libertadores e Mundial. Tantos outros também conquistou. Para a torcida,<br />

Rogério Ceni virou Mito e assim passou a ser chamado.<br />

Em 5 de junho de 2015 Rogério Ceni dependurou as chuteiras, mas<br />

não se acomodou. Em 24 de novembro de 2016 o São Paulo anunciou que<br />

ele seria seu treinador a partir de 2017. Saiu de dentro das quatro linhas<br />

para tentar a carreira na profissão mais instável do futebol.<br />

Sua ligação com o <strong>Nortão</strong> permanece sólida. Sua família mora<br />

em Sinop. Seu pai, Eurides Ceni, e seus irmãos cultivam soja e lavouras<br />

de rotação em uma fazenda no município de Santa Carmem,<br />

vizinho a Sinop.<br />

Quando da pavimentação da MT-140 entre Sinop e o rio Tartaruga<br />

via Santa Carmem, Rogério Ceni integrou o consórcio que formalizou a<br />

PPP Caipira dos produtores com o governo para viabilizar a obra.<br />

Santo de casa, Rogério Ceni é exceção à regra: é ídolo do povo que<br />

se orgulha em tê-lo concidadão. Sinop o reverencia a tal ponto que no Estádio<br />

Gigante do Norte – onde iniciou sua vitoriosa carreira – a prefeitura<br />

construiu o Memorial Rogério Ceni, que é museu temático.<br />

85


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Padre João Salarini<br />

Padre não se aposenta<br />

Passos firmes, voz rouca e pausada de quem sabe o que diz. Olhar<br />

sereno e com irreverentes frases na ponta da língua. Assim é o padre jesuíta<br />

João Salarini, um dos pioneiros de Sinop, a cidade que ele conheceu antes<br />

mesmo da construção da primeira casa. Ênio Pipino convidou o padre<br />

João Salarini para uma aventura na Amazônia. Ele topou o desafio. Botou<br />

a surrada batina e a estola na mala juntamente com a Bíblia e as taças para<br />

a celebração. Pegou a Estrada do Rio Novo. Em 23 de maio de 1974 chegou<br />

à clareira onde mais tarde seria Vera e no mesmo dia já estava na futura Sinop,<br />

que seria fundada em 14 de setembro daquele ano. Um rasgo na mata<br />

ligava a embrionária Vera ao nada que se transformaria na sedutora Sinop.<br />

Ênio Pipino arranjou um barraco de madeira para o sacerdote se alojar<br />

como pudesse na boca na mata. “Se sou conhecido? Claro que sou. Até<br />

os cachorros me conhecem. Lá vai o padre João Salarini, dizem as pessoas<br />

quando passo”, revela sua popularidade. Aposentadoria é palavra que não<br />

conhece. Para ele, padre só se aposenta quando morre.<br />

86


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Igreja construída pelo padre João Salarini<br />

O trecho anterior é parte do ‘abre’ da entrevista que padre João<br />

Salarini me concedeu e que foi publicada no Diário Regional de Sinop em<br />

22 de janeiro de 2006.<br />

Padre João Salarini jamais aceitou a aposentadoria convencional,<br />

mas foi tirado de sua obra evangelizadora e social na noite do domingo 3<br />

de setembro de 2007, por um ataque cardíaco quando se submetia a tratamento<br />

numa unidade de terapia intensiva do Hospital Santo Antônio,<br />

em sua Sinop. Fechou os olhos aos 78 <strong>anos</strong>, dos quais <strong>46</strong> dedicados ao<br />

sacerdócio.<br />

Do legado de padre João Salarini ao povo da metrópole que ajudou<br />

a construir consta a Catedral Diocesana Sagrado Coração de Jesus, cuja<br />

idealização e construção levam suas digitais. Essa igreja é o mais imponente<br />

templo católico de Mato Grosso. Sua morte ocorreu seis dias antes<br />

da inauguração.<br />

Em homenagem ao construtor da catedral, a Câmara Municipal<br />

de Sinop aprovou por unanimidade projeto de lei da vereadora Sinéia<br />

Abreu (PSDB) que foi transformado em lei sancionada pelo prefeito tucano<br />

Nilson Leitão denominando de Praça Padre João Salarini a área no<br />

entorno do templo.<br />

87


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Jayme Campos<br />

88


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

IX<br />

<strong>Nortão</strong> na visão de quem o administrou<br />

O vazio demográfico no <strong>Nortão</strong> encheu-se de moradores em<br />

busca de dias melhores. A colonização foi rápida e o Estado não conseguia<br />

atender todas as demandas com a urgência das mesmas. Mato<br />

Grosso acabava de ser dividido para a criação de Mato Grosso do<br />

Sul e tentava se reencontrar administrativamente. Para complicar, a<br />

descoberta do ouro na região arrastou um fluxo migratório muito<br />

grande num período bem curto, para seus novos municípios e vilas.<br />

As demandas por serviço público eram muitas, mas saúde, rodovias<br />

pavimentadas e energia formavam a base das reivindicações<br />

dos moradores e das lideranças políticas na região. A Educação também<br />

sempre esteve na pauta dos pedidos, mas a clientela estudantil<br />

nunca deixou de ser atendida.<br />

A grande transformação do <strong>Nortão</strong> aconteceu no começo dos<br />

<strong>anos</strong> 1990, com o garimpo fervilhando e o agronegócio brotando<br />

para assumir o alicerce econômico estadual. À época havia um enorme<br />

distanciamento das cidades da região com Cuiabá e vice-versa.<br />

Ouvi Jayme Campos, que à época governava Mato Grosso, para entender<br />

como era a relação do poder com a nova realidade econômica,<br />

política e social que atendia pelo nome de <strong>Nortão</strong>. Jayme, além de<br />

governador (1991-94), também foi prefeito de Várzea Grande em três<br />

mandatos e senador da República (2007-14).<br />

Em nossa conversa Jayme disse que a cada dia mais e mais se<br />

surpreendia com a cordialidade do <strong>Nortão</strong> com Cuiabá e com o espírito<br />

participativo de sua gente. “Às vezes o nosso pessoal abria uma estrada<br />

e os moradores no trajeto se ofereciam para dar alimentação aos<br />

tratoristas, patroleiros e caminhoneiros. Era uma relação muito bonita,<br />

com todos em busca do mesmo objetivo”, revela.<br />

89


Eduardo Gomes de Andrade<br />

O ex-governador destacou que a carência começava pela falta<br />

de energia. Até então – lembra – as cidades eram atendidas por conjuntos<br />

geradores estacionários a diesel, de alto custo operacional,<br />

altamente poluentes e que não forneciam energia firme. Esses motores<br />

pertenciam à Cemat, empresa pública que após seu governo<br />

foi privatizada.<br />

Para superar o problema da energia seu governo construiu<br />

um linhão de transmissão de Nobres a Alta Floresta atendendo as<br />

cidades do percurso. Jayme inaugurou o trecho até Sinop deixando<br />

o restante do trajeto a um passo da inauguração, com a obra quitada.<br />

“Com essa energia o <strong>Nortão</strong> ganhou grande impulso”, avalia.<br />

Por várias razões a cidade mais emblemática do <strong>Nortão</strong> era<br />

Alta Floresta, que tinha a maior população, seu garimpo movimentava<br />

números impressionantes e, por sua localização, na região, tinha<br />

a maior distância de Cuiabá. Porém, ela enfrentava dois gargalos:<br />

falta de acesso pavimentado e de energia. Jayme diz com uma<br />

pitada de orgulho, no melhor sentido da palavra, que resolveu ambos<br />

os problemas: com o linhão e a conclusão da ligação asfáltica de<br />

Alta Floresta com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, pois seu governo pavimentou a MT-320<br />

entre Colíder e aquela localidade, também beneficiando diretamente<br />

a Nova Canaã do Norte e Carlinda, no trajeto.<br />

A chegada do asfalto a Alta Floresta teve reflexos muito<br />

positivos em seu raio de influência. Tanto assim que as vilas de<br />

Nova Guarita, Nova Monte Verde, Carlinda e Nova Bandeirantes<br />

se emanciparam transformando-se em cidades. Jayme observa que<br />

à época em outras áreas na região também havia movimentos em<br />

defesa da criação de municípios e ele mesmo sancionou leis criando<br />

os municípios de Santa Carmem, ao lado de Sinop, e Tabaporã,<br />

próximo a Juara.<br />

Na primeira metade dos <strong>anos</strong> 1990 a região era insalubre e<br />

90


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

havia grande carência de leitos hospitalares. No governo, Jayme<br />

construiu hospitais em Apiacás, Peixoto de Azevedo, Colíder e Sorriso,<br />

que eram pontos estratégicos para reduzir a distância entre o<br />

paciente e o médico.<br />

Com a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> aconteceu o surgimento das cidades<br />

da noite para o dia e desde então o governo priorizou a Educação e<br />

seu primeiro passo nesse sentido foi a implantação da Escola Estadual<br />

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Vera, pelo governador<br />

José Fragelli, em 23 de abril de 1974. Essa política sempre foi mantida<br />

pelos governadores, mas o maior avanço no setor foi a criação<br />

da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), que instalou<br />

campus em Sinop e Alta Floresta, além de extensão de vários outros<br />

municípios de região.<br />

“Não saberia dizer qual foi o ponto marcante do meu governo,<br />

que entre outros feitos construiu 18 mil moradias por meio da Cohab,<br />

com boa parte delas no <strong>Nortão</strong>, mas certamente entre as grandes<br />

conquistas de Mato Grosso naquele período está a criação da<br />

Unemat, que é orgulho de nossa gente e que tem em seus cursos<br />

mais de 18 mil alunos”, arremata.<br />

RECEITA – No começo dos <strong>anos</strong> 1990 a produção agrícola mato-<br />

-grossense era irrisória se comparada à movimentação do agronegócio<br />

de agora. O governo não tinha a receita extraorçamentária do<br />

Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), não recebia o<br />

Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações (FEX) para compensação<br />

pela desoneração das commodities pela Lei Kandir, e a<br />

alíquota de suas principais fontes de receita era menor, a exemplo<br />

da energia elétrica, que saltou de 6% para 42%, e com um detalhe: a<br />

tributação à época somente incidia sobre as faturas da Cemat com<br />

consumo igual ou acima de 300 kWh.<br />

91


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Rio Arinos<br />

X<br />

A cidade pioneira do <strong>Nortão</strong><br />

Porto dos Gaúchos nasceu em 23 de março de 1955 com o desembarque<br />

num porto no rio Arinos de uma comitiva gaúcha liderada<br />

pelo empresário Guilherme Meyer, fundador do lugar, numa<br />

gleba à época pertencente a Diamantino. Em parceria com alemães,<br />

Meyer plantou o seringal de cultivo pioneiro em Mato Grosso. Seu<br />

projeto de colonização foi o primeiro a ser homologado nacionalmente<br />

pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), que antecedeu<br />

ao Incra. À época a construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> não passava de<br />

uma proposta engavetada de um dos sonhos do presidente Juscelino<br />

Kubitschek.<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Porto dos Gaúchos<br />

A cidade banhada pelo rio Arinos é parcialmente pavimentada,<br />

a água chega a todos os domicílios, mas não há coleta nem tratamento<br />

de esgoto. Comarca de primeira entrância, Porto dos Gaúchos tem<br />

5.308 habitantes e 6.862,118 km². O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) é de 0,685 numa escala de zero a um. O Produto Interno<br />

Bruto (PIB) é de R$ 231.179.000. A renda per capita é de R$ 43.122,42.<br />

Em 2016 sua economia exportou US$ 7.730.755 (FOB) em algodão para<br />

a Coreia do Sul, Turquia, Bangladesh e outros cinco países, e não realizou<br />

operação de importação. O município tem as vilas de São João<br />

e Novo Paraná. A ligação com Cuiabá via Juara – em trajeto mais longo<br />

– é pavimentada. Via Sinop ou Lucas do Rio Verde há trechos sem<br />

pavimentação.<br />

TREME TERRA - Situada a 259 metros acima do nível do mar e sobre<br />

uma falha geológica com aproximadamente 7 quilômetros de extensão,<br />

93


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Guilherme Meyer<br />

Porto dos Gaúchos aprendeu a conviver com abalos sísmicos. Essa situação<br />

levou a Universidade de Brasília (UnB) a atuar na região, monitorando<br />

a situação local e da vizinha Tabaporã.<br />

Um observatório sísmico foi montado numa fazenda entre Porto<br />

dos Gaúchos e Tabaporã, onde existem equipamentos da UnB. O maior<br />

tremor de terra no Brasil aconteceu naquela região, às 2h03 de 31 de<br />

janeiro de 1955 alcançando 6,6 pontos na Escala Richter, considerado<br />

forte; essa escala vai até 10. Tremores com menor intensidade ocorreram<br />

por lá. Em 23 de março de 2005 um forte abalo chegou a 5,2 pontos;<br />

à época difundiu-se a falsa informação de que teria acontecido um teste<br />

nuclear no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, da Aeronáutica, na<br />

Serra do Cachimbo, no Pará, perto de Guarantã do Norte.<br />

MEMÓRIA - A colonização de Porto dos Gaúchos ficou a cargo da<br />

Colonizadora Noroeste de Mato-grossense (Conomali), de Meyer e sócios.<br />

Essa empresa construiu a Estrada da Baiana (MT-338), numa extensão<br />

de 145 quilômetros ligando a então vila à Estrada do Rio Novo.<br />

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<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Porto dos Gaúchos<br />

Antes dessa via o acesso ao lugar era feito por avião ou pela Hidrovia<br />

do Arinos, no período das águas altas.<br />

O município emancipou-se de Diamantino em 11 de novembro<br />

de 1963 por uma lei de autoria dos deputados Walderson Coelho e<br />

Agapito Boeira, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada<br />

pelo governador Fernando Corrêa da Costa.<br />

Meyer foi o primeiro prefeito do município e morreu em Porto<br />

Alegre (RS) no dia 8 de fevereiro de 1994. Em 18 de março de 1997 o<br />

governador Dante de Oliveira sancionou uma lei de autoria do deputado<br />

José Riva denominando de Rodovia Guilherme Meyer o trecho da<br />

MT-220 entre a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e Porto dos Gaúchos. A reverência à memória<br />

do fundador não foi respeitada. Em 17 de março de 2016 o governador<br />

Pedro Taques sancionou nova lei, essa de autoria dos deputados Dilmar<br />

Dal’Bosco e Baiano Filho rebatizando o mesmo trecho de Rodovia<br />

Ivete Maria Crotti Dorner. Ivete morreu em 6 de maio de 2015 num<br />

acidente naquela estrada; a camionete que ela dirigia capotou. A homenageada<br />

era mulher do ex-deputado federal Roberto Dorner, que é<br />

companheiro político de Taques.<br />

95


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Vera<br />

XI<br />

Primeira cidade na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

tem nome de Miss Brasil<br />

Em fevereiro de 1971 Ênio Pipino construiu uma pista de pouso<br />

onde mais tarde surgiria a vila de Vera, para desembarcar compradores<br />

de áreas rurais da Gleba Celeste, de 198 mil hectares, por ele colocada<br />

à venda em vários pontos do Brasil. Interessados nas terras não<br />

raramente adquiriam imóveis rurais por sua localização em mapas.<br />

Em 27 de julho de 1972 Ênio Pipino inaugurou Vera – primeira<br />

vila construída no <strong>Nortão</strong> após a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A solenidade levou<br />

ao local o ministro do Interior, Rangel Reis, e o governador José<br />

Fragelli. Aquela localidade seria o polo irradiador para a empresa da<br />

qual era sócio e líder – a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná<br />

(Sinop) – colonizar as vilas de Sinop, Cláudia e Santa Carmem, cujos<br />

projetos ainda hibernavam em sua mente.<br />

96


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O acesso à vila, antes e durante parte da construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>,<br />

era pela estrada secundária do Rio Novo, que começa na <strong>BR</strong>-364, cinco<br />

quilômetros antes de Posto Gil, no trevo das rodovias federais <strong>163</strong> e<br />

364, no sentido Cuiabá-<strong>Nortão</strong>. Dali por percurso sinuoso, à época com<br />

balsa para travessia do rio Teles Pires, se cruzava a fazenda Rio Novo<br />

que era centro de extração e beneficiamento de látex de seringais nativos,<br />

e as áreas onde mais tarde surgiriam as cidades de Santa Rita do<br />

Trivelato e Nova Ubiratã.<br />

Sua economia é diversificada, embora seja ancorada na agricultura.<br />

O município tem 2.962,688 km² e 10.820 moradores, com densidade<br />

demográfica de 3,45 habitantes por quilômetro quadrado. O Produto<br />

Interno Bruto (PIB) é de R$ 360.536.000. A renda per capita é de<br />

R$ 33.853,15. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,680<br />

numa escala de zero a um.<br />

Nos primórdios da colonização, a economia de Vera era calcada<br />

na extração e beneficiamento de madeira. Essa situação se arrastou<br />

por quase quatro décadas, mas aos poucos foi perdendo espaço<br />

para a agricultura, que atualmente é o pilar econômico do município.<br />

Em 2016 seu volume exportado alcançou R$ 1.665.028 (FOB). Milho e<br />

soja, os produtos de sua pauta, foram para o Kuweit, China, Malásia<br />

e outros cinco países. Não houve importação no período.<br />

O município de Vera é interligado à malha rodoviária nacional<br />

pela MT-225, que é alimentadora da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. O trecho que liga a cidade<br />

à rodovia é de 31 quilômetros.<br />

A água chega a todos os domicílios e o esgoto ensaia os primeiros<br />

passos para seu tratamento. O lixo é recolhido a um lixão. Parte da<br />

cidade é pavimentada. Algumas ruas receberam nomes de países, a<br />

exemplo de Paraguai e Estados Unidos.<br />

A primeira unidade escolar no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no <strong>Nortão</strong> foi a<br />

Escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Vera, que foi<br />

criada pelo governador José Fragelli em 23 de abril de 1974 e que em<br />

média mantém 1.100 alunos matriculados.<br />

97


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Até 2007 a Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro funcionou<br />

em instalações improvisadas, mas naquele ano o governador<br />

Blairo Maggi inaugurou um prédio com 24 salas de aula e dependências<br />

administrativas virando de vez a página do improviso.<br />

Também naquela cidade foi erguido o primeiro templo construído<br />

no <strong>Nortão</strong> após a construção da rodovia: uma igrejinha de madeira<br />

dedicada a São Judas Tadeu, que mais tarde recebeu o nome de Capela<br />

Padre Antônio Heidler.<br />

A vila de Vera emancipou-se em 13 de maio de 1986 com a sanção<br />

pelo governador Júlio Campos de uma lei de autoria das bancadas<br />

do PDS e do PMDB, aprovada pela Assembleia Legislativa. Sua sede se<br />

situava no município de Sinop, mas seu território também inclui área<br />

que pertencia a Paranatinga.<br />

98


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

É ELA! - A origem do nome da vila? Bem, Ênio Pipino não brincava em<br />

serviço quando o assunto era mulher bonita. Daí, ele a denominou Vera.<br />

Só faltou acrescentar Fischer. O mesmo ele faria algum tempo <strong>depois</strong><br />

com outra vila, à qual chamou de Cláudia e qualquer alusão à musa morena<br />

ítalo-tunisiana Claudia Cardinale não é mera coincidência.<br />

Blumenau, Vale do Itajaí, Santa Catarina, 27 de novembro de<br />

1951. Nasce e menina Vera Lúcia, filha do casal de origem alemã<br />

Emil e Hildegard. Dos pais ela herdou o sobrenome: Fischer.<br />

Em 28 de junho de 1969 a menina filha dos Fischer desfila<br />

suas curvas num maiô cavado para o júri que a elegeria Miss Brasil<br />

naquele ano, e além do cetro da beleza tupiniquim que lhe entregou<br />

a antecessora baiana Martha Vasconcellos, recebeu olhares gulosos<br />

de Ênio Pipino, telespectador da TV Tupi, que não desgrudava a<br />

vista da tela em preto e branco onde via a deusa loira tentadora<br />

sendo coroada.<br />

Mal desceu da passarela, Vera Fischer literalmente tirou a roupa<br />

em filmes apimentados e nas páginas de revistas masculinas. Casando<br />

sua beleza com a capacidade de interpretar, ganhou as telas<br />

da Globo onde virou atriz de novelas, séries e minisséries. Numa<br />

carreira ascendente, conquistou espaço entre as maiores celebridades<br />

nacionais. Recentemente, lançou um livro biográfico.<br />

Irmã Adelis<br />

Os motores dos tratores ainda fumegavam após a abertura da<br />

clareira para fundar Vera, no <strong>Nortão</strong>, quando Irmã Adelis ali chegou<br />

em 1972 pelas mãos do colonizador da região, Ênio Pipino.<br />

Ali, Irmã Adelis iniciou a ímpar trajetória humanitária no <strong>Nortão</strong><br />

cuidando de doentes, onde a malária e as balas das armas de<br />

fogo matavam implacavelmente a ponto de surgir a máxima popular:<br />

“Aqui se morre de bala ou malária, ou ainda de balária”.<br />

99


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Adelheid Helena Schwaenen era o nome civil dessa religiosa<br />

alemã da Ordem Missionária do Santo Nome de Maria. Em 1985,<br />

mudou-se para Matupá, também no <strong>Nortão</strong>, onde fundou o Hospital<br />

da Malária.<br />

Irmã Adelis foi bálsamo, consolo e enfermeira de milhares de<br />

garimpeiros e dos moradores do <strong>Nortão</strong> vítimas da malária, a doença<br />

tropical transmitida pela fêmea do mosquito anofelino.<br />

Enferma e muito debilitada, Irmã Adelis foi para Maringá, no<br />

Paraná. Fechou os olhos em 24 de fevereiro de 1998.<br />

Na terra, Irmã Adelis foi anjo de luz. Ao fechar os olhos virou<br />

estrela. Brilha no céu.<br />

Trocou a cidade pelo céu<br />

Ingratidão mata. Padre Antônio Heidler<br />

morreu vítima desse mal. Por longo tempo esteve<br />

à frente da Paróquia São Judas Tadeu, em<br />

Vera, onde era homem dos sete ofícios.<br />

Sacerdote por opção e crença, padre Antônio<br />

casava, batizava, evangelizava, estendia<br />

a mão aos recém-chegados. Poeta. Compositor<br />

e autor do hino local. Jogador de baralho.<br />

Amante da cerveja. “Delegado” e “juiz de<br />

paz”. Defensor do povo. A cidade o reverenciava<br />

enquanto homem dos sete ofícios.<br />

Pela falta de razão que somente a Santa<br />

Madre entende, a Diocese de Diamantino<br />

transferiu padre Antônio para Itaúba. Não<br />

foi. Adoeceu. Morreu em 20 de fevereiro de<br />

1987, em Cuiabá. Cumpriu sua missão na<br />

Terra e seu pacto com Deus: somente trocaria<br />

Vera pelo céu.<br />

100


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nova Mutum<br />

XII<br />

O lugar onde começa o <strong>Nortão</strong><br />

Nova Mutum só se divide para dar passagem à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. No mais,<br />

sua única operação matemática é a multiplicação. Em 10 <strong>anos</strong> (2006-2016)<br />

a população do município saltou de 19.178 para 41.178 habitantes, resultando<br />

num crescimento proporcional de 53,43%. No mesmo período,<br />

Mato Grosso pulou de 2.856.999 para 3.305.531 moradores, crescendo<br />

13,57%. No comparativo do desempenho, Nova Mutum registrou quase<br />

quatro vezes mais aumento populacional do que o Estado.<br />

Como quase tudo no <strong>Nortão</strong>, Nova Mutum teve sua origem com a<br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, que cruza sua área urbana. Antes da rodovia, em 1966, o advogado<br />

paulista José Aparecido Ribeiro liderou um grupo de investidores que<br />

comprou uma gleba pertencente a Jorge Rachid Jaudy, com aproximadamente<br />

188 mil hectares no município de Diamantino e criou a Agropecuária<br />

Mutum.<br />

101


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Em 26 de maio de 1978, quando a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> era uma estrada recém-<br />

-inaugurada, José Aparecido fundou Nova Mutum. O vilarejo não tinha<br />

nenhuma estrutura. Seus primeiros imóveis foram 10 casas de madeira<br />

que ainda resistem ao tempo na área central.<br />

Para quem se dirigia de Cuiabá para Santarém ou em busca do sonho<br />

de vida nova no <strong>Nortão</strong>, Nova Mutum era a primeira vila <strong>depois</strong><br />

de Rosário Oeste. Muitos passavam. Alguns ficavam e o aspecto urbano<br />

mudou. Em 26 de novembro de 1981 o governador Frederico Campos<br />

sancionou a lei de autoria do deputado Oscar Ribeiro e aprovada pela<br />

Assembleia elevando a vila a distrito de Diamantino.<br />

Em 4 de julho de 1988, quando os Estados Unidos comemoravam<br />

212 <strong>anos</strong> de sua independência, fogos cobriam o céu azul em Nova Mutum<br />

festejando o jamegão do governador Carlos Bezerra na lei de autoria<br />

do deputado Hermes de Abreu e aprovada pela Assembleia que emancipou<br />

aquela localidade.<br />

A comarca de primeira entrância nasceu em 3 de setembro de 2003<br />

por uma lei de autoria do Tribunal de Justiça aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Blairo Maggi. A comarca foi<br />

elevada a segunda entrância.<br />

Uma conjugação de fatores que inclui topografia, luminosidade,<br />

regularidade das chuvas e trabalho, muito trabalho, fez de Nova Mutum<br />

um dos maiores municípios agrícolas do mundo. Em 2016 sua área cultivada<br />

com soja era de 410 mil hectares em sistema de rotação de cultura<br />

com o algodão e o milho safrinha em plantio direto.<br />

Enquanto no campo os produtores alcançam números absolutos e<br />

de produtividade, no Distrito Industrial da cidade o setor agroindustrial<br />

dá show de produção. Uma planta da Bunge Alimentos esmaga 1,3 mi-<br />

102


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

lhão de toneladas da leguminosa anualmente para produzir óleo degomado<br />

e farejo para os mercados nacional e internacional. Desde 2005 a<br />

<strong>BR</strong>F – Brasil Foods – Perdigão hasteou sua bandeira naquela localidade,<br />

onde desenvolve atividade avícola.<br />

Na margem urbana da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> o Frigorífico Excelência funciona,<br />

em turnos integrados, com capacidade para abater 350 cabeças de suínos<br />

por hora. A fábrica de sucos de uva Melina, de renome nacional,<br />

envasa cerca de 600 mil litros por safra. O Grupo Vanguarda do Brasil,<br />

controlado pelo empresário gaúcho Otaviano Pivetta, atua em vários<br />

estados; sua sede é naquela cidade.<br />

Essa movimentação econômica resulta em números e indicadores<br />

sociais convincentes. O município tem densidade demográfica de 3,31<br />

habitantes por quilômetro quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é<br />

de R$ 2.502.258.000. A renda per capita é de R$ 65.493,85. O Índice de<br />

Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,758 numa escala de zero a um.<br />

Em 2016 sua exportação alcançou US$ 655.220.001 (FOB), a importação<br />

registrou US$ 31.592.886 e o superávit foi de US$ 623.627.215. O município<br />

é uma das principais praças brasileiras no comércio de máquinas<br />

e implementos agrícolas.<br />

A balança comercial cobre os quatro cantos do mundo. Soja, farelo<br />

de soja, óleo degomado de soja, algodão, carne suína e milho são vendidos<br />

para a China, Holanda, Tailândia, Irã, Japão, Indonésia e mais de<br />

outros 24 países. Sua economia importa insumos agrícolas e máquinas<br />

da Alemanha, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela, China, Omã e outras<br />

nove nações.<br />

A cidade tem um campus da Universidade do Estado de Mato<br />

Grosso (Unemat) com os cursos de Administração de Empresas, Ciências<br />

Contábeis e Agronomia. A pista do Aeroporto Brigadeiro Eduardo<br />

Gomes tem 1.600 metros por 30, mas não conta com balizamento para<br />

voos noturnos. O padrão residencial é alto, os primeiros prédios já brotaram<br />

no antigo solo do cerrado e surgiu um condomínio fechado, mas<br />

o problema comum a quase todos os municípios de região não poupa<br />

Nova Mutum: falta rede de esgoto. A água chega a todas as torneiras.<br />

Rumo ao vizinho município de Santa Rita do Trivelato se situa a vila de<br />

Ranchão, que tem infraestrutura urbana.<br />

103


Eduardo Gomes de Andrade<br />

PADRE JOÃO - Padre João foi o precursor do cooperativismo mato-<br />

-grossense, pois fundou o presidiu a Ocemat, o Sicredi e a Comajul.<br />

Isso tudo, entre uma celebração religiosa e outra, e uma assistência<br />

social aqui e outra ali, ao longo dos 42 <strong>anos</strong> que viveu em Mato Grosso.<br />

Nascido na cidade de Bodenrode, na Alemanha, em 7 de julho<br />

de 1934, Johannes Berthold Henning ordenou-se sacerdote em<br />

Fulda, naquele país, em 24 de abril de 1962, e chegou ao Brasil em<br />

dezembro de 1967.<br />

A pronúncia “Johannes” não soa bem e ele a aportuguesou<br />

para João, padre João, nome com o qual se tornou conhecido nos<br />

quatro cantos de Mato Grosso.<br />

Seus primeiros passos em Mato Grosso foram em Pedra Preta,<br />

104


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

na região de Rondonópolis, “por poucos dias; menos de um mês”,<br />

revela. Em seguida mudou-se para Juscimeira, onde celebrou a festa<br />

natalina de 1967.<br />

O perfil agrário de Juscimeira é de pequenas propriedades e<br />

essa característica levou padre João a criar a Comajul – cooperativa<br />

mista com sede naquele município. No início o cooperativismo fomentava<br />

o cultivo do arroz e para tanto montou um secador – que à<br />

época era raridade.<br />

Logo <strong>depois</strong> da criação da Comajul, Juscimeira estava em ebulição<br />

em razão da luta pela terra. Padre João entrou em cena: em 1982<br />

comprou uma área no município de Diamantino (hoje pertencente a<br />

Nova Mutum) e criou o Projeto Ranchão, que assentou trabalhadores<br />

rurais em parcelas de medidas diversas, cobrando preços irrisórios<br />

pelas mesmas. Para dar suporte a essa comunidade rural criou-se a<br />

vila de Ranchão.<br />

Em novembro de 2005 o governo de Mato Grosso homenageou<br />

o padre João dando seu nome a uma escola inaugurada naquele mês<br />

em Ranchão. A unidade escolar tem 12 salas de aula, laboratório de<br />

informática, biblioteca e dependências administrativas. Sua capacidade<br />

é para 700 alunos. Vítima de um infarto, padre João morreu em<br />

24 de agosto de 2010 em Juscimeira, onde seu corpo foi sepultado.<br />

FATALIDADE - O maior acidente rodoviário com vítimas indígenas<br />

em Mato Grosso aconteceu em 9 de abril de 2004 próximo a Nova Mutum.<br />

Uma van da empresa Executiva Tur que transportava um grupo<br />

de caiapós de Cuiabá para Colíder bateu de frente com um caminhão<br />

na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Morreram 10 índios, dentre eles Tedje Metuktire, 35, filho<br />

do cacique Raoni Metuktire, que vive no <strong>Nortão</strong>. O motorista Aparecido<br />

Jesus Saldotti, 43, que dirigia o caminhão, morreu no local.<br />

Os índios vítimas do acidente regressavam de Brasília, onde<br />

participaram de um evento. Viajaram de avião até Cuiabá e cumpriam<br />

de carro o segundo trecho da viagem até Colíder, de onde partiriam<br />

para suas aldeias no Xingu.<br />

105


Eduardo Gomes de Andrade<br />

COLONIZADORES – Nova Mutum reverencia o casal de colonizadores<br />

Hilda Strenger Ribeiro e José Aparecido Ribeiro. No centro da<br />

cidade, uma escultura em tamanho normal os mostra traçando o projeto<br />

urbano da cidade. Ela e ele emprestaram seus nomes a escolas locais.<br />

José Aparecido Ribeiro é a denominação do parque de exposições<br />

do município, que é palco de uma das principais feiras agropecuárias<br />

mato-grossenses.<br />

106


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Ana Tiemi<br />

Dona Tila fazia das tripas coração para manter a casa limpa, mas<br />

a poeira vermelha não dava trégua naquele vilarejo num canto perdido<br />

do município de Diamantino, à beira da quase deserta Cuiabá-Santarém,<br />

onde a malária era companhia constante, em meados dos <strong>anos</strong> 1980.<br />

O lugar onde dona Tila vivia não tinha nenhuma estrutura, mas<br />

seus moradores sonhavam com o amanhã coletivo melhor. Uns cultivavam,<br />

outros abriam estabelecimentos comerciais, alguns prestavam serviços.<br />

Cada um se virava como podia. Tempos <strong>depois</strong> a vila deu lugar<br />

a uma linda cidade, sede de um dos principais municípios agrícolas do<br />

Brasil, Nova Mutum.<br />

O sonho coletivo em Nova Mutum não tinha espaço para o esporte,<br />

principalmente para o vôlei, que exige quadra, treinamento diferenciado<br />

e até mesmo altura compatível para os atletas. No entanto, foi na área esportiva<br />

que a antiga vila conseguiu seu maior feito.<br />

De sua seleção feminina de vôlei, Nova Mutum mandou para o<br />

mundo a genialidade da levantadora Ana Tiemi, filha de dona Tila e<br />

orgulho da cidade.<br />

107


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Ana Tiemi Takagui é a cara de Nova Mutum. Nova, ousada,<br />

bonita, vencedora, respeitada e admirada. Sua mãe, Cleneci Onghero<br />

Takagui ou simplesmente dona Tila, é catarinense; o pai Toshio Takagui,<br />

é nissei paulistano. Em épocas diferentes trocaram seus estados de<br />

origem por Nobres, cidade no ponto equidistante de Cuiabá a Nova<br />

Mut um, e ali se casaram.<br />

Em 1985, o casal Takagui deixou Nobres por Nova Mutum, onde<br />

nem a poeira nem a malária impediu que dona Tila e Toshio gerassem<br />

aquela que mais tarde seria a maior estrela do vôlei de Mato Grosso e uma<br />

das principais do Brasil. Quando a menina nasceu não havia hospital em<br />

Nova Mutum e a saída foi uma maternidade na cidade onde os pais se<br />

conheceram e se casaram.<br />

A poeira cedeu lugar ao asfalto. A cidade ganhou qualidade de<br />

vida e o casal Takagui criou seus filhos em paz. Ana Tiemi alcançou a<br />

idade escolar e foi matriculada na Escola Municipal Carlos Drummond de<br />

Andrade, onde conheceu e se apaixonou pelo vôlei.<br />

A mãe de Ana Tiemi continua em Nova Mutum com parte da família.<br />

Desde 2005 o pai, Toshio, é um rosto a mais na multidão dos dekasseguis<br />

que fizeram o caminho inverso de seus ancestrais, e igual a eles, foi<br />

em busca do sonho da realização profissional que tanto pode estar de um<br />

como do outro lado do mundo.<br />

Jogando pela Seleção de Vôlei de Nova Mutum, o talento de Ana<br />

Tiemi despertou o interesse do Colégio Afirmativo, em Cuiabá, que a levou<br />

para sua equipe. Daí, os passos seguintes foram em direção a uma<br />

certa camiseta amarela respeitada no mundo inteiro.<br />

Pela Seleção Brasileira Infanto-Juvenil, na Venezuela, faturou duas<br />

importantes conquistas: o Sul-Americano e o título de melhor levantadora.<br />

Sua trajetória a levou à Seleção Juvenil e à medalha de ouro no Mundial<br />

da Turquia. Incorrigível ganhadora de medalhas e títulos, Ana Tiemi<br />

botou na galeria de suas conquistas o Grand Prix, disputado no Japão, que<br />

deu ao Brasil seu octacampeonato nessa competição.<br />

Nova Mutum. Cuiabá. Mato Grosso. Minas Tênis. Osasco/Nestlé.<br />

Brasil Turquia, França, pelas quadras mundo afora. O planeta é pequeno<br />

para Ana Tiemi, a musa morena nipo-brasileira que é pedra angular na<br />

Seleção Brasileira de Vôlei.<br />

108


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

XIII<br />

Santa Rita do Trivelato, terra da arara Mancho<br />

Imponente. Absoluta. Linda. Livre, totalmente livre. Senhora<br />

dos ares e dengo na terra. Mancho (pronuncia-se mantcho) era uma<br />

arara singular. Exuberante no vermelho predominante em sua plumagem<br />

pontilhada pelo verde, azul e amarelo. Não se deixava urbanizar<br />

embora vivesse numa vila agitada pelo vaivém dos carros e tratores<br />

agrícolas. De vez em quando batia asas, sumia do seu dono em longas<br />

e demoradas revoadas em bandos. Assim como ia, voltava.<br />

Chuva, muita chuva. Estrada com atoleiros. Chego a Santa Rita<br />

no final do ano de 1996. O compromisso é a cobertura de um mutirão<br />

rural do Sistema Famato (da Federação da Agricultura e Pecuária de<br />

Mato Grosso). Porém, ao entrar na vila tiro do pensamento a razão da<br />

minha viagem. Sou recebido por Mantcho, que num quá-quá-quá-quá<br />

de algazarra sobrevoa meu Gol. Depois dessa apresentação a ave posiciona-se<br />

sobre o carro como se fosse um guardião aéreo me escoltan-<br />

109


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Santa Rita do Trivelato<br />

do sem adiantar nem atrasar. Faz um voo sincronizado com o veículo.<br />

Acho aquilo fenomenal.<br />

Cheguei ao local do mutirão e fui apresentado a Edgar Matschinske,<br />

o dono de Mancho. Edgar era apaixonado por sua ave, que seu<br />

filho Adilson Matschinske encontrou filhotinho num ninho caído nas<br />

matas do rio Teles Pires e o levou para casa.<br />

Com carinho, Edgar criou Mancho sem jamais botá-lo na gaiola<br />

ou cortar suas asas. A paixão era recíproca – isso posso atestar – pois<br />

alguns minutos após o início da nossa conversa a ave entrou no recinto,<br />

localizou seu protetor, pousou em seu ombro e em silêncio ofereceu a<br />

cabeça pedindo um cafuné.<br />

Edgar e Mancho não estão mais entre nós. Ele tombou cheio de<br />

vitalidade durante uma partida de futebol, vítima de um infarto traiçoeiro<br />

e fulminante. Mancho fechou os olhos para sempre quando um<br />

trator o esmagou.<br />

110


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Soja cerca a cidade<br />

Ilson Matschinske, irmão de Edgar, era vereador por Nova Mutum,<br />

município ao qual a vila de Santa Rita pertencia e tratou de batizar<br />

a via principal do lugar de Rua da Arara. Depois, com a emancipação,<br />

Ilson foi eleito o primeiro prefeito e se reelegeu. Ilson também não está<br />

mais entre nós: ele, Edgar e Mancho voltaram ao Criador.<br />

SANTA RITA - A colonização da região começou em 1977 e a implantação<br />

da vila de Santa Rita, em 2 de fevereiro de 1978. Produtores que<br />

compravam áreas rurais ganhavam lote urbano.<br />

Atraídos pela fertilidade do solo e o preço das terras, centenas<br />

de agricultores, principalmente do Paraná, compraram áreas rurais na<br />

região de Santa Rita. Quase todos os negócios imobiliários foram fechados<br />

“pelo mapa”, ou seja: os compradores sequer conheciam a região.<br />

Em 12 de dezembro de 1980 o governador Frederico Campos<br />

sancionou uma lei de autoria dos deputados Ary Campos e Osvaldo<br />

111


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Sobrinho e aprovada pela Assembleia Legislativa criando o distrito de<br />

Santa Rita, no município de Nobres.<br />

Em 28 de dezembro de 1979 o governador Dante de Oliveira sancionou<br />

uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa, de autoria do<br />

deputado Nico Baracat, emancipando Santa Rita de Nova Mutum. A<br />

criação do município mudou seu nome para Santa Rita do Trivelato.<br />

Alguns moradores defendiam que o lugar deveria se chamar Santa Rita<br />

do Teles Pires, mas prevaleceu a vontade da maioria, que optou pela<br />

denominação atual em reverência à Trivelato, colonizadora do lugar.<br />

O município tem a menor população do <strong>Nortão</strong>: 3.135 habitantes,<br />

mas é dele a melhor renda per capita de Mato Grosso: R$ 132.591,36. O<br />

Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 389.156.000. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,735. Santa Rita do<br />

Trivelato tem 4.733,924 km² com 0,53 habitante por quilômetro quadrado.<br />

Em 2016, Santa Rita do Trivelato exportou US$ 99.722.428 (FOB)<br />

e não importou nenhum item. Milho, soja e algodão formaram sua<br />

pauta de produtos exportados para a China, Alemanha, Japão e outros<br />

20 países.<br />

Parte da cidade é pavimentada, a prefeitura recolhe o lixo, mas<br />

não o trata. A água, universalizada nas residências, é de poços artesi<strong>anos</strong>,<br />

mas não há tratamento de esgoto. Um pequeno hospital atende à<br />

população, mas a referência em saúde é o Hospital Regional de Sorriso,<br />

distante 280 quilômetros. Universitários viajam 220 quilômetros, nos<br />

dois sentidos, até a faculdade em Nova Mutum. O município tem a vila<br />

de Pacoval, distante 30 quilômetros de sua sede. A reserva indígena<br />

Santana, dos bakairis, ocupa 341 hectares de Santa Rita do Trivelato.<br />

Distante 33 quilômetros da cidade, o Salto Magessi, no rio Teles<br />

Pires, é o principal atrativo turístico da região. Naquele local o Teles Pires<br />

é o limite com Sorriso. A Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual<br />

do Salto Magessi, com 7.8<strong>46</strong>,2420 hectares, estende-se pelos dois municípios.<br />

Essa APA nasceu de uma lei de autoria do deputado Humberto<br />

Bosaipo, que foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em<br />

20 de dezembro de 2012 pelo governador Rogério Salles.<br />

112


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Henrique Oleinik<br />

Mãos estendidas<br />

Cuiabá, 16 de outubro de 1991. Sol de 41º. As ruas tomadas pelo<br />

povo. Todos os olhares voltados para o trajeto por onde passaria o Papamóvel.<br />

Espremido na multidão, Henrique Oleinik está ali por duas<br />

razões, ambas com o mesmo sentido: ver o papa e lhe perguntar em<br />

polonês sobre seus vínculos familiares com sua mãe Alfreda Oleinik<br />

Wojtyla. Alfreda era filha de pais nascidos em Wadowice, no Sul da<br />

Polônia, berço natal de Sua Santidade.<br />

Henrique viu o papa e se emocionou. Na hora em que a comitiva<br />

papal passou perto dele, sequer pensou em algo. Mal conseguia enxergar,<br />

pois os olhos estavam marejados. Somente algum tempo <strong>depois</strong><br />

se deu conta de que seu desejo de questionar o líder católico não seria<br />

realizado. Um rígido esquema de segurança o mantinha longe do altar<br />

onde o papa João Paulo II celebrava a Santa Missa.<br />

Em 17 de outubro de 1991, um dia <strong>depois</strong> da visita do papa<br />

a Cuiabá, Henrique voltou para Santa Rita do Trivelato carregando<br />

consigo um vazio no peito, pois tudo que ele gostaria era a confirma-<br />

113


Eduardo Gomes de Andrade<br />

ção que nas veias de Alfreda corria o mesmo sangue do Pontífice. Se<br />

houvesse parentesco entre sua mãe e o papa, consequentemente ele<br />

seria um Wojtyla tanto quanto Karol Józef Wojtyla, a figura central<br />

da Santa Sé.<br />

Gaúcho de Guarani das Missões, Henrique morou 15 <strong>anos</strong> em<br />

Cascavel, no Paraná, mas teve que deixar aquela cidade <strong>depois</strong> que se<br />

meteu em uma enrascada com gente perigosa. Para ficar longe de seus<br />

problemas, ele decidiu deixar aquele estado. Tentou encontrar um lugar<br />

tranquilo no Paraguai, e nada; em Rondônia, também não. Até que<br />

um corretor lhe falou sobre Santa Rita, que estava nascendo.<br />

Com o nome Santa Rita na cabeça, sem pensar duas vezes pegou<br />

um bimotor que traria compradores de terras a Mato Grosso. Após<br />

uma rápida escala para abastecimento num lugar do qual ele não se<br />

recorda, o voo é retomado e em pouco tempo seus olhos se deparam<br />

com o verde sem fim da mata na calha do Teles Pires. O avião pousou<br />

na picada aberta para a vila, numa pista que não mais existe. Quatro<br />

casas de madeira. Apenas quatro marcavam a presença humana no<br />

vazio naquele canto da Amazônia Mato-grossense.<br />

Com os ouvidos zunindo pelo voo, Henrique desceu do avião.<br />

Era a terça-feira 28 de novembro de 1978. Botou os pés no chão. Olhou<br />

para todos os lados. Só enxergou paz e liberdade. “É aqui; pra sempre”,<br />

pensou. Nunca mais saiu de lá a não ser para buscar a mulher<br />

Wanda Oleinik e a filharada. Desde então mora na Rua da Arara – que<br />

à época ainda não tinha esse nome –, na casa nº 2.221.<br />

Agradável, sorridente e falante, Henrique se deixou arrastar pela<br />

política. Em 2000, foi eleito vereador pelo PMDB na primeira legislatura<br />

do município. “Foi para ajudar a formar nossa cidade”. Com a<br />

facilidade que entrou, saiu dos meios políticos, mas uma coisa ele não<br />

consegue abandonar: “Gosto muito do PMDB; sempre gostei muito”,<br />

revela, mas com a ressalva que sua grande paixão é a família: Wanda,<br />

os sete filhos e a escadinha de netos. Em 2016, aos 72 <strong>anos</strong>, esbanjando<br />

saúde, Henrique cuida de seu estabelecimento comercial e fica de olho<br />

nos outros negócios que toca com a filharada.<br />

114


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Cidade de Cláudia<br />

XIV<br />

Em homenagem à musa Claudia Cardinale<br />

Final de tarde da terça-feira 11 de julho de 1978. Ênio Pipino percorre<br />

a pé um trecho da Avenida Marechal Rondon sentindo o cheiro<br />

gostoso da terra entremeada por raízes das árvores que tombaram.<br />

Está muito feliz. Naquele instante sua Sociedade Imobiliária Noroeste<br />

do Paraná (Sinop) acaba de concluir a abertura daquela e da Avenida<br />

Gaspar Dutra. De sua ousadia nascia na quinta etapa do projeto de<br />

colonização da Gleba Celeste a vila de Cláudia, destinada a ser cidade<br />

em Mato Grosso.<br />

Era o ciclo da colonização da Amazônia Mato-grossense no divisor<br />

das águas do Teles Pires e do Xingu, no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> que pouco<br />

tempo antes foi inaugurada. Do Sul do Brasil, principalmente do Paraná,<br />

milhares de madeireiros, agricultores e comerciantes partiam em<br />

busca de dias melhores nos projetos de Ênio Pipino. Cláudia tornou-se<br />

importante polo madeireiro.<br />

115


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Os pioneiros de Cláudia foram os irmãos Raul – o Raul Banana –<br />

e Antônio Maldonado, que instalaram uma serraria no lugar, e André<br />

Schneider, que morreu em acidente rodoviário logo após sua mudança<br />

para aquela localidade. O primeiro farmacêutico foi o mineiro Aurélio<br />

Lino Teixeira, que chegou à vila em 5 de março de 1979 – data histórica,<br />

pois naquele dia a professora Roseli Maldonado iniciava o ano letivo<br />

para um grupo de oito alunos, na sua residência.<br />

Em 2016, Aurélio mantém sua farmácia na área central e se transformou<br />

em farmacêutico da família, figura popular nas pequenas comunidades,<br />

onde praticamente todos se conhecem e confiança é prática<br />

comum. A professora Roseli aposentou-se.<br />

Em 1º de setembro de 1986, o governador Wilmar Peres de Farias<br />

sancionou a lei de autoria dos deputados Osvaldo Sobrinho e Benedito<br />

Santiago transformando a vila de Cláudia em distrito de Sinop. O lugar<br />

não parava de crescer.<br />

Em 4 de julho de 1988, o governador Carlos Bezerra botou o<br />

jamegão na lei de autoria do deputado José Lacerda, que emancipou<br />

116


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Cláudia de Sinop,<br />

Itaúba e Marcelândia.<br />

Já em 13<br />

de abril de 2004, o<br />

governador Blairo<br />

Maggi sancionou<br />

a lei criando a comarca<br />

de primeira<br />

entrância, <strong>depois</strong><br />

que a Assembleia<br />

Legislativa aprovou<br />

projeto do<br />

Aurélio Lino<br />

Tribunal de Justiça<br />

nesse sentido.<br />

Cláudia está interligada à malha rodoviária pavimentada nacional.<br />

Seu acesso à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é feito pela Rodovia André Maggi (MT-423).<br />

A cidade dista 80 quilômetros de Sinop. A população é de 11.632 residentes<br />

e o município tem 3.849,991 km² com 2,86 habitantes por quilômetro<br />

quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de<br />

0,699 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de<br />

R$ 274.340.000 e a renda per capita, de R$ 23.945,17. Em 2016 sua exportação<br />

alcançou US$ 13.265.519 (FOB) em soja e milho para a China,<br />

Bangladesh e Japão; sua economia não importou nenhum produto.<br />

Cidade com maior percentual de coleta e tratamento de esgoto<br />

no <strong>Nortão</strong> (85%), Cláudia tem o melhor saneamento da região. A água<br />

é universalizada e parte do lixo é reciclada. Boa parte da área urbana é<br />

pavimentada.<br />

A escolha da denominação do município, segundo Aurélio, que<br />

conviveu no dia a dia com Ênio Pipino, não teria sido feita para homenagear<br />

integrante da família do colonizador. “Ele optou por Cláudia<br />

por ser um belo nome”, explicou, acrescentando que “seo Ênio era homem<br />

desprovido de vaidade” e teria selecionado nomes femininos que<br />

achava bonitos, de familiares ou não, para batizar as vilas e estradas<br />

que implantava, além de córregos, riachos e rios. Foi assim com os ribeirões<br />

Cristiane, Purificação e Mariana; e com os córregos Cibele, Már-<br />

117


Eduardo Gomes de Andrade<br />

cia, Norma e Guilhermina;<br />

além de<br />

estradas com nomes<br />

de mulheres”.<br />

O pioneiro repete<br />

aquilo que ouviu<br />

do fundador do<br />

lugar, que desconversava<br />

sobre a<br />

razão para escolha<br />

de nomes femininos.<br />

É ELA! - A explicação<br />

dada pelo<br />

pioneiro Aurélio<br />

tromba com uma<br />

Claudia Cardinale<br />

resposta ao mesmo<br />

questionamento<br />

que fiz a Ênio Pipino. Certa feita, em Cuiabá, citando que se tratava<br />

de registro histórico, perguntei ao colonizador se Santa Carmem<br />

tinha algo a ver com Carmem Miranda, e ele negou qualquer ligação.<br />

Num sorriso à meia-boca, comentou baixo: “Carmem (Carmem Ribeiro<br />

Pitombo) é nome de uma tia da dona Nilza (a mulher dele)”. Espichei<br />

pra Cláudia. É pela atriz? No primeiro momento ele não respondeu<br />

diretamente. Ajeitou os óculos, espichou a mão em despedida e foi enfático:<br />

“que mulher, essa Claudia Cardinale!”.<br />

Túnis, 15 de abril de 1938. Nasce Claude Josephine Rose Cardinale,<br />

filha de um casal siciliano. Morenaça. Boca carnuda. Bunda e<br />

dentes perfeitos. Seios grandes e empinados. Cabelo preto. Cinturinha<br />

fina. Rosto de traços suaves e firmes. Olhar envolvente. Com tantos<br />

atributos assim, essa ítalo-tunisiana virou musa, sex symbol, estrela de<br />

Hollywood adotando o nome artístico de Claudia Cardinale.<br />

Pelas mãos, ousadia e os sonhos do colonizador Ênio Pipino, Claudia<br />

Cardinale está para sempre no <strong>Nortão</strong>. Pena que ela não saiba disso.<br />

118


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Um parto na mata<br />

Divisor das águas<br />

dos rios Xingu e Teles Pires,<br />

15 horas do sábado<br />

11 de agosto de 1979. Na<br />

clareira aberta pelo colonizador<br />

Ênio Pipino para a<br />

implantação daquela que<br />

seria a cidade de Cláudia,<br />

nasce sem médico e sem<br />

parteira o primeiro bebê<br />

da região: Cláudia Neuza<br />

da Silva, filha do casal Maria<br />

Aparecida e Leonardo<br />

Ortolani.<br />

Forte, dona Maria Cláudia Neuza<br />

Aparecida se virou como<br />

pôde com a ajuda da vizinhança. O nome Cláudia é agradecimento<br />

dos pais à cidade homônima que ajudaram a construir nos confins da<br />

Amazônia Mato-grossense.<br />

Os Ortolani, pais de Cláudia, trocaram Diamante do Norte, no<br />

Paraná, pelo sonho da colonização da Amazônia. Não se arrependem<br />

do que fizeram nos <strong>anos</strong> 1970, quando deixaram uma região com boa<br />

infraestrutura e passaram a viver numa área caracterizada pelo isolamento,<br />

com alta incidência de malária e infestada por mosquitos.<br />

Cláudia orgulha-se de sua cidadania. É personalidade em seu<br />

município e sempre ouve de pioneiros que nos primórdios da colonização<br />

corretores e moradores diziam aos interessados em imóveis na<br />

então vila que ali nascera um bebê com o nome do lugar. “Essa citação<br />

mexia com o inconsciente daquelas pessoas e acho que contribuiu para<br />

que alguns mudassem para cá”, avalia Cláudia.<br />

Casada com Nivaldo Ferreira da Silva e mãe de Eduarda, Henrique<br />

e João Vitor Ferreira da Silva, Cláudia vive na cidade onde nasceu<br />

e da qual herdou o nome.<br />

119


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Cidade de Feliz Natal<br />

XV<br />

Da irreverência nasce o nome do município<br />

Agricultor gaúcho e visionário, Antônio Domingos Debastiani<br />

era dono de áreas na região de mata, onde fundou a vila de Feliz Natal,<br />

no sábado 12 de agosto de 1989. Até então, a área que se transformou<br />

no perímetro urbano era ponto de passagem para quem se dirigia às<br />

fazendas Cônsul, Bandeirantes, Uirapuru e Nova Aliança, no eixo da<br />

MT-225, ali conhecida por Estrada do Rio Ferro.<br />

O nome do município carrega o DNA da irreverência do brasileiro.<br />

Às vésperas do Natal de 1978, funcionários dessas fazendas na<br />

Estrada do Rio Ferro se dirigiam a Sinop, onde pretendiam passar o<br />

final de ano. Porém, a rodovia sofreu um bloqueio natural por um córrego<br />

afluente do rio Arraias – sem ponte – e até então sem nome, que<br />

transbordou na tarde de 23 de dezembro e impediu a passagem. Dois<br />

dias <strong>depois</strong> as águas baixaram e o grupo seguiu viagem.<br />

O grupo passou o Natal debaixo de chuva e dentro dos veículos<br />

em que viajava. A saudação cristã, na noite natalina naquele pedaço da<br />

Amazônia, resultou não somente na escolha do nome para o córrego,<br />

120


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

mas, também, o da cidade<br />

que <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> surgiria nas<br />

imediações do ponto do bloqueio.<br />

A área de Feliz Natal<br />

mede 11.<strong>46</strong>2,<strong>46</strong>4 km² com<br />

493.079 hectares pertencentes<br />

ao Parque Indígena<br />

do Xingu, o que representa<br />

45,73% da extensão territorial.<br />

Em 2016, segundo o<br />

IBGE, a população do município<br />

era de 13.175 habi-<br />

Debastiani<br />

tantes. A densidade demográfica, 0,95 habitante por quilômetro quadrado.<br />

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 0,692 numa escala<br />

de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 293.601.000.<br />

A renda per capita, R$ 23.601,40. Em 2016, sua exportação de soja e<br />

milho para o Japão, Coreia do Sul, China e outros três países alcançou<br />

US$ 1.303.896 (FOB) e não houve importação.<br />

A cidade é parcialmente pavimentada, mas não tem rede de esgoto.<br />

A água é universalizada pela prefeitura e o lixo é amontoado em<br />

um lixão. Hospital existe, mas para os primeiros socorros. Em casos<br />

mais graves a ambulância é a única saída, pois é ela quem transporta<br />

enfermo, acidentado ou vítima de arma branca ou de fogo para o Hospital<br />

Regional em Sorriso, distante 110 quilômetros por rodovia em sua<br />

maior parte pavimentada.<br />

A madeira foi o principal pilar da economia e ainda continua<br />

fazendo riqueza, mas em escala menor, pelo rigor ambiental. A soja<br />

chegou a Feliz Natal e se espalha pelo município. O comércio varejista<br />

atende à demanda local.<br />

Debastiani foi o primeiro prefeito. Chegou à prefeitura ao ser<br />

eleito em 1996 e reeleito em 2000. Em 2004, seu vice-prefeito, o paranaense<br />

Manuel Messias Salles o sucedeu no cargo. Quatro <strong>anos</strong><br />

121


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Prefeitura e Centro Cultural<br />

<strong>depois</strong>, Manuel não aceitou disputar novo mandato e Debastiani voltou<br />

ao poder. Na segunda tentativa de reeleição, em 2012, ele recebeu<br />

43,53% dos votos e o vencedor foi José Antônio Dubiella, o Toni<br />

Dubiella, com 56,47%.<br />

Quando prefeito, Manuel usou de artimanha para construir<br />

a sede da prefeitura. O município ganhou uma emenda parlamentar<br />

para um Centro Cultural. A solução encontrada para atender à<br />

exigência da emenda e à necessidade da administração foi dividir o<br />

prédio entre a prefeitura e a área para a cultura, sendo que à última<br />

ele destinou uma saleta, mas com o detalhe do nome em destaque na<br />

fachada principal.<br />

Quando da emancipação em 17 de novembro de 1995, a vila<br />

pertencia a Vera. A lei que criou o município foi do deputado Ricarte<br />

de Freitas, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />

governador Dante de Oliveira. Em 13 de abril de 2004, o governador<br />

Blairo Maggi sancionou uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e<br />

aprovada pela Assembleia, que criou a comarca de primeira entrância<br />

de Feliz Natal.<br />

Gabriela Caroline Dal Bosco é o nome da MT-225 entre o município<br />

de Feliz Natal e a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A lei que lhe deu tal denominação foi<br />

de autoria do governo e sancionada pelo governador Blairo Maggi.<br />

122


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nova Ubiratã<br />

XVI<br />

Fazenda se transforma em cidade no rio Ferro<br />

Mato Grosso vivia a febre da colonização. Em 1976, o corretor<br />

de imóveis Manuel Pinheiro comprou a fazenda Ubiratan na calha do<br />

rio Ferro e dois <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> criou a colonizadora Comércio Imobiliário<br />

Pinheiro (Comipril).<br />

As vendas de lotes não avançavam porque não havia nenhum<br />

aglomerado urbano na área, o que desmotivava possíveis compradores<br />

de imóveis rurais, e isso levou Pinheiro a fundar a vila de Nova Ubiratã<br />

em 9 de julho de 1978, e o lugar começou a se formar apesar do isolamento<br />

e da precariedade da estrada que o ligava a Sorriso.<br />

Nova Ubiratã teve o crescimento ditado pelo avanço da agricultura<br />

mecanizada em seu entorno. Safra após safra, novas e novas construções<br />

mudavam o aspecto urbano. A vila ganhou ares de pequena<br />

cidade e em 19 de dezembro de 1995 o governador Dante de Oliveira<br />

sancionou uma lei de autoria do deputado Ricarte de Freitas, aprovada<br />

pela Assembleia Legislativa desmembrando áreas em Sorriso e Vera<br />

para a formação daquele município.<br />

123


Eduardo Gomes de Andrade<br />

MT-242<br />

Em 21 de junho de 2004 o governador Blairo Maggi sancionou<br />

uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa criando a comarca de primeira entrância de Nova Ubiratã.<br />

A cidade não coleta nem trata seu esgoto e recolhe o lixo lançando-o<br />

num lixão na zona rural. Parte de Nova Ubiratã é pavimentada,<br />

a água chega a todos os domicílios e seu acesso à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é feito pela<br />

rodovia MT-242, pavimentada e pedagiada. A distância entre as duas<br />

cidades é de 80 quilômetros.<br />

Nova Ubiratã tem 11.074 moradores. Sua área é de 12.706,743<br />

km², com 0,73 habitante por quilômetro quadrado. O Produto Interno<br />

Bruto (PIB) é de R$ 684.552.000. A renda per capita é de R$ 65.145,82.<br />

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,669 numa escala de<br />

zero a um.<br />

Nos primórdios, a economia do município era calcada na extração<br />

e beneficiamento da madeira. Nos últimos <strong>anos</strong> ocupa lugar entre<br />

os 10 maiores produtores de soja de Mato Grosso. Em 2016, Nova Ubiratã<br />

exportou US$ 134.316.604 (FOB) e não importou nada. Sua pauta<br />

124


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

de exportação foi ancorada pela soja, seguida pelo milho e madeira. Os<br />

destinos dos produtos foram: China, Irã, Vietnã, África do Sul e outros<br />

26 países.<br />

Mesmo considerado polo do agronegócio, Nova Ubiratã tem<br />

parte significativa de sua superfície excluída do processo produtivo.<br />

No limite com Paranatinga o Parque Indígena do Xingu ocupa 28.157<br />

hectares de sua área. No pontal onde o rio Ronuro se junta ao rio Ferro<br />

ou Den Von Steinen, o governo criou a Estação Ecológica do Rio Ronuro,<br />

com 102 mil hectares.<br />

Paixão sem fim<br />

Quantas malárias são necessárias para apagar o brilho de um<br />

olhar apaixonado? Quem responder 20 ou menos está redondamente<br />

enganado e seo Osvaldo Oissa, catarinense de 82 <strong>anos</strong>, não me deixa<br />

mentir. Quando olha no fundo dos olhos de sua mulher Domitilia Bialeski<br />

Oissa, mais que brilho, de suas pupilas saem faíscas.<br />

Casal Oissa<br />

125


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Em 2016, tão enamorado quanto no primeiro encontro, há 57<br />

<strong>anos</strong>, em Santa Catarina, quando conheceu Domitilia, seo Oissa se<br />

desmanchava pela amada; ele deve ser o tipo de marido que toda<br />

mulher sonha. Em 56 <strong>anos</strong> de casamento, sempre da maneira mais<br />

harmônica possível, o casal continua indo para a praça, em busca da<br />

paz num banco sossegado em algum canto, perto das flores, para que<br />

possam vê-las, senti-las e dá-las de presente um ao outro.<br />

Seo Oissa contraiu 20 malárias em Apiacás, no <strong>Nortão</strong>, onde<br />

entre outras atividades foi garimpeiro de ouro. Com precisão, cita os<br />

períodos em que ficou acamado e se tratando com quinino receitado<br />

por farmacêutico. Sequelas a febre não deixou, mas em janeiro de<br />

2015 ele e sua Domitilia saíram daquele município, aonde chegaram<br />

em 11 de abril de 1986 em busca da fortuna que o metal mais cobiçado<br />

do mundo poderia lhes dar num piscar de olhos, da noite para o<br />

dia. Porém não foi bem assim, e ele, cansado, trocou o garimpo por<br />

uma sorveteria na cidade, até que desistiu do negócio e em 18 de outubro<br />

de 2015 fez o mesmo caminho do filho Valdecir e se transferiu<br />

para Nova Ubiratã.<br />

Valdecir chegou à cidade com dois caminhões de frete, mas<br />

preferiu se desfazer dos possantes para trabalhar na prefeitura. Os<br />

pais, que estavam em Apiacás isolados do restante da família, agora<br />

estão junto com o filho. Os Oissa têm oito filhos: dois em Cascavel,<br />

no Paraná; dois em Porto Alegre; um em Cuiabá; outro em Alta<br />

Floresta; e outro ainda no garimpo de Creporizinho no município<br />

paraense de Itaituba.<br />

Com baixo índice de violência, Nova Ubiratã é cidade onde<br />

quase todos se conhecem, conforme testemunha o casal Oissa a caminhar<br />

de mãos dadas de sua casa à praça e fazer o caminho de volta.<br />

No trajeto muitos os saúdam. Do banco onde se sentam ninguém se<br />

aproxima. Uma barreira imaginária os isola da população. Não há<br />

justificativa para se interromper o momento romântico.<br />

126


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Marcelândia<br />

XVII<br />

Marcelândia, o sonho bom de Bianchini<br />

Anos 1970. Mata a perder de vista. Balbúrdia agrária. Mato Grosso<br />

era um grande vazio demográfico. Visionários lançavam projetos de colonização<br />

amarrados em sonhos; vendiam lotes de terra que dividiam com<br />

quem de direito e às vezes no segundo andar do mosaico fundiário – e nem<br />

Deus sabia onde estavam.<br />

O paulista José Bianchini poderia ser qualificado enquanto professor,<br />

advogado e corretor. Porém, ele era mais, bem mais que esse conjunto<br />

de profissões: sonhava, era um dos sonhadores com o povoamento de<br />

Mato Grosso e sua incorporação ao processo produtivo em escala. Assim,<br />

em 1977 Bianchini começou a vender áreas rurais localizadas a mais de 80<br />

quilômetros da margem direita da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido sul-norte numa desconhecida<br />

Gleba Maiká na calha do rio Xingu e vizinha ao Parque Indígena<br />

do Xingu. Pelas espécies abundantes de madeira, a região era verdadeiro<br />

paraíso para madeireiros.<br />

127


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Aparece um madeireiro daqui, um dono de caminhão toreiro dali,<br />

um comerciante de acolá e outros e mais outros. A mata ganhou vidas humanas<br />

e no feriado de 7 de setembro de 1980 Bianchini fundou uma vila no<br />

recém-criado município de Sinop à qual chamou de Marcelândia. O nome<br />

foi homenagem do colonizador ao filho Marcelo Gramolini Bianchini, paulista<br />

igual a ele.<br />

Marcelândia nasceu não apenas para suporte aos pioneiros na Gleba<br />

Maiká, mas com o desafio de se tornar cidade. Gente de todos os cantos se<br />

juntou numa corrente não planejada e meteu a mão na massa. Em 10 de maio<br />

de 1982 o governador Frederico Campos botou o jamegão numa lei de autoria<br />

da deputada Sarita Baracat e a vila virou distrito de Sinop.<br />

A corrente humana continuava e não se intimidava com a malária,<br />

o isolamento e a precariedade do lugar. A indústria florestal de base era o<br />

esteio da economia e tudo girava em torno da madeira. Em 1986, o IBGE<br />

registrou 4.612 habitantes no distrito, que em 13 de maio daquele ano virou<br />

município. A emancipação nasceu de entendimento entre as bancadas estaduais<br />

do PDS e PMDB, partidos que davam as cartas na política mato-grossense<br />

e foi sacramentada pelo governador Júlio Campos. Na sanção da lei,<br />

Júlio dirigiu-se a Bianchini, que acompanhava o ato: “não deixe cair a peteca<br />

de Marcelândia, viu seo Bianchini!”, cobrou o governador. O colonizador<br />

respondeu na bucha: “nunca deixei peteca nenhuma cair”.<br />

A cidade crescia e Bianchini passou a enfrentar enfermidades em<br />

1998, até que em 21 de outubro de 2001, no Hospital Jardim Cuiabá, em<br />

Cuiabá, fechou os olhos para sempre. A principal avenida da cidade leva<br />

seu nome.<br />

Com seu adeus, Bianchini não viu sua Marcelândia virar comarca de<br />

primeira entrância, o que aconteceu em 13 de abril de 2004 com a aprovação<br />

pela Assembleia Legislativa de um projeto do Tribunal de Justiça, com a<br />

sanção do governador Blairo Maggi.<br />

Quando Marcelândia virou comarca, seu crescimento populacional<br />

estava a todo vapor. O município tinha 17.353 habitantes, dois <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

saltou para 18.634 e desde então entrou em queda.<br />

Com 12.281,254 km², Marcelândia chegou a 2016 registrando 0,86 habitante<br />

por quilômetro quadrado. O encolhimento da população é o lado<br />

mais dramático da pressão sofrida pelo município que carregou a pecha de<br />

128


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Colheitadeira destruída<br />

pelo grande incêndio<br />

maior vilão ambiental brasileiro ao ser incluído, e encabeçar, a Lista Suja dos<br />

Desmatadores da Amazônia Legal criada pelo Ibama.<br />

A tal Lista começou a ser elaborada em janeiro de 2008 pelo Ibama,<br />

com base em informações instantâneas do sistema Detecção do Desmatamento<br />

em Tempo Real (Deter) para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais<br />

(Inpe) a serviço do Ibama. Sua atualização e divulgação são anuais.<br />

Na primeira divulgação da Lista, 52 municípios da Amazônia Legal<br />

foram relacionados, sendo 24 de Mato Grosso, dos quais 12 do <strong>Nortão</strong>.<br />

Marcelândia era o maior desmatador nacional.<br />

Na tentativa de botar freio ao desmatamento, o governo federal<br />

criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), do qual Mato Grosso foi pioneiro<br />

em sua execução. Por atender exigências do CAR, Marcelândia foi<br />

retirado da Lista.<br />

Mesmo fora da Lista, Marcelândia foi mantido debaixo de pressão.<br />

Para piorar a situação, em 11 de agosto de 2010 a cidade foi vítima de<br />

um incêndio que destruiu mais de 100 barracos no distrito industrial e<br />

15 serrarias e similares, além de tratores, veículos, equipamentos, toras e<br />

madeira serrada. O fogo começou num depósito de lixo próximo à área<br />

urbana. Depois do fogaréu, a taxa de crescimento populacional negativa<br />

agravou-se ainda mais. Naquele ano, o IBGE apurou 12.006 residentes, que<br />

minguaram em 2016 para 10.639; isso se traduziu numa queda percentual<br />

129


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Vítima do grande<br />

incêndio em Marcelândia<br />

de 11,39% em cinco <strong>anos</strong>.<br />

O município já não se ancora mais na madeira como no passado,<br />

embora ainda a extraia. A mata chegou ao fim para o corte raso em escala.<br />

O boi, que reinava absoluto nas invernadas formadas nas áreas onde a<br />

madeira foi retirada, agora vê sua soberania perder espaço para uma leguminosa<br />

de origem chinesa que atende pelo nome popular de soja. Isso sem<br />

prejuízo das reservas legais e da inviolabilidade de 136.219 hectares do<br />

Parque Indígena do Xingu que se estende àquele município, onde a Funai<br />

estuda criar a reserva Rio Arraias, para os kayabis.<br />

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 212.145.000. A renda per capita<br />

é de R$ 19.129,38. Em 2016 Marcelândia exportou em madeira para<br />

Japão e França US$ 863.827 (FOB) e não importou nada. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,701. A água<br />

tratada chega a todas as moradias da cidade, que, no entanto, enfrenta dois<br />

problemas: não tem aterro sanitário e não coleta nem trata esgoto.<br />

Por razões contratuais, a concessionária da água e esgoto deveria<br />

construir redes de coleta e estações de tratamento do esgoto, mas não o faz.<br />

Em 2016, com orçamento minguado, o prefeito Arnóbio Andrade iniciou<br />

negociações junto à Noruega tentando recursos para resolver o problema<br />

do lixão, que é dor de cabeça comum aos prefeitos do <strong>Nortão</strong>.<br />

130


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O município tem a vila de<br />

Analândia do Norte e as comunidades<br />

de Bonjaguar e Santa Rita do<br />

Norte. Em Santa Rita, Marcelândia<br />

recebeu, no começo dos <strong>anos</strong> 2000,<br />

famílias de agricultores brasiguaios<br />

– brasileiros residentes no Paraguai<br />

– que se mudaram para aquele país<br />

em razão do alagamento do lago da<br />

hidrelétrica binacional de Itaipu.<br />

Do outro lado da fronteira os migrantes<br />

foram hostilizados e, sem<br />

Bianchini<br />

alternativa, voltaram ao Brasil.<br />

Em 2014, o governo de Mato<br />

Grosso pavimentou a MT-320 no trecho de 84 quilômetros entre a cidade<br />

e a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> próximo a Nova Santa Helena, mas não construiu as pontes no<br />

trajeto, mantendo as antigas, de madeira. Em janeiro de 2015, o governador<br />

Pedro Taques assumiu o poder e não deu continuidade à obra, que<br />

permanece às moscas. Por rodovia, Marcelândia situa-se a 700 quilômetros<br />

ao norte de Cuiabá via Sinop, Lucas do Rio Verde e Rosário Oeste.<br />

O índice de criminalidade é baixo. A cidade tem hospital, mas a referência<br />

em saúde é o Hospital Regional de Colíder, distante 110 quilômetros<br />

por rodovia pavimentada. A cidade entrou na era dos cursos superiores<br />

presenciais. Em janeiro de 2017, a Universidade do Estado de Mato Grosso<br />

(Unemat) realiza vestibular para Direito e Agronomia. Os dois cursos são<br />

extensão do campus de Alta Floresta, distante 290 quilômetros por rodovia<br />

pavimentada.<br />

Os dois cursos foram conquistas da prefeitura, que assumiu parte de<br />

seu ônus financeiro. De 2017 a 2021, o município repassará 200 mil anuais<br />

para o pró-labore dos professores. Agropecuaristas permitirão a realização<br />

de aulas práticas em suas propriedades e o conteúdo de laboratório na área<br />

agronômica será feito na sede do campus, com a prefeitura transportando<br />

os universitários.<br />

131


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Santa Carmem<br />

XVIII<br />

Santa Carmem, na vizinhança de Sinop<br />

Em 1970, produtores rurais compraram parcelas da Gleba Celeste,<br />

onde mais tarde surgiria o município de Santa Carmem. Os<br />

negócios eram fechados com base em informações de corretores e a<br />

identificação da localização dos imóveis por mapas elaborados pela<br />

Colonizadora Noroeste do Paraná (Sinop), de Ênio Pipino. Foi assim,<br />

naquele ano, que o agricultor Henrique Avelino Pereira tornou-se<br />

proprietário em Santa Carmem. Um ano após o negócio, Henrique<br />

trocou Diamante do Norte, no Paraná, por uma aventura na Amazônia.<br />

Para conhecer a área, viajou de ônibus até Cuiabá. De onde, num<br />

monomotor voou até o acampamento do 9º Batalhão de Engenharia<br />

de Construção (9º BEC) na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, no lugar que mais tarde seria Lu-<br />

132


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

cas do Rio Verde. Para completar o trajeto, de jipe, chegou à gleba.<br />

Henrique foi o primeiro morador nas imediações da futura cidade.<br />

Depois de sua chegada começou a construção da vila com a<br />

abertura da Avenida do Comércio, onde o estabelecimento pioneiro<br />

foi a loja de Ana José da Silva. Gente de todos os cantos do país se<br />

mudou para Santa Carmem nos primeiros <strong>anos</strong> de sua colonização,<br />

mas o grosso do contingente populacional era originário do Sul, sobretudo<br />

do Paraná.<br />

Serrarias se instalaram em Santa Carmem. A extinta empresa<br />

estatal do Ministério da Agricultura, Companhia Brasileira de Alimentos<br />

(Cobal) montou uma mercearia no lugar para assegurar a<br />

distribuição de secos e molhados, já que o acesso à futura cidade era<br />

precário, sobretudo no período das chuvas, o que desestimulava a<br />

abertura de supermercados.<br />

Município com 3.855,362 km², 4.326 habitantes e densidade<br />

demográfica de 1,06 habitante por quilômetro quadrado, Santa Carmem<br />

alcançou Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,715<br />

numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$<br />

202.439.000 e sua renda per capita, de R$ 47.565,45. Em 2016 a exportação<br />

foi de US$ 162.984.660 (FOB) e não houve importação. Soja,<br />

milho e madeira foram os bens exportados para a China, Rússia, Alemanha,<br />

Irã e outros 19 países.<br />

Distante 34 quilômetros de Sinop, Santa Carmem tanto se beneficia<br />

quanto é prejudicada por essa proximidade. Sua população<br />

busca saúde, ensino superior e boa parte dos serviços públicos burocráticos<br />

na vizinha metrópole regional. Sua taxa de crescimento é travada<br />

pela concorrência predadora do desenvolvimento sinopense.<br />

A cidade recolhe o lixo, garante água em todos os imóveis urb<strong>anos</strong>,<br />

mas não tem rede de esgoto. Seu índice de violência é considerado<br />

baixo e o município tem boa regularização fundiária. Praticamente<br />

todas as ruas são pavimentadas.<br />

A Rodovia João Adão Scheeren (MT-140) foi pavimentada em<br />

2005 por meio de um consórcio do governo estadual com produtores<br />

133


Eduardo Gomes de Andrade<br />

rurais ligados à Associação dos Beneficiários da MT-140, liderados<br />

pelo produtor Eurides Ceni. No trecho urbano em Sinop a estrada<br />

tem uma ciclovia paralela que atende à grande demanda de moradores<br />

na região.<br />

Santa Carmem foi elevada a distrito de Sinop em 10 de dezembro<br />

de 1981, quando o governador Frederico Campos sancionou<br />

uma lei de autoria do deputado Alves Ferraz aprovada pela<br />

Assembleia Legislativa. O município foi criado em 19 de dezembro<br />

de 1991, por uma lei do deputado Hermes de Abreu aprovada pela<br />

Assembleia e sancionada pelo governador Jayme Campos. Santa<br />

Carmem pertence à comarca de entrância especial de Sinop.<br />

A denominação do lugar foi escolhida por Ênio Pipino, em<br />

sua filosofia de dar nomes femininos às cidades por ele colonizadas.<br />

Santa Carmem é homenagem a Carmem Ribeiro Pitombo, tia da<br />

mulher de Pipino, Nilza de Oliveira Pipino.<br />

O mecânico Aarão Avelino Pereira, filho do pioneiro Henrique<br />

Avelino, mudou-se para Santa Carmem em companhia do pai e<br />

chegou a subprefeito do então distrito em 1983. Aarão acompanhou<br />

todas as transformações sociais locais e destaca que a agricultura<br />

mecanizada mudou o perfil econômico do lugar, já que o principal<br />

pilar da economia deixou de ser a madeira e migrou para a lavoura ,<br />

onde é grande a ocupação da mão de obra tanto qualificada quanto<br />

não. “Não temos desemprego”, comemora.<br />

MEMÓRIA - <strong>Nortão</strong>, 1980. Pé firme no freio. A Chevrolet C-14<br />

para. O motorista engata a primeira marcha puxando a alavanca<br />

pra baixo. Lentamente a camionete cruza a pequena ponte de madeira<br />

sobre o rio Azul, mas o faz engasgando. Aos trancos chega<br />

à vila de Santa Carmem. O remédio é procurar um mecânico. Um<br />

mecânico, não; o único do lugar, o jovem paranaense Aarão Avelino<br />

Pereira. O cliente era ninguém menos que Ênio Pipino, o dono<br />

da colonizadora Sinop.<br />

Tímido, Aarão recebe Ênio Pipino e faz o diagnóstico mecâni-<br />

134


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Aarão Avelino Pereira<br />

co: “É o platinado, seo Ênio. Mas vou dar um jeito”. Num piscar de<br />

olhos a peça é lixada e o veículo está pronto. A oficina funcionava<br />

debaixo da copa de uma árvore, à base do improviso. O cliente pergunta<br />

a Aarão se ele não tinha um lote para se instalar. “Quem sou<br />

eu, seo Ênio!”, Aarão admite sua fraqueza.<br />

Sem muita conversa, Ênio Pipino doou ao mecânico um lote<br />

na avenida principal e sua oficina ali funcionou até 2015, quando<br />

baixou as portas, pois o mecânico perdeu parte da capacidade motora<br />

ao ser afetado por uma neuropatia, que o deixa preso a uma<br />

cadeira de rodas.<br />

No sábado 19 de novembro de 2016 estive com Aarão em sua<br />

casa, na fazendinha de sua família, ao lado de Santa Carmem. Na<br />

véspera ele completara 60 <strong>anos</strong>. Foi a segunda vez que o vi. A primeira<br />

aconteceu em 1999, quando levantava material para uma série<br />

sobre os 500 <strong>anos</strong> do Brasil. A doença não o abateu e seu sonho é<br />

vencê-la e fazer aquilo que sempre fez e mais gosta: trabalhar na<br />

oficina.<br />

135


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Lucas do Rio Verde<br />

XIX<br />

Lucas do Rio Verde e da qualidade de vida<br />

Crescimento populacional de 48,19% nos últimos 10 <strong>anos</strong>,<br />

quando saltou de 28.6<strong>46</strong> habitantes em 2006 para 59.436 em 2016.<br />

Assim é Lucas do Rio Verde, com 28 <strong>anos</strong> – oitavo município mais<br />

populoso do Estado – e o maior polo produtor de carne suína e aves<br />

de Mato Grosso.<br />

Lucas não é uma ilha de prosperidade porque integra um bolsão<br />

de desenvolvimento bem acima da média estadual. Seus núme-<br />

136


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Setor industrial<br />

ros econômicos são relevantes. O município tem 3.663,994 km², com<br />

12,43 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,768 numa escala de zero a um. O Produto<br />

Interno Bruto (PIB) é de R$ 2.752.160.000 e a renda per capita,<br />

de R$ 49.953,90. Em 2016 sua economia exportou US$ 508.422.410<br />

(FOB) em soja, farelo de soja, algodão, milho e outras commodities<br />

agrícolas para a China, Holanda, Indonésia, Irã e outros 25 países.<br />

No período importou da Espanha, Japão, Estados Unidos e outros<br />

25 países US$ 17.743.3<strong>46</strong> (F0B) em máquinas agrícolas, adubos e ferramentas.<br />

O superávit foi de US$ 490.679.064.<br />

137


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Armazém da Cooperlucas<br />

A cidade é uma das mais modernas de Mato Grosso, com alto<br />

padrão residencial. Parte do esgoto é coletada e tratada. O lixo é<br />

depositado num ecoponto e a coleta é mecanizada – o município<br />

foi o terceiro no Brasil a adotar tal prática. A guarda municipal foi a<br />

pioneira em Mato Grosso. Todas as ruas são pavimentadas.<br />

O município tem as vilas de Groslândia e Itambiquara; a cidade<br />

é banhada pelo rio Verde, afluente do Teles Pires. Lucas é um dos<br />

divisores das bacias do Juruena e do Teles Pires. A rede escolar municipal<br />

é a melhor de Mato Grosso tanto em estrutura física quanto<br />

em conteúdo.<br />

O parque agroindustrial do município é importante. O frigorífico<br />

da <strong>BR</strong>F – Brasil Foods tem capacidade diária para abater 300<br />

mil aves e 4.400 suínos. A meta para 2017 é subir a produção para<br />

138


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

500 mil aves e 10 mil suínos. Quando de sua instalação não havia<br />

mão de obra local para atender sua demanda, o que obrigou a empresa<br />

a contratar funcionários em outros estados, principalmente<br />

no Nordeste. Lucas não tem déficit habitacional, mas para que isso<br />

acontecesse a <strong>BR</strong>F construiu 1.500 casas para parte dos seus 4.500<br />

funcionários.<br />

O município tem indústria de esmagamento de soja e produção<br />

de biodiesel. Seus produtores cultivam 780 mil hectares (ha) de<br />

milho safrinha, 700 mil ha de soja e 79 mil ha de algodão. A avicultura<br />

e a suinocultura são em escala empresarial. Para transportar<br />

essa produção, Lucas tem uma frota licenciada de 1.200 caminhões,<br />

carretas e bitrens.<br />

MEMÓRIA - A história de Lucas começa com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Sua área<br />

urbana nasceu em 5 de agosto de 1982, de um acampamento do 9º<br />

Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) após o povoamento<br />

da região com famílias de parceleiros do Incra oriundas de Encruzilhada<br />

Natalino no município de Ronda Alta, Rio Grande do Sul.<br />

Para resolver um problema agrário no Sul, esse pessoal foi assentado<br />

numa área em Diamantino, que mais tarde pertenceria a Lucas.<br />

O distrito, pertencente a Diamantino, foi criado em 16 de dezembro<br />

de 1985 por uma lei de autoria do deputado Ubiratan Spinelli<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />

Júlio Campos. O município nasceu em 4 de julho de 1988 com<br />

a sanção, pelo governador Carlos Bezerra, de uma lei do deputado<br />

José Lacerda, aprovada pela Assembleia Legislativa.<br />

A comarca agora de terceira entrância de Lucas foi criada<br />

pelo governador Márcio Lacerda, em 6 de novembro de 1997, após<br />

a aprovação pela Assembleia Legislativa de uma lei de autoria do<br />

Tribunal de Justiça. O município é sede da 21ª Zona Eleitoral e tem<br />

uma vara da Justiça do Trabalho.<br />

139


Eduardo Gomes de Andrade<br />

A denominação surgiu antes da vila e do acampamento do 9º<br />

BEC. A região era conhecida como seringal do Lucas do rio Verde.<br />

Francisco Lucas de Barros foi seringueiro na calha daquele rio nos<br />

<strong>anos</strong> de 1950 e 60, época em que a fazenda Ubiratan (nas vizinhanças<br />

de Nova Ubiratã) comprava e beneficiava látex de seringais nativos<br />

no seu entorno. A associação de seu nome ao do rio resultou em Lucas<br />

do Rio Verde. Quando alguém se referia à região, normalmente<br />

dizia, “lá no Lucas do rio Verde”.<br />

O perímetro urbano e considerável parte do município de Lucas<br />

foram colonizados pelo Incra, que em 26 de novembro de 1976<br />

iniciou o processo de discriminação judicial na gleba de 230 mil hectares<br />

que leva o nome da cidade, declarando-a área prioritária para<br />

fins de reforma agrária.<br />

Em 1987, Diamantino instalou uma subprefeitura em Lucas<br />

nomeando subprefeito o presidente da Cooperativa Mista Agropecuária<br />

de Lucas do Rio Verde (Cooperlucas), Anton Huber. No começo<br />

da década de 1990 essa cooperativa deu um rombo milionário<br />

no Banco do Brasil ao efetuar transações ilegais; o caso virou inquérito<br />

na Polícia Federal com 3 mil páginas, chegou à Justiça Federal,<br />

mas ninguém foi condenado.<br />

A agricultura luverdense tem tanta importância que na safra<br />

agrícola 96-97 o então ministro da Agricultura e senador Arlindo<br />

Porto (MG) abriu oficialmente a safra nacional de grãos na cidade<br />

em 21 de fevereiro de 1997, na fazenda Munaretto, com uma solenidade<br />

no Centro de Tradições Gaúchas Sentinela da Tradição. Com<br />

aquele ato, Porto criou a tradição anual da abertura da safra.<br />

GOL – No esporte o município se orgulha do Luverdense Esporte<br />

Clube, que desde 2014 disputa a Série B do Campeonato Brasileiro e<br />

manda seus jogos no Estádio Passo das Emas.<br />

140


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Reinaldo, camisa 9, marca o<br />

primeiro na Arena Pantanal<br />

O atacante Reinaldo da Cruz Oliveira Nascimento, do Luverdense,<br />

marcou o primeiro gol na Arena Pantanal em Cuiabá, na vitória<br />

de 2 a 1 de seu clube sobre o Vasco da Gama, na partida disputada<br />

no sábado 26 de abril de 2014 e válida pela segunda rodada do<br />

primeiro turno do Campeonato Brasileiro da Série B.<br />

O lateral-direito Raul Prata desarmou o ataque vascaíno, avançou<br />

pela direita, cruzou o meio-campo, passou por dois, chegou à<br />

cabeça da área, desmontou um zagueiro e chutou. O goleiro Diogo<br />

Silva espalmou para a esquerda, por onde entrava Reinaldo. Mesmo<br />

destro, o atacante meteu a canhota na bola que estufou a rede.<br />

O cronômetro do árbitro gaúcho Jean Pierre Gonçalves Lima<br />

marcava 21 minutos do primeiro tempo quando Reinaldo marcou<br />

o gol inaugural da Arena Pantanal e também o seu primeiro com a<br />

camisa do Luverdense.<br />

141


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Garimpo - 1982<br />

XX<br />

Peixoto de Azevedo, a terra do ouro<br />

Da explosão do garimpo – fofoca, como se diz no jargão garimpeiro<br />

– ao êxodo. Da riqueza fácil ao caos que a deixou a um passo<br />

de ser cidade fantasma. Foi assim com Peixoto Azevedo, que viveu<br />

o ciclo do ouro no <strong>Nortão</strong> e que é a referência urbana daquele curto<br />

período marcado por assassinatos, malária, balanças de precisão em<br />

muitas portas abertas na Rua do Comércio, de intensa movimentação<br />

de mono e bimotores, camionetes de frete transportando doentes e sonhadores,<br />

ônibus despejando levas de aventureiros. Em suma, no auge<br />

da opulência e quando o declínio começou Peixoto era um fuzuê danado,<br />

onde a verdadeira moeda circulante era o grama do metal mais<br />

cobiçado no mundo inteiro.<br />

142


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Rua do Comércio - 1985<br />

O grama cotava o sexo nos incontáveis cabarés e também era<br />

parâmetro para compra de ingressos aos shows no Clube Maranhense,<br />

com Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Gretchen – a Rainha<br />

do Bumbum –, Pedro Bento & Zé da Estrada. Também era ele que<br />

garantia nas farmácias a salvadora dose de quinino para espantar a febre<br />

quando o Hospital da Malária da Irmã Adelis, na vizinha Matupá,<br />

estava superlotado.<br />

Fortunas arrancadas da terra e do leito dos rios da noite para o<br />

dia. Assim era Peixoto, uma cidade onde a imaginária linha que separa<br />

a extrema pobreza da riqueza não passava de um punhado de metal<br />

amarelo que cabia na palma da mão. A cidade de garimpeiros que trabalhavam<br />

do nascer ao pôr do sol era a mesma onde eles se esbaldavam<br />

à noite nas orgias, de crimes e impunidade. Aquele período não<br />

mais existe. Cedeu lugar a uma nova era, de comércio solidificado, de<br />

agricultura e pecuária com sinais de vitalidade, de extração mineral<br />

organizada e ambientalmente correta.<br />

143


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Garimpo - 2014<br />

O ciclo do ouro se estendeu de 1978 ao começo de 1995. A política<br />

mineral do governo federal e até mesmo a escassez do metal para extração<br />

manual pelos garimpeiros decretaram o fim daquele período. Em<br />

1995 no auge da movimentação a população chegou a 47.009 habitantes<br />

e dez <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> despencou para 19.224. Casas vazias, lojas fechadas, a<br />

cidade ganhou ar fantasmagórico.<br />

A aventura se foi. Ficou a realidade peixotense. O município, com<br />

14.257,800 km², na divisa com o Pará, tem 33.296 residentes e sua densidade<br />

demográfica é de 2,16 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice<br />

de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,649 numa escala de zero<br />

a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 345.536.000 e a renda per<br />

capita, de R$ 10.643,67. O rebanho bovino de Peixoto alcançou 315.580<br />

cabeças de mamando a caducando. Em 2016 Peixoto não exportou, mas<br />

importou da Austrália US$ 1.694 (FOB) em concentrados para metais.<br />

O ritmo alucinado da extração foi engolido pelo tempo, mas quem<br />

pensa que o ouro acabou está enganado. O que aconteceu foi o fim da<br />

144


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

aventura e da garimpagem sem critérios ambientais, mas o metal continua<br />

lá, firme, porém em menor quantidade, o que impede o surgimento de<br />

fortunas fáceis como antes, mas em compensação gera renda para o município<br />

e seus vizinhos Novo Mundo, Matupá, Guarantã do Norte, Nova<br />

Guarita e Terra Nova do Norte. Gilson Cambuim, líder da Cooperativa dos<br />

Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe), revelou que em 2015<br />

seus 5 mil cooperados extraíram 1,9 tonelada do metal e estimou que na<br />

área, naquele ano, o volume extraído foi de 4 toneladas. A movimentação<br />

em 2016 somente será apurada em meados de 2017 após cruzamento de<br />

informações.<br />

Peixoto tornou-se distrito de Colíder em 16 de novembro de 1981,<br />

por uma lei de autoria dos deputados Zanete Cardinal e Pedro Lima,<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />

Frederico Campos. A emancipação sobre uma área de Colíder e Sinop<br />

aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei de autoria das bancadas do<br />

PDS e PMDB aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />

governador Júlio Campos.<br />

O município tem a vila de União do Norte, à margem da MT-322 e<br />

distante 90 quilômetros da cidade. É sede de comarca de segunda entrância,<br />

da 33ª Zona Eleitoral, de uma Vara da Justiça do Trabalho e de um<br />

batalhão da Polícia Militar. Parte da área urbana é pavimentada. A água<br />

chega a todos os domicílios e uma limitada rede de esgoto atende aproximadamente<br />

20% da população. Peixoto é um dos divisores das amazônicas<br />

bacias do Teles Pires, formador do Tapajós, e do Xingu.<br />

Em Peixoto 244.931 hectares pertencem a duas áreas indígenas. A<br />

Capoto-Jarina mede <strong>46</strong>7.366 hectares e a Menkragnoti, 124.758 hectares.<br />

Ambas são homologadas. Na primeira estão aldeados caiapós, mentuktires<br />

e tapaiúnas, e dentre eles o cacique Raoni Metuktire. Na outra, caiapós<br />

e menkragnotis.<br />

TRAGÉDIA – Às 20 horas do dia 29 de setembro de 2006 no município<br />

de Peixoto um choque a 37 mil pés de altura entre um Boeing-737 da<br />

145


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Peixoto de Azevedo - 2016<br />

Gol Linhas Aéreas com um jato executivo Legacy 600 da companhia<br />

norte-americana Excel Aire matou os 154 ocupantes do primeiro avião,<br />

sendo que seis eram tripulantes. Os dois pilotos e os cinco passageiros<br />

do Legacy não se feriram e em razão do impacto sofrido pela aeronave<br />

seus comandantes Joseph Lepore e Jean Paul Paladino fizeram um<br />

pouso de emergência no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, mais<br />

conhecido como Base Aérea do Cachimbo, da Força Aérea Brasileira<br />

(FAB) no Pará.<br />

O avião da Gol voava de Manaus para o Rio de Janeiro com escala<br />

em Brasília. O Legacy seguia de São José dos Campos (SP) para<br />

Manaus, onde faria uma escala para atendimento de exigência alfandegária<br />

e <strong>depois</strong> decolaria para os Estados Unidos, onde a Excel tem<br />

base operacional.<br />

1<strong>46</strong>


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O inquérito que apurou as causas do acidente revela que o Legacy<br />

voava com o transponder – peça do sistema de detecção de outras<br />

aeronaves – desligado. O jato executivo bateu na chamada barriga do<br />

avião da Gol e abriu um buraco em sua fuselagem, o que provocou sua<br />

desintegração estrutural e ele caiu na reserva indígena Capoto-Jarina.<br />

Quase uma década <strong>depois</strong> os dois pilotos foram condenados pelo juiz<br />

federal Murilo Mendes, de Sinop, a penas de três <strong>anos</strong>, um mês e 10<br />

dias em regime aberto, por atentado contra a segurança do transporte<br />

aéreo e eles a cumprem nos Estados Unidos, onde residem.<br />

MEMÓRIA - Nos <strong>anos</strong> 1950 e 60, seringueiros da empresa Rio Novo<br />

trabalhavam na área que mais tarde seria o município de Peixoto. Porém,<br />

a fixação do homem somente aconteceu a partir de 1973, com a<br />

abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, e logo em seguida, com a descoberta de ouro por<br />

garimpeiros de Itaituba (PA).<br />

A primeira casa da futura cidade foi construída pelo fazendeiro<br />

Orestes Belmonte de Barros, que chegou à região em 1973, para demarcar<br />

uma área que havia comprado no rio Peixoto de Azevedo. Juntamente<br />

com Orestes, alguns outros proprietários rurais também demarcaram<br />

seus imóveis, mas somente ele permaneceu no lugar.<br />

Encravada às margens da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, a cidade tem suas raízes ligadas<br />

à rodovia. Nas barrancas do rio Peixoto de Azevedo o 9º Batalhão<br />

de Engenharia de Construção do Exército (9º BEC) montou um<br />

acampamento. Em torno dele surgiram casebres, bares, restaurantes,<br />

cabarés, pequenas mercearias, oficinas mecânicas e outros estabelecimentos<br />

que deram origem a um vilarejo perdido na Amazônia.<br />

O nome Peixoto de Azevedo foi dado ao rio que banha a cidade<br />

em homenagem ao tenente da Polícia Militar Antônio Peixoto de Azevedo<br />

citado no capítulo sobre a região. Com o surgimento da vila, inicialmente<br />

sem nome, quem se referia a ela dizia “lá na vila do Peixoto<br />

de Azevedo”. Daí, a denominação do município.<br />

147


Eduardo Gomes de Andrade<br />

União do Sul<br />

XXI<br />

Nome simboliza pensamento de sua gente<br />

Vida pacata, baixa criminalidade, cidade em boa parte pavimentada<br />

e com água universalizada nas residências e área comercial,<br />

mas sem tratamento de esgoto. Assim é União do Sul, na calha do rio<br />

Arraias, afluente do Manissauá-Miçu, ou simplesmente Manito, na<br />

Bacia do Rio Xingu. O município faz limite com o Parque Indígena<br />

do Xingu.<br />

Com 4.581,910 km², 3.509 residentes e densidade demográfica<br />

de 0,82 habitante por quilômetro quadrado, em 2016, União do<br />

148


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Sul registrou Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,665<br />

numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) era de R$<br />

86.709.000. A renda per capita alcançava R$ 24.126,02. O município<br />

exportou em madeira para os Estados Unidos e África do Sul US$<br />

1.665.028 (FOB) e nada importou.<br />

A economia em seus primórdios era baseada na extração e beneficiamento<br />

da madeira. Gradualmente as lavouras mecanizadas<br />

avançaram sobre o município e hoje o cultivo da soja e de sua rotação<br />

de cultura são os pilares econômicos.<br />

A cidade dista 160 quilômetros de Sinop por rodovia parcialmente<br />

pavimentada. Em dezembro de 2016 havia dois trechos sem<br />

pavimentação na MT-423 entre Cláudia e União do Sul, que juntos<br />

somam 37 quilômetros. Além desse gargalo no trajeto, a ponte de<br />

madeira sobre o rio Tartaruga esperava por sua substituição por uma<br />

de concreto, e definitiva.<br />

MEMÓRIA - No começo dos <strong>anos</strong> 1980, o corretor de imóveis Manoel<br />

Cavalcante vendeu propriedades rurais na região onde mais tarde<br />

surgiria o município de União do Sul. A gleba por ele comercializada<br />

inicialmente chamou-se Paralelo 16 e posteriormente Itaipu. Os compradores,<br />

porém, enfrentaram problemas porque a documentação<br />

não era legal. Com isso, surgiram questões agrárias com sérios desdobramentos<br />

judiciais, muitos dos quais ainda pendentes.<br />

A região, à época, refletia a balbúrdia agrária mato-grossense,<br />

com terras sem documentos e documentos sem terras. Além de Manoel<br />

Cavalcante, outros vendedores de imóveis rurais surgiram na área oferecendo<br />

e vendendo glebas como se fossem suas. Ainda hoje, boa parte<br />

das fazendas e sítios não têm títulos definitivos.<br />

Para suporte aos proprietários rurais, a exemplo do que acontecia<br />

nos demais projetos de colonização em Mato Grosso, Manoel Cavalcante<br />

abriu uma clareira na mata e em 28 de agosto de 1983 o vazio<br />

demográfico foi vencido pelo surgimento de uma vila, que formalmen-<br />

149


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Igreja atual<br />

Igreja antiga<br />

Adelmo Ragnini<br />

150


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

te nasceu naquela data e não tinha nome oficial. Alguns a chamavam<br />

de Paralelo 16, outros de União – em alusão a uma gleba existente na<br />

região. A indefinição quanto ao nome dificultava e, não raramente,<br />

impedia o recebimento de correspondência por parte dos moradores.<br />

Para se verem livres desse problema, os habitantes resolveram que deveriam<br />

definir a questão da denominação do lugar.<br />

O crescimento da vila resultou em sua emancipação no dia 21<br />

de dezembro de 1995, data em que o governador Dante de Oliveira<br />

sancionou uma lei de autoria do deputado Ricarte de Freitas e aprovada<br />

pela Assembleia Legislativa criando União do Sul desmembrado<br />

de Cláudia, Marcelândia e Santa Carmem. O município pertence<br />

à comarca de primeira entrância de Cláudia.<br />

MÃOS DADAS - Entendimento zero. Uns defendiam Nova Concórdia<br />

em alusão à cidade de Concórdia (SC), de onde procediam. Outros<br />

apresentavam mais opções. A consensualidade parecia algo impossível<br />

na tarde do domingo 12 de agosto de 1984, quando um grupo de<br />

moradores se reuniu para escolher a denominação da vila, após rezar o<br />

terço na Igreja Nossa Senhora Aparecida. A discordância deu lugar ao<br />

consenso após o sitiante e dono de serraria Adelmo Ragnini, gaúcho de<br />

Cacique Doble, sugerir União do Sul.<br />

A sugestão soou bem e caiu no agrado da maioria por simbolizar<br />

o estado de espírito dos pioneiros da vila União ou vila Paralelo<br />

16, como era chamado o recém-fundado vilarejo, hoje cidade de<br />

União do Sul, na calha do rio Tartaruga.<br />

Adelmo deve ser caso único de cidadão brasileiro residente<br />

numa cidade cujo nome foi por ele escolhido e diz que se sente feliz<br />

pela aceitação de sua sugestão. “Poucos homens escolheram o nome<br />

de sua cidade; eu sou um deles”, comenta com uma ponta de orgulho,<br />

que nem mesmo sua simplicidade e mãos calejadas no trabalho<br />

diário conseguem esconder.<br />

151


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Itanhangá<br />

XXII<br />

Do pesadelo ao sonho bom<br />

Fazenda Vale do Arinos, município de Tapurah, 12 de agosto<br />

de 1994. O pesadelo vira sonho. Sonho bom para 1.149 famílias<br />

de Lucas do Rio Verde, Diamantino e Tapurah, que um dia antes<br />

desmontaram suas barracas de lona plástica defronte ao Incra, em<br />

Cuiabá, e chegaram ao Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá,<br />

numa área do Incra em Tapurah. Esse foi o embrião de Itanhangá.<br />

O vento soprava forte no cerrado quando as famílias desembarcavam.<br />

Antes da chegada, peregrinaram por 30 dias num acam-<br />

152


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

pamento na fazenda São João, em Diamantino, até serem despejadas<br />

em 9 de maio de 1994. De lá, um grupo foi para Cuiabá e<br />

montou barracas na porta do Incra. Negocia dali, negocia daqui e<br />

o assentamento em Itanhangá saiu do papel. Virou realidade. Virou<br />

vila em 12 de agosto daquele ano e cidade em 29 de março<br />

de 2000 por uma lei sancionada pelo governador Dante de Oliveira,<br />

oriunda de projeto de lei do deputado José Riva aprovado pela<br />

Assembleia Legislativa. Itanhangá pertence à comarca de primeira<br />

entrância de Tapurah.<br />

A denominação do município tem origem na sabedoria popular.<br />

Em tupi-guarani a palavra itanhangá significa pedra de fogo.<br />

Antigos moradores juram que era muito comum se avistarem bolas<br />

de fogo nas áreas acidentadas próximo ao perímetro urbano. Daí deu<br />

no que deu.<br />

Itanhangá é cidade com baixo índice de criminalidade, mas já<br />

carregou a pecha de ser a terceira em número de mortes violentas no<br />

país. O Mapa da Violência dos Municípios em 2008, publicado pelo<br />

Ministério da Justiça com base em dados de 2006, revelou que para<br />

cada grupo de 100 mil moradores em Itanhangá 105,7 foram assassinados.<br />

No topo do ranking ficou Coronel Sapucaia (MS), com 107,2<br />

para igual grupo.<br />

O Mapa não computou o caso do então presidente da Câmara<br />

de Itanhangá, Hildo Cezar Dallapria (PP), que em 20 de junho de<br />

2006 foi vítima de emboscada. Dallapria foi atingido por oito tiros de<br />

calibre 22 e teve uma das mãos parcialmente mutilada pelas balas.<br />

Seu caso foi um entre tantos outros da violência que reinava no município,<br />

mas que não somaram para a composição daquele indicador.<br />

Em 2007 Dallapria me recebeu em sua casa para uma entrevista<br />

e disse que o atentado teve motivação política. Acrescentou<br />

que tentou provar isso no inquérito policial, mas que o caso mergulhou<br />

numa densa nuvem e acabou abafado por forças poderosas.<br />

153


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Maria Ramos<br />

SONHADORA - Dona Maria Ramos estava entre os que sonharam com<br />

Itanhangá e, acompanhando seu marido, Geraldo, chegou àquele lugar<br />

junto com os demais pioneiros. O Incra não contemplou dona Maria com<br />

parcela da reforma agrária, mas isso não a desanimou. Ela e Geraldo<br />

criaram cinco filhos e agora o casal tem 12 netos.<br />

Sem chão pra plantar, Geraldo se vira na construção civil na cidade.<br />

O sonho de dona Maria não acabou; agora ele é por dias melhores<br />

para a filharada, “nesta terra boa de viver”, como diz, mantendo o sotaque<br />

mineiro que trouxe de sua terra, Governador Valadares.<br />

ITANHANGÁ - Juntamente com o vizinho Ipiranga do Norte, é o município<br />

mais novo de Mato Grosso. Sua instalação aconteceu em 1º de janeiro<br />

de 2005. A área territorial é de 2.898,075 km². Em 2016 a população<br />

era de 6.252 moradores, com densidade demográfica de 1,82 habitante<br />

por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)<br />

é de 0,710 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de<br />

154


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

R$ 177.533.000 e a renda per capita, de R$ 29.837,47. A economia local<br />

ainda não se inseriu ao mercado internacional.<br />

A cidade não tem tratamento de esgoto, mas a água atende a todos<br />

os domicílios. Parte de Itanhangá é pavimentada. As vilas de Simioni e<br />

Monte Alto lhe pertencem. O município é banhado pelo rio Arinos, da<br />

Bacia do Juruena.<br />

Por rodovia, com alternativas de trajeto, Itanhangá dista <strong>46</strong>0 quilômetros<br />

de Cuiabá. No final de 2016 um dos trajetos tinha um trecho<br />

de 36 quilômetros em pavimentação. No outro faltavam 16 quilômetros<br />

para a interligação com a malha rodoviária pavimentada.<br />

Em 2016, transcorridos 22 <strong>anos</strong> do desembarque dos parceleiros<br />

pioneiros, o assentamento que os recebeu ainda não foi emancipado<br />

pelo Incra. Muitos contemplados com lotes os deixaram, os venderam<br />

por meio de contratos de gaveta, partiram em busca de novos horizontes,<br />

porque a burocracia do Incra infernizava suas vidas – dentre eles<br />

também havia os “profissionais” da reforma agrária, que aportam em<br />

assentamentos para levar algum tipo de vantagem.<br />

A terra fértil de Itanhangá e a topografia que permite a mecanização<br />

despertaram interesse em produtores rurais e alguns compraram<br />

ou arrendaram lotes para o cultivo da soja e milho safrinha. Com isso o<br />

município passou a se integrar ao modelo econômico de sua região, que<br />

é um dos principais polos do agronegócio brasileiro. Essa alteração no<br />

mosaico fundiário levou o governo federal, em 2010, a investigar o que<br />

se passava por lá.<br />

Em novembro de 2014, portanto quatro <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> do início das<br />

investigações, Itanhangá foi destaque na imprensa com a deflagração<br />

pela Polícia Federal da Operação Terra Prometida para desbaratar um<br />

esquema criminoso de venda e posse irregular de lotes do assentamento<br />

que deu origem ao lugar. Essa operação foi levada a efeito por 350 policiais<br />

de oito estados, que cumpriram 1<strong>46</strong> mandados de busca e apreensão<br />

e efetuaram mais de 20 prisões.<br />

Dentre os presos na Operação Terra Prometida, o empresário Marino<br />

Franz, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde, e Odair e Milton Geller,<br />

155


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Silvestre Caminski<br />

que são irmãos de Neri Geller, à época ministro da Agricultura. Milton<br />

foi prefeito de Tapurah. Franz e os irmãos Geller foram soltos. O nome<br />

de Neri chegou a ser citado na operação, mas o Ministério Público Federal<br />

apurou que ele não teve participação no caso.<br />

Em 19 de dezembro de 2014, quando a operação estava em fase<br />

de tramitação de inquéritos e com diligências em campo, a Polícia Federal<br />

prendeu na Assembleia Legislativa o vereador por Itanhangá Silvestre<br />

Caminski (PPS) logo após sua fala numa audiência pública que<br />

discutia a questão das terras da União. A justificativa para a prisão foi a<br />

preservação das investigações. Tal audiência foi requerida pelos deputados<br />

Nininho Bortolini (à época PR e agora PSD) e Ezequiel Fonseca<br />

(PP, agora deputado federal). Caminski foi solto e o caso continua em<br />

curso com tempero em banho-maria, como tradicionalmente acontece<br />

nas questões agrárias.<br />

156


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Novo Horizonte do Norte<br />

XXIII<br />

A segunda povoação mais antiga da região<br />

Novo Horizonte do Norte foi colonizado pelo empresário paulista<br />

José Kara José, que para tanto criou a Imobiliária Mato Grosso (Imagrol).<br />

É o menor município do <strong>Nortão</strong>. Sua área é de 879,662 km². A média<br />

territorial dos municípios da região é de 6.658 km², dos quais o maior é<br />

Juara, com 22.641,187 km².<br />

Em 2016 a população era de 3.862 residentes e densidade demográfica,<br />

de 4,26 habitantes por quilômetro quadrado. A cidade é plana,<br />

parcialmente pavimentada e a água é distribuída em todas as moradias,<br />

mas não há tratamento de esgoto. O rio Arinos, afluente do Juruena que<br />

é formador do Tapajós, banha o município.<br />

157


Eduardo Gomes de Andrade<br />

A pecuária é a principal base econômica. O rebanho bovino tem<br />

97.306 cabeças de mamando a caducando. O Produto Interno Bruto (PIB)<br />

é de R$ 44.734.000 e a renda per capita, de R$ 11.679,93. O Índice de<br />

Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,664 numa escala de zero a um.<br />

A economia do município não está inserida na balança comercial. Novo<br />

Horizonte do Norte pertence à comarca de primeira entrância de Porto<br />

dos Gaúchos.<br />

A cidade dista 30 quilômetros de Juara no rumo sul, por rodovia<br />

pavimentada. Seu trajeto rodoviário na ligação com Cuiabá é o mesmo<br />

daquela cidade, observada a distância entre elas. Os detalhes estão no<br />

capítulo sobre Juara.<br />

A colonização da gleba que posteriormente se transformaria no<br />

município de Novo Horizonte do Norte começou em 21 de agosto de<br />

1968, por intermédio da Imagrol. O nome primitivo era Novo Horizonte.<br />

Um escritório da empresa, instalado em Maringá, no Paraná, centralizava<br />

a venda de áreas de tamanhos variados na zona rural.<br />

Antes de ampliar seus negócios no Estado e colonizar aquela área<br />

no Vale do Arinos, José Kara José mantinha atividades agropecuárias no<br />

Vale do Jurigue, no município de Pedra Preta, polo de Rondonópolis.<br />

Entusiasmado com o projeto de implantar uma cidade na Amazônia, ele<br />

escolheu o nome de Novo Horizonte para o futuro município, por acreditar<br />

que ali todos teriam um imenso horizonte pela frente.<br />

Nos primeiros <strong>anos</strong>, durante o período das chuvas, Novo Horizonte<br />

ficava isolado de Porto dos Gaúchos e Cuiabá enquanto as águas<br />

do pequeno rio Mestre Falcão permanecessem cobrindo a única rodovia<br />

que a ligava a Juara e ao restante de Mato Grosso. Na seca não havia problema<br />

com estrada, mas eram poucos os veículos que por ali trafegavam.<br />

Antigos moradores que faziam compras de supermercado em Porto dos<br />

Gaúchos dependiam de carona.<br />

Vila pertencente a Porto dos Gaúchos, Novo Horizonte virou distrito<br />

daquele município em 31 de maio de 1976 por uma lei sancionada<br />

pelo governador Garcia Neto. Em 13 de maio de 1986 o governador Júlio<br />

Campos sancionou uma lei de autoria das bancadas do PDS, PFL e<br />

PMDB aprovada pela Assembleia Legislativa emancipando o distrito e<br />

mudando seu nome para Novo Horizonte do Norte.<br />

158


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nova Guarita<br />

XXIV<br />

Expulsos por índios encontram abrigo<br />

Nova Guarita é uma das marcas deixadas em Mato Grosso pelo<br />

pastor luterano, político e colonizador Norberto Schwantes. Sua colonização<br />

resolveu um grave problema social no Rio Grande do Sul,<br />

onde centenas de famílias de agricultores que plantavam nos municípios<br />

de Tenente Portela, Guarita e Miraguaí foram expulsos pelos índios<br />

caingangues.<br />

Sem área para o cultivo, os agricultores foram atendidos por<br />

uma parceria do governo federal com os estados de Mato Grosso e Rio<br />

Grande do Sul, que foi executada por Schwantes, que liderava a Cooperativa<br />

Agropecuária Mista Canarana (Coopercana). Schwantes implantou<br />

um programa de colonização onde mais tarde surgiria o município<br />

de Nova Guarita. Os primeiros parceleiros chegaram à gleba em<br />

159


Eduardo Gomes de Andrade<br />

1978. O nome é homenagem à cidade de Guarita, no Rio Grande do Sul,<br />

de onde provinham muitos dos pioneiros.<br />

Schwantes adotou ali o sistema de agrovilas, que se expandiu<br />

pela Amazônia. Para assegurar serviços básicos aos colonos ele criou e<br />

vila de Guarita em 22 de outubro de 1978. A terra foi vendida a preço<br />

quase simbólico e com facilidade de pagamento. Quem adquiriu lote<br />

rural padrão de 200 hectares ainda recebeu uma chácara nas imediações<br />

da área urbana. Da área vendida aos colonos eles somente poderiam<br />

explorar 50% e o restante seria parte de uma reserva legal condominial,<br />

que na prática nunca se efetivou plenamente.<br />

O agricultor Mário Nerves, o Nenão, chegou à gleba na primeira<br />

leva com 90 colonos, no final de 1978. Ele integrava o grupo expulso<br />

pelos índios. Em 1999 o entrevistei para um material sobre os 500 <strong>anos</strong><br />

do Brasil em 2000. A família Nerves se adaptou ao lugar. Nenão me<br />

disse que ele e sua mulher dona Marilda Nerves têm filhos e netos nascidos<br />

em Nova Guarita.<br />

Planejada para a agricultura familiar, Guarita foi desfigurada<br />

socialmente com o ciclo do ouro, o que é abordado com detalhes no<br />

capítulo sobre Peixoto de Azevedo. Em 1995, com a redução do garimpo,<br />

a gleba reencontrou-se com a agricultura. O município foi palco de<br />

conflitos fundiários, mas conseguiu superá-los.<br />

Nova Guarita é pacata, com ruas pavimentadas, água nas residências,<br />

mas sem tratamento de esgoto. Sua área é de 1.114,126 quilômetros<br />

quadrados. Em 2016 a população era de 4.523 habitantes com<br />

4,43 indivíduos por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,688 numa escala de zero a um. O Produto<br />

Interno Bruto (PIB) é de R$ 64.679.000 e a renda per capita, de<br />

R$ 13.879,57. O município não exporta nem importa. Sua economia é<br />

calcada na pecuária bovina, com rebanho de 130.893 cabeças de mamando<br />

a caducando; o leite é fonte de renda para famílias de pequenos<br />

criadores, que o destina à plataforma de uma cooperativa na vizinha<br />

Terra Nova do Norte. A extração de madeira aconteceu enquanto havia<br />

matéria-prima para os madeireiros.<br />

160


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Crianças de Nova Guarita<br />

O município é banhado pelo rio Peixoto de Azevedo, da Bacia<br />

do Teles Pires, e pertence à comarca de primeira entrância de<br />

Terra Nova do Norte. A cidade dista 50 quilômetros da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e<br />

sua ligação é feita pela Rodovia Diego Felipe Dal Bosco (MT-208),<br />

pavimentada.<br />

Nova Guarita emancipou-se de Colíder, Terra Nova do Norte<br />

e Peixoto de Azevedo por uma lei de autoria do deputado Lincoln<br />

Saggin, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em 19 de<br />

dezembro de 1991 pelo governador Jayme Campos.<br />

ALÔ - Com o avanço das comunicações a cidade está integrada ao<br />

mundo pela internet, mas no passado não muito distante as novidades<br />

do lugar eram tornadas públicas pelo serviço de alto-falantes<br />

batizado pela irreverência popular por “Pau da fofoca” – alusão à<br />

colocação dos mesmos no alto de alguns postes.<br />

161


Eduardo Gomes de Andrade<br />

XXV<br />

Juara é o maior município do <strong>Nortão</strong><br />

Juara é um município com área superior à de Israel ou Sergipe.<br />

Seu território tem 22.641,187 km² – o maior do <strong>Nortão</strong> –, com 33.731<br />

moradores e densidade demográfica de 1,45 habitante por quilômetro<br />

quadrado.<br />

A cidade é parcialmente pavimentada e tem ensino superior. O<br />

lixo é recolhido e jogado num lixão. A água, em concessão municipal,<br />

chega a todos os endereços na cidade. Estima-se que 20% do esgoto são<br />

captados. O rio Arinos, da Bacia do Juruena, vizinho do perímetro urbano,<br />

é a principal área de lazer no período das águas baixas. O maior<br />

evento do município e região é a Expovale, a exposição agropecuária e<br />

industrial. O município tem as vilas de Águas Claras, Paranorte e Catuaí.<br />

Juara tem duas reservas indígenas regularizadas: Apiaka-Kaiabi,<br />

com 103.689 hectares (ha), dos apiakas, kaiabis e mundurukus; e<br />

Japuíra, com 1<strong>46</strong>.353 ha dos rikbaktsas; e uma em fase de regulariza-<br />

162


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

ção: Batelão, dos kaiabis, com 4.063 ha naquele município, mas que se<br />

estende a Nova Canaã do Norte. As terras indígenas respondem por<br />

22% da área juarense.<br />

Os dois principais acessos rodoviários a Cuiabá ainda não foram<br />

totalmente asfaltados. Em ambos há trecho encascalhado. Um trajeto alternativo<br />

com 800 quilômetros via Brasnorte, no Chapadão do Parecis,<br />

liga as duas cidades por rodovia pavimentada. Pela rota mais curta, via<br />

Lucas do Rio Verde e Porto dos Gaúchos, a distância cai para 640 quilômetros,<br />

mas tem o gargalo do trecho sem pavimentação.<br />

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 625.837.000 e a renda per<br />

capita, de R$ 18.691,19. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)<br />

é de 0,682 uma escala de zero a um. O pilar da economia é a pecuária,<br />

com rebanho de 944.605 cabeças, mas nos primórdios da colonização a<br />

principal atividade foi a cafeicultura.<br />

Polo pecuário em Mato Grosso, em 2016 Juara exportou US$<br />

2.809.585 (FOB) em carne bovina para a Hong Kong e Egito, e não efetuou<br />

importação.<br />

Em 2012, em Cuiabá, num seminário sobre mineralogia promovido<br />

em parceria pelo Departamento Nacional de Produção Mineral<br />

(DNPM) e a Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), o<br />

presidente da IMS Engenharia Mineral, de Minas Gerais, Juvenil Tibúrcio<br />

Félix, detalhou o depósito mato-grossense de minério de ferro. Citou<br />

que Juara tem 3 bilhões de toneladas desse minério. Fora do <strong>Nortão</strong> há<br />

depósitos em Juína, Cocalinho e Mirassol D’Oeste – onde foi descoberto<br />

fosfato, numa área pertencente ao ex-banqueiro Daniel Dantas.<br />

Félix defendeu a construção de uma ferrovia para o escoamento<br />

do minério de Juara e Juína para Porto Velho (RO), de onde seria transportado<br />

por barcaças até Itacoatiara (AM), no rio Amazonas, e dali em<br />

navios para o mercado mundial.<br />

O executor da colonização foi José Pedro Dias, o Zé Paraná, sócio<br />

e executivo da Sociedade Imobiliária da Bacia Amazônica (Sibal), que<br />

iniciou a colonização da Gleba Taquaral, de 35.900 hectares no município<br />

de Porto dos Gaúchos, área na qual fundou aquela que seria a<br />

cidade de Juara, à margem do rio Arinos.<br />

<strong>163</strong>


Eduardo Gomes de Andrade<br />

O marco do início da colonização urbana da gleba Taquaral foi<br />

cravado em 8 de julho de 1973. No inverno amazônico ou período das<br />

águas altas o acesso ao lugar era feito pelo rio Arinos. No verão amazônico<br />

ou estiagem, uma precária trilha conhecida como Estrada da Baiana<br />

ligava a vila à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

A vila e <strong>depois</strong> distrito (04/07/76) de Juara pertencia a Porto dos<br />

Gaúchos. Lei de autoria dos deputados Oscar Ribeiro e Osvaldo Sobrinho,<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em 23 de<br />

setembro de 1981 pelo governador Frederico Campos, a emancipou e<br />

hoje o município é sede de comarca de segunda entrância e da 27ª Zona<br />

Eleitoral. A cidade tem uma vara da Justiça do Trabalho.<br />

Tanto os colonizadores quanto os primeiros moradores das vilas<br />

que pipocavam por todos os lados no <strong>Nortão</strong> vibravam com seu<br />

crescimento. Exemplo disso aconteceu com Zé Paraná, que cumpriu,<br />

alegre, a promessa feita ao Menino Jesus: lavar com cerveja o primeiro<br />

ônibus que ali chegasse. Nessa tarefa não faltaram mãos para o<br />

ajudarem nem bocas para bons goles da loira bem gelada que não<br />

foram utilizados no ritual.<br />

Muitos pioneiros deixaram seus lugares de origem em busca<br />

do sonho da realização, na Amazônia Mato-grossense. Parte trazia<br />

consigo mágoas ou tristeza pelos fracassos comerciais ou no campo.<br />

Outros tantos chegavam com a cara e a coragem. Todos, indistintamente,<br />

tinham algumas coisas em comum: o trabalho, a falta de lazer,<br />

a distância de tudo, o risco da malária. Toda conquista coletiva virava<br />

motivo de comemoração.<br />

O NOME - Em 1972 o mineiro Antônio Corrêa Faria, natural de Manhuaçu,<br />

conhecedor da cafeicultura e que residia em Juscimeira, comprou<br />

uma área em Taquaral e foi o primeiro agricultor a cultivar café<br />

naquela região. Corrêa contou que os pioneiros não gostavam da denominação<br />

do lugar. Daí trocaram Taquaral por Juarinos, que é a fusão<br />

dos nomes dos rios Juruena com Arinos; por se tratar de palavra comprida<br />

para o linguajar popular a mudaram para Juara, de pronúncia<br />

reduzida e forte, e que em tupi significa moça bonita.<br />

164


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Zé Paraná<br />

ZÉ PARANÁ - Na vida pública foi vereador e vice-prefeito de Diamantino,<br />

prefeito de Porto dos Gaúchos e duas vezes prefeito de Juara. Na<br />

iniciativa privada fundou Juara e Tabaporã e trabalhou na colonização<br />

de Porto dos Gaúchos. Homem simples, de origem humilde, com cheiro<br />

de povo, Zé Paraná sempre tinha palavra incentivadora e ombro amigo<br />

aos pioneiros da região que desbravava. Vítima de câncer no intestino,<br />

morreu aos 75 <strong>anos</strong> no dia 28 de fevereiro de 2004, em Juara, onde foi<br />

sepultado. Figura mais importante na ocupação do vazio demográfico<br />

do Vale do Rio Arinos. Este é o currículo do paranaense de Santo Antônio<br />

da Platina José Pedro Dias, o Zé Paraná, que escreveu com mãos<br />

limpas e honradez uma das páginas da transformação econômica de<br />

Mato Grosso.<br />

165


Eduardo Gomes de Andrade<br />

XXVI<br />

Nome do município reverencia uma árvore<br />

Mato Grosso tem uma cidade que nasceu da extração da madeira:<br />

Itaúba, em homenagem a uma espécie nobre da flora amazônica. A<br />

cidade tem topografia levemente ondulada, boa parte das ruas é pavimentada,<br />

a água chega a todos os domicílios, mas não há coleta e tratamento<br />

de esgoto; a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> cruza o perímetro urbano, onde há barracas<br />

de vendas de castanha-do-brasil à margem da rodovia. O município é<br />

banhado pelo rio Teles Pires.<br />

O município tem suas origens ligadas à extração de madeira no<br />

eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Em 1972, logo após a abertura dessa rodovia, os irmãos<br />

Adelino, Ildo e Ivo Bedin compraram uma área de mata de 20<br />

mil hectares nas imediações do lugar onde mais tarde seria a cidade de<br />

Itaúba. Os Bedin atuavam no ramo madeireiro em Ouro Verde, distrito<br />

166


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Itaúba<br />

de Abelardo Luz (SC), e se transferiram para Mato Grosso em função<br />

da madeira aqui existente ao passo que em Santa Catarina ela já faltava<br />

àquela época.<br />

À margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, distante 20 quilômetros da cidade, a<br />

vila de Castanheira pertence a Itaúba. O município é sede de comarca<br />

de primeira entrância. Sua área é de 4.529,581 km² com 3.905<br />

residentes em 2016 e densidade demográfica de 1,01 habitante por<br />

quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) é de 0,690 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto<br />

(PIB) alcançou R$ 114.088.000 e a renda per capita, R$ 27.664,32.<br />

Itaúba não está inserido na balança comercial. Sua base econômica é<br />

o agronegócio. O rebanho bovino é de 103.108 cabeças de mamando<br />

a caducando.<br />

Anualmente, em 12 de outubro, Dia da Padroeira do Brasil,<br />

Nossa Senhora Aparecida, a igreja católica realiza uma procissão que<br />

percorre 5 quilômetros entre a cidade e uma capela de Nossa Senhora<br />

Aparecida à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> rumo norte.<br />

167


Eduardo Gomes de Andrade<br />

MEMÓRIA - Em 1973, os Bedin instalaram a Indústria de Madeiras<br />

Renato (Imarel), à margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido sul-norte,<br />

numa área recém-adquirida por eles e, um ano <strong>depois</strong>, a indústria<br />

entrou em operação. A palavra Renato no registro da Junta Comercial<br />

é alusão ao rio Renato – afluente do Teles Pires – que banha as imediações<br />

de Itaúba e ali mesmo deságua. Posteriormente a empresa sofreu<br />

alterações contratuais até se transformar no Grupo Bedin.<br />

Com os Bedin vieram para Mato Grosso vários funcionários que<br />

trabalhavam com eles em Santa Catarina. Em torno da serraria o grupo<br />

construiu casas para esse pessoal e ao lado delas surgiram estabelecimentos<br />

comerciais. Assim nasceu uma vila que sequer nome tinha e<br />

pertencia ao município de Chapada dos Guimarães. Em 1979, Colíder<br />

se emancipou e a futura Itaúba, para se tornar seu distrito, precisou<br />

ganhar um nome. De maneira quase consensual, seus primeiros moradores<br />

optaram pela denominação atual.<br />

O distrito de Itaúba foi criado em 18 de dezembro de 1977 pelo<br />

governador Garcia Neto, no município de Chapada dos Guimarães.<br />

A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986, data em que o governador<br />

Júlio Campos sancionou uma lei de autoria do PDS e PMDB<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa desmembrando Itaúba de Colíder,<br />

Diamantino e Sinop.<br />

168


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nova Monte Verde - 2016<br />

XXVII<br />

Gervásio Azevedo fundou Nova Monte Verde<br />

Gervásio Azevedo, o colonizador, estampou um sorriso largo<br />

quando os tratores concluíram a abertura da Avenida Mato Grosso, a<br />

primeira do lugar. O calendário marcava 19 de agosto de 1984. Aquela<br />

data tornou-se o marco da fundação de Nova Monte Verde, mas um<br />

ano antes Gervásio já fazia das tripas coração para vender lotes rurais<br />

naquela área, por meio de sua Imobiliária Monte Verde, que recebeu<br />

esse nome em alusão a uma elevação na região.<br />

169


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Enquanto agricultores e pecuaristas pioneiros derrubavam a<br />

mata, a área urbana era ocupada. Em 18 de maio de 1987, portanto<br />

menos de três <strong>anos</strong> após a abertura da Avenida Mato Grosso, a vila que<br />

nasceu com o nome de Monte Verde foi elevada a distrito de Alta Floresta<br />

por uma lei de autoria do deputado João Teixeira aprovada pela<br />

Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Carlos Bezerra.<br />

O acesso ao lugar era difícil. No verão amazônico a MT-208 desaparecia<br />

num corredor de poeira nos 160 quilômetros entre Monte<br />

Verde e Alta Floresta. No inverno na região a estrada virava um atoleiro<br />

sem fim; quando os rios transbordavam o trânsito era interrompido.<br />

A malária tinha contornos de hiperendemia. No entorno, em Apiacás<br />

e Paranaíta, o garimpo do ouro gerava violência e esvaziava o campo.<br />

Nada disso esmorecia os moradores do distrito de Gervásio.<br />

Em 20 de dezembro de 1991, com 3.954 habitantes, Monte Verde<br />

teve o nome alterado para Nova Monte Verde. Naquela data o<br />

distrito virou município por força de uma lei de autoria do deputado<br />

João Teixeira e sancionada pelo governador Jayme Campos. A superfície<br />

para sua criação incluiu áreas de Alta Floresta, Apiacás e Juara.<br />

Quando em 13 de abril de 2004 o governador Blairo Maggi sancionou<br />

uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa criando a comarca de primeira entrância de Nova<br />

Monte Verde, sua população era de 8.254 habitantes. No passo seguinte<br />

a cidade tornou-se sede da 50ª Zona Eleitoral.<br />

O município tem tradição no cultivo do café conilon, mas a base<br />

de sua sustentação econômica é a pecuária. Um frigorífico para abate<br />

bovino instalou-se na cidade, mas baixou as portas em 2009. Um laticínio<br />

recebe em sua plataforma o leite da pecuária regional.<br />

Não há captação nem distribuição de água às residências. Os moradores<br />

lançam mão de cacimbas e em alguns casos, de poços semiartesi<strong>anos</strong>.<br />

Coleta e tratamento de esgoto são coisas estranhas por lá. O lixo<br />

é deixado num lixão a céu aberto. No final de 2016 a pavimentação da<br />

MT-208 entre a cidade e Alta Floresta não estava concluída; faltavam<br />

170


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Nova Monte Verde - 2006<br />

12 quilômetros para a o término daquela obra e a substituição das antigas<br />

pontes no trajeto. O município tem o distrito de São José do Apuí<br />

e a vila de Alto Paraíso. Nova Monte Verde é um dos divisores das<br />

amazônicas bacias do Juruena e Teles Pires, que formam o rio Tapajós.<br />

A área do município é de 5.048,543 km² e em 2016 tinha 8.730<br />

moradores, com densidade demográfica de 1,54 habitante por quilômetro<br />

quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 129.085.000. A<br />

renda per capita, de R$ 15.110,04. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) numa escala de zero a um é 0,691. Em 2016 Nova Monte Verde<br />

exportou US$ 249.500 (FOB) em madeira, para o México e Eslovênia;<br />

no período não efetuou importação. A cidade dista 960 quilômetros de<br />

Cuiabá via Alta Floresta, Sinop e Nobres.<br />

171


Eduardo Gomes de Andrade<br />

XXVIII<br />

Nova Santa Helena, à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

O povoamento da região da então vila de Santa Helena, no município<br />

de Chapada dos Guimarães, teve início em 1973, com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

que cruza o perímetro urbano. Agricultores e pecuaristas abriram fazendas<br />

na gleba Atlântica, que <strong>anos</strong> mais tarde se tornaria vila.<br />

A área urbana surgiu em 24 de março de 1984, no recém-criado<br />

município de Colíder, tendo por colonizadora a empresa Comarco, de<br />

172


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

São Paulo, que atuava na região vendendo áreas desde 1979. O primeiro<br />

estabelecimento da vila foi um mercado montado à margem da <strong>BR</strong>-<br />

<strong>163</strong> pelo paranaense João Barrichelo. Em seguida, Lázaro Ferreira, que<br />

morava em Marcelândia, montou um bar e rodoviária, uma vez que a<br />

localidade fica no entroncamento rodoviário da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com a MT-320,<br />

que dá acesso a Alta Floresta.<br />

O comércio e prestação de serviço aos usuários da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> criaram<br />

infraestrutura na vila. Surgiram posto de abastecimento, borracharias,<br />

oficinas mecânicas, bares, restaurantes, churrascaria, boates e um<br />

comércio informal na margem da rodovia para a venda de castanha-<br />

-do-brasil.<br />

A escolha do nome Santa Helena foi da Comarco. Em 28 de janeiro<br />

de 1998 o governador Dante de Oliveira sancionou uma lei de<br />

autoria do deputado Jorge Abreu aprovada pela Assembleia Legislativa<br />

criando o município, que foi desmembrado de Itaúba e Cláudia e<br />

ganhou o nome de Nova Santa Helena.<br />

A área territorial é de 2.359,829 km². Com base em números de<br />

2016 a população é de 3.581 moradores e a densidade demográfica,<br />

de 1,47 habitante por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um. O Produto<br />

Interno Bruto (PIB) é de R$ 66.118.000 e a renda per capita, de<br />

R$ 18.624,77.<br />

A água chega aos domicílios, o lixo é recolhido, mas não há<br />

rede de esgoto. Algumas vias têm galerias pluviais. Distante 48 quilômetros<br />

da cidade, a vila Atlântica tem infraestrutura razoável. O<br />

município é um dos divisores das amazônicas bacias do Teles Pires<br />

e do Xingu.<br />

A economia de Nova Santa Helena está em seu segundo ciclo.<br />

Primeiro foi a extração da madeira, que se exauriu. Depois a pecuária,<br />

que agora divide a base econômica com a agricultura. O município tem<br />

um rebanho bovino com 123.4<strong>46</strong> cabeças de mamando a caducando.<br />

173


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Estudantes<br />

Em 2016 o município exportou US$ 140.481.255 (FOB) em soja e milho<br />

para o Irã, China, Taiwan, Vietnã, Malásia, Coreia do Sul e Egito;<br />

no período não efetuou importação. O Irã respondeu por US$ 35,9<br />

milhões desse montante.<br />

MEMÓRIA - Roque Carrara, primeiro prefeito, tomou posse em janeiro<br />

de 2001. O município tinha por patrimônio público 220 lotes urb<strong>anos</strong><br />

medindo 10x30 m, cedidos pela prefeitura de Itaúba, que os havia<br />

recebido para quitação de tributos da Comarco. Ele, porém, teve problemas,<br />

pois parte da cidade não era titulada. Para começar sua frota,<br />

Nova Santa Helena ganhou uma ambulância doada pelo deputado estadual<br />

José Riva.<br />

A agência dos Correios de Nova Santa Helena é franqueada e foi<br />

inaugurada em novembro de 2002 pelo ministro das Comunicações,<br />

João Pimenta da Veiga, que estava na região por outras razões.<br />

174


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Paranaíta<br />

XXIX<br />

Do café à geração de energia elétrica<br />

Picadeiros, tratoristas, topógrafos, motoristas e os demais profissionais<br />

que trabalhavam para Ariosto da Riva, dono da Integração,<br />

Desenvolvimento e Colonização (Indeco), tiveram duas razões para<br />

comemoração com o chefe, em 29 de junho de 1979: o Dia de São<br />

Pedro e a fundação da vila de Paranaíta, que Ariosto planejara para<br />

centro urbano de um polo produtor de café e guaraná.<br />

Ariosto quase sempre acertava. Mas na aposta sobre o tal polo<br />

deu com os burros n’água, porque no nascedouro a povoação perderia<br />

a identidade que lhe estava reservada. A razão é simples: a descoberta<br />

de ouro na região. Garimpeiros maranhenses, paraenses e não<br />

175


Eduardo Gomes de Andrade<br />

UHE Teles Pires<br />

se sabe mais de onde invadiram as terras, reviraram o subsolo e mudaram<br />

cursos de águas em busca do metal mais cobiçado do mundo.<br />

Potenciais compradores de terra recusavam as ofertas tentadoras<br />

de Ariosto. Os agricultores e pecuaristas que se mudaram para<br />

o lugar entraram em polvorosa. Tudo em Paranaíta era comprado e<br />

pago com grama de ouro. Na Boate Sombra da Mata e na concorrência<br />

a mulherada fazia festa madrugada adentro e garimpeiros lavavam o<br />

chão com cerveja. Malária. Assassinatos. Congestionamentos aéreos.<br />

Dinheirama correndo solta. Era um fuzuê. A vila, perdida num canto<br />

do imenso município de Aripuanã, divisa com o Pará, não tinha lei.<br />

Em Cuiabá, na cúpula da Polícia Militar, coronéis brigavam<br />

longe da população civil para nomearem subordinados de sua confiança<br />

para a região. Era voz corrente que a PM fazia segurança nos<br />

garimpos à base de uma moderna derrama parecida com aquela dos<br />

idos da Inconfidência Mineira, com o pequeno detalhe que a ‘receita’<br />

não chegava aos cofres do Estado.<br />

Em meados da década de 1990 o ouro murchou, ficou difícil de<br />

ser garimpado e o governo federal complicou ainda mais as coisas<br />

com uma política nociva ao garimpo. Paranaíta entrou em declínio e<br />

o êxodo botou fim às vilas que lhe pertenciam.<br />

Em 1995, com a garimpagem desativada, a população remanescente<br />

era de 15.255 residentes. Transcorridos 21 <strong>anos</strong>, o número de<br />

moradores é de 10.864 e a densidade demográfica, de 2,23 habitantes<br />

por quilômetro quadrado. Ou seja, no período a queda populacional<br />

foi de 28,79%.<br />

176


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O município faz divisa com o Pará e limites com Apiacás, Nova<br />

Monte Verde e Alta Floresta. Sua área é de 4.796,013 km². O Índice de<br />

Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,672 numa escala de zero a um.<br />

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 881.350.000 e a renda per capita,<br />

de R$ 81.433,04. Paranaíta não exportou nem importou em 2016.<br />

A exemplo do que acontece em praticamente todos os municípios<br />

em Mato Grosso, Paranaíta não faz captação nem tratamento de<br />

esgoto. O precário saneamento é feito por meio de fossas. De igual<br />

modo, também não tem aterro sanitário e o lixo é deixado a céu aberto<br />

num lixão.<br />

A cidade aos poucos retoma o crescimento, mas ainda se ressente<br />

do baque do esgotamento do garimpo. A malária de ontem sumiu,<br />

pelo menos na área urbana. A saúde melhorou e conta com um<br />

hospital particular conveniado com o SUS. Um matadouro garante a<br />

sanidade da carne consumida pelos moradores.<br />

Empresários e instituições se uniram em Paranaíta para a construção<br />

da sede do fórum da comarca, que foi criada em 13 de abril<br />

de 2004 por uma lei de autoria do Tribunal de Justiça, aprovada pela<br />

Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Blairo Maggi.<br />

A cidade tem acesso pavimentado pela MT-206. Parte do centro<br />

é pavimentada. A maioria dos terrenos urb<strong>anos</strong> tem escritura. Na<br />

zona rural o mosaico fundiário é bem capenga, mas o maior problema<br />

agrário foi resolvido: o Estado fez uma composição com os proprietários<br />

de uma área de 100 mil hectares (ha) regularizando a situação de<br />

aproximadamente 300 famílias de posseiros que a ocupavam.<br />

177


Eduardo Gomes de Andrade<br />

O Projeto de Assentamento São Pedro, com 35 mil ha, na margem<br />

da MT-208, foi subdividido em 764 lotes, mas estima-se que o número<br />

atual de parceleiros não passe de 650.<br />

Em 1º de outubro de 1981 o governador Frederico Campos sancionou<br />

uma lei de autoria do deputado Ricardo Corrêa aprovada pela<br />

Assembleia Legislativa tornando a vila de Paranaíta distrito de Alta<br />

Floresta. A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei<br />

de autoria das bancadas do PDS e PMDB aprovada pela Assembleia e<br />

sancionada pelo governador Júlio Campos.<br />

Topografia acidentada, invernadas com pedras, aguada boa: Paranaíta<br />

é ideal para a pecuária e tem um rebanho bovino com 425.419<br />

cabeças de mamando a caducando. O ciclo do ouro findou, mas o garimpo<br />

não morreu de vez e aventureiros ainda arriscam a sorte no Garimpo<br />

Zé da Onça.<br />

A maior usina hidrelétrica de Mato Grosso é a Teles Pires, no<br />

rio do mesmo nome, com capacidade para gerar 1.820 MW. Sobre esta<br />

UHE leia o tópico Energia, no segundo capítulo.<br />

TACA - José Maria Pereira Luz é nome estranho em Paranaíta. Porém,<br />

se alguém se referir ao Goiano, a cidade em peso sabe quem é. Pioneiro<br />

no lugar e ex-picadeiro da Indeco, Goiano trocou de profissão em 1981<br />

e se tornou garimpeiro de ouro. Malhou em ferro frio. Foi vítima da<br />

Taca na Paranaíta que não tinha juiz, promotor nem delegado. Apanhou<br />

e foi levado na carroceria de um caminhão caçamba para Alta<br />

Floresta por jagunços armados que retiravam garimpeiros das áreas<br />

reservadas pela Indeco para venda a agricultores.<br />

Nome mais apropriado, impossível: taca é uma espécie de chicote<br />

e esse instrumento de tortura era usado pela jagunçada que expulsava<br />

garimpeiros na região de Alta Floresta quando dos primórdios de<br />

sua colonização, para abrir caminho à venda de lotes rurais.<br />

Em 2001, transcorridos 20 <strong>anos</strong> do incidente, ouvi o empresário<br />

Vicente da Riva, filho e sucessor de Ariosto da Riva e dono da Indeco,<br />

que negou envolvimento do pai já falecido e da empresa com a Taca.<br />

Goiano continua em Paranaíta com as marcas psicológicas da<br />

Taca, agressão que não tem paternidade. Filho feio não tem pai.<br />

178


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Ipiranga do Norte<br />

XXX<br />

A boa terra do Grito do Ipiranga<br />

Grandes rodovias trancadas. Agências do Banco do Brasil isoladas<br />

por máquinas. A Esplanada dos Ministérios tomada por um<br />

mar de chapéus, tratores, colheitadeiras e caminhões. A gigantesca<br />

manifestação levou o país a refletir sobre a importância da agricultura,<br />

do agronegócio e do produtor rural. Era o Grito do Ipiranga.<br />

O ano: 2006. A razão? A busca desesperada por uma política agrícola<br />

justa e que oferecesse reais garantias jurídicas a quem produz.<br />

Aquele movimento nasceu em Ipiranga do Norte, município à época<br />

com um ano de instalação.<br />

179


Eduardo Gomes de Andrade<br />

180


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O Grito levou o nome do município onde surgiu. À sua frente o<br />

prefeito e empresário rural Ilberto Effting, o Alemão. De Ipiranga do<br />

Norte o movimento espalhou-se pelos estados produtores e figuras do<br />

meio político e sindical usurparam a liderança de Alemão, deixando-o<br />

em plano secundário.<br />

A cidade é plana, parcialmente pavimentada, com amplas avenidas,<br />

belas residências, recolhe o lixo, mas não trata o esgoto. Seus principais<br />

eventos festivos são realizados no Centro de Tradições Gaúchas<br />

(CTG) Herança Nativa. De acordo com o calendário agrícola, ora a soja,<br />

ora o milho safrinha a abraçam. O município, instalado em 1º de janeiro<br />

de 2005, tem 3.<strong>46</strong>7,051 km² e figura no time dos 11 maiores produtores<br />

de soja em Mato Grosso. Com 6.903 residentes em 2016, sua densidade<br />

demográfica era de 1,47 habitante por quilômetro quadrado. O Índice<br />

de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,727 numa escala de zero a<br />

um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 500.860.000 e a renda per capita,<br />

de R$ 78.912,83. Mesmo com grande produção agrícola, Ipiranga<br />

do Norte ainda não entrou no mercado internacional.<br />

O município banhado pelo Teles Pires e seu afluente rio Verde<br />

emancipou-se de Tapurah em 29 de março de 2000 por uma lei de autoria<br />

do deputado José Riva, aprovada pela Assembleia Legislativa<br />

e sancionada pelo governador Dante de Oliveira. Ipiranga do Norte<br />

pertence à comarca de terceira entrância de Sorriso. Pela Rodovia Geraldo<br />

Francisco Cella (MT-242) a cidade é interligada à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> na zona<br />

urbana de Sorriso, distante 80 quilômetros. A MT-242 é pavimentada e<br />

pedagiada. Ipiranga do Norte e Itanhangá são os dois municípios mais<br />

novos de Mato Grosso.<br />

MEMÓRIA - Ipiranga do Norte nasceu da reforma agrária. Começou<br />

em 1990 com o embrião do Projeto de Assentamento Ipiranga, na fazenda<br />

do mesmo nome, em Tapurah. A maioria dos parceleiros vinha<br />

de estados do Sul e em acampamentos aguardava a distribuição de<br />

lotes pelo Incra; parte deles acampou em Nobres.<br />

181


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Ilberto Effting<br />

A vila que mais tarde seria a cidade foi inaugurada pelo Incra<br />

em 15 de março de 1995 numa área de 200 hectares e sua população<br />

predominantemente era formada por parceleiros.<br />

Em maio de 2007, Alemão, seu primeiro prefeito, foi afastado<br />

do cargo por decisão da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas<br />

do Estado (TCE). O vice-prefeito Orlei José Grasselli, o Graxa – ex-<br />

-parceleiro – assumiu a prefeitura. Um ano e três meses <strong>depois</strong> a Justiça<br />

devolveu o mandato a Alemão, mas ele permaneceu pouco tempo<br />

no cargo. Debilitado e emocionalmente ferido pela condenação, à<br />

qual não teve direito de defesa – como atesta sua absolvição judicial<br />

– em 5 de setembro de 2008 sofreu um infarto em seu gabinete; foi<br />

atendido na emergência em seu município e removido para o Hospital<br />

Regional de Sorriso, mas não resistiu. Alemão fechou os olhos<br />

para sempre. Levou a marca da injustiça que o fulminou. Deixou a<br />

chama da luta dos produtores rurais por seus direitos.<br />

182


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Tapurah<br />

XXXI<br />

Tapurah homenageia o cacique José Tapurá<br />

Bonita, limpa, organizada, com a construção civil em alta e<br />

imponentes lojas e casas surgindo a todo o instante. Assim é Tapurah,<br />

cidade distante 95 quilômetros da margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

em seu sentido sul-norte. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um.<br />

O município tem 4.510,6<strong>46</strong> km². Em 2016 sua população era<br />

de 12.632 moradores, com densidade demográfica de 2,30 habitantes<br />

por quilômetro quadrado. Tapurah se orgulha do título de<br />

maior produtor de carne suína mato-grossense. Anualmente suas<br />

granjas respondem por 59 mil toneladas de carne, o que representa<br />

183


Eduardo Gomes de Andrade<br />

63% do setor no Estado. Os abates são feitos na gigante <strong>BR</strong>F Brasil<br />

Foods, em Lucas do Rio Verde.<br />

A água tratada chega a todos os domicílios, a cidade tem rede<br />

coletora de esgoto para 20% de sua demanda, mas a mesma não foi<br />

ativada. Sua ligação com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Lucas do Rio Verde, distante<br />

90 quilômetros, é pavimentada.<br />

A produção de carne suína resulta no aproveitamento dos dejetos,<br />

gerando 4 megawatts de energia. Diretamente essa atividade<br />

não coloca o município na balança comercial, mas em 2016 Tapurah<br />

exportou, em soja, milho e algodão, US$ 117.113.549 (FOB) e não fez<br />

importação. A China foi o principal destino, seguida por Irã, Malásia,<br />

Coreia do Sul e outros 16 países.<br />

Nem só de porco vive Tapurah. O município, que é sede de<br />

comarca de primeira entrância, cultiva 165 mil hectares de soja e tem<br />

intensa movimentação de grãos para a produção de ração para as<br />

granjas. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 639.923.000 e a renda<br />

per capita, de R$ 53.550,07. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um.<br />

Tapurah é um dos divisores das bacias do Juruena e do Teles<br />

Pires, ambos amazônicos. Sua colonização começou em 1969, com a<br />

venda de áreas pela Colonizadora Tapurah dos sócios Filinto Corrêa<br />

da Costa, Benedito Mário Tenuta e Sérgio Leão Monteiro, que<br />

compraram uma área denominada Cuiabá Norte, em Diamantino,<br />

de 40 mil hectares ou um pouco mais, porque não havia exatidão<br />

cartorial à época. Porém, os primeiros moradores chegaram ao lugar<br />

somente em 1970 e em 20 de novembro daquele ano a vila que<br />

mais tarde seria a cidade começou a se formar, com a abertura das<br />

primeiras ruas à margem da estrada que liga Cuiabá a Porto dos<br />

Gaúchos. No início da década de 2000 Tapurah enfrentou um sério<br />

problema com uma erosão que engoliu uma grande área ao lado do<br />

perímetro urbano.<br />

184


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Na região predomina o cerrado, que nos primórdios foi explorado<br />

por madeireiros e <strong>depois</strong> virou o paraíso do agronegócio. Em<br />

30 de novembro de 1981 a vila virou distrito de Diamantino por uma<br />

lei de autoria do deputado Oscar Ribeiro, aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos. A<br />

emancipação aconteceu em 4 de julho de 1988 por uma lei de autoria<br />

do deputado Hermes de Abreu, aprovada pela Assembleia e com a<br />

sanção do governador Carlos Bezerra.<br />

O NOME - A denominação Tapurah foi escolhida por Corrêa da<br />

Costa em homenagem ao cacique Irantxe José Tapurá. O “h” no final<br />

da palavra foi um modismo americanizado encontrado por Corrêa<br />

185


Eduardo Gomes de Andrade<br />

da Costa, que segundo versão corrente teria se inspirado no teclado<br />

de telex – um moderno meio de comunicação à época –, que não tem<br />

assentos gráficos.<br />

Nas transmissões de telex, a última vogal da palavra, quando<br />

tem assento agudo, é acrescida da letra “h”. Exemplo: José se transforma<br />

em Joseh. Tapurá em Tapurah... José Tapurá era amigo de<br />

Corrêa da Costa, morava e liderava os índios Irantxe na margem esquerda<br />

do rio Cravari e tentou convencer seu povo a ceder uma área<br />

para o amigo branco. A rejeição foi total e resultou na sua destituição<br />

do cargo de cacique e numa espécie de exílio na reserva Escondido,<br />

dos rikbaktsas, na margem esquerda do rio Juruena.<br />

186


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Terra Nova do Norte<br />

XXXII<br />

Uma nova terra para colonos gaúchos<br />

Terra Nova do Norte leva a marca do pioneirismo do pastor luterano<br />

Norberto Schwantes, que no <strong>Nortão</strong> também colonizou Nova<br />

Guarita, e no Vale do Araguaia, Canarana, Água Boa e Querência. O<br />

município com 2.562,231 km² na calha do rio Teles Pires tem densidade<br />

demográfica de 4,41 habitantes por quilômetro quadrado. Em 2016 sua<br />

população era de 9.816 moradores.<br />

O mosaico fundiário de Terra Nova do Norte é de pequenas pro-<br />

187


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Schwantes<br />

priedades e boa parte dessas áreas dedica-se à pecuária leiteira. Nos<br />

primórdios o município cultivou café e guaraná, mas ambas as lavouras<br />

perderam espaço. O rebanho bovino é de 268.272 cabeças e na cidade<br />

uma cooperativa recebe leite em sua plataforma para a produção<br />

de lácteos que são distribuídos para diversos estados. A economia está<br />

consolidada. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 188.875.000. O município<br />

não exportou nem importou em 2016.<br />

A cidade é parcialmente pavimentada e não tem déficit habitacional,<br />

mas enfrenta o problema da falta de captação e tratamento de<br />

esgoto. Á água chega a todas as moradias. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,698 numa escala de zero a um. A renda<br />

per capita é de R$ 18.176,83. A cultura da predominante colônia gaúcha<br />

é mantida no Centro de Tradições Gaúchas Querência Nova.<br />

A ocupação da área que futuramente seria o município de Terra<br />

Nova do Norte começou em 5 de julho de 1978, quando chegaram ao<br />

lugar 85 famílias em 10 ônibus da empresa Ouro e Prata, procedentes<br />

do Parque de Exposições Agropecuárias Internacionais de Esteio, no<br />

188


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Rio Grande do Sul, onde estavam acampadas por terem sido expulsas,<br />

juntamente com outras centenas de famílias, das terras dos índios<br />

caingangues em Tenente Portela, Nonoai, Guarita, Planalto e Miraguaí,<br />

todos municípios gaúchos. Esse grupo foi selecionado por Schwantes<br />

para ocupar parte de uma das 10 agrovilas implantadas pela Cooperativa<br />

Coopercana, que ele dirigia, numa área de 360 mil hectares do<br />

Exército Brasileiro no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

A versão oficial diz que a colonização de Terra Nova do Norte<br />

somente tornou-se possível por uma parceria do Ministério do Interior,<br />

Exército Brasileiro, governo de Mato Grosso, governo do Rio<br />

Grande do Sul e a Coopercana, para solucionar problema fundiário<br />

no Rio Grande do Sul. Porém, quem viveu aquele período ao lado de<br />

Schwantes sabe que na verdade somente foi possível ocupar uma área<br />

de treinamento dos militares, por intervenção direta do presidente da<br />

República, general Ernesto Geisel, que era amigo do colonizador. Havia<br />

resistência dos militares, inclusive na área ministerial, mas Geisel<br />

abraçou a causa da transferência dos colonos do Sul.<br />

Em 30 de junho de 1978, os colonos que se dirigiam a Terra Nova<br />

do Norte passaram por Cuiabá e foram recepcionados pelo governador<br />

Cássio Leite de Barros. O líder da caravana sulista, José Almir da<br />

Silva, ganhou uma Bandeira de Mato Grosso de Cássio Leite e guarda<br />

tal presente em sua residência até hoje. Depois de cinco dias de viagem<br />

da capital até o destino, os primeiros moradores ali desembarcaram e<br />

iniciaram a ocupação da área. José Almir presidia o Grêmio Estudantil<br />

do Colégio José de Alencar, em Ronda Alta (RS) e foi convidado por<br />

Schwantes, em 8 de março de 1978, para coordenar a transferência dos<br />

acampados em Esteio. José Almir aceitou o desafio e desde então se<br />

transferiu para aquela localidade, onde foi exator e fundou e preside o<br />

sindicato rural.<br />

Depois da primeira caravana, outras vieram para Mato Grosso<br />

trazendo colonos que estiveram acampados no parque em Esteio. Ao<br />

todo, foram transferidas 1.064 famílias. Posteriormente, uma das agrovilas<br />

ganhou o nome de Norberto Schwantes. Ele ainda recebeu outras<br />

189


Eduardo Gomes de Andrade<br />

José Almir<br />

homenagens no município: uma escola e uma avenida na cidade também<br />

levam seu nome.<br />

O núcleo urbano de Terra Nova do Norte foi implantado em<br />

1978, numa área de 3 mil hectares, na margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

no sentido Cuiabá-Pará, obedecendo projeto urbanístico elaborado na<br />

Alemanha, especialmente para cidade amazônica. Nos primeiros <strong>anos</strong><br />

da colonização, pioneiros enfrentaram problemas com a malária, precariedade<br />

das estradas, falta de saúde e telefone. E a situação se agravou<br />

ainda mais com o ciclo do ouro na região – tema tratado no capítulo sobre<br />

Peixoto de Azevedo –, o que provocou o desaparecimento da mão<br />

de obra para a lavoura e a desistência por parte de muitos parceleiros<br />

que optaram pela garimpagem, deixando de lado a atividade agrícola.<br />

O primitivo nome da vila foi Terranova e com essa denominação<br />

em 21 de novembro de 1981 ela foi elevada a distrito de Colíder,<br />

incorporando área de Itaúba, por uma lei de autoria dos deputados<br />

Zanete Cardinal e Alves Ferraz aprovada pela Assembleia Legislativa<br />

e sancionada pelo governador Frederico Campos. A emancipação<br />

aconteceu em 13 de maio de 1986 com a sanção pelo governador Júlio<br />

Campos de uma lei de autoria das bancadas do PSD e PMDB aprovada<br />

pela Assembleia; ao se emancipar, Terranova ganhou o nome de Terra<br />

Nova do Norte. O município é sede de comarca de primeira entrância.<br />

190


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Matupá<br />

XXXIII<br />

Uma bela cidade na divisa com o Pará<br />

Cidade com belo traçado urbano tendo ao centro um lago circundado<br />

por área de lazer. Assim é Matupá, no cruzamento da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />

com a MT-322 que liga o <strong>Nortão</strong> ao Vale do Araguaia via São José do<br />

Xingu. O município, nas calhas do rios Teles Pires e Xingu, faz divisa<br />

com Altamira, no Pará.<br />

Matupá nasceu de um projeto de colonização da Colonizadora<br />

Agropecuária Cachimbo, do Grupo Ometto, à época liderado pelo empresário<br />

Hermínio Ometto. Oficialmente sua fundação aconteceu em<br />

19 de setembro de 1984 em pleno ciclo do ouro, tema que é abordado<br />

no capítulo sobre Peixoto de Azevedo.<br />

191


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Irmã Adelis<br />

Matupá nasceu nas pranchetas dos professores da Faculdade de<br />

Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Cândido<br />

Malta Campos Filho e Carlos Costa, e a execução de seu projeto<br />

ficou a cargo do engenheiro civil João Carlos de Souza Meirelles. A<br />

cidade foi planejada para 300 mil habitantes na terceira fase de sua<br />

planta, sendo que a primeira é para 50 mil e a segunda para 100 mil.<br />

Mesmo prevista para uma população acima dos padrões dos<br />

municípios mato-grossenses, Matupá chegou a 2016 com 15.654 moradores<br />

em seus 5.239,672 km², alcançando densidade demográfica de<br />

2,71 habitantes por quilômetro quadrado. Pelo Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) de 0,716 – numa escala de zero a um – registrado<br />

no município, sua qualidade de vida é considerada boa. A água chega<br />

192


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

a todos os domicílios na cidade e 20% da rede de esgoto para universalizar<br />

a coleta foram construídos, mas o tratamento continua pendente.<br />

Parte das vias públicas é pavimentada.<br />

A economia dá sinais de vitalidade. O Produto Interno Bruto<br />

(PIB) é de R$ 417.893.000 e a renda per capita, de R$ 27.482,08. Em<br />

2016 o município exportou US$ 213.257.521 (FOB) e não processou nenhuma<br />

importação. Os compradores foram China, Espanha, Portugal,<br />

Hong Kong e outras 21 nações. Farelo de soja, soja, milho e carne bovina<br />

formaram a pauta da exportação. O rebanho bovino do município é<br />

de 244.829 cabeças de mamando a caducando e uma planta frigorífica<br />

ao lado da cidade abate gado de corte da região.<br />

O município tem 102.626 hectares em reservas indígenas que se<br />

estendem a outros municípios e ao Pará. Em Matupá, Panará mede<br />

57.700 hectares; Menkragnoti, 16.002 hectares; e Iriri, 28.924 hectares.<br />

No auge do garimpo Matupá ganhou o noticiário nacional – e<br />

não foi pelo ouro extraído na região. Em 23 de novembro de 1990 três<br />

homens foram linchados e queimados vivos: Osvaldo Bachinan, 32,<br />

e os irmãos Ivacir, 31, e Arci Garcia dos Santos, 28. O trio foi dominado<br />

por uma multidão enfurecida após uma fracassada tentativa de<br />

assalto numa residência que foi cercada pela Polícia Militar; os assaltantes<br />

fizeram reféns duas mulheres, sendo que uma estava grávida,<br />

e quatro crianças. Rendidos, os criminosos sofreram o linchamento<br />

que foi gravado em vídeo e assustou boa parte da população brasileira<br />

e do exterior.<br />

Irmã Adelis (citada no capítulo sobre Vera) fundou o Hospital da<br />

Malária na cidade. Sua entrega total na luta em defesa da vida de garimpeiros<br />

e outros moradores da região vitimados pela febre malária é<br />

um dos capítulos mais hum<strong>anos</strong> da construção do <strong>Nortão</strong>. Reitero meu<br />

entendimento de que ela foi um Anjo de Luz.<br />

A vida institucional da comarca de primeira entrância de Matupá<br />

é recente e com poucos capítulos. Em 11 de outubro de 1985 a vila<br />

foi elevada a distrito de Colíder por uma lei de autoria do deputado<br />

193


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Alves Ferraz aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />

governador Júlio Campos. Em 4 de julho de 1988, sobre uma área até<br />

então pertencente a Colíder e Guarantã do Norte, criou-se o município;<br />

naquela data o governador Carlos Bezerra sancionou uma lei<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa e que teve por autor o deputado<br />

Sebastião Júnior.<br />

SILVAL - O paranaense Silval da Cunha Barbosa foi prefeito de Matupá<br />

no quadriênio 1993-96. Depois cumpriu dois mandatos consecutivos<br />

de deputado estadual e por um biênio presidiu a Assembleia Legislativa.<br />

Em 2006 foi eleito vice-governador de Blairo Maggi; assumiu<br />

o governo em março de 2010 e em outubro daquele ano conquistou o<br />

governo em primeiro turno. Após concluir o mandato, Silval foi preso<br />

em Cuiabá no mês de setembro de 2015 acusado de improbidade<br />

administrativa e permanecia preso até a edição deste livro no final de<br />

dezembro de 2016.<br />

No governo, Silval executou e canalizou obras para sua cidade.<br />

A pista do Aeroporto Regional Orlando Villas-Bôas foi pavimentada.<br />

Um trecho da MT-322 foi asfaltado em direção a São José do Xingu. O<br />

município ganhou um escritório regional do Instituto de Defesa Agropecuária<br />

(Indea) e outros órgãos.<br />

NOME – Em 1º de maio de 1997 num voo de Cuiabá para Cocalinho, no<br />

Vale do Araguaia, o engenheiro civil, empresário e político João Carlos<br />

de Souza Meirelles contou-me sobre a escolha do nome da cidade e<br />

seu significado. Segundo ele, operários descansavam à margem do rio<br />

Peixoto de Azevedo perto da área urbana da vila que construía, quando<br />

um barranco se desagarrou e caiu na água sendo arrastado pela<br />

correnteza. Um índio que trabalhava para ele lhe disse que aquilo era<br />

matupá – pedaço de terra que flutua enquanto é levado pelas águas.<br />

Meirelles gostou do nome Matupá e o sugeriu a Hermínio Ometto, que<br />

o aprovou.<br />

194


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O começo de Sinop<br />

XXXIV<br />

A grande cidade fundada por Ênio Pipino<br />

Sinop tem um quê de liderança. Quem for até lá imaginando que<br />

chegará ao meio da Floresta Amazônica cairá do cavalo ou do jato que<br />

pousar no moderno aeroporto da cidade ou ainda do carro que o transportar<br />

pela pavimentada <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com trechos duplicados. A cidade é<br />

linda, sedutora e seu crescimento salta aos olhos de quem a vê. O padrão<br />

residencial sinopense a deixa no nível das melhores cidades brasileiras.<br />

As avenidas são largas, rotatórias facilitam o trânsito dos 99.500<br />

veículos emplacados no município, dentre os quais 27.700 motos, além<br />

da frota flutuante. Ciclovias atendem os ciclistas e pistas de caminhada<br />

facilitam a vida da turma que luta para ficar em forma e perder peso.<br />

Mais: o Parque Florestal, com mais de 43 hectares na área urbana, é um<br />

mar verde que não tem um segundo sequer em silêncio pela algazarra<br />

195


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Transporte de passageiros nos primórdios da cidade<br />

da passarada; essa área tem uma fonte d’água que forma um lago de<br />

três hectares.<br />

A cidade cresce, e com a vantagem do ordenamento habitacional.<br />

Os bairros, daqueles de alto padrão aos operários, todos, indistintamente,<br />

têm um quê de modernidade. Seu Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,754 numa escala de zero a um. A renda per capita<br />

alcança R$ 33.807,26.<br />

Polo universitário, sim senhor! Sinop tem campus da Universidade<br />

Federal (UFMT) e da Universidade do Estado (Unemat), além de faculdades<br />

particulares. A cidade conta com boa rede hospitalar, clínicas,<br />

concessionárias de veículos e máquinas, hotéis, churrascarias, casas noturnas,<br />

boutiques, lojas e uma infinidade de outros estabelecimentos, incluindo<br />

os bancos sempre prontos a emprestar com altas taxas de juro. As<br />

ruas são limpas e bem cuidadas, mas há um problema escondido debaixo<br />

do asfalto: até recentemente não havia rede de esgoto, mas finalmente o<br />

município começou a construí-la.<br />

196


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O transporte coletivo atende parcialmente a cidade, que tem um<br />

gargalo injustificável: sua velha, pequena e feia rodoviária está encravada<br />

na área central. O Aeroporto Municipal Presidente João Figueiredo<br />

opera voos noturnos de jatos da aviação regional. Distante 485 quilômetros<br />

ao norte de Cuiabá, Sinop foi o principal polo irradiador da<br />

ocupação do vazio demográfico no <strong>Nortão</strong> e motivou o surgimento de<br />

outras cidades. O município é um dos divisores das amazônicas bacias<br />

do Teles Pires e do Xingu. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem 32 quilômetros em sua área urbana.<br />

Sinop tem 3.942,229 km² e sua densidade demográfica é de 28,69<br />

habitantes por quilômetro quadrado. Quando de sua emancipação seu<br />

território era de 48.678 km², mas cedeu áreas para Marcelândia, Cláudia,<br />

Vera e Santa Carmem.<br />

A extração madeireira deu o pontapé inicial na economia de Sinop<br />

e foi sua principal base de sustentação até o começo dos <strong>anos</strong> 2000.<br />

No auge, o município teve mais de 400 indústrias madeireiras em atividade.<br />

Gradativamente houve diversificação econômica, mas algumas<br />

madeireiras resistem. Hoje, comércio, prestação de serviços, ensino<br />

superior, agricultura, pecuária e indústria travam briga no melhor sentido<br />

da palavra. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 4.287.335.000.<br />

Em 2016 sua exportação alcançou US$ 491.248.850 (FOB) e a importação<br />

ficou em US$ 2.088.233 (FOB), resultando num superávit de US$<br />

489.160.617. A soja foi o carro-chefe das vendas, seguida pelo farelo de<br />

soja, milho, carne bovina, madeira e móveis. Os destinos foram: China,<br />

com US$ 134,4 mi (FOB); Rússia, com US$ 55,2 mi (FOB); Espanha,<br />

com US$ 50 mi (FOB); Reino Unido e outras 26 nações. As compras foram<br />

de aviões agrícolas, acessórios de veículos, bombas para líquidos,<br />

câmaras de ar e outros itens; os fornecedores foram Estados Unidos,<br />

China, Hong Kong e Taiwan.<br />

O município é importante polo de beneficiamento e empacotamento<br />

de arroz. A exposição agropecuária Exponop é uma das principais<br />

do Centro-Oeste e em suas edições anuais movimenta milhões de<br />

reais em máquinas e animais. O comércio varejista tem clientela segura<br />

entre moradores dos municípios no entorno.<br />

197


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Governador Júlio Campos (esq.), presidente Figueiredo e ênio Pipino - 1983<br />

SONHO - Sinop acalenta um sonho que é compartilhado com o <strong>Nortão</strong><br />

e outras regiões: a divisão territorial de Mato Grosso. Caso isso aconteça,<br />

a vila fundada por Ênio Pipino certamente se transformará numa<br />

das mais belas capitais brasileiras.<br />

O sonho existe e para fundamentá-lo há fortes argumentos: a<br />

distância do <strong>Nortão</strong> a Cuiabá, a identidade própria construída no dia<br />

a dia com a miscigenação de seus povos, a vitalidade econômica regional,<br />

a infraestrutura nos 35 municípios daquele polo e a beleza de<br />

Sinop; se além disso, for preciso comparar o crescimento de Cuiabá e<br />

daquela cidade é fácil: de 1980 a 2016 a população cuiabana saltou de<br />

212.984 para 585.367 habitantes, registrando aumento proporcional<br />

de 174,84%. No mesmo período Sinop pulou de 19.891 para 132.934,<br />

o que se traduz numa taxa de explosão populacional de 568,31% –<br />

e com um detalhe: do núcleo de moradores à época, boa parte saiu<br />

198


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Sinop - 2016<br />

da estatística do município com a emancipação de quatro municípios<br />

desmembrados da grande cidade fundada por Ênio Pipino.<br />

COLONIZADOR - Ao inaugurar o loteamento urbano de Sinop, em<br />

14 de setembro de 1974, mais que implantar aquela que seria a principal<br />

cidade mato-grossense abaixo do Paralelo 15, o colonizador Ênio<br />

Pipino lançava as sementes da ocupação da mais importante fronteira<br />

agrícola do planeta. A solenidade teve repercussão nacional e foi prestigiada<br />

pelo ministro do Interior, Rangel Reis, que ganhou o título de<br />

paraninfo de Sinop.<br />

Homem acostumado a criar cidades no Paraná, Ênio Pipino<br />

transferiu a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) para<br />

Mato Grosso no começo da década de 1970, inicialmente comprando<br />

a Gleba Celeste, de 198 mil hectares, de Jorge Martins Philip, onde im-<br />

199


Eduardo Gomes de Andrade<br />

plantou o Projeto de Colonização Celeste, embrião de Sinop, Vera, Santa<br />

Carmem e Cláudia, na calha dos rios Teles Pires e Xingu, da Bacia<br />

Amazônica. Principal líder da Colonizadora Sinop, Ênio Pipino era sócio<br />

da mesma com sua mulher, Nilza de Oliveira Pipino, e João Pedro<br />

Moreira de Carvalho.<br />

O projeto de colonização expandiu-se por outras áreas e se transformou<br />

no principal fator de ocupação populacional no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>,<br />

que acabara de ser implantada. A vila, de topografia plana, enfrentava<br />

problema com o escoamento de água no longo período de chuvas e não<br />

passava de uma clareira na mata, com traçados de ruas e avenidas pontilhadas<br />

por isoladas construções de madeira que não iam muito além<br />

de serrarias, escritório da colonizadora, hotel, posto de combustível,<br />

alguns bares e modestas residências. Para suprir o mercado varejista<br />

a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), estatal do Ministério da<br />

Agricultura, enviava regulamente ao lugar uma carreta Alfa Romeo<br />

que funcionava como supermercado móvel.<br />

O acesso por rodovia era precário no período das chuvas, com atoleiros<br />

na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A malária ganhava contornos hiperendêmicos na re-<br />

200


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Sinop - 2016<br />

gião de Sinop, tanto ao norte após o rio Renato, quanto ao sul onde mais<br />

tarde surgiriam cidades a exemplo de Lucas do Rio Verde. Mas, nem a<br />

doença nem a distância, nem a precariedade da rodovia que somente<br />

seria pavimentada em 1983 – pelo presidente João Figueiredo –, nem o<br />

isolamento, nada disso impediu que a cada dia mais e mais moradores,<br />

sobretudo do Paraná, se transferissem para a cidade de Ênio Pipino.<br />

A vida institucional começou em 29 de junho de 1976, quando<br />

Sinop tornou-se distrito de Chapada dos Guimarães numa canetada<br />

do governador Garcia Neto. Pouco tempo <strong>depois</strong>, em 17 de dezembro<br />

de 1979, o governador Frederico Campos sancionou uma lei de autoria<br />

do deputado Osvaldo Sobrinho aprovada pela Assembleia Legislativa<br />

emancipando Sinop numa área então pertencente a Chapada e Nobres.<br />

O município é sede de comarca de entrância especial, de duas zonas<br />

eleitorais (22ª e 32ª), duas varas da Justiça do Trabalho, duas varas da<br />

Justiça Federal, comando regional de Polícia Militar, Delegacia Regional<br />

de Polícia Civil, Delegacia da Polícia Federal, quartel do Corpo de<br />

Bombeiros Militar e uma série de órgãos públicos federais e estaduais;<br />

e um quartel do Exército está em construção.<br />

201


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Apiacás<br />

XXXV<br />

Fora da malha rodoviária pavimentada<br />

Apiacás integra o rol de cidades colonizadas por Ariosto da<br />

Riva no <strong>Nortão</strong> por intermédio da Integração, Desenvolvimento e<br />

Colonização (Indeco), que loteou uma extensa área nas divisas com<br />

o Pará e Amazonas. A vila que mais tarde se transformaria naquela<br />

cidade foi fundada oficialmente em 15 de maio de 1983. Porém, desde<br />

1979, alguns garimpeiros já trabalhavam em baixões na região.<br />

A proposta de Ariosto, a exemplo do que aconteceu anteriormente<br />

na vizinha Paranaíta, era implantar um projeto agropecuário<br />

voltado, sobretudo, para a produção de guaraná, cacau, cupuaçu,<br />

látex, arroz, feijão e milho. Os primeiros proprietários rurais que<br />

202


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

chegaram à área se dedicaram à agricultura e, na zona urbana, pequenos<br />

comerciantes iguais a Raimundo Moreira, o seo Zelão, se<br />

instalaram em rústicas casas de madeira.<br />

Ainda em 1983 garimpeiros descobriram garimpos de ouro<br />

em vários pontos do município. A notícia se espalhou e as fofocas<br />

arrastaram milhares de aventureiros para o lugar.<br />

Apiacás tornou-se paradeiro de garimpeiros. A construção civil<br />

transformou o lugar num verdadeiro canteiro de obras. Cabarés<br />

com lindas mulheres recrutadas em Goiânia e outras capitais permaneciam<br />

superlotados e preferiam receber em grama de ouro ao<br />

invés da moeda oficial. Aviões mono e bimotores com garimpeiros,<br />

compras para o rancho e diesel para os motores que lavavam o cascalho<br />

decolavam a todo o instante da pista de terra da vila para as<br />

clareiras rasgadas na selva de onde se extraía o metal. Homicídios<br />

por motivos fúteis. Shows de rebolado, strip-tease e musicais com<br />

artistas de projeção nacional a exemplo de Walter Basso, Rogéria,<br />

Roberta Close, Gretchen, Waldick Soriano e Amado Batista eram rotineiros<br />

nas casas noturnas.<br />

Uma cidade de forasteiros! Essa era a melhor definição que se<br />

podia dar a Apiacás, uma terra que no auge do garimpo era uma babel<br />

onde o garimpeiro pobre anoitecia rico e podia amanhecer novamente<br />

na pobreza, ou até mesmo ser morto por alguém que simplesmente<br />

queria mostrar que tinha coragem para matar o semelhante.<br />

A febre do garimpo passou em 1995, pela queda internacional<br />

do preço do grama do ouro, pela dificuldade de sua extração<br />

manual e também por injunções da política econômica do governo<br />

federal. Os garimpeiros se foram, deixando para trás enormes áreas<br />

degradadas, rios contaminados pelo mercúrio e os chamados filhos<br />

do garimpo, aqueles gerados por prostitutas e cujos pais jamais serão<br />

conhecidos.<br />

203


Eduardo Gomes de Andrade<br />

UHE São Manoel<br />

Estima-se que 55 mil garimpeiros de todos os cantos do Brasil<br />

trabalharam em Apiacás. Com o fim do garimpo, a economia<br />

buscou a agricultura, a pecuária e a extração madeireira, mas essa<br />

última atividade tem ciclo curto e agora capenga. O município enfrenta<br />

problemas agrários com focos de tensão social na luta pela<br />

posse da terra. Em fevereiro de 2001, cinco homens, supostamente<br />

pistoleiros, foram linchados por posseiros na Gleba Raposo Tavares,<br />

onde estavam a serviço do proprietário Euclides Dobri, <strong>depois</strong><br />

que a Justiça lhe concedeu reintegração de posse da referida área.<br />

A cidade não tem sistemas de captação e tratamento de esgoto,<br />

que é lançado em fossas. O lixo urbano é jogado a céu aberto<br />

num lixão. Na divisa com o Pará e segundo maior município<br />

do <strong>Nortão</strong>, Apiacás tem 20.377.499 km², com 9.551 residentes e<br />

sua densidade demográfica é de 0,42 habitante por quilômetro<br />

quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 120.038.000 e<br />

a renda per capita, de R$ 12.978,53. A pecuária é o principal sustentáculo<br />

da economia, com rebanho bovino de 219.002 cabeças<br />

de mamando a caducando, mas a extração de madeira continua,<br />

porém em escala cada vez menor. Em 2016 Apiacás exportou US$<br />

79.000 (FOB) em peças de madeira para a Bolívia e no período<br />

nada importou.<br />

No município de Apiacás e em fase final de construção a<br />

UHE São Manoel, no rio Teles Pires, produzirá 700 MW. Sobre ela<br />

leia o tópico Energia, no segundo capítulo; sobre parques florestais,<br />

no mesmo capítulo, leia Preservação.<br />

204


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

A Reserva Estadual Ecológica de Apiacás, com 100 mil hectares,<br />

criada em junho de 1994 pelo governador Jayme Campos, situa-se no<br />

ponto mais ao norte do município. A região onde se localiza essa área de<br />

preservação permanente é conhecida por Gleba Pontal, por ser o encontro<br />

das águas dos rios Juruena e Teles Pires, que formam o rio Tapajós.<br />

Apiacás é um dos divisores das bacias do Teles Pires e do Juruena e ao<br />

mesmo tempo ponto de junção desses rios, na tríplice divisa com Amazonas<br />

e Pará.<br />

Isolado da malha rodoviária pavimentada, Apiacás fica a 50 quilômetros<br />

da MT-208 em fase final de asfaltamento na ligação de Nova<br />

Monte Verde com Alta Floresta. O trajeto entre a cidade e aquela rodovia<br />

foi incluído há cinco <strong>anos</strong> ao plano de integração de todos os municípios<br />

por asfalto, mas o governo não mostra interesse político pela obra.<br />

A reserva indígena Apiaka-Kaiabi no município tem 457.242 hectares<br />

e pertence aos apiakas e caiabis. A Funai estuda a criação da reserva<br />

Pontal do Apiaka, dos mesmos índios.<br />

INSTITUCIONAL – O distrito de Apiacás no município de Alta<br />

Floresta foi criado em 30 de abril de 1986 por uma lei de autoria dos<br />

deputados Benedito Santiago e Osvaldo Sobrinho, aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Júlio Campos. A<br />

emancipação aconteceu em 4 de julho de 1988 por uma lei de autoria<br />

do deputado João Teixeira, aprovada pela Assembleia e sancionada<br />

pelo governador Carlos Bezerra. Apiacás é sede de comarca de primeira<br />

entrância.<br />

205


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Carlinda<br />

XXXVI<br />

Cidade homenageia Carlinda Teles Pires<br />

Carlinda nasceu da reforma agrária. Em 1981 o Projeto de Assentamento<br />

Parque Carlinda, numa área de 89 mil hectares do Incra,<br />

foi o embrião da cidade. Desde 1976 havia moradores dispersos na<br />

região, que ali chegaram com a abertura de MT-320 que liga Alta<br />

Floresta à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

O município tem 2.393,027 km² e 10.258 residentes, com densidade<br />

demográfica de 4,59 habitantes por quilômetro quadrado. Seu<br />

Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,665 numa escala<br />

de zero a um. A cidade é plana, parcialmente pavimentada, a água<br />

tratada é captada no rio Buriti por uma empresa concessionária e<br />

206


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

chega a todos os domicílios. Não há coleta de esgoto. Carlinda tem<br />

a vila de Del Rey, à margem da MT-320 no sentido sul, para Colíder.<br />

Distante 25 quilômetros de Alta Floresta – principal cidade num<br />

raio de 250 quilômetros – pela pavimentada MT-320, Carlinda tem<br />

vantagens e desvantagens com essa proximidade.<br />

Município banhado pelo Teles Pires, Carlinda depende de<br />

uma balsa para fazer a travessia daquele rio na MT-419 em sua ligação<br />

com a cidade de Novo Mundo.<br />

A base econômica é a pecuária, seguida pela agricultura. O<br />

rebanho bovino é de 229.035 cabeças de mamando a caducando. O<br />

Produto Interno Bruto é de R$ 121.994.000. Em 2016 sua economia<br />

não exportou nem importou. O município pertence à comarca de<br />

terceira entrância de Alta Floresta.<br />

MEMÓRIA - O primeiro nome do lugar foi Quatro Pontes, que nasceu<br />

da irreverência popular: enchentes arrastaram três pontes sobre<br />

o rio Carlinda; a quarta foi construída e resistiu à força das águas.<br />

A vila que começou em 11 de abril de 1981 passou a ser chamada<br />

de Quatro Pontes, mas esse nome foi descartado, prevalecendo a<br />

denominação Carlinda, pois é desse modo que a região é conhecida<br />

em razão do rio de igual denominação que a banha.<br />

Carlinda, o nome do rio e do município, rende homenagem a<br />

Carlinda Lourenço Teles Pires, mulher do capitão Teles Pires, que é<br />

citado no segundo capítulo.<br />

O distrito de Carlinda foi criado no município de Alta Floresta<br />

em 9 de abril de 1987 pelo governador Carlos Bezerra que<br />

sancionou uma lei de autoria do deputado João Teixeira aprovada<br />

pela Assembleia Legislativa. A emancipação aconteceu em 19 de<br />

dezembro de 1994, data em que o governador Jayme Campos sancionou<br />

lei de autoria do deputado Leonildo Menin aprovada pela<br />

Assembleia.<br />

207


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Colíder<br />

XXXVII<br />

Uma linda cidade chamada Colíder<br />

Colíder é sede de comarca de segunda entrância, da 23ª Zona<br />

Eleitoral e de uma Vara da Justiça Federal. A cidade conta com uma<br />

unidade do Corpo de Bombeiros Militar e seu Hospital Regional é referência<br />

do SUS no entorno do município. Sua área é de 3.093,171 km²,<br />

tem 32.120 moradores e sua densidade demográfica é de 9,95 habitantes<br />

por quilômetro quadrado. As vilas de Zé Reis, Sol Nascente, Trevo<br />

Ouro Branco, Cafenorte, Léo Baiano, Santo Reis, Veraneio e Marco de<br />

Cimento resistiram ao êxodo rural iniciado com a decadência do café.<br />

208


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

A cidade é parcialmente pavimentada, a água chega aos<br />

domicílios, mas a coleta e o tratamento de esgoto desafiam a<br />

prefeitura. O município tem 375.947 cabeças de bovinos de mamando<br />

a caducando. Um frigorífico bovino e um curtume geram<br />

empregos na região. Em 2016 Colíder exportou US$ 17.358.871<br />

(FOB) em carne bovina para a Rússia, Hong Kong, Angola, Turquia,<br />

Argélia e República Democrática do Congo. No período<br />

importou da Itália US$ 9.190 (FOB) em artefatos de materiais<br />

têxteis para uso técnico e motores. O superávit comercial foi de<br />

R$ 17.349.681. O maior evento na região é a Expolíder, exposição<br />

agropecuária e industrial local.<br />

Banhada pelo rio Teles Pires, Colíder ganhou uma UHE<br />

com capacidade para gerar 300 MW. Saibam sobre essa usina no<br />

tópico Energia, no segundo capítulo.<br />

O grande orgulho da cidade está num mural entalhado<br />

em mogno representando a Santa Ceia do Senhor Jesus Cristo.<br />

A peça fica aos fundos do altar da Igreja São João Batista, da Paróquia<br />

João XXIII. Mede 11,50 m por 3,65 m. Foi entalhada pelo<br />

artista local Mário da Silva com apoio de Nelson Silva, Anísio<br />

Matias e Antônio Rodrigues e apresentada aos fiéis em 18 de<br />

abril de 1993. “O orgulho tem razão de ser”, observou o padre<br />

Vitório Sachi numa conversa que tivemos em 2000. Sachi tinha<br />

razão: a obra de arte dos colidenses é a maior do gênero na América<br />

Latina.<br />

MEMÓRIA - Em 1973, o paranaense Raimundo Costa Filho,<br />

principal sócio da Colonizadora Líder e com experiência em colonização<br />

em seu estado, colocou à venda lotes na Gleba Cafezal,<br />

onde mais tarde surgiria a cidade de Colíder. A área total do<br />

imóvel permanece uma incógnita tal a balbúrdia agrária que reinava<br />

em Mato Grosso à época.<br />

209


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Mural<br />

O primeiro agricultor da Gleba Cafezal foi Luiz Marques da<br />

Silva, de Paranavaí (PR). Depois dele, chegaram outros pioneiros<br />

para o cultivo da principal lavoura da região, o café.<br />

Um ranchão da colonizadora foi a primeira construção da vila<br />

de Cafezal inaugurada por Raimundo em 7 de maio de 1973. Esse<br />

ranchão servia para alojamento de compradores de terra, enfermaria<br />

para tratamento de malária e funcionava ainda como uma espécie<br />

de cozinha comunitária. Ao lado dele surgiram bares, armazéns,<br />

farmácias, restaurantes, postos de combustíveis, residências, escolas,<br />

igrejas, oficinas, escritórios, e assim nascia uma das mais importantes<br />

cidades do <strong>Nortão</strong>.<br />

O nome Cafezal durou pouco. Em menos de dois <strong>anos</strong> foi mudado<br />

para Colíder, por dupla razão: a nova denominação significava<br />

a junção da primeira sílaba de colonizadora com a palavra líder –<br />

210


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Co+líder – e também podia ser entendida como surgimento de outra<br />

grande cidade no <strong>Nortão</strong>, a exemplo do que acontecia 150 quilômetros<br />

abaixo na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> sentido Pará-Cuiabá, onde Ênio Pipino construía<br />

Sinop.<br />

O ciclo do café em Colíder foi curto. No final da década de 1970<br />

o município transformou a pecuária em sua principal base econômica,<br />

muito embora naquele período tenham sido descobertos muitos<br />

garimpos de ouro que foram explorados por quase duas décadas até<br />

o declínio da atividade.<br />

Colíder tornou-se distrito de Chapada dos Guimarães em 28 de<br />

julho de 1976 por uma lei sancionada pelo governador Garcia Neto.<br />

Em 18 de dezembro de 1979 ganhou autonomia municipal por uma<br />

lei de autoria do deputado Osvaldo Sobrinho aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos.<br />

211


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Guarantã do Norte<br />

XXXVIII<br />

A porta de entrada dos paraenses<br />

Considerada a porta de entrada da região Oeste do Pará em Mato<br />

Grosso, Guarantã do Norte se situa na divisa dos dois estados e distante<br />

1.000 quilômetros de Santarém. Essa localização foi decisiva para seu crescimento,<br />

uma vez que seu comércio varejista, atacadista e especializado<br />

atende considerável volume de consumidores paraenses que residem no<br />

eixo de influência da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />

Com topografia levemente ondulada, a cidade tem largas avenidas<br />

e ensaia os primeiros passos rumo à verticalização. Guarantã tem<br />

4.734,751 km², com 34.218 moradores. A densidade demográfica é de 6,80<br />

habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />

(IDH) é de 0,703 numa escala de zero a um. A renda per capita é<br />

de R$ 16.236,84. A água chega a todos os domicílios e parte do esgoto é<br />

212


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

coletada e tratada. O município é sede de comarca de primeira entrância<br />

e da 44ª Zona Eleitoral.<br />

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 5<strong>46</strong>.077.000. A principal atividade<br />

econômica é a pecuária, seguida pelo comércio e a agricultura. A<br />

extração de madeira foi importante nas duas primeiras décadas da ocupação<br />

da terra, mas entrou em processo de exaustão. O rebanho tem 334.605<br />

cabeças de mamando a caducando e um frigorífico nas imediações da cidade<br />

abate bovinos. Em 2016 Guarantã exportou US$ 3.416.202 (FOB) em<br />

carne e couro para Hong Kong, Egito, Itália, China e mais cinco países. No<br />

período importou US$ 10 mil (FOB) em máquina espanhola para curtir<br />

couro. O superávit no período foi de R$ 3.406.202.<br />

A reserva indígena Panará, dos índios panarás, estende-se por<br />

56.222 hectares em Guarantã, e sua área se expande para fora daquele<br />

município.<br />

O município é um dos divisores das bacias do Teles Pires e do Xingu.<br />

No rio Braço Norte, da primeira bacia, na região de limite com Novo<br />

Mundo, foram construídas quatro pequenas centrais hidrelétricas (PCHs)<br />

com capacidade para gerar 5,18 MW, 10,75 MW, 14,16 MW e 14 MW.<br />

Sobre o Parque Estadual do Cristalino no município, em Novo<br />

Mundo e em Alta Floresta leia o tópico Preservação, no segundo capítulo.<br />

A cidade é dividida ao meio pela <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Guarantã tem duas vilas:<br />

Cotrel e Gaúcho. A primeira é praticamente um bairro. A outra, dividida<br />

ao meio pela <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, situa-se na área de contestado com o Pará.<br />

Cotrel remonta aos primórdios da colonização e vila Gaúcho nasceu<br />

com a rodovia.<br />

A vila Gaúcho foi fundada em 14 de novembro de 1976, data em<br />

que o comerciante Henrique Lopes de Lima, o Gaúcho, nascido em Lagoa<br />

Vermelha, no Rio Grande do Sul, abriu pela primeira vez as portas do Bar<br />

e Restaurante Gaúcho, à margem direita da rodovia no sentido Cuiabá-<br />

-Santarém, na área de contestado entre os dois estados. À época, a área<br />

onde o estabelecimento foi aberto pertencia a Colíder. A localidade se<br />

formou na vizinhança do pioneiro Gaúcho.<br />

213


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Igreja Matriz<br />

MEMÓRIA - Em 1980 o Incra, em parceria com a Cooperativa Tritícola<br />

de Erechim (Cotrel), Empresa Brasileira de Engenharia e Construção<br />

(Ebec), Construtora Triunfo e apoio financeiro do Banco Nacional de<br />

Crédito Cooperativo (BNCC), iniciou a implantação do projeto de assentamento<br />

Parque Peixoto de Azevedo, ao longo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, numa<br />

área da União superior a 1 milhão de hectares.<br />

Um ano <strong>depois</strong>, o presidente do Incra, Paulo Yokota, lançou um<br />

pacote de obras na região, para construir 600 quilômetros de estradas<br />

vicinais, postos de saúde, escolas e fomentar a política agrária que tinha<br />

como uma de suas principais metas assentar pequenos agricultores do<br />

Rio Grande do Sul que foram desapropriados de suas terras para a formação<br />

do lago da hidrelétrica do rio Jacuí e, também, outros brasileiros<br />

que trabalhavam em lavouras do Paraguai, os chamados brasiguaios,<br />

além de regularizar posses já existentes.<br />

Executor do Incra na região, o cearense José Humberto Macêdo<br />

entusiasmou-se com o projeto e pediu autorização a Yokota para fun-<br />

214


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

dar uma cidade às margens da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. O sinal verde foi dado, o arquiteto<br />

do Incra Sérgio Antunes de Freitas planejou e elaborou um<br />

projeto urbanístico e, assim, em 2 de junho de 1981, nascia a vila de<br />

Cotrel – primeiro nome do lugar. Foram abertas duas ruas no Km 725,<br />

que mais tarde receberiam os nomes de Avenida Jatobá e Avenida<br />

Alcides Moreno Scampelini.<br />

O fluxo migratório para a área urbana foi grande logo após a<br />

abertura das ruas. E em 16 de novembro de 1981 Cotrel foi elevada<br />

a distrito de Colíder, com o nome de Guarantã, em alusão a um tipo<br />

de madeira então muito comum na área. A escolha da denominação<br />

levou em consideração que madeireiros se referiam à região fazendo<br />

citação à madeira: “vamos lá naquele lugar do guarantã”.<br />

Guarantã sempre teve perfil agrícola. A Unidade Avançada do<br />

Incra registrou no final de 2000, em sua circunscrição que se estende<br />

a Peixoto de Azevedo, Novo Mundo e Terra Nova do Norte, 12.800<br />

famílias assentadas em 17 projetos agrários.<br />

José Humberto Macêdo, titular do Cartório do Registro Civil<br />

e ex-prefeito (1989-92); Soto Mineto, comerciante; Alcides Moreno<br />

Scampelini, primeiro farmacêutico; e Guilherme Mezomo, que instalou<br />

o primeiro mercado, formam o grupo de pioneiros.<br />

Desde os primórdios da colonização e até meados dos <strong>anos</strong><br />

2000 boa parte frota de veículos de Guarantã e região era formada<br />

por carros artesanais montados sobre chassis canibalizados de jipes<br />

ou camionetes, por oficinas locais e na vizinhança. Eram os chamados<br />

paco-paco, que recebiam esse nome por conta do barulho de<br />

seus motores a diesel estacionários. Porém, a Justiça proibiu sua<br />

circulação.<br />

O distrito foi criado por uma lei de autoria dos deputados Zanete<br />

Cardinal e Alves Ferraz, aprovada pela Assembleia Legislativa<br />

e sancionada pelo governador Frederico Campos. Em 13 de maio de<br />

1986 o governador Júlio Campos sancionou uma lei de autoria das<br />

bancadas do PDS e do PMDB aprovada pela Assembleia criando o<br />

município de Guarantã do Norte.<br />

215


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Nova Bandeirantes<br />

XXXIX<br />

No <strong>Nortão</strong>, a cidade mais distante de Cuiabá<br />

Não perca tempo procurando cachoeiras mais bonitas do que<br />

as do rio Juruena no limite de Nova Bandeirantes com Cotriguaçu.<br />

Da Porteira, Meia Carga e Figueira se destacam pela beleza natural<br />

e nenhuma outra se compara a elas. Portanto, Nova Bandeirantes é<br />

uma mistura de qualidade de vida dos seus 14.106 habitantes com<br />

belezas naturais numa área onde o café conilon reinou e hoje é um<br />

216


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

dos paraísos da pecuária mato-grossense, como atesta o quantitativo<br />

de seu rebanho bovino: 429.103 cabeças de mamando a caducando<br />

em parte de seus 9.606,257 km². No <strong>Nortão</strong> é a cidade mais distante<br />

de Cuiabá; o trajeto entre as duas é de 1.020 quilômetros.<br />

Nova Bandeirantes é uma cidade plana, sem endemias, mas<br />

carente de rede de esgoto. A água chega a todos os domicílios e a criminalidade<br />

é baixa. Um hospital da prefeitura cuida da saúde básica,<br />

mas a referência do SUS fica em Alta Floresta, distante 210 quilômetros.<br />

Sua densidade demográfica é de 1,21 habitante por quilômetro<br />

quadrado e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) registra<br />

0,650 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é<br />

de R$ 169.642.000 e a renda per capita, de R$ 12.713,91. Em 2016 sua<br />

economia não exportou nem importou. O município tem as vilas de<br />

Japuranã e Paraíso do Norte.<br />

Sobre usinas hidrelétricas e áreas de preservação permanentes<br />

leia os tópicos Energia e Preservação, no segundo capítulo.<br />

MEMÓRIA - Nova Bandeirantes foi fundada em 11 de agosto de<br />

1982 pela Colonizadora Bandeirantes (Coban), de Bandeirantes no<br />

Paraná e pertencente a Daniel Meneguel, para dar suporte aos proprietários<br />

rurais que adquiriram lotes de seu projeto de colonização<br />

com 100 mil hectares, no Vale do rio Juruena e iniciado um ano antes.<br />

Em Nova Bandeirantes, se alguém perguntasse pelo baiano<br />

Manoel Nascimento dos Santos ninguém saberia responder quem<br />

era. Porém, se o questionamento fosse sobre Manezinho da Coban<br />

até o vento diria que se tratava da figura mais conhecida, respeitada<br />

e admirada do lugar. Manezinho foi o homem dos sete ofícios de Daniel<br />

Meneguel. Demarcou e abriu ruas, apaziguou brigas, estimulou<br />

investidores, viveu a cidade à qual entregou seu corpo após fechar<br />

os olhos para sempre. Conversei com ele em várias ocasiões e tentei<br />

assimilar seus conselhos.<br />

217


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Manezinho da Coban<br />

A então prefeita Solange Sousa Kreidloro, a Sol, rendeu homenagem<br />

à memória de Manezinho e denominou uma Unidade<br />

Básica de Saúde (UBS) de Manoel Nascimento dos Santos – Manezinho<br />

da Coban.<br />

Antes da formação da vila, a região não tinha acesso. A Coban<br />

implantou na mata 74 quilômetros de rodovia a partir da agropecuária<br />

Trivelato no entroncamento da MT-208 com a MT-160 para Apiacás.<br />

Dali, a estrada prosseguiu por mais 59 quilômetros com a mesma<br />

218


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

identificação de MT-208, passando por Nova Monte Verde, e dobrou<br />

à direita batizada por MT-417 por mais 16 quilômetros.<br />

No começo da colonização a economia girou em torno do café<br />

conilon. Aos poucos a pecuária assumiu as rédeas. Durante <strong>anos</strong>, ao<br />

longo da colheita do café, de abril a setembro, as comunidades rurais<br />

iguais a São Paulo, Cristo Redentor, Sagrada Família, Santa Rita,<br />

Santa Luzia, São José, São Brás, Nossa Senhora do Carmo e Japuranã,<br />

promoviam festas com quermesses nos finais de semana. O ponto<br />

alto das festividades acontecia na cidade, em outubro, quando era<br />

eleita a Rainha do Café de Nova Bandeirantes.<br />

Em 2000, a vencedora do concurso Rainha do Café de Nova<br />

Bandeirantes foi Harielle Francini Beltramin, que recebeu o cetro da<br />

antecessora eleita no ano anterior, Fernanda Tessaro.<br />

O nome Nova Bandeirantes foi escolhido por Daniel Meneguel,<br />

para homenagear a cidade paranaense de Bandeirantes, sede<br />

de sua colonizadora e local onde foi lançado o projeto de colonização<br />

no Vale do Rio Juruena.<br />

O distrito de Nova Bandeirantes foi criado no município de<br />

Alta Floresta em 2 de maio de 1986 por uma lei de autoria dos deputados<br />

Benedito Santiago e Osvaldo Sobrinho, aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Júlio Campos. Em 20<br />

de dezembro de 1991 o governador Jayme Campos sancionou uma<br />

lei de autoria do deputado João Teixeira e aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa criando o município numa área pertencente a Alta Floresta<br />

e Juara.<br />

Nova Bandeirantes pertence à comarca de primeira entrância<br />

da vizinha Nova Monte Verde. Entre a cidade e Alta Floresta há dois<br />

trechos sem pavimentação: um de 16 quilômetros na ligação da área<br />

urbana com a MT-208, e outro, de 12 quilômetros na MT-208 – obra<br />

paralisada e que até o final de 2016 desafiava a capacidade administrativa<br />

do governo de Mato Grosso.<br />

219


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Nova Canaã do Norte<br />

XL<br />

Começo conturbado em Nova Canaã do Norte<br />

Cidade levemente ondulada e parcialmente pavimentada, onde o<br />

lixo é recolhido mas não há rede de esgoto, Nova Canaã do Norte, distante<br />

três quilômetros da MT-320 que liga a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> a Alta Floresta, é sede<br />

de um município com 5.966,196 km², com 12.355 moradores e densidade<br />

demográfica de 2,03 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) é de 0,686 numa escala de zero a um.<br />

O município, banhado pelo rio Teles Pires, é sede de comarca<br />

de primeira entrância. A base econômica é a pecuária bovina, com<br />

um rebanho de 397.309 cabeças de mamando a caducando. Um frigorífico<br />

e um laticínio ali instalados completam a cadeia pecuária. Em<br />

2016 sua economia não exportou, mas importou da Rússia, Argentina,<br />

Canadá, Estados Unidos e Alemanha US$ 4.399.036 (FOB) em<br />

rodas hidráulicas, condensadores e outros componentes industriais.<br />

As vilas de Colorado e Ouro Branco pertencem a Nova Canaã do<br />

Norte. Sobre terras indígenas e UHE leia os tópicos Índios e Energia,<br />

no segundo capítulo.<br />

220


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

MEMÓRIA - A Gleba Nova Era, da Colonizadora Líder, começou<br />

a ser colonizada em 1976, com a venda de seus primeiros lotes pelo<br />

presidente da empresa, Raimundo Costa Filho.<br />

Lotes vendidos por Raimundo Costa tinham documentação irregular,<br />

o que provocou conflitos agrários pela posse da terra, com<br />

ações judiciais e enfrentamentos armados que resultaram em troca de<br />

tiros, tocaias e mortes. Na relação dos assassinatos figura o sócio da<br />

colonizadora, Louro Silva Lima. A tensão na zona rural se agravava a<br />

cada dia, mas, indiferentemente a isso, o colonizador criou a vila em<br />

7 de abril de 1977, numa área de 242 hectares, à qual deu o nome de<br />

Nova Era, que mais tarde seria Nova Canaã e posteriormente Nova<br />

Canaã do Norte. O seu primeiro morador foi Antônio Alves da Silva,<br />

conhecido por Antônio do Ponto, oriundo de Assis Chateaubriand,<br />

no Paraná.<br />

O apelido Antônio do Ponto surgiu porque ele tinha duas<br />

Kombi que faziam linha transportando passageiros diariamente para<br />

Colíder e, em dias alternados, para Sinop. O local de embarque e desembarque<br />

funcionava na Avenida Brasil, na calçada da Comercial<br />

Santo Antônio – de propriedade dele e que foi o primeiro estabelecimento<br />

de Nova Canaã. A antiga casa que servia de ponto das Kombi<br />

foi demolida.<br />

Depois de Antônio do Ponto, se mudaram para Nova Canaã<br />

Antônio Moreira, Osvaldo Amaral e outros. A principal atividade<br />

econômica nos primeiros <strong>anos</strong> foi o plantio de café conilon. Porém,<br />

os produtores esbarravam na falta de regularização fundiária, para<br />

conseguirem financiamentos no Banco do Brasil. O problema foi<br />

solucionado pelo Incra em 26 de abril de 1982 com a desapropriação<br />

da gleba onde surgiu o município, para a implantação do Projeto<br />

de Assentamento Canaã que contemplou com títulos definitivos<br />

3.700 agricultores que compraram áreas da Colonizadora Líder ou<br />

de terceiros.<br />

O nome Nova Canaã foi escolhido pelo então bispo de Diamantino,<br />

dom Henrique Froehlich, quando da elevação da vila a distrito<br />

221


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Antônio do Ponto<br />

de Colíder, em 23 de novembro de 1981, por uma lei de autoria dos<br />

deputados Zanete Cardinal e Alves Ferraz, aprovada pela Assembleia<br />

Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos. O prelado<br />

levou em conta, para isso, que aquela região simbolizava a conquista<br />

de uma nova terra, uma espécie da Canaã citada na Bíblia, tais os<br />

percalços enfrentados por seus moradores.<br />

A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei de<br />

autoria das bancadas do PDS e do PMDB, aprovada pela Assembleia<br />

e sancionada pelo governador Júlio Campos. O município foi criado<br />

sobre áreas de Colíder e Diamantino; seu nome foi alterado para Nova<br />

Canaã do Norte.<br />

SANGUE – O prefeito Antônio Luiz Cesar de Castro, o Luizão, 43 <strong>anos</strong>,<br />

foi assassinado com cinco tiros, por volta de 22 horas da sexta-feira 5 de<br />

agosto de 2011, quando participava de uma festa na cidade. Tratou-se<br />

de crime de pistolagem.<br />

222


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Novo Mundo<br />

XLI<br />

A cidade do garimpeiro Cacheado<br />

Cidade com topografia acidentada, Novo Mundo dista 30 quilômetros<br />

de Guarantã do Norte pela MT-419 pavimentada, mas com pontes<br />

de madeira sobre o rio Braço Norte e sua vazante. Com 5.790,962 km² e<br />

8.549 moradores, o município pertence à comarca de primeira entrância<br />

de Guarantã do Norte. A densidade demográfica é de 1,27 habitante por<br />

quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alcançou<br />

0,674 numa escala de zero a um.<br />

Sem rede coletora, o esgoto da cidade é lançado em fossas. A água,<br />

de mina, chega a todos os domicílios. O município, na calha do rio Teles<br />

Pires, tem a vila Cinco Mil, distante 50 quilômetros no sentido de Carlinda,<br />

enfrenta problemas agrários e um pequeno hospital atende a saúde<br />

básica, mas a referência do SUS é o Hospital Regional de Colíder, distante<br />

180 quilômetros.<br />

223


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Com um rebanho bovino de 349.606 cabeças de mamando a caducando,<br />

a pecuária é o principal esteio econômico do município. O Produto<br />

Interno Bruto (PIB) é de R$ 115.679.000 e sua economia não exportou<br />

nem importou em 2016. O Parque Estadual do Cristalino ocupa áreas em<br />

Novo Mundo e outros municípios. Sobre ele leia o tópico Preservação, no<br />

segundo capítulo.<br />

MEMÓRIA - Novo Mundo e o vizinho Guarantã do Norte tiveram<br />

a mesma origem. Ambos praticamente começaram com o Projeto de<br />

Assentamento Conjunto Peixoto de Azevedo, de 1 milhão de hectares,<br />

numa área então pertencente a Colíder. Posteriormente outras glebas<br />

do Incra somaram-se àquela.<br />

Em 1980, atendendo a um pedido da irmã Glícia Maria Barbosa<br />

da Silva, de Mundo Novo, em Mato Grosso do Sul, o Incra destinou 211<br />

mil hectares na região do rio Nhandu, onde mais tarde surgiriam Novo<br />

Mundo e Guarantã do Norte, para assentar cerca de 600 colonos daquele<br />

município e outros brasileiros que ocupavam ou eram proprietários de<br />

terras no Paraguai, os chamados brasiguaios. A execução fundiária ficou<br />

a cargo da Cotrel, que dividiu a área em cinco módulos, e em cada um<br />

pretendia criar uma comunidade com posto de saúde, campo de futebol,<br />

escola e igreja nos moldes das agrovilas idealizadas por Norberto<br />

Schwantes. Aquele que deveria ser o módulo chamado Nhandu acabou<br />

sendo deslocado para uma vila que surgiu a três quilômetros do local<br />

escolhido para sua instalação. Essa vila era a corruptela do Cacheado,<br />

às margens do córrego Grotão, e se transformaria em Novo Mundo. Os<br />

demais módulos: Cotrel, Linha Fogo, comunidade São Pedro e Salvador<br />

Siqueira, foram consolidados.<br />

Coincidentemente com o assentamento dos parceleiros o ouro foi<br />

descoberto na região e aconteceram levas migratórias que mudaram seu<br />

perfil. Com isso a corruptela do Cacheado ganhou novos moradores.<br />

Alguns chamavam a vila do Cacheado de vila Ouro Novo porque<br />

ela se localizava numa área onde uma mineradora com aquele nome extraía<br />

o metal. O nome Novo Mundo foi escolhido em 1983, por assentados<br />

oriundos de Mundo Novo. É uma inversão da denominação para diferenciá-lo<br />

daquele município e não tem relação com a Ouro Novo.<br />

224


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Ponte de madeira em rodovia pavimentada<br />

O garimpo fazia fortuna da noite para o dia. Porém, deixava para<br />

trás um rastro de violência com mortes e feridos nas incontáveis brigas<br />

por motivos fúteis em cabarés e nos baixões. Acrescente-se a isso a tragédia<br />

da malária, que ia além de casos isolados e se transformava em hiperendemia.<br />

Quem a enfrentava era o farmacêutico cuiabano e um dos<br />

pioneiros, Maurindo Ramos, da Drogaria Ramos. Maurindo era a única<br />

arma contra a doença. Com seu microscópio fazia lâmina e medicava garimpeiros,<br />

prostitutas e comerciantes do lugar. Além disso, segundo ele,<br />

não eram poucos os casos de blenorragia – a famosa gonorreia – e outras<br />

doenças sexualmente transmissíveis que infestavam os garimpos.<br />

Cacheado e Maurindo são os dois principais personagens de Novo<br />

Mundo. Cacheado tornou-se fazendeiro. Maurindo atendeu mais de 10<br />

mil casos de malária, mas aposentou o microscópio e retornou a Cuiabá.<br />

Novo Mundo pertencia a Guarantã do Norte e emancipou-se em<br />

17 de novembro de 1995 por uma lei de autoria do deputado Jorge Yanai<br />

aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />

Dante de Oliveira.<br />

225


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Cacheado<br />

CACHEADO - Cacheado é o apelido do garimpeiro e primeiro comerciante<br />

do lugar, o piauiense de Campo Maior Antonio Alves da Silva,<br />

que chegou ao <strong>Nortão</strong> em 1979, quando tudo na região se resumia ao<br />

garimpo de ouro.<br />

Cacheado sentia na pele o vácuo do Estado na corruptela por<br />

ele fundada no garimpo que lhe pertencia. Via seus companheiros de<br />

trabalho morrerem vítimas da balária – mistura de bala e malária –,<br />

garimpava sem as mínimas condições de segurança, testemunhava o<br />

raiar e o ocaso do sol com crianças nas ruas por falta de escola.<br />

Aluno da escola do mundo, Cacheado assina o nome. Ausente<br />

do banco escolar pela dureza da vida, retribuiu com grandeza essa<br />

adversidade: construiu as duas primeiras escolas de Novo Mundo. Vítima<br />

de derrame cerebral, Cacheado se recupera na Estância Repouso,<br />

à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Com dificuldade de fala, resume seu sentimento<br />

sobre a cidade que fundou: “Tenho olhos bons para os lados de lá”.<br />

226


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Tabaporã<br />

XLII<br />

Cidade Bonita ou apenas Tabaporã<br />

Cidade Bonita. Este é o nome Tabaporã na linguagem tupi. Trata-se<br />

da junção das duas palavras pela genialidade do poeta Carlos<br />

Drummond de Andrade para denominar um projeto de colonização<br />

rural e urbana próximo a Juara, de José Pedro Dias, o Zé Paraná, e seu<br />

sócio Isaías Apolinário.<br />

Município jovem, Tabaporã tem 9.398 residentes, 8.448,004 km² e<br />

sua densidade demográfica é de 1,19 habitante por quilômetro quadrado.<br />

Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,695 numa<br />

escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 355.235.000<br />

227


Eduardo Gomes de Andrade<br />

e a renda per capita, de R$ 37.073,13. Em 2016 sua exportação alcançou<br />

US$ 450.239. A China comprou US$ 436 mi em soja e o Japão, US$ 13<br />

mi em milho. No período não houve importação. O rebanho bovino é<br />

de 161.042 cabeças de mamando a caducando. A economia é calcada<br />

na agricultura e pecuária. Na cidade, 65% das ruas são pavimentadas,<br />

a água chega a todos os domicílios, mas o esgoto ainda desafia a prefeitura.<br />

Tabaporã tem duas vilas: Nova Fronteira e Americana do Norte.<br />

A ligação da cidade à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem 86 quilômetros sem pavimentação.<br />

O município pertence à Bacia do Teles Pires, que é um dos formadores<br />

do rio Tapajós.<br />

MEMÓRIA - O distrito foi criado no município de Porto dos Gaúchos<br />

em 16 de dezembro de 1986 por uma lei de autoria dos deputados Pedro<br />

Lima e Zanete Cardinal, aprovada pela Assembleia Legislativa e<br />

sancionada pelo governador Wilmar Peres de Farias. A emancipação<br />

aconteceu em 20 de dezembro de 1991 por uma lei de autoria do deputado<br />

Hermes de Abreu, aprovada pela Assembleia e sancionada pelo<br />

governador Jayme Campos.<br />

O mineiro Drummond, poeta maior do Brasil, sugeriu a denominação<br />

da futura cidade atendendo solicitação de seu amigo Hermano<br />

Moisés, genro de Isaías. Num encontro em São Paulo, Hermano<br />

disse a ele que o sogro estava colonizando uma área em Mato Grosso,<br />

mas que a mesma ainda não tinha nome. “Encontre um nome bonito<br />

pra aquilo!”, pediu Hermano. Drummond, de imediato, o atendeu.<br />

Assim, em 17 de agosto de 1984, exatamente três <strong>anos</strong> antes de<br />

sua morte, o poeta inscreveu seu nome na história da colonização de<br />

Mato Grosso ao denominar de Tabaporã uma vila que surgia nos confins<br />

amazônicos.<br />

A execução do projeto de colonização e urbanização de Tabaporã<br />

teve à frente Zé Paraná, que representava a Gi-Paraná Empreendimentos<br />

Imobiliários, que lhe pertencia, e a seu sócio Isaías, dono da Comercial<br />

Isaías Apolinário Empreendimentos.<br />

228


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

O lendário avião dos Metralha<br />

XLIII<br />

Dos céus para sempre no solo<br />

Para sempre no solo independentemente que o céu seja ou não<br />

de brigadeiro. Não voa mais! O bimotor que prestou grande serviço<br />

ao <strong>Nortão</strong> aterrissou para sempre em Alta Floresta, que tanto ajudou a<br />

crescer. Agora, o bom Douglas DC-3 em sua versão cargueiro C-47 de<br />

prefixo PT-KVA é patrimônio cultural sobre um pedestal para encher<br />

de beleza os olhos dos turistas e marejar o olhar de seus passageiros<br />

nos tempos da loucura do garimpo de ouro no <strong>Nortão</strong>.<br />

Os gêmeos Wilson Clever Lima e William José Lima, seus donos<br />

e seus comandantes, que na proeza de seus pousos e decolagens em<br />

situações climáticas muitas vezes adversas em arremedos de improvisadas<br />

pistas ganharam o apelido de Irmãos Metralha, tiraram as mãos<br />

229


Eduardo Gomes de Andrade<br />

do manche e guardaram seus brevês. Nos <strong>anos</strong> 1980 cruzando os céus<br />

do município sobre o rio Teles Pires e suas matas o imponente C-47<br />

carregou muito ouro, mas seu transporte mais precioso sempre foi o<br />

povo de Alta Floresta.<br />

Os Irmãos Metralha doaram a famosa aeronave ao povo de<br />

Alta Floresta e agora ela atesta a magia do ciclo do ouro, quando<br />

praticamente não havia estradas na região e o transporte aéreo era o<br />

pulmão que bombeava ar ao coração econômico e social da cidade,<br />

nas famosas pistas de garimpo e por onde mais se possa imaginar.<br />

William agora não mais vê do alto a cidade. Reconhecido por<br />

muitos, caminha pelas ruas entre os moradores do município, onde<br />

presidiu o sindicato rural; é um entre seus 5,48 habitantes por quilômetro<br />

quadrado. Seu irmão Wilson parou de voar na segunda-<br />

-feira 28 de abril de 2014 quando em Araçatuba (SP) fechou os olhos<br />

para sempre, vítima das sequelas de um aneurisma. Naquela data o<br />

comandante Wilson Metralha decolou para o céu, de onde namora<br />

Alta Floresta – uma de suas grandes paixões. À noite, se transforma<br />

na mais brilhante estrela sobre a cidade que Ariosto da Riva colonizou<br />

com sua empresa Integração, Desenvolvimento e Colonização<br />

(Indeco), façanha essa que lhe rendeu o reconhecimento do jornalista,<br />

escritor e compositor David Nasser que o chamou de “O Último<br />

Bandeirante”.<br />

Conga, Conga, Conga na madrugada<br />

Mais de 20 mil garimpeiros extraíram grande quantidade de<br />

ouro na Pista do Cabeça entre 1982 e 85. Quem controlava aquela área<br />

de 19 mil hectares era o paraibano Eliézio Lopes de Carvalho, o Cabeça,<br />

que recebeu uma grande quantidade do metal como pagamento<br />

de sua parte no garimpo e por remédios, gasolina, bebidas, mulheres,<br />

alimentos que fornecia aos garimpeiros, além do transporte aéreo que<br />

fazia com seus aviões. Cabeça jura que por seus bolsos passaram 12<br />

toneladas.<br />

230


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Cabeça<br />

Os donos das pistas de garimpo no <strong>Nortão</strong> e Pará faziam chover<br />

e acontecer. Cabeça foi um deles e estavam no seu poder a segurança,<br />

a saúde, as regras sociais e a economia dos milhares de garimpeiros de<br />

todos os cantos do Brasil que viviam a aventura do ouro na sua pista<br />

localizada na calha do rio Teles Pires, na Alta Floresta que agora tem<br />

8.976,309 km². À época havia vácuo de segurança e de instituições do<br />

Estado, mas isso mudou. O município é sede de comarca de terceira<br />

entrância, de uma Vara do Trabalho, da 24ª Zona Eleitoral, comando<br />

regional da Polícia Militar, de Delegacia Regional de Polícia Civil, de<br />

Perícia Oficial (Politec) e de uma unidade do Corpo de Bombeiros Militar.<br />

A agora desativada Pista do Cabeça ficava a 75 quilômetros de<br />

Alta Floresta. À época não havia estrada e o meio de acesso era o avião.<br />

Hoje a cidade tem acesso pavimentado a Cuiabá e o Aeroporto Piloto<br />

Osvaldo Marques Dias tem a maior pista de Mato Grosso. Transporte<br />

aéreo e rodoviário são coisas que não faltam, mas uma das deman-<br />

231


Eduardo Gomes de Andrade<br />

marcos cardeal<br />

Alta Floresta<br />

das da região é a Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que enfrenta cadeado<br />

judicial; esse meio de transporte é permanente bandeira do médico e<br />

empresário Mário Nishikawa e de tantos outros sonhadores.<br />

Cabeça promoveu 36 shows nacionais para animar as noitadas<br />

dos garimpeiros. Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Nelson<br />

Ned, Donizete e Suzamar foram algumas dessas atrações. Dona<br />

Maria Odete Brito de Miranda fez show por lá e na madrugada rebolou<br />

Conga, Conga, Conga para o anfitrião. Essa senhora é Gretchen, a<br />

rainha da preferência nacional. O município passou por grande transformação<br />

e seu maior evento popular é a exposição agropecuária e industrial<br />

Expoalta.<br />

A economia do ciclo do ouro não mais existe; diversificou-se<br />

muito. Alta Floresta é polo regional distribuidor aos municípios em seu<br />

entorno, produz café conilon, cacau e soja. Isto mesmo: a leguminosa<br />

chinesa que é o pilar econômico de Mato Grosso chegou por lá em 2013<br />

espalhando-se por modestos 5.550 hectares. Acontece que essa tal soja<br />

232


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

Área central<br />

não tem limites e fechou 2016 com uma área três vezes maior. Se o boi<br />

não ficar esperto, em breve ela engole suas invernadas. A piscicultura<br />

se faz presente e o garimpo de ouro permanece, porém em quantidade<br />

bem menor. Sobre ocupação do solo leia o tópico Assentamentos, no<br />

segundo capítulo, e saiba mais sobre um excelente programa complementar<br />

da reforma agrária criado pelo florestense e ex-deputado estadual<br />

Jair Mariano, nascido em Minas Gerais.<br />

O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 1.040.126.000. O rebanho<br />

bovino de mamando a caducando é de 712.874 cabeças. Ao lado da<br />

cidade, um frigorífico abate e reforça a balança comercial; a extração da<br />

madeira continua gerando renda. Em 2016 o município exportou US$<br />

19.250.420 (FOB) em madeira, carne e ouro bruto para os Estados Unidos,<br />

Hong Kong, Egito e outros 34 países. No período importou US$<br />

42.238 (FOB) em equipamentos para frigoríficos e velas de transmissão<br />

produzidos na Espanha e Alemanha. Com essa movimentação seu superávit<br />

no ano foi de US$ 19.208.182.<br />

233


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Nelza Luci Asvolinsque<br />

Um dos mais belos cartões-postais de Mato Grosso é o rio Cristalino<br />

em Alta Floresta, numa área preservada do parque estadual que<br />

leva seu nome. Sobre o parque leia o tópico Preservação, no segundo<br />

capítulo.<br />

Uma escolha democrática<br />

Em Cuiabá uma jovem professora se sentiu instigada a participar<br />

de um inusitado concurso, não por sua modesta premiação, mas<br />

porque o vencedor ou vencedora entraria para a história. Foi assim que<br />

nasceu o nome Alta Floresta.<br />

Professora de Matemática no Colégio Sagrado Coração de Jesus,<br />

Nelza Luci Asvolinsque Faria leu um anúncio no Diário de Cuiabá<br />

sobre a realização de um concurso para escolha do nome de uma<br />

cidade que o colonizador Ariosto da Riva implantava na Amazônia<br />

Mato-grossense. Nelza prestou atenção ao indicativo da localização do<br />

projeto, bem no alto do mapa em meio à mata densa. Sem pensar duas<br />

vezes, foi à Rádio A Voz D’Oeste, em Cuiabá, e depositou numa urna<br />

234


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

sua sugestão. Daí para frente caberia aos ouvintes aprovarem ou não<br />

o nome.<br />

Nelza sugeriu Alta Floresta e venceu o concurso idealizado pelo<br />

coronel José Meirelles, ex-comandante do 9º Batalhão de Engenharia<br />

e Construção (9º BEC), que <strong>depois</strong> de se aposentar foi contratado por<br />

Ariosto para concluir a abertura de uma estrada ligando a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> ao<br />

seu projeto. Meirelles topou o desafio e o cumpriu. Além disso, bolou o<br />

concurso vencido por Nelza, que posteriormente tornou-se cartorária<br />

no Cartório do 7º Ofício de Cuiabá.<br />

A abertura da estrada demorou três <strong>anos</strong>. Meirelles foi encarregado<br />

da travessia do rio Teles Pires e do trajeto até o local definido para<br />

a cidade. O avanço do projeto dependia de tratores pesados. Ao invés<br />

de balsa convencional, Meirelles lançou mão de balsas de portada –<br />

empregadas na engenharia militar – e com elas botou os equipamentos<br />

na margem esquerda do rio. Certa vez Meireles contou-me sobre a dificuldade<br />

que enfrentou, porque a área de vazante na margem direita<br />

do Teles Pires é muito larga.<br />

Nos primórdios, sem acesso por rodovia, a alternativa era o<br />

transporte aéreo, que consagrou grandes nomes da aviação, dentre<br />

eles Dpemty Bandeira Fiúza, o comandante Fiúza, que em 2 de junho<br />

de 2016, aos 85 <strong>anos</strong>, decolou para seu último voo sem necessidade de<br />

avião – a máquina que tão bem pilotava.<br />

Juntamente com Meirelles, seu braço direito na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, o topógrafo<br />

Antônio Nunes Severo Gomes também trabalhou para Ariosto.<br />

Severo foi topógrafo nos projetos urb<strong>anos</strong> de Alta Floresta, Paranaíta e<br />

Apiacás, cidades fundadas por aquele colonizador.<br />

A data da vitória de Ariosto<br />

Calha do rio Teles Pires, município de Aripuanã, quarta-feira 19<br />

de maio de 1976. Ao contrário do Brasil que está em ebulição pelas<br />

eleições municipais em novembro, naquele local o assunto era um só:<br />

a inauguração de Alta Floresta. Pela manhã Ariosto era a imagem do<br />

235


Eduardo Gomes de Andrade<br />

Ariosto da Riva<br />

contentamento acompanhando os tratores arrancando as derradeiras<br />

raízes das ruas sem casas, escolas e lojas laterais. À tarde o colonizador<br />

estava ainda mais feliz entregando ao Brasil, a Mato Grosso e às<br />

gerações futuras um projeto que transformava o vazio amazônico no<br />

embrião de uma cidade sonhada para ser moderna. Digo mais: para ser<br />

a imagem de seu construtor.<br />

O dia da fundação é a data oficial de Alta Floresta, mas seu distrito<br />

foi criado em 19 de setembro de 1977 pelo governador Garcia Neto<br />

e a emancipação aconteceu em 18 de dezembro de 1979 com a sanção<br />

pelo governador Frederico Campos da lei que emancipou o município.<br />

As ruas desertas quando da inauguração da cidade mais tarde<br />

viveram o boom populacional com o garimpo. Em 1995, quando a<br />

atividade entrou em declínio, havia 79.591 moradores. Transcorridos<br />

236


<strong>Nortão</strong><br />

<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />

21 <strong>anos</strong>, esse número caiu para 50.082, registrando queda de 37,08%<br />

no período. Esse enxugamento humano somente não é maior porque<br />

o êxodo foi estancado e nos últimos <strong>anos</strong> houve a retomada do<br />

crescimento. Dois indicadores sociais mostram que as sequelas com<br />

o fim do garimpo estão cicatrizando: o Índice de Desenvolvimento<br />

Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,714 e a renda per<br />

capita alcança R$ 20.853,81. Tratamento de esgoto contribui para a<br />

melhoria da qualidade de vida e Alta Floresta está atenta a isso. Por<br />

meio de concessão, a cidade coleta e faz tratamento de parte do esgoto.<br />

Fé e trabalho nunca faltaram a Alta Floresta; é nesse binômio que<br />

se retoma o crescimento. Dentre os líderes religiosos que elevaram<br />

e elevam as mãos aos céus pela cidade, o pastor baiano Agenor José<br />

dos Santos, que aos 77 <strong>anos</strong>, em 2 de junho de 2016, se juntou ao coro<br />

dos justos que ora nos céus.<br />

No auge do garimpo havia um frenesi de pequenos aviões no<br />

aeroporto da cidade e, na Boate Saramandaia, mais de 300 mulheres<br />

faziam a alegria dos garimpeiros noite adentro sem hora para o sexo e<br />

a bebedeira acabar. O pagamento quase sempre era feito em pepitas;<br />

dinheiro era raro naquela casa, onde a verdadeira moeda circulante<br />

atendia pelo nome de ouro. Sobre isso leia o capítulo dedicado a Peixoto<br />

de Azevedo.<br />

As ruas desertas e sem escola não existem mais. A Educação ajudou<br />

a povoá-las com suas crianças e quem primeiro ensinou o bê-á-bá<br />

na terra de Ariosto foi o professor Benjamin Paula. O desenvolvimento<br />

levou para Alta Floresta um campus da Universidade do Estado (Unemat)<br />

e outro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia<br />

(IFMT), com extensão em Paranaíta, e faculdades particulares com ensino<br />

presencial e a distância. A cidade ganhou hospitais e inclusive o<br />

Hospital Regional. Mulheres e homens povoaram essas ruas e lá não se<br />

segrega gênero. Por dois mandatos consecutivos a economiária Maria<br />

Izaura Dias Alfonso foi sua prefeita. Mais: a cidade não é adepta da<br />

237


Eduardo Gomes de Andrade<br />

máxima de que santo de casa não faz milagre, tanto assim que em 1990<br />

elegeu seu morador mineiro João Batista Teixeira dos Santos primeiro<br />

deputado federal do <strong>Nortão</strong>.<br />

ARIOSTO - Melhor escola, impossível! Ariosto da Riva aprendeu a<br />

construir cidades com o maior colonizador do Paraná, Geremia Lunardelli.<br />

Do Paraná para Mato Grosso – antes de sua divisão – onde<br />

criou Naviraí (agora MS). Depois chegou ao Teles Pires em 1974. Fundou<br />

Alta Floresta, Apiacás e Paranaíta. Nasceu de família pobre em<br />

Agudos (SP). Sua têmpera esculpida pelo trabalho incessante ao longo<br />

de 77 <strong>anos</strong> abriu caminhos ao desenvolvimento de Mato Grosso e ao<br />

sonho de milhares que buscavam no <strong>Nortão</strong> as oportunidades que não<br />

tinham em seus lugares de origem. Em 25 de julho de 1992 fechou os<br />

olhos, mas não deixou sua Alta Floresta onde seu corpo foi sepultado.<br />

Entrou para a galeria dos que construíram o Brasil. Virou lenda.<br />

As gerações de seus sucessores ganham mais e mais componentes.<br />

Em 5 de maio de 2015 nasceram seus primeiros tetranetos: Laura e<br />

Arthur. Seu filho Vicente da Riva foi prefeito do município.<br />

No cenário de conquistas e vitórias, Ariosto experimentou uma<br />

dor sem fim pela perda de seu filho Ludovico da Riva – seu braço direito<br />

na colonização – que morreu num acidente aéreo em 1990, quando<br />

disputava o governo.<br />

Ariosto e Ludovico emprestam seus nomes ao principal corredor<br />

da cidade, que é separado por um amplo canteiro central com construções<br />

de frente para as duas pistas, uma a Avenida Ariosto da Riva e<br />

outra a Avenida Ludovico da Riva.<br />

Citando esse grande colonizador, povoador do vazio demográfico<br />

amazônico e criador de oportunidades para milhares de brasileiros<br />

que encontraram em Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás a oportunidade<br />

que não tiveram em sua terra natal, encerro este livro. Espero que a<br />

obra contribua para dar forma literária à oralidade da história do <strong>Nortão</strong>.<br />

Obrigado a todos. Obrigado meu Deus!<br />

238


Depois de <strong>46</strong> <strong>anos</strong> de intensa relação com o <strong>Nortão</strong><br />

imaginava que o conhecia como a palma da mão. Ledo<br />

engano! Ao escrever este livro descobri um verdadeiro<br />

universo dentro daquela área que ganhou enraizamento<br />

urbano e vitalidade econômica com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. No passo a<br />

passo desta obra descortinou-se para mim a verdadeira<br />

face daquela região. Transportei a oralidade de sua história<br />

para as páginas ora apresentadas. Se tivesse que<br />

reescrever o tema ora abordado repetiria os personagens<br />

citados, mas encontraria um jeito de relacionar outros, tão<br />

importantes quanto aqueles, mas que não foram mencionados<br />

pela limitação do número de páginas.

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