Nortão - BR 163: 46 anos depois
AM Eduardo Gomes de Andrade PA Nortão BR-163 46 anos depois
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AM<br />
Eduardo Gomes de Andrade<br />
PA<br />
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
<strong>46</strong><br />
<strong>anos</strong><br />
<strong>depois</strong>
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
<strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>
Eduardo Gomes de Andrade<br />
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
<strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>
Autor<br />
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Título<br />
<strong>Nortão</strong> - <strong>BR</strong><strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
1ª Edição<br />
Capa e editoração<br />
Edson Xavier<br />
edsonxavierartes@gmail.com<br />
(65) 9.9942-2534<br />
Prefácio e revisão<br />
Marinaldo Custódio<br />
mcmarinaldo@hotmail.com<br />
(65) 9.9290-7117<br />
Distribuição<br />
WAF de Andrade Comunicação - ME<br />
(Revista MTAqui)<br />
mtaquionline@gmail.com<br />
(65) 9.9982-1191<br />
A553n<br />
Andrade, Eduardo Gomes de.<br />
<strong>Nortão</strong> – <strong>BR</strong><strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>./ Eduardo<br />
Gomes de Andrade. Cuiabá-MT: Defanti Editora,<br />
2016.<br />
1.Literatura. 2.História – <strong>Nortão</strong> – <strong>BR</strong><strong>163</strong>.<br />
I.Título.<br />
CDU 82:94<br />
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO<br />
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou<br />
mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, sem a permissão por<br />
escrito, do editor. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98.
Dedicatória<br />
Dedico este livro aos meus pais Alzira e Agenor<br />
Andrade<br />
(In memoriam)<br />
Aos meus irmãos Amélia, Alda, Maria, Acúrsio,<br />
Agenor, José e José Fernandes, que não estão mais<br />
entre nós; e Arnóbio, Selma e Marley<br />
À minha companheira há 31 <strong>anos</strong> Wanderly<br />
Aos meus filhos Jeisa, Agenor e Luiz Eduardo<br />
Aos meus netos Ana Júlia, Maria Carolina e Eduardo
Prefácio<br />
Um singular contador de causos<br />
O ponto mais alto da expectativa de um escritor com relação ao seu público<br />
leitor, o maior reconhecimento que ele pode almejar pelo seu trabalho, seja num<br />
artigo ou num conjunto maior, em livro, sob a forma de crônica, conto ou romance,<br />
a meu ver, é quando os seus leitores o aceitam plenamente, ou, em termos mais<br />
atualizados, curtem deveras o que ele escreveu. Trata-se daquela coisa de o leitor<br />
de repente tomar você por um bom companheiro de viagem ou, por outro lado, de<br />
quando ele reconhece em ti um bom contador de histórias, um distraidor da noite<br />
longa ou de eventos tristes, por exemplo: num velório ou <strong>depois</strong> de outra perda<br />
muito doída. E, claro, também nos momentos alegres, descontraídos, a exemplo<br />
daqueles que o compositor Hyldon nos apresenta em sua singela canção “Na rua,<br />
na chuva, na fazenda (Casinha de sapê)” 1 .<br />
Nesse sentido, observação recente de um colega 2 de redação dá bem a<br />
medida do modo como Eduardo Gomes de Andrade, o Brigadeiro, sabe bem lidar<br />
com as palavras quando escreve e, com isso, fisga os seus leitores. Foi quando<br />
o repórter me contou que, há pouco, andou lendo e relendo o Livro 44, estreia<br />
do Brigadeiro em livro, e teve o seu prazer de ler ainda uma vez renovado. Disse,<br />
basicamente, o seguinte: que ele escreve de um jeito que é como se estivesse ali<br />
na sua frente te transportando, num segundo, para cada lugar descrito, te levando a<br />
conviver de perto com homens, mulheres, crianças, até animais e bichos sobrenaturais,<br />
em cada cena que elabora.<br />
(1) “Jogue suas mãos para o céu e agradeça se acaso tiver / Alguém que você gostaria que / estivesse sempre<br />
com você / Na rua, na chuva, na fazenda / ou numa casinha de sapê”. (Disco lançado em 1975 pela gravadora<br />
Polydor).<br />
(2) O repórter esportivo Admar Portugal, do Diário de Cuiabá.
E eu também acho que é precisamente isso que ocorre: isso aí mesmo que o<br />
colega percebeu e traduziu tão bem em palavras.<br />
Mas, por outro lado, cada um de nós que escreve – por mais que as pessoas,<br />
os leitores digam que gostam daquilo que produzimos – sempre guarda lá as nossas<br />
dúvidas, uma das quais aquela que diz respeito precisamente ao ato de se repetir, algo<br />
sempre ameaçador para todo escritor, para todo artista, de qualquer área, ao longo de<br />
sua vida produtiva.<br />
Ao ser requisitado, mais uma vez, para escrever um prefácio (ou coisa que o<br />
valha) para um livro do Brigadeiro, eu, que já havia escrito o texto introdutório de seu<br />
segundo livro (Dois dedos em prosa em silêncio – para rir, refletir e arguir), por um momento<br />
me preocupei um pouco, achei que poderia ficar repetitivo, maçante ou algo assim.<br />
Mas o fato é que tais temores logo se mostraram infundados tão logo comecei<br />
a ler as primeiras páginas deste <strong>Nortão</strong> <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> que Eduardo Gomes<br />
de Andrade nos traz agora a lume. E isso muito simplesmente porque ele, a exemplo<br />
do que um crítico literário disse certa vez a propósito dos romances do paraibano José<br />
Lins do Rego 3 , é um escritor que tem muitas cordas no seu arco: para o lado que atirar,<br />
geralmente acerta.<br />
A exemplo do mestre Zé Lins, o Brigadeiro é muito craque nessa coisa de escrever<br />
relatos literários, sim, porém fartamente imersos na oralidade, trazendo ao papel<br />
os falares, as ideias, as crenças e obsessões características das gentes interioranas de<br />
qualquer canto do Brasil. Por isso, precisamente, penso que logra com facilidade obter<br />
aquela proximidade salutar, aquela camaradagem cúmplice que estabelece com os seus<br />
leitores de qualquer faixa etária, ideologia, religião, seja o leitor homem ou mulher, negro,<br />
branco, amarelo, rico ou pobre, culto ou apenas suficientemente letrado.<br />
(3) Escritor da chamada segunda geração modernista. Entre seus principais livros estão: Menino de Engenho<br />
(1932), Pedra Bonita (1938) e Fogo Morto (1943).
Por falar em oralidade, você que começa a ler este livro, logo no início, já vai<br />
encontrar um belo exemplo. Trata-se de uma história do tempo em que os bichos falavam<br />
e os homens escutavam, como na canção de Jorge Mautner 4 . No caso presente,<br />
um sapo, no breu da noite, chamando pelo nome o cidadão numa barraca instalada<br />
dentro da mata, no <strong>Nortão</strong> Mato-grossense, enquanto lá fora tudo o mais era solidão e<br />
silêncio – menos, como é óbvio, os barulhos naturais da noite, os esturros, os cricris e<br />
o coaxar dos bichos naquelas horas mortas. E atento, na condição de bom documentarista<br />
que também é, ainda oferece aos leitores a localização geográfica do acontecido:<br />
diz que aconteceu “em 11 de outubro de 1978 num cantão ermo de Mato Grosso que<br />
alguns <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> seria vizinhança da cidade de Nova Ubiratã, no <strong>Nortão</strong>”.<br />
Enfim, o <strong>Nortão</strong> de Mato Grosso é mesmo o grande personagem do livro –<br />
como o próprio título, aliás, indica. Nesse sentido, ainda na apresentação, Eduardo vai<br />
falar de momentos capitais vividos por ele na região: uma C-10 encravada num atoleiro<br />
na Estrada do Rio Novo; o Correntão do Exército em Posto Gil, para identificação e<br />
vacinação obrigatória contra a malária; o acidente do jato do Voo Gol 1907 que vitimou<br />
todos os 154 ocupantes, perto do Xingu. Também não se esquece de relatar os dramas<br />
de vítimas da malária em busca de quinino nas farmácias da Rua do Comércio em<br />
Peixoto de Azevedo no ciclo do ouro.<br />
Grande viajante e pessoa que conhece Mato Grosso como poucos, o Brigadeiro,<br />
embora mineiro de nascença e nunca tenha residido na região, está, de fato, muito à<br />
vontade para falar do <strong>Nortão</strong>. O <strong>Nortão</strong> efetivamente não é terra estranha para ele. E aqui,<br />
você, leitor, vai poder comprovar isso, à larga, na prazerosa viagem que ora se inicia.<br />
Marinaldo Custódio é escritor e mestre em Literatura<br />
Brasileira pela Universidade Federal Fluminense (UFF).<br />
(4) “Samba dos animais”, que diz: “O jeito é tomar este foguete / e comer deste banquete / para encontrar a<br />
paz / aquela paz que a gente tinha / quando falava com os animais”.
Apresentação<br />
Construção coletiva<br />
Nem um ruído sequer. O jogo de pilhas acabou. O silêncio sepulcral tomou<br />
conta do pequeno rádio. Sem ele, que tocava músicas e apresentava o horário<br />
eleitoral paulista, fiquei ainda mais só, completamente isolado. Entre eu e o mundo<br />
havia 17 quilômetros de floresta com um rasgo estreito a nos ligar – era a única<br />
janela para fugir da solidão.<br />
Silêncio total, absoluto. Os dias se arrastam. A chuva não dá trégua. Anoitece.<br />
Na cama improvisada, busco o sono que teima em não vir. As águas cessam. O<br />
barulho da mata noturna dá sinais de vida. De repente, na porta, escuto: “Eduardo!”.<br />
Não respondo. O chamado se repete: “Eduardo!... Eduardo!... Eduardo!...”. Reflito:<br />
o rasgo estreito na mata é um imenso atoleiro; nenhum carro chegaria até a porta<br />
sem que ouvisse seu barulho e visse seu farol pelas frestas da parede de tábuas.<br />
Continuo refletindo: a pé ninguém se atreveria... Rezo o Credo, pois aquilo poderia<br />
ser alma do outro mundo. Porém, a zoada continua: “Eduardo!... Eduardo!... Eduardo!...”.<br />
Em silêncio pego a 16 de dois c<strong>anos</strong>. Cauteloso, cutuco a tramela com<br />
seu cano. O vento forte empurra a porta para o canto escancarando-a. Nheeeeeeem!<br />
– geme a dobradiça. O dedo firme no gatilho, deitado no chão, estou atento.<br />
Ninguém entra... Nem sinal de gente... O barulho continua e noto que está junto ao<br />
chão batido da varanda. É um sapo na escuridão da quarta-feira 11 de outubro de<br />
1978 num cantão ermo de Mato Grosso que alguns <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> seria vizinhança da<br />
cidade de Nova Ubiratã, no <strong>Nortão</strong>.<br />
Bem antes desse sapo que me chamava pelo nome, tive bons encontros<br />
com o <strong>Nortão</strong>. No carnaval de 1974 um atoleiro na Estrada do Rio Novo engoliu as<br />
rodas traseiras da C-10 em que viajava, o que me forçou a caminhar mais de uma<br />
légua com água nas canelas, e com fome, até uma balsa no rio Paranatinga, que<br />
um pouco mais abaixo vira Teles Pires. Vivi o Correntão do Exército em Posto Gil,<br />
para identificação e vacinação obrigatória contra a malária. Dirigi sobre o rastro dos<br />
tratores que rasgavam a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Vi cidades nascerem. Acompanhei a chegada dos
parceleiros pioneiros que fundaram Itanhangá na sexta-feira 12 de agosto de 1994.<br />
Respirei o ar da morte na clareira aberta pelo jato do Voo Gol 1907 que caiu perto do<br />
Xingu com 154 ocupantes e nenhum sobreviveu. Presenciei dramas de vítimas da malária<br />
em busca de quinino nas farmácias da Rua do Comércio em Peixoto de Azevedo<br />
no ciclo do ouro.<br />
No <strong>Nortão</strong> estou em casa, onde a terra se abriu para receber o corpo de minha<br />
mãe Alzira Soares de Andrade, a Dona Filhinha, que repousa em paz no cemitério de<br />
Marcelândia.<br />
Portanto, <strong>Nortão</strong> não é terra estranha para mim. Ao contrário, tenho muita<br />
identificação com aquela região, que me proporcionou alegrias e tristezas.<br />
Afrânio Carlos da Silva foi bom amigo e colega de redação. Sonhava alto com<br />
o amanhã no <strong>Nortão</strong>, embora morasse em Cuiabá. Viajamos juntos da capital para<br />
Sinop com uma rápida passagem por Diamantino. Saímos no ensolarado domingo 16<br />
de março de 2003. O carro quebrou perto de Lucas do Rio Verde. Um guincho nos<br />
levou até lá, onde o prefeito Otaviano Pivetta nos emprestou um automóvel para que<br />
fôssemos a Tapurah. O reparo mecânico demoraria dois dias.<br />
Na segunda 17, à noite, embarquei em Lucas num ônibus de volta para a<br />
capital. Afrânio permaneceu até a sexta 21. Aproveitou a viagem para rever amigos,<br />
falar sobre política – sua paixão – e apresentar sua “Revista do Interior”, que circulou<br />
pela primeira e única vez.<br />
Sozinho, Afrânio viajava na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> para casa. Ao lado da vila Aparecidinha,<br />
município de Diamantino, seu carro cruzou a pista e bateu de frente com uma carreta.<br />
O impacto foi violento demais e ele ao olhar em volta viu que não estava mais entre<br />
nós, mas no reino de Deus.<br />
Sempre cruzo a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no ponto fatídico. Ali, em silêncio, elevo uma prece<br />
a Deus. Uma estranha sensação me deixa arrepiado. Depois da oração, buzino e dou<br />
adeus dizendo o nome do meu amigo. Descanse em paz, companheiro!<br />
Colhi belas histórias de lutas e dramáticos relatos de quem sofreu no <strong>Nortão</strong>.<br />
Seus personagens dão vida ao livro, que embora cite números e datas não tem pretensão<br />
de conteúdo histórico nem estatístico. Sua meta é apenas mostrar a região como ela é.
O que me levou a publicar esta obra foi minha identificação com o <strong>Nortão</strong>.<br />
O fiz enquanto jornalista e não aceito o rótulo de escritor, por entender que somente<br />
exerce essa profissão quem sobrevive com a venda de livros, o que não acontece<br />
em Mato Grosso com nenhum dos autores, e menos ainda comigo, que não tenho<br />
respaldo das leis de incentivo cultural.<br />
Mais: senti a necessidade de produzir <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> porque a intelectualidade<br />
mato-grossense ainda não voltou seu olhar sobre o <strong>Nortão</strong>. Mesmo com minha<br />
limitação, cataloguei o conteúdo ora apresentado e o fiz com o coração.<br />
Dificilmente alguém conseguirá mostrar o <strong>Nortão</strong> em sua dimensão num espaço<br />
editorial tão curto. Mesmo assim, atrevo-me a apresentar a californiana região<br />
mato-grossense da qual o Brasil deve se orgulhar e o planeta tem que aplaudir por sua<br />
relevância para a política de segurança alimentar mundial.<br />
Ao leitor mato-grossense que mora fora do <strong>Nortão</strong>: debruce sobre o livro.<br />
Devore-o, mas não seja ambicioso: compartilhe-o com sua família e círculo de relacionamento,<br />
não pela autoria, mas pela região abordada, que embora seja conhecida<br />
nacionalmente continua estranha em nossa terra exatamente por falta de obras iguais<br />
a esta.<br />
Ao leitor morador no <strong>Nortão</strong> meus parabéns por viver num lugar extraordinário.<br />
Compartilhe o livro com os seus que continuam em sua cidade de origem, para<br />
que saibam o quanto você acertou ao escolher esta terra que ganhou sopro de vida<br />
com a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
Divido a autoria do livro com todos os que de uma forma ou outra contribuíram<br />
para a sua publicação. Ou seja, tanto quanto a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e o <strong>Nortão</strong>, esta é uma<br />
obra de construção coletiva.<br />
Cuiabá, dezembro de 2016<br />
Eduardo Gomes de Andrade
Sumário<br />
Três mineiros e uma rodovia.............................................................18<br />
Um lugar especial chamado <strong>Nortão</strong>.................................................28<br />
O <strong>Nortão</strong> visto de cima......................................................................42<br />
A realidade e o rótulo da agricultura...............................................44<br />
Terra do boi e de boiadas...................................................................53<br />
Cadeado na Hidrovia Teles Pires-Tapajós......................................55<br />
Trem chinês para Santarém descarrila no <strong>Nortão</strong>..........................64<br />
Onde o Brasil se encontra..................................................................68<br />
<strong>Nortão</strong> na visão de quem o administrou.........................................88<br />
A cidade pioneira do <strong>Nortão</strong>.............................................................92<br />
Primeira cidade na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem nome de Miss Brasil....................96<br />
O lugar onde começa o <strong>Nortão</strong>.......................................................101<br />
Santa Rita do Trivelato, terra da arara Mancho...........................109<br />
Em homenagem à musa Claudia Cardinale.................................115<br />
Da irreverência nasce o nome do município.................................120<br />
Fazenda se transforma em cidade no rio Ferro............................123<br />
Marcelândia, o sonho bom de Bianchini.......................................127<br />
Santa Carmem, na vizinhança de Sinop........................................132<br />
Lucas do Rio Verde e da qualidade de vida.................................136<br />
Peixoto de Azevedo, a terra do ouro..............................................142<br />
Nome simboliza pensamento de sua gente...................................148<br />
Do pesadelo ao sonho bom .............................................................152
A segunda povoação mais antiga da região.................................157<br />
Expulsos por índios encontram abrigo..........................................159<br />
Juara é o maior município do <strong>Nortão</strong>............................................162<br />
Nome do município reverencia uma árvore.................................166<br />
Gervásio Azevedo fundou Nova Monte Verde............................169<br />
Nova Santa Helena, à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.....................................172<br />
Do café à geração de energia elétrica.............................................175<br />
A boa terra do Grito do Ipiranga....................................................179<br />
Tapurah rende homenagem ao cacique José Tapurá...................183<br />
Uma nova terra para colonos gaúchos...........................................187<br />
Uma bela cidade na divisa com o Pará..........................................191<br />
A grande cidade fundada por Ênio Pipino...................................195<br />
Fora da malha rodoviária pavimentada........................................202<br />
Cidade homenageia Carlinda Teles Pires......................................206<br />
Uma linda cidade chamada Colíder...............................................208<br />
A porta de entrada dos paraenses..................................................212<br />
No <strong>Nortão</strong>, a cidade mais distante de Cuiabá..............................216<br />
Começo conturbado em Nova Canaã do Norte ..........................220<br />
A cidade do garimpeiro Cacheado.................................................223<br />
Cidade Bonita ou apenas Tabaporã...............................................227<br />
Dos céus para sempre no solo.........................................................229
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Couto Magalhães<br />
I<br />
Três mineiros e uma rodovia<br />
Antes de se escrever sobre a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> ao norte de Cuiabá é preciso<br />
abordar seus idealizadores, os mineiros de Diamantina Couto Magalhães<br />
e Juscelino Kubitschek. De igual modo é imprescindível focalizar o<br />
coronel José Meirelles, também nascido em Minas, que foi o comandante<br />
militar responsável pela implantação do maior trecho daquela rodovia.<br />
18
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Juscelino Kubitschek<br />
José Vieira Couto de Magalhães foi um grande estrategista. Jornalista,<br />
historiador, poliglota, advogado e militar, governou as capitanias<br />
de Goiás, São Paulo e Mato Grosso (de 2 de fevereiro de 1857<br />
a 13 de abril de 1868). Antes do combate aos paraguaios na retomada<br />
de Corumbá, Couto Magalhães criou uma logística para transportar<br />
combatentes paraenses ao teatro da guerra que o Brasil juntamente<br />
com a Argentina e o Uruguai travavam com o Paraguai (1864-1870).<br />
Ele construiu navios em Cuiabá, mandou desmontá-los e transportá-<br />
19
Eduardo Gomes de Andrade<br />
-los em lombo de burros e carros de boi até Araguaiana, onde seriam<br />
remontados e navegariam até o território paraense.<br />
Couto Magalhães sentiu a necessidade de se criar uma rota segura<br />
entre Cuiabá e Santarém. Juscelino, o maior estadista brasileiro,<br />
abraçou esse projeto e em 1957 anunciou o plano para criar uma cruz<br />
rodoviária na Amazônia ligando o Brasil de leste a oeste e de norte a<br />
sul. Em suma, JK sonhava com a construção da Transamazônica (<strong>BR</strong>-<br />
230) e a Cuiabá-Santarém (<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>). Essa cruz mais tarde ganharia forma<br />
rodoviária no município paraense de Itaituba, onde as duas rodovias<br />
se cruzam.<br />
Meirelles foi o primeiro comandante do 9º Batalhão de Engenharia<br />
de Construção (9º BEC), unidade militar criada em 29 de julho de<br />
1970 em substituição ao 3º Batalhão Rodoviário instalado em Carazinho,<br />
no Rio Grande do Sul.<br />
Casal Zulmira e José Meirelles<br />
20
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O 9º BEC foi instalado no dia 31 de janeiro de 1971, em Cuiabá,<br />
mas desde setembro do ano anterior seus efetivos e funcionários civis<br />
trabalhavam na construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
A obra da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> foi delegada ao Exército pelo Ministério dos<br />
Transportes e sua execução era considerada estratégica dentro do Plano<br />
de Integração Nacional para a ocupação do vazio demográfico amazônico.<br />
Dois bordões a inspiravam “Integrar para não entregar” e “Terra<br />
sem homens para homens sem terra”. Meirelles deveria executá-la<br />
até a divisa com o Pará, numa extensão de 793 quilômetros, onde o 9º<br />
BEC se encontraria com o 8º BEC, de Santarém. Porém, o ritmo dos<br />
trabalhos foi tão intenso que a frente da obra rumo norte estendeu seu<br />
trecho ao córrego Santa Júlia, no Pará, 321 quilômetros à frente, perfazendo<br />
a extensão de 1.114 quilômetros.<br />
Discreto, Meirelles evitava citar nomes importantes na construção.<br />
Porém, numa de nossas conversas em sua casa, revelou-me que<br />
o topógrafo civil Antônio Nunes Severo Gomes foi exemplar. No comando,<br />
o coronel defendia junto ao Incra a regularização fundiária do<br />
eixo da rodovia e colaborava com os projetos privados de colonização<br />
no <strong>Nortão</strong>.<br />
9º BEC<br />
Máquinas trabalham na abertura<br />
da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Mato Grosso - 1973<br />
21
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Sobre a obra, Meirelles falava pouco. Mesmo assim, arranquei<br />
duas informações dele que julgo importantes: foi a companhia aérea<br />
Cruzeiro do Sul a executora do serviço de aerofotogrametria da <strong>BR</strong>-<br />
<strong>163</strong>. Os acampamentos eram montados às margens dos rios, o que<br />
contribuía para o aumento da incidência de malária. Isso o levou a<br />
construir carroções montados sobre chassis e os rebocava à medida<br />
que a frente de serviço avançava. As geringonças foram apelidadas<br />
de “Circo do Meirelles”, mas reduziram a taxa da doença. O 9º BEC<br />
estava no auge da popularidade. Para evitar possíveis ciumeiras por<br />
parte do 16º Batalhão de Caçadores (rebatizado 44º Batalhão de Infantaria<br />
Motorizado) em Cuiabá, mineiramente ele criou o conciliador<br />
slogan “Integração é com o 9º BEC e Segurança com o 16º Batalhão<br />
de Caçadores”.<br />
Quantos tombaram na construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Mato Grosso?<br />
Não há resposta precisa. Uma placa à margem da rodovia em Novo<br />
Progresso (PA) relaciona 21 militares e civis mortos vítimas de acidentes,<br />
malária e outras causas. Porém esse número pode ser muito<br />
maior porque soldados e trabalhadores na obra contraíram malária e<br />
após seu desligamento do 9º BEC não há registro sobre cura ou óbito.<br />
Em 1992 Dante de Oliveira se elegeu prefeito de Cuiabá com<br />
Meirelles de vice. Em meados de 1994 Dante deixou a prefeitura<br />
para disputar e vencer a eleição ao governo e Meirelles assumiu o<br />
cargo. Certa feita me confidenciou que esteve a um passo da renúncia,<br />
diante das pressões de vereadores por dinheiro sujo. Legalista<br />
e avesso à corrupção, planejou deixar a prefeitura, mas sua mulher<br />
Zulmira Meirelles não permitiu que o fizesse, para não macular sua<br />
biografia. Em 28 de agosto de 2012, aos 89 <strong>anos</strong>, quando fechou os<br />
olhos pela última vez, vencido por um choque hemorrágico causado<br />
por um aneurisma, Meirelles levou para o túmulo seu desencanto<br />
com a Câmara Municipal de Cuiabá, que, segundo ele, era<br />
abominável.<br />
22
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Inauguração da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em 20 de outubro de 1976<br />
FOTOS: 9º BEC<br />
Em 20 de outubro de 1976, na Cachoeira do Curuá, área de litígio<br />
entre Mato Grosso e Pará, mas sob tutela paraense, o presidente<br />
Ernesto Geisel inaugurou a rodovia. Geisel estava acompanhado dos<br />
ministros Sílvio Frota (Exército) e Dirceu Nogueira (Transportes) e dos<br />
governadores Garcia Neto e Aloísio da Costa Chaves (Pará).<br />
23
Lucas do Rio Verde<br />
Nobres<br />
Sorriso<br />
Nova Mutum<br />
Sinop<br />
Itaúba<br />
Guarantã do Norte<br />
Matupá<br />
Peixoto de Azevedo<br />
Terra Nova do Norte<br />
Nova Santa Helena<br />
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Guarantã do Norte<br />
Matupá<br />
Peixoto de Azevedo<br />
Terra Nova do Norte<br />
Itaúba<br />
Nova Santa Helena<br />
Sinop<br />
Sorriso<br />
PA<br />
Lucas do Rio Verde<br />
Guarantã do Norte<br />
Matupá<br />
Peixoto de Azevedo<br />
Itaúba<br />
Terra Nova do Norte<br />
Nova Santa Helena<br />
Sinop<br />
Sorriso<br />
Lucas do Rio Verde<br />
Nova Mutum<br />
Nova Mutum<br />
Nobres<br />
PA<br />
Nobres<br />
24
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Sinop<br />
25
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Santarém<br />
Do Rio Grande do Sul ao Pará<br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é uma longitudinal com 4.447 quilômetros. Começa em<br />
Tenente Portela (RS), cruza Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do<br />
Sul, Mato Grosso e termina em Acotipa, no Pará, na fronteira com o<br />
Suriname.<br />
O trecho entre Cuiabá e Santarém é chamado de Cuiabá-Santarém<br />
e tem 1.770 quilômetros. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> liga o centro geodésico da América<br />
do Sul ao porto de Santarém, na foz do Tapajós no Amazonas. No<br />
Pará seu nome é Santarém-Cuiabá.<br />
Partindo do Trevo do Lagarto, em Várzea Grande, na área metropolitana<br />
de Cuiabá, a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem um trecho de 155 quilômetros coincidente<br />
com a <strong>BR</strong>-364. Em Posto Gil, município de Diamantino, as duas<br />
rodovias se bifurcam: a <strong>BR</strong>-364 avança rumo oeste pelo Chapadão do<br />
Parecis, para Rondônia, e a outra segue em direção norte, para Santarém.<br />
26
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Em Posto Gil, rumo norte, começa o trecho isolado da Cuiabá-<br />
-Santarém, que em Mato Grosso cruza os perímetros urb<strong>anos</strong> de Nova<br />
Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena,<br />
Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte.<br />
Em 2016, transcorridos 40 <strong>anos</strong> da inauguração, a rodovia está<br />
pavimentada em Mato Grosso, mas restam mais de 160 quilômetros<br />
encascalhados no lado paraense até Santarém. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> está em obra<br />
de duplicação no trecho de 850 quilômetros entre o município de Itiquira,<br />
na divisa com Mato Grosso do Sul, até Sinop. Essa obra é híbrida,<br />
executada pelo governo federal e a concessionária Rota do Oeste,<br />
que explora a rodovia em regime de concessão por 30 <strong>anos</strong> a contar de<br />
março de 2014.<br />
Na margem esquerda do Amazonas, <strong>depois</strong> de Santarém, onde a<br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> não se chama mais Santarém-Cuiabá, existem trechos encascalhados,<br />
e parte do traçado ainda não saiu do papel.<br />
27
Eduardo Gomes de Andrade<br />
II<br />
Um lugar especial chamado <strong>Nortão</strong><br />
<strong>Nortão</strong> é a região que se espalha por uma área da Amazônia<br />
Mato-grossense situada abaixo do Paralelo 13 até as divisas com Pará e<br />
Amazonas e delimitada pela margem esquerda do rio Xingu e alguns<br />
de seus formadores, e pela direita do rio Arinos até sua foz no Juruena,<br />
prosseguindo por ele em sua margem direita até o encontro das águas<br />
com o Teles Pires, onde começa o Tapajós. No tocante aos municípios<br />
banhados pelo Arinos, para efeito de limites consideram-se como partes<br />
integrantes do <strong>Nortão</strong> somente os que têm sede em sua margem<br />
direita. A base territorial da região tem 35 municípios (¹).<br />
Essa área com 233.038 km² representa 25,80% do território<br />
mato-grossense de 903.198,091 km² e se divide em dois ciclos históricos.<br />
Um de vazio demográfico anterior à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e outro após<br />
(1) Sinop, Marcelândia, Cláudia, Porto dos Gaúchos, Tabaporã, Alta Floresta, Itanhangá, Vera, Apiacás, Nova<br />
Guarita, Carlinda, Novo Mundo, Feliz Natal, Novo Horizonte do Norte, Guarantã do Norte, União do Sul, Ipiranga<br />
do Norte, Itaúba, Juara, Lucas do Rio Verde, Matupá, Nova Bandeirantes, Paranaíta, Nova Canaã do Norte, Sorriso,<br />
Tapurah, Nova Mutum, Nova Santa Helena, Peixoto de Azevedo, Santa Carmem, Nova Monte Verde, Colíder, Santa<br />
Rita do Trivelato, Nova Ubiratã e Terra Nova do Norte.<br />
Arigatô<br />
Paulo Japonês<br />
Yassutaro Matsubara era um<br />
empresário japonês polêmico, mas<br />
amigo do presidente Getúlio Vargas.<br />
Em 1953 Vargas lhe deu uma gleba<br />
28
Apiacás<br />
Nova<br />
Bandeirantes<br />
Nova<br />
Monte<br />
Verde<br />
Paranaíta<br />
Carlinda<br />
Alta Floresta<br />
Nova Matupá<br />
Guarita<br />
Peixoto de Azevedo<br />
Terra<br />
Nova<br />
Nova<br />
Canaã Colíder do Norte<br />
do Norte<br />
Nova Santa<br />
Helena<br />
Marcelândia<br />
Itaúba<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Cláudia<br />
União do Sul<br />
Sinop<br />
Santa Carmem<br />
Feliz Natal<br />
Vera<br />
Juara<br />
Novo<br />
Tabaporã<br />
Horizonte<br />
do Norte<br />
Porto dos Gaúchos<br />
Ipiranga<br />
Itanhangá do<br />
Norte<br />
Tapurah<br />
<strong>BR</strong><br />
Lucas <strong>163</strong><br />
do Rio Sorriso<br />
Verde<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Nova<br />
Mutum<br />
CUIABÁ<br />
Novo Mundo<br />
Santa<br />
Rita do<br />
Trivelato<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Guarantã<br />
do Norte<br />
Nova Ubiratã<br />
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
AM<br />
Apiacás<br />
PA<br />
Nova<br />
Bandeirantes<br />
Juara<br />
Nova<br />
Monte<br />
Verde<br />
Novo<br />
Horizonte<br />
do Norte<br />
Paranaíta<br />
Porto dos Gaúchos<br />
Itanhangá<br />
Tapurah<br />
Ipiranga<br />
do<br />
Norte<br />
Novo Mundo<br />
Sinop<br />
Vera<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Cláudia<br />
Guarantã<br />
do Norte<br />
Alta Floresta<br />
Carlinda<br />
Nova Matupá<br />
Guarita<br />
Terra<br />
Peixoto de Azevedo<br />
Nova<br />
Nova<br />
Canaã<br />
do Norte<br />
do Norte<br />
Colíder<br />
Nova Santa<br />
Helena<br />
Marcelândia<br />
Itaúba<br />
Tabaporã<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Santa Carmem<br />
Feliz Natal<br />
União do Sul<br />
<strong>BR</strong><br />
Lucas <strong>163</strong><br />
do Rio<br />
Verde<br />
Sorriso<br />
Nova Ubiratã<br />
AM<br />
Nova<br />
Mutum<br />
Santa<br />
Rita do<br />
Trivelato<br />
PA<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
CUIABÁ<br />
de 250 mil hectares na calha do rio<br />
Ferro, município de Chapada dos<br />
Guimarães, para que ele desenvolvesse<br />
projetos agrícolas com mão<br />
de obra japonesa e de seus descendentes.<br />
Yassutaro sequer tinha tempo<br />
para visitar seu projeto mato-<br />
-grossense, que era administrado<br />
pelo filho nissei Iosihua Matsubara –<br />
chamado de Paulo, e figura conhecida<br />
em Cuiabá, onde viveu até 13 de<br />
setembro de 2004, quando fechou<br />
os olhos para sempre.<br />
29
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Paulo recrutou mais de 50 famílias<br />
da colônia japonesa no Paraná<br />
e São Paulo e as levou para rio Ferro.<br />
A vontade de produzir e a paciência<br />
oriental esbarravam na acidez do<br />
solo, numa época em que o calcário<br />
era figura desconhecida nos meios<br />
agrícolas no cerrado.<br />
A malária e a contínua frustração<br />
do cultivo provocaram verdadeisua<br />
construção nos <strong>anos</strong> 1970. Se fosse estado, o <strong>Nortão</strong> seria o 12º<br />
em extensão e maior que Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Ceará,<br />
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,<br />
Espírito Santo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina ou o Distrito<br />
Federal.<br />
O marco temporal do livro é o ano de 1953. Porém, o detalhamento<br />
tem o ponto de partida em 1970 com o início da obra da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
A história registra a presença de exploradores e aventureiros na região<br />
desde o começo do século XIX, mas não se tratava de colonização<br />
e sim de incursões. Se o objetivo fosse retratar as importantes figuras<br />
que lá estiveram, não seria difícil citá-las.<br />
No começo do século XIX aventureiros tentaram escoar o diamante<br />
mato-grossense para a Europa via Santarém chegando até a<br />
cidade paraense por meio daquela que se chamou Navegação Paranista,<br />
pela hidrovia formada pelos rios Arinos, Juruena e Tapajós.<br />
O tenente da Polícia Militar de Mato Grosso Antônio Peixoto<br />
de Azevedo, que explorou o rio São Manuel em 1919 buscando caminho<br />
seguro ao Pará em substituição à navegação pelo Juruena, não<br />
poderia ser omitido; Peixoto de Azevedo empresta seu nome a um<br />
município e um rio da região.<br />
O barão Georg Heinrich von Langsdorff seria figurinha carimbada;<br />
entre 1824 e 1829 ele chefiou a Expedição Langsdorff percorrendo<br />
16 mil quilômetros Brasil afora a partir de Minas Gerais, com<br />
roteiro terrestre e fluvial por Mato Grosso.<br />
30
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
ra debandada e o projeto fracassou.<br />
A área fica próxima à cidade de Feliz<br />
Natal, que hoje registra alta taxa de<br />
produtividade agrícola com o emprego<br />
do calcário que é extraído de<br />
grandes jazidas no município de Nobres,<br />
distante dali 400 quilômetros.<br />
A tentativa de colonização de rio Ferro<br />
abriu as portas de Mato Grosso à<br />
colonização japonesa.<br />
O capitão do Exército Antônio Lourenço Teles Pires seria uma<br />
das citações; Teles Pires foi escalado para fazer levantamento do rio<br />
São Manuel, que nasce com o nome indígena de Paranatinga, mas não<br />
concluiu a missão: em 2 de maio de 1890 sua embarcação afundou e o<br />
matou – em sua homenagem o rio foi rebatizado com seu nome.<br />
Além deles, em maior ou menor escala, seringueiros habitaram<br />
a região. De um deles surgiu o nome de uma das principais cidades de<br />
Mato Grosso: Lucas do Rio Verde. Francisco Lucas de Barros explorava<br />
um seringal nativo na calha do rio Verde. Quando alguém se referia ao<br />
lugar, dizia “lá no (seringal do) Lucas do rio Verde”.<br />
Alguns fazendeiros também exploravam seringais no eixo da Estrada<br />
do Rio Novo, vicinal que era intransitável no inverno amazônico<br />
e que tem um trajeto quase paralelo ao da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e dava passagem<br />
ao látex extraído na região, com destaque para o cultivo do deputado<br />
estadual Mário Spinelli.<br />
Spinelli, além de presidir a Assembleia Legislativa, foi considerado<br />
um dos políticos mais influentes de sua época. Para agradá-lo os<br />
pecuaristas Roberto e Carlos Brunini denominaram de Ubiratan a fazenda<br />
que tinham na região – Ubiratan é nome de um dos filhos de<br />
Spinelli. Essa propriedade foi vendida em 1976 para Manuel Pinheiro,<br />
fundador da vila que mais tarde seria a cidade de Nova Ubiratã.<br />
Ubiratan Spinelli, filho de Spinelli, foi deputado estadual e presidente<br />
da Assembleia; também se elegeu deputado federal e ganhou uma<br />
cadeira de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, o qual presidiu.<br />
31
Eduardo Gomes de Andrade<br />
A base territorial do <strong>Nortão</strong> é formada por novas e modernas cidades.<br />
Porto dos Gaúchos foi fundada em 1955, mas somente em 1963<br />
conquistou emancipação política. A colonização de Novo Horizonte<br />
do Norte começou oficialmente em 21 de agosto de 1968 com a criação<br />
daquela vila (mais tarde cidade) no município de Porto dos Gaúchos.<br />
As demais nasceram e ganharam autonomia com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Sinop,<br />
Alta Floresta e Colíder se emanciparam em 1979. Juara, em 1981.<br />
Marcelândia, Vera, Peixoto de Azevedo, Guarantã do Norte, Nova Canaã<br />
do Norte, Terra Nova do Norte, Itaúba, Paranaíta e Sorriso, em<br />
1986. Nova Mutum, Matupá, Cláudia, Tapurah, Lucas do Rio Verde e<br />
Apiacás, em 1988. Santa Carmem, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes,<br />
Tabaporã e Nova Guarita, em 1991. Carlinda, em 1994. Nova<br />
Ubiratã, Feliz Natal, Novo Mundo e União do Sul, em 1995. Nova Santa<br />
Helena em 1998 e Santa Rita do Trivelato em 1999, mas ambas foram<br />
instaladas em 1º de janeiro de 2001. Ipiranga do Norte e Itanhangá em<br />
2000 e instaladas em 1º de janeiro de 2005.<br />
Tomando-se o ano de 1970 para referência na ocupação do vazio<br />
32
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
demográfico da região e levando-se em conta que na área somente havia<br />
dois núcleos urb<strong>anos</strong>: a cidade de Porto dos Gaúchos e a vila Novo<br />
Horizonte, é possível mensurar o que aconteceu. É preciso observar<br />
que o mosaico fundiário municipal era outro, porém sem interferência<br />
no quesito número de habitantes, pois os territórios pertencentes a<br />
Chapada dos Guimarães, Diamantino, Nobres, Rosário Oeste e Aripuanã<br />
que juntamente com Porto dos Gaúchos formavam a base territorial<br />
do <strong>Nortão</strong>, eram desabitados.<br />
Em 1970, Porto dos Gaúchos (consequentemente o <strong>Nortão</strong>) tinha<br />
1.235 habitantes. A população cuiabana era de 100.860 moradores<br />
e Mato Grosso, incluindo a parte que mais tarde seria seccionada para<br />
a criação de Mato Grosso do Sul, era habitado por 1.597.090 residentes<br />
(em 1980, com a divisão consumada, esse número despencou para<br />
1.138.691). No ano do começo da abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> o número de brasileiros<br />
chegou a 90 milhões e virou música: “Noventa milhões em ação<br />
/ Pra frente Brasil do meu coração / Todos juntos, vamos / pra frente<br />
Brasil, salve a Seleção”. Este refrão foi o DNA da música mais tocada<br />
no rádio e cantada pelas multidões nas ruas do país inteiro no começo<br />
de 1970. Ele é a alma da canção “Pra frente Brasil”, do compositor Miguel<br />
Gustavo, e levava ao delírio os militares donos do poder.<br />
Em nenhuma época e lugar o Brasil registrou tamanho aumento<br />
populacional proporcional no período de <strong>46</strong> <strong>anos</strong> quanto no <strong>Nortão</strong>:<br />
a população subiu para 724.297 habitantes e a taxa de crescimento foi<br />
de 58.547,53%. Melhor: a migração em busca do sonho de dias melhores<br />
contribuiu, e muito, para solucionar problemas agrários e conflitos<br />
com indígenas no Rio Grande do Sul e para realocar atingidos pela<br />
inundação de barragens.<br />
Dados divulgados em 2016 pelo IBGE mostram que a renda<br />
per capita média no <strong>Nortão</strong> é de R$ 34.247,84. Em Mato Grosso<br />
é de R$ 23.218. O Produto Interno Bruto mato-grossense (PIB) é de<br />
R$ 89.124.000.000 e na região, de R$ 24.842.072.000 o que representa<br />
27,86% do montante estadual. O número de habitantes por quilômetro<br />
quadrado no estado é de 3,66 e na região, de 3,10.<br />
33
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Travessia do Teles Pires na estrada<br />
secundária de Carlinda a Novo Mundo<br />
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Mato Grosso é<br />
de 0,725 numa escala de zero a um. Na região a média é de 0,699. Esse<br />
indicador foi apurado com números de 2010, portanto há seis <strong>anos</strong>, período<br />
em que uma região em transformação igual o <strong>Nortão</strong> muda por<br />
completo seu perfil social.<br />
Dos 35 municípios, 24 são sedes de comarca. Sinop, de entrância<br />
especial; Alta Floresta, Sorriso e Lucas do Rio Verde, de terceira<br />
entrância. Peixoto de Azevedo, Colíder, Nova Mutum e Juara, de<br />
segunda entrância. Apiacás, Nova Canaã do Norte, Vera, Matupá,<br />
Cláudia, Terra Nova do Norte, Feliz Natal, Tapurah, Guarantã do<br />
Norte, Itaúba, Tabaporã, Porto dos Gaúchos, Nova Monte Verde,<br />
Marcelândia, Nova Ubiratã e Paranaíta, de primeira entrância.<br />
34
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
A região tem 12 zonas eleitorais: Sorriso e Sinop, duas cada; e<br />
Alta Floresta, Nova Monte Verde, Peixoto de Azevedo, Colíder, Nova<br />
Mutum, Guarantã do Norte, Lucas do Rio Verde e Juara, uma cada.<br />
Com duas varas, Sinop é o único município do <strong>Nortão</strong> que é sede<br />
da Justiça Federal.<br />
O Estado é o grande ausente no <strong>Nortão</strong>, onde foram instaladas<br />
apenas seis unidades do Corpo de Bombeiros Militar. Sinop tem um<br />
quartel; Nova Mutum, Alta Floresta, Sorriso, Colíder e Lucas do Rio Verde<br />
contam com Companhias Independentes do Corpo de Bombeiros. A<br />
Polícia Militar tem efetivo em todos os municípios. A Polícia Rodoviária<br />
Federal tem postos na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Sorriso e Nova Santa Helena.<br />
Em novembro de 2016 o site institucional da Perícia Oficial e Identificação<br />
Técnica do Governo de Mato Grosso (Politec) revelou que seu polo<br />
regional em Sinop, que tem abrangência no <strong>Nortão</strong>, contava apenas com<br />
seis peritos criminais, nove médicos-legistas e quatro papiloscopistas.<br />
Cuiabá é sede do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região<br />
e de nove varas do Trabalho. No <strong>Nortão</strong> as varas estão instaladas em<br />
Colíder, Juara, Nova Mutum, Sinop (duas), Alta Floresta, Lucas do Rio<br />
Verde, Peixoto de Azevedo e Sorriso.<br />
ENERGIA - O plano nacional de expansão dos aproveitamentos hidrelétricos<br />
definiu seis barragens para o rio Teles Pires, sendo quatro no<br />
<strong>Nortão</strong>. Na região uma foi concluída e as demais estão em construção.<br />
Outras três estão planejadas para os rios Juruena e Arinos.<br />
UHE TELES PIRES - A maior usina hidrelétrica (UHE) é a Teles Pires,<br />
na divisa de Mato Grosso e Pará. Com cinco turbinas, essa UHE gera<br />
1.820 MW, energia suficiente para a demanda residencial de 5 milhões<br />
de consumidores. Seu reservatório tem 95 km² e o rio sofre represamento<br />
em 70 quilômetros. A altura máxima é de 80 metros com queda bruta<br />
de 59 metros e extensão de 1.650 metros. Seu raio direto tem 84% em<br />
Paranaíta e 16% em Jacareacanga (PA), considerando-se a divisa atual<br />
entre os dois estados, divisa essa que é questionada por Mato Grosso<br />
no Supremo Tribunal Federal.<br />
35
Eduardo Gomes de Andrade<br />
A usina, que é a maior de Mato Grosso, dista 85 quilômetros de<br />
Paranaíta e recebeu financiamento de R$ 5 bilhões do Programa de<br />
Aceleração do Crescimento (PAC). Estima-se que 5 mil operários e técnicos<br />
trabalharam em sua construção.<br />
UHE COLÍDER - A UHE Colíder está praticamente concluída e a previsão<br />
é que gere 300 MW em três turbinas, a partir de meados de 2017.<br />
Construída nos municípios de Colíder, Nova Canaã do Norte, Itaúba e<br />
Cláudia, tem 40 metros de altura com barragem de 1.526 metros e seu<br />
reservatório forma um lago de 171,7 km². Sua energia corresponderá<br />
ao consumo de uma população de 850 mil habitantes. Sua obra também<br />
contou com financiamento do PAC.<br />
UHE SINOP - Essa UHE gerará 400 MW e a previsão de sua entrada<br />
em funcionamento é para 1º de janeiro de 2018. Orçada em R$ 1,8 bilhão<br />
com financiamento pelo PAC, terá potência instalada de 400 MW.<br />
O represamento formará um lago com 337 km², sua altura máxima é<br />
de 53 metros e a queda bruta, de 29,97 metros. A barragem dista 70<br />
quilômetros de Sinop.<br />
O lago se espalhará por quatro municípios com 19.9<strong>46</strong> hectares<br />
(ha) em Sinop, 5.085 ha em Cláudia, 4.363 ha em Itaúba e 2.185 ha em<br />
Ipiranga do Norte. A previsão de geração é para 1º de janeiro de 2018.<br />
UHE SÃO MANOEL - A UHE São Manoel produzirá 700 MW e inundará<br />
64 km² na divisa de Paranaíta e Apiacás com Jacareacanga. Com<br />
quatro turbinas, gerará 7<strong>46</strong> MW, formando um lago de 53 km². Sua<br />
obra recebe aporte de R$ 2.292.000 do PAC.<br />
PLANOS - Três UHEs estão planejadas para o <strong>Nortão</strong> e vizinhança,<br />
mas fora do Teles Pires.<br />
A UHE Salto Augusto Baixo para gerar 1.<strong>46</strong>1 MW no rio Juruena e<br />
entrar em operação no mês de janeiro de 2022. Seu lago de 129 km² abrangerá<br />
Apiacás e Nova Bandeirantes; Cotriguaçu; e Apuí, no Amazonas.<br />
36
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Com capacidade para gerar 3.509 MW e prevista para janeiro de<br />
2022, a UHE São Simão Alto, no Juruena, formará um lago com 289 km²<br />
em Apiacás; Cotriguaçu; e Apuí.<br />
Com projeto que prevê a entrada em operação de suas turbinas<br />
em abril de 2021, no rio Arinos, a UHE Castanheira terá capacidade<br />
para 140 MW. Seu lago com 95 km² inundará áreas em Juara e Novo<br />
Horizonte do Norte.<br />
ÍNDIOS - Tanto no <strong>Nortão</strong> quanto em qualquer outra região da Amazônia<br />
e do Centro-Oeste não há segurança jurídica para a terra, inclusive<br />
nas cidades. À menor suspeita antropológica sobre a presença remota<br />
de índios na área, a Funai e o Ministério Público Federal tratam<br />
de levar adiante seu processo de regularização.<br />
No <strong>Nortão</strong> existem 12 territórios indígenas homologados e em<br />
tramitação. As áreas homologadas somam 2.267.906,95 hectares (ha).<br />
As demais nem Deus sabe, pois não há definição fundiária sobre as<br />
mesmas. Essas terras se espalham por nove municípios: Santa Rita do<br />
Trivelato, Nova Ubiratã, Feliz Natal, Matupá, Juara, Peixoto de Azevedo,<br />
Marcelândia, Apiacás e Nova Canaã do Norte. Nelas estão aldeados<br />
indivíduos mundurucus, apiakás, bakairis, kayabis, menkragnotis,<br />
mentuktires, panarás e outros, incluindo os chamados índios arredios,<br />
que a Funai jura que existem.<br />
Megaron Txucarramãe, cacique em Capoto-Jarina e funcionário<br />
da Funai, viajou ao Canadá para oferecer mogno a uma empresa daquele<br />
país. Isso consta de seu depoimento prestado em maio de 2005<br />
à CPI da Biopirataria na Câmara. Megaron disse que agiu com autorização<br />
do Ministério de Meio Ambiente e do Ibama. Seu depoimento<br />
não convenceu o deputado Hamilton Casara (PL-RO), que presidiu a<br />
sessão que o ouviu. Casara tentava encontrar a ponta da meada de uma<br />
nebulosa venda para canadenses de 66 mil m³ de mogno retirado de<br />
terras indígenas.<br />
37
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Matupá<br />
Réu confesso, Megaron não foi condenado. A Funai o manteve<br />
em seus quadros funcionais chefiando sua unidade em Colíder, e o Ministério<br />
Público Federal, imitando vampiro quando vê claridade, não<br />
mostrou sua face.<br />
ASSENTAMENTOS - Quantificar os projetos de assentamentos da reforma<br />
agrária em Mato Grosso e o número de parceleiros é faltar com a<br />
verdade. Incra e os demais órgãos não sabem quantos são. Fala-se que<br />
o número varia entre 617 e 700 unidades com 104 mil famílias. Porém,<br />
alguns detalhes jogam por terra a exatidão da afirmação. No <strong>Nortão</strong> a<br />
situação não é diferente e tanto lá quanto nas demais regiões esse assunto<br />
é tratado no chutômetro.<br />
A dificuldade é debitada a alguns fatores. Há assentamento com<br />
uma só denominação, mas subdividido em I, II e etc. Há glebas cujas<br />
parcelas foram parcialmente reagrupadas por meio de documentos semelhantes<br />
aos contratos de gaveta do antigo sistema de financiamento<br />
do Banco Nacional de Habitação (BNH).<br />
Em praticamente todos os setores da economia e das questões<br />
sociais o <strong>Nortão</strong> responde por 25% de Mato Grosso. Esse é o percentual<br />
38
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
mais indicado para os dados da reforma agrária, mas sem que o mesmo<br />
leve a algum número concreto.<br />
É impossível se saber sobre a reforma agrária por falha nos cruzamentos<br />
de informações entre o Incra, o Instituto de Terras de Mato<br />
Grosso (Intermat) e as prefeituras. Isso se agrava ainda mais por falta<br />
de recenseamento dos parceleiros e de georreferenciamento da maioria<br />
das áreas, o que impede a emancipação dos assentamentos.<br />
O melhor modelo de complementação da reforma agrária no<br />
Brasil foi criado por Jair Mariano, mineiro radicado em Alta Floresta.<br />
Quando deputado estadual (1999-2002), Jair foi autor de uma lei sancionada<br />
em 24 de abril de 2000 pelo governador Dante de Oliveira, que<br />
criou o programa Nossa Terra, Nossa Gente. Em 2003 Jair assumiu a<br />
presidência do Intermat e seu programa assentou 1.198 famílias em<br />
40 municípios em pequenas áreas no entorno de cidades. O perfil dos<br />
contemplados exigia que cada um tivesse idade igual ou superior a 45<br />
<strong>anos</strong>. Em 2006 Jair deixou o Intermat e estranhamente o programa foi<br />
abandonado.<br />
PRESERVAÇÃO - Em Mato Grosso algumas áreas de preservação<br />
permanente extrapolam limites de municípios e até mesmo divisa de<br />
estados. No <strong>Nortão</strong> não é diferente.<br />
O Parque Nacional do Juruena, com 1.958.203,56 ha, tem<br />
1.181.154 ha em Apiacás e Nova Bandeirantes; e Cotriguaçu fora do<br />
<strong>Nortão</strong>; e o restante se espalha por Apuí e Maués, no Amazonas. Essa<br />
reserva ocupa 971.935 ha em Apiacás. Criado em 5 de maio de 2006, o<br />
Parque é administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e<br />
Biodiversidade (ICMBio).<br />
O Parque Estadual do Cristalino I e II tem 184.900 ha em Guarantã<br />
do Norte, Novo Mundo e Alta Floresta, e faz divisa com o Campo<br />
de Provas Brigadeiro Velloso, mais conhecido como Base Aérea do<br />
Cachimbo, que tem 21,6 mil km², no Pará, e pertence à Força Aérea<br />
Brasileira.<br />
39
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Terra de ninguém<br />
Mato Grosso tenta judicialmente restabelecer a divisa seca com o<br />
Pará feita por uma linha imaginária reta de 690 quilômetros, do ponto<br />
mais ao norte da Ilha do Bananal, em Tocantins, na margem esquerda<br />
do rio Araguaia, ao Salto das Sete Quedas, na margem direita do rio<br />
Teles Pires, em Apiacás. Ação com esse objetivo tramita no Supremo<br />
Tribunal Federal (STF) desde 2004, mas a morosidade judicial impede<br />
a definição da titularidade da área em litígio, de 22 mil km² equivalentes<br />
a 2.200.000 hectares – do tamanho de Israel ou Sergipe – e que afeta<br />
diretamente nove municípios mato-grossenses.<br />
A divisa foi adulterada em 1922 pelo Clube de Engenharia do<br />
Rio de Janeiro, que discordou da homologação da mesma e dos mapas<br />
anteriores. Esse Clube errou ao interpretar o mapa original definido<br />
pelos dois estados numa convenção em 1900 homologado pelas assembleias<br />
legislativas em Belém e Cuiabá com reconhecimento por decreto<br />
do Congresso Nacional em 1919.<br />
Em 1921 e 1922 as Cartas de Rondon emitidas pelo general Cândido<br />
Mariano da Silva Rondon (mais tarde Marechal Rondon) ratificaram<br />
a divisa acordada entre os estados.<br />
Com a alteração, a linha reta imaginária que une a margem esquerda<br />
do Araguaia ao Salto de Sete Quedas, no rio Teles Pires, município<br />
de Apiacás, deixou de ser observada por Belém, que passou a<br />
adotar como ponto extremo a Cachoeira de Sete Quedas, no mesmo<br />
rio, 120 quilômetros acima, no município de Paranaíta. Esse escamoteamento<br />
de interpretação resultou num contestado que leva os dois<br />
estados a litígio no STF.<br />
Mato Grosso nunca se preocupou em ocupar a área em litígio, ao<br />
contrário do governo paraense, que o faz e marca presença na região<br />
executando obras públicas. No final dos <strong>anos</strong> 2000 o Instituto de Terras<br />
do Pará (Iterpa) iniciou uma campanha de regularização fundiária de<br />
propriedades rurais, para reforçar a tese da titularidade de Belém sobre<br />
o contestado, mas o STF suspendeu a continuidade de tal procedimento.<br />
40
Apiacás<br />
Paranaíta<br />
Novo Mundo<br />
Alta<br />
Floresta<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
CUIABÁ<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Matupá<br />
Peixoto de Azevedo<br />
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
àrea do Contestado<br />
no NORTÃO<br />
Apiacás<br />
Paranaíta<br />
Alta Floresta<br />
Novo Mundo<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
Guarantã<br />
do Norte<br />
Matupá<br />
Peixoto de Azevedo<br />
AM<br />
PA<br />
Guarantã<br />
do Norte<br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
<strong>BR</strong><br />
<strong>163</strong><br />
A área sob controle do<br />
Pará encolhe a superfície de<br />
seis municípios no <strong>Nortão</strong>:<br />
Peixoto de Azevedo, Matupá,<br />
Guarantã do Norte, Novo<br />
Mundo, Alta Floresta e Paranaíta,<br />
e três no Vale do Araguaia:<br />
Santa Terezinha, Vila Rica e Santa<br />
Cruz do Xingu. Do lado paraense<br />
ela aumenta os territórios de<br />
Jacareacanga, Novo Progresso, Altamira,<br />
São Félix do Xingu, Cumaru<br />
do Norte e Santana do Araguaia.<br />
CUIABÁ<br />
Ambos os estados construíram postos de fiscalização fazendária<br />
e sanitária na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> próximos à divisa litigiosa. O trânsito é intenso,<br />
principalmente de veículos pesados transportadores de commodities<br />
agrícolas mato-grossenses para o porto de Santarém.<br />
De um e de outro lado da divisa de Mato Grosso com o Pará<br />
a nação é a mesma e o povo também. Obviamente estão em jogo interesses<br />
territoriais, econômicos e políticos. Cuiabá tem plena certeza<br />
que a titularidade da área contenciosa é mato-grossense. Belém pensa<br />
exatamente o contrário.<br />
Independentemente da decisão que venha a ser tomada pelo<br />
STF, é preciso que o impasse seja resolvido para que o Estado Brasileiro<br />
ofereça segurança jurídica a quem vive na área, nos dois lados<br />
da divisa, o que ora não acontece e impede seu desenvolvimento por<br />
conta da incerteza sobre a posse da terra, o que afugenta investidores.<br />
41
Eduardo Gomes de Andrade<br />
III<br />
O <strong>Nortão</strong> visto de cima<br />
A infraestrutura aeroportuária da região concentra-se em Alta<br />
Floresta, Sinop, Sorriso, Matupá, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum,<br />
que são os municípios com pistas pavimentadas. Nos demais, nem<br />
sempre a aviação passa pelo crivo das autoridades.<br />
Alta Floresta tem a maior pista pavimentada de Mato Grosso e<br />
a quarta do Centro-Oeste; a pista do Aeroporto Piloto Oswaldo Marques<br />
Dias tem 2.500 metros de extensão por 30 de largura. A pista do<br />
Aeroporto Municipal Presidente João Figueiredo, de Sinop, tem 1.630<br />
metros por 30.<br />
A pista do Aeroporto Regional Orlando Villas-Bôas, em Matupá,<br />
mede 1.950 metros por 30. Em Sorriso, o Aeroporto Regional<br />
Adolino Bedin tem 1.600 metros por 30. A pista do Aeroporto Bri-<br />
42
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
gadeiro Eduardo Gomes, de Nova Mutum, tem 1.600 metros por 30.<br />
Em Lucas do Rio Verde a pista do Aeroporto Bom Futuro tem 1.600<br />
metros por 30.<br />
Na região operam voos noturnos os aeroportos de Alta Floresta,<br />
Sinop e Sorriso. Todos têm pousos e decolagens diários de jatos médios<br />
e turboélices de companhias aéreas com rotas regionais para Cuiabá e<br />
conexões.<br />
AEROAGRÍCOLA - Nhaaaaaam! Esse é o som característico dos aviões<br />
agrícolas nos rasantes sobre rodovias que cruzam lavouras onde<br />
aplicam agroquímicos. O barulho do motor sobre o teto dos carros assusta<br />
muitos motoristas. Solitário em sua cabine, o piloto não dá bola<br />
ao trânsito rodoviário e prossegue em sua excitante profissão de voar<br />
rente ao solo sabendo que qualquer falha mecânica ou erro humano<br />
pode ser fatal.<br />
Mato Grosso domina esse tipo de aviação no Brasil. Com dados<br />
relativos a meados de 2009, o Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB),<br />
subordinado à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), aponta a<br />
existência de 1.044 aviões agrícolas no país. Considerando-se as baixas<br />
e a incorporação de novas aeronaves no setor, estima-se que em 2016<br />
a frota nacional gire em torno de 1.400 aeronaves predominantemente<br />
nacionais. Cruzamento de dados de empresas do setor com sede e hangares<br />
em Mato Grosso revela a existência de 560 aviões em atividade<br />
no Estado, com aproximadamente 220 no <strong>Nortão</strong>.<br />
Em 2005, na feira Agrishow Cerrado, em Rondonópolis, a Indústria<br />
Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer, apresentou a versão a<br />
álcool do avião Ipanema, cujo motor não lança poluentes pesados na<br />
atmosfera e é mais econômico que o similar a gasolina. Para pilotos<br />
de Mato Grosso não se tratava de novidade, pois há muito voavam<br />
com motores convertidos clandestinamente para esse combustível e carinhosamente<br />
chamavam suas máquinas de Lulinha, em referência ao<br />
costume do então presidente Lula de tomar uma branquinha, como o<br />
próprio admite.<br />
43
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Soja<br />
IV<br />
A realidade e o rótulo da agricultura<br />
Tão ou maior que a produção agrícola em Mato Grosso é o chororô<br />
das entidades representativas puxadas pela Federação da Agricultura<br />
e Pecuária (Famato), a Associação dos Produtores de Soja e<br />
Milho (Aprosoja) e a Associação dos Produtores de Algodão (Ampa).<br />
Não é fácil se chegar a informação precisa, clara e objetiva sobre<br />
produção, produtividade agrícola e rentabilidade. Uma verdadeira<br />
máquina disseminadora de pessimismo e criadora de fantasiosas catástrofes<br />
financeiras se encarrega de massificar adversidades criadas<br />
atrás das orelhas e frustrações de safras que nunca se confirmaram a<br />
médio ou longo prazo, muito embora raramente ocorram oscilações<br />
de um para outro ano. Ora a máquina culpa o El Niño pelo caos. Ora<br />
44
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
joga nas costas de São Pedro. Ora os responsáveis são os fungos, as<br />
doenças e assemelhados. O dólar jamais é absolvido; quando sobe,<br />
não se diz que ele é a moeda que paga as commodities exportadas<br />
– fala-se apenas que os insumos são cotados por ele; quando despenca,<br />
o discurso muda e a moeda americana se transforma no vilão<br />
muquirana. O frete é um marginal! Nunca tais entidades tiveram a<br />
decência de dizer: obrigado Mato Grosso por sua generosidade com<br />
nossos sindicalizados ou associados! Fazendo coro com elas, jornalistas<br />
e formadores de opinião se prestam ao ultrajante papel de avalizar<br />
com seus textos, vozes e imagens a deslavada mentira que pinta<br />
a agricultura como atividade insegura e sem lucratividade, como se<br />
ela não fosse o que é: transformadora de pobres em suas regiões de<br />
origem em barões da soja na abençoada e ensolarada terra do Marechal<br />
Rondon.<br />
Não confiem nos números da tragédia fabricada. Tenham em<br />
mente que Sorriso cultiva 626 mil hectares (ha) de soja e responde por<br />
17% da safra mato-grossense ou por 3% da produção dessa leguminosa<br />
no Brasil. Regionalizando esses percentuais, pode-se afirmar com<br />
índices arredondados que o <strong>Nortão</strong> responde por 30% dessa leguminosa<br />
em Mato Grosso cuja safra ano após ano chegou ao patamar de<br />
28 milhões de toneladas liderando com folga a produção nacional.<br />
Mais: o Ministério da Agricultura revela que o Valor Bruto da Produção<br />
(VBP) mato-grossense em 2016 foi de R$ 70,97 bilhões; trata-se da<br />
receita da porteira para dentro e esse número representa um aumento<br />
de 12% sobre os R$ 63,36 bilhões faturados um ano antes. Observem<br />
atentamente que 2016 foi tachado pela Famato como “ano ruim para<br />
o agronegócio”.<br />
A soja que chegou ao <strong>Nortão</strong> como única lavoura na mesma<br />
área em um ano agrícola foi desbancada na década de 1990 pela rotação<br />
de culturas, com a dupla vantagem econômica e ambiental da safrinha,<br />
que permite no mesmo espaço dois cultivos distintos no mesmo<br />
ano, em plantio direto. Assim surgiu a safrinha, que deveria ser<br />
chamada de safrona, porque sua produção estadual dá a Mato Grosso<br />
45
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Algodão<br />
o título de maior produtor nacional de milho safrinha e o faz responsável<br />
por um mar branco no campo, que em números representa 65%<br />
do algodão tupiniquim.<br />
A cotonicultura mato-grossense cultiva 580 mil ha e produz em<br />
média 2,3 milhões de toneladas de algodão em caroço que se resumem<br />
em 935 mil toneladas de pluma de primeira qualidade. Um terço dessa<br />
lavoura leva a chancela do <strong>Nortão</strong>.<br />
O milho safrinha de Mato Grosso se espalha por 4,25 milhões de<br />
ha, com 40% dessa lavoura no <strong>Nortão</strong>, e sua produtividade média gira<br />
em torno de 110 sacas/ha. Sorriso, o maior produtor nacional do cereal,<br />
colhe 2,6 milhões de toneladas e Lucas do Rio Verde, 765.000 toneladas.<br />
Quem se encarrega de desmentir a permanente e fantasiosa<br />
catástrofe agrícola é o tempo. Busco dois exemplos sobre esse tema,<br />
um com o senador e ministro da Agricultura Blairo Maggi, fora do<br />
<strong>Nortão</strong>, e outro nessa região, com Sorriso, o maior município agrícola<br />
do mundo.<br />
<strong>46</strong>
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Milho<br />
BLAIRO - Na edição de 31 de dezembro de 2002 o Diário de Cuiabá<br />
publicou um especial sobre o governador que seria empossado no dia<br />
seguinte. A matéria assinada por mim, focalizando Blairo, eleito para o<br />
cargo em outubro daquele ano, dizia: Aos 11 <strong>anos</strong>, operava um velho<br />
trator agrícola nas lavouras do pai, em São Miguel do Iguaçu, no Paraná.<br />
Na juventude, atravessou a ponte sobre o rio Correntes na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
e chegou a Mato Grosso. “Era um lavoureirozinho e nem me passava<br />
pela cabeça esse negócio de política, quanto mais que um dia seria governador”,<br />
disse o entrevistado.<br />
Cultivando e ocupando outros elos da cadeia do agronegócio<br />
em Mato Grosso, Blairo se transformou no maior produtor agrícola<br />
mundial, líder de um grupo familiar que mantém a única trade brasileira<br />
entre as gigantes mundiais no mercado, a Amaggi Commodities,<br />
do Grupo André Maggi. Se a tragédia inventada pelas instituições<br />
classistas fosse real, Blairo e centenas de outros grandes produtores<br />
estariam no limbo.<br />
47
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Sorriso<br />
Sorriso - Referindo-se a esta cidade, o povo diz que prédio ali não<br />
tem alicerce: tem raízes. Lá é o paraíso da soja e do agronegócio como<br />
um todo. Nenhum centavo circula no município sem que tenha a ver<br />
direta ou indiretamente com a lavoura. A cidade é uma das mais modernas<br />
de Mato Grosso. Bairros com moradias de alto padrão e um<br />
comércio vibrante não deixam dúvida que ali é um bolsão de prosperidade.<br />
E se alguma dúvida ainda restar, os carrões nas ruas tratam de<br />
sacramentar que riqueza é lugar comum naquelas bandas. O município<br />
tem 9.329,604 km² e 82.792 moradores. Sua densidade demográfica<br />
é de 7,13 habitantes/km² na cidade, zona rural e nos distritos de Caravagio,<br />
Boa Esperança e Primavera. O segundo tenta se emancipar. O<br />
último fica à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. É o sétimo município mais populoso<br />
de Mato Grosso.<br />
A cidade é polo universitário, mas enfrenta problema de saneamento.<br />
Em novembro de 2016 a empresa que explora os serviços<br />
de água e esgoto jurava que 60% da rede coletora de esgoto estavam<br />
48
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
prontos e que 25% da mesma estariam em operação.<br />
Sorriso é o maior município agrícola do mundo e o principal<br />
exportador de Mato Grosso. Em 2016, seu volume exportado foi de<br />
US$ 1.367.359.238 (FOB). A soja respondeu por US$ 713,3 milhões<br />
(FOB) e o milho por US$ 527,6 milhões (FOB); farelo de soja, algodão<br />
e carnes completaram o leque exportado. No período as importações<br />
de adubos, aviões agrícolas, pneus e implementos, dos Estados<br />
Unidos, Chile, Canadá, China e outros 25 países somaram US$<br />
174.962.043 (FOB), apresentando superávit de US$ 1.192.397.000. As<br />
commodities produzidas em suas lavouras e transformadas em seu<br />
parque industrial chegaram à China, Holanda, Irã, Japão e outros 25<br />
países. A movimentação de Sorriso na balança comercial chegou a<br />
US$ 1,54 bi. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 4.437.696.000 e a<br />
renda per capita, de R$ 57.087,49.<br />
Acostumado a colecionar títulos nacionais e mundiais na produção<br />
agrícola, Sorriso também é incomparável na água doce. É o<br />
49
Eduardo Gomes de Andrade<br />
maior produtor de peixes nativos do Brasil. Centenas e centenas de<br />
hectares em lâmina d’água garantem a produção de tambacus e outras<br />
espécies. De quebra, o distrito de Primavera é o endereço do<br />
maior frigorífico de pescado de água doce brasileira.<br />
As imensas áreas cultivadas exigem grandes investimentos financeiros.<br />
Até meados dos <strong>anos</strong> 2000 a agência do Banco do Brasil<br />
no município era a segunda maior financiadora de lavouras no país,<br />
atrás de sua similar em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.<br />
Com a capitalização dos produtores, as operações de crédito sofreram<br />
redução. A praça de Sorriso é uma das principais no mercado de<br />
máquinas e implementos agrícolas no mundo.<br />
A agência do Banco do Brasil em Santa Cruz do Sul injeta montanhas<br />
de dinheiro no plantio do fumo da indústria do tabaco por<br />
meio de uma linha de crédito criada pelo governo federal para os<br />
fumicultores que alimentam os fabricantes e distribuidores de cigarros<br />
e similares Philip Morris, Souza Cruz, Associated Tobacco Company,<br />
Universal Leaf Tabacos, Alliance On e outros gigantes multinacionais<br />
do setor.<br />
Nos primórdios de sua colonização, Sorriso somente cultivava<br />
arroz de sequeiro, lavoura que lhe empresta o nome. Claudino Francio,<br />
catarinense de Joaçaba, dono da Colonizadora Feliz, que criou<br />
Sorriso, disse que a denominação nasceu da irreverência. Agricultores<br />
gaúchos descendentes de itali<strong>anos</strong> visitavam a região. De regresso<br />
ao Rio Grande do Sul, seus parentes, vizinhos e amigos queriam<br />
saber quais as culturas que teriam visto por lá. A resposta era invariável:<br />
só rizzo (em italiano, arroz se pronuncia rizzo). O colonizador<br />
gostou e batizou a cidade com o nome de Sorriso, bem à brasileira e<br />
com a palavra tendo outro sentido.<br />
A colonização da área rural no entorno do local onde surgiria<br />
Sorriso começou em 1975, após a implantação de cidades ao norte<br />
daquele lugar. Agricultores sulistas foram se instalando na região e,<br />
em 2 de fevereiro de 1977 Claudino Francio fundou às margens da<br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> a vila que agora é a Capital Mundial da Soja.<br />
50
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Até 1978, o povoado não passava de um amontoado de casas<br />
simples de madeira e o principal estabelecimento era um posto de<br />
combustíveis com bandeira da Shell, localizado no entroncamento<br />
da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com a MT-242 que à época ligava fazendas na região do<br />
rio Ferro ao restante de Mato Grosso, e hoje é acesso pavimentado à<br />
cidade de Nova Ubiratã.<br />
Sorriso colheu (sem trocadilho) Mato Grosso de surpresa. Em<br />
29 de dezembro de 1980, o governador Frederico Campos sancionou<br />
uma lei de autoria dos deputados Ary Campos e Osvaldo Sobrinho<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa criando aquele distrito no município<br />
de Nobres, quando na verdade a vila de Sorriso localizava-se<br />
no município de Chapada dos Guimarães. O rio Teles Pires era o<br />
limite de Nobres (margem esquerda) e Chapada (direita). O erro foi<br />
abafado com a emancipação em 13 de maio de 1986, mas evidenciou<br />
que o Estado não sabia sequer onde se localizavam os novos aglomerados<br />
urb<strong>anos</strong> surgidos com a expansão da fronteira agrícola.<br />
Sorriso emancipou-se de Nobres, Paranatinga e Sinop por uma<br />
lei de autoria da mesa diretora da Assembleia Legislativa e sancionada<br />
pelo governador Júlio Campos. É sede de comarca de terceira<br />
entrância, Vara do Trabalho e duas zonas eleitorais.<br />
O pioneiro Matsubara<br />
O cerrado e a mata de transição no <strong>Nortão</strong> viraram cenário<br />
econômico e ganharam função social com o cultivo da soja e da rotação<br />
de culturas com o milho safrinha e o algodão. Até 1978 ambos<br />
os biomas deixavam com um pé atrás os produtores de soja interessados<br />
na região, pois não havia nenhum indicativo de que a leguminosa<br />
se adaptaria bem naquela área abaixo do Paralelo 13.<br />
Em Mato Grosso, abaixo do Paralelo 13, o arroz de sequeiro era<br />
a única cultura em escala. Em meio às dúvidas e incertezas, o sonhador<br />
nissei Munefumi Matsubara botava a mão na massa – e no bolso<br />
– amansando o solo para a chegada da soja, que hoje é o carro-chefe<br />
da economia mato-grossense.<br />
51
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Matsubara<br />
Pioneiro no cultivo de soja abaixo do Paralelo 13 em Mato<br />
Grosso, Matsubara acreditou na viabilidade desse projeto na região.<br />
Na fazenda Progresso, de 10 mil ha, no município de Sorriso e perto<br />
de Lucas do Rio Verde, Matsubara desenvolveu pesquisas que lhe<br />
deram uma facada de US$ 1 milhão entre 1972 e a safra 77-78, quando<br />
cultivou a leguminosa em campos experimentais e em lavouras,<br />
sendo a maior de 3.600 ha com a cultivar UFV-1 da qual colheu 15<br />
sacas/ha.<br />
A dinheirama que saiu do bolso de Matsubara resultou na pesquisa<br />
que abriu a porteira para a soja no eixo de influência da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
no <strong>Nortão</strong>. Paulista de Vera Cruz e ex-morador do Paraná, Matsubara<br />
agora é residente em Sinop, onde milita nos meios empresariais.<br />
Discreto, Matsubara não se preocupa em alardear seu feito e<br />
até desconversa sobre ele. Sua obra fala mais alto sobre a soja do que<br />
todas as vozes.<br />
52
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
V<br />
Terra do boi e de boiadas<br />
A atividade econômica de maior visibilidade na região é a agricultura,<br />
com suas lavouras a perder de vista, mas a pecuária com sua solidez<br />
e discrição dos pecuaristas é o grande esteio da estabilidade econômica<br />
do <strong>Nortão</strong>, onde pastam 7.086.442 bovinos de um rebanho estadual<br />
com 29.122.782 animais de mamando a caducando, segundo dados oficiais<br />
do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) com<br />
base nos números apurados na campanha universal de vacinação contra<br />
a febre aftosa em novembro e dezembro de 2015. Em resumo, os 35 municípios<br />
da área respondem por 24,33% dos animais mato-grossenses.<br />
O gado está presente em todos os municípios da região. Em alguns,<br />
além da pecuária extensiva há confinamentos e semiconfinamentos. Jua-<br />
53
Eduardo Gomes de Andrade<br />
ra e Alta Floresta estão entre os quatro maiores rebanhos municipais de<br />
Mato Grosso. Cáceres, fora do <strong>Nortão</strong> e na fronteira com a Bolívia, tem<br />
1.083.371 cabeças; Vila Bela da Santíssima Trindade, também na fronteira,<br />
é o segundo, com 984.335; Juara é o terceiro, com 944.605; e Alta Floresta<br />
fecha o ranking com 712.874. Na outra ponta da tabela o menor rebanho é<br />
o de Ipiranga do Norte, com 8.854; São Pedro da Cipa, no polo de Rondonópolis,<br />
tem 15.139; e Lucas do Rio Verde, 20.088.<br />
A cadeia pecuária no <strong>Nortão</strong> inclui o elo da carne, mas a atividade<br />
frigorífica causou prejuízos a muitos criadores com o efeito sanfona de<br />
algumas empresas que abriam e baixavam suas portas. Nos <strong>anos</strong> 1980 e<br />
1990 e o começo da década de 2000 o abate era algo quase sombrio. Na<br />
papelada havia frigorífico sem planta e planta sem unidade de abate. Alta<br />
Floresta, Colíder, Nova Monte Verde, Matupá, Juara e Sinop sofreram<br />
grandes prejuízos com isso.<br />
A região é palco de grandes feiras agropecuárias em que o forte<br />
é a pecuária. Exponop, em Sinop; Expoalta, em Alta Floresta; Expovale,<br />
em Juara; Expolider, em Colíder; Expotã, em Guarantã do Norte; Expomutum,<br />
em Nova Mutum; e em várias outras cidades o maior evento<br />
popular é a exposição que, além de promover leilões, palestras técnicas,<br />
expor animais de elite e maquinário para o campo, também promove<br />
grandes shows populares com a participação de milhares de moradores<br />
e visitantes.<br />
A qualidade sanitária do rebanho do <strong>Nortão</strong> é considerada excelente,<br />
a exemplo do que se verifica nos municípios fora daquela área.<br />
Porém, o último foco de febre aftosa notificado em Mato Grosso ocorreu<br />
no município de Terra Nova do Norte, em 16 de janeiro de 1996; esse<br />
foco não teve comprovação laboratorial, mas foi catalogado enquanto<br />
foco clínico.<br />
NÚMEROS – Além de Juara e Alta Floresta, outros municípios da região<br />
também têm grandes rebanhos bovinos: Nova Bandeirantes, 429.103<br />
cabeças; Paranaíta, 425.419; Nova Canaã do Norte, 397.309; Colíder,<br />
375.947; Nova Monte Verde, 360.754; Novo Mundo, 349.606; Guarantã<br />
do Norte, 334.605; Peixoto de Azevedo, 315.580; Terra Nova do Norte,<br />
268.272; Matupá, 244.829; Carlinda, 229.035; e Apiacás, 219.002.<br />
54
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Pedro Taques no <strong>Nortão</strong><br />
VI<br />
Cadeado na Hidrovia Teles Pires-Tapajós<br />
Seguramente a melhor rota para escoamento de commodities<br />
do <strong>Nortão</strong> pelos portos do Arco Norte, a Hidrovia Teles Pires-Tapajós<br />
tem um cadeado judicial que impede estudos e obras em seu leito.<br />
Essa proeza foi conseguida em 1997 pelos procuradores da República<br />
José Pedro Gonçalves de Taques, de Mato Grosso, e Felício Pontes<br />
Júnior, do Pará. A sentença foi proferida pelo juiz Edison Messias de<br />
Almeida, da Vara Descentralizada da Justiça Federal em Santarém, e<br />
impede ainda a liberação de recursos para tais intervenções.<br />
55
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Balsa no Tapajós em Itaituba<br />
A decisão saiu com base na ação civil pública impetrada por<br />
Taques e Pontes Júnior, que a fundamentaram no artigo 231 da Constituição<br />
Federal. Tal artigo prevê que o aproveitamento dos recursos<br />
hídricos em áreas indígenas só pode acontecer após autorização do<br />
Congresso Nacional e <strong>depois</strong> de ouvidas as comunidades afetadas.<br />
A hidrovia banha terras pertencentes aos índios mundurukus.<br />
A ação de Pedro Taques que feriu interesses do <strong>Nortão</strong> foi noticiada<br />
pelo jornal Diário de Cuiabá em sua edição de 24 de outubro<br />
de 1997, numa reportagem assinada pelo jornalista Anselmo Carvalho<br />
Pinto.<br />
O projeto da Teles Pires-Tapajós prevê a ligação de Cachoeira<br />
Rasteira, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. Entre as obras previstas<br />
estão a dragagem e o derrocamento em partes do rio Tapajós<br />
56
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
no trecho entre São Luís do Tapajós (PA) e Itaituba, e a construção<br />
de uma eclusa. As interferências no trecho têm os custos estimados<br />
em aproximadamente US$ 254 milhões.<br />
O projeto da Teles Pires-Tapajós foi elaborado pela Administração<br />
das Hidrovias da Amazônia Oriental (Ahimor) e pela Companhia<br />
Docas do Pará. As duas empresas recebiam verba para realização<br />
de estudos por meio de um convênio com o Ministério dos<br />
Transportes. A liberação dos recursos foi barrada pela sentença.<br />
Os índios mundurukus habitam as margens do rio Tapajós,<br />
nas terras Sai Cinza, Munduruku I, Munduruku II, Praia do Mangue<br />
e Praia do Índio, numa área de aproximadamente 950 mil hectares.<br />
A ação civil pública traz anexo um mapa da Funai informando<br />
que à beira do Tapajós, no município de Itaituba, existem duas terras<br />
indígenas, a Praia do Mangue e a Praia do Índio.<br />
Pedro Taques trocou o Ministério Público Federal pela política.<br />
Em 2010 elegeu-se senador pelo PDT. Quatro <strong>anos</strong> <strong>depois</strong>, mantendo<br />
sua filiação, conquistou o governo de Mato Grosso e posteriormente<br />
se filiou ao PSDB.<br />
NAVEGAÇÃO – A decisão do juiz não inclui o trecho do Baixo Tapajós,<br />
com 259 quilômetros ou 140 milhas, entre os portos de Miritituba<br />
(em Itaituba) e Santarém, na foz do Tapajós no rio Amazonas.<br />
Itaituba fica a 30 quilômetros à esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido<br />
Cuiabá-Santarém, e até meados da década de 1970 a ligação entre as<br />
duas cidades era feita por aviões e a hidrovia. Por rodovia a distância<br />
é de 380 quilômetros, com trechos na Transamazônica (<strong>BR</strong>-230) e<br />
na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> via Rurópolis.<br />
Santarém tem 294.447 habitantes, Itaituba 98.485 e Rurópolis,<br />
47.971; essa última cidade nasceu com a abertura da Transamazônica<br />
e da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
57
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Tapajós em Itaituba<br />
Trancamento fere a tradição amazônica<br />
Senhores das grandes navegações, os portugueses descobriram o<br />
Brasil e espalharam seus domínios pelos sete mares. Mestres da guerra,<br />
os patrícios instalaram fortes nas embocaduras dos rios amazônicos<br />
para garantir a posse da terra.<br />
58
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Ao redor das fortificações surgiram núcleos urb<strong>anos</strong> e a ocupação<br />
da Amazônia se deu às margens dos rios. Em locais bem estudados,<br />
Portugal fundou cidades, muitas delas com nomes que ajudavam<br />
a matar a saudade da terrinha. Assim nasceram Alenquer,<br />
Almeirim, Aveiro, Belém, Bragança, Faro, Santarém e tantas outras,<br />
ora; pois, pois!<br />
Santarém, centro regional de prestação de serviços, com 6 mil<br />
barcos e outras embarcações controladas pela Capitania dos Portos,<br />
universidades, terminal hidroviário, amplas avenidas, modernas<br />
construções, comércio vibrante e força política, localiza-se na barra<br />
onde o azul do Tapajós se encontra com as águas barrentas do Amazonas,<br />
e descem curso comum, porém separadas por alguns quilômetros<br />
até se juntarem.<br />
Colonizadores do além-mar, escravos afric<strong>anos</strong> e índios pegos<br />
no laço. Essa foi a base da formação do povo amazônico ribeirinho,<br />
gente que tem no rio sua fonte de alimento e lazer, meio de transporte,<br />
inspiração cultural, cenário para expressão da religiosidade e palco<br />
para lendas iguais à do boto-cor-de-rosa, que nas noites enluaradas<br />
se transforma em charmoso galã que enfeitiça e seduz donzelas.<br />
Na Amazônia o rio é tudo ou quase tudo. Desde a infância se<br />
aprende a remar, navegar, a conhecer os segredos e mistérios das<br />
águas. Nas vilas e cidades os terminais hidroviários são os locais mais<br />
movimentados. É por eles que chegam e saem os moradores e turistas,<br />
mercadorias e o atendimento médico em barcos especializados. Habitantes<br />
das duas margens do Tapajós ao longo de seus 851 quilômetros<br />
de extensão se fundem e se confundem com esse rio.<br />
Caso seja liberada, a Hidrovia Teles Pires-Tapajós permitirá a<br />
navegação ao longo do rio Tapajós e além dele até Sinop, pelo Teles<br />
Pires, independentemente do ciclo das águas. Essa condição seria alcançada<br />
com a realização de obras de engenharia nos leitos e com<br />
59
Eduardo Gomes de Andrade<br />
eclusas nas barragens para garantir a passagem contínua de embarcações<br />
subindo e descendo.<br />
Atualmente, barcos e lanchas fazem linha regular diária de passageiros<br />
entre Itaituba – no Baixo Tapajós – e cidades do percurso a<br />
Santarém. Com a hidrovia, o transporte se estenderia até Sinop – seu<br />
porto mais ao sul – beneficiando moradores ribeirinhos nos dois estados<br />
e abrindo mais um importante leque ao turismo numa região de<br />
rara beleza.<br />
Para Mato Grosso o trancamento inviabiliza o aproveitamento<br />
dos cursos dos rios Teles Pires e do Tapajós em sua parte alta. Com<br />
isso, a movimentação de cargas pela hidrovia ganha contornos de manga<br />
curta e o único caminho para se chegar ao porto é a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, enquanto<br />
o Brasil sonha com a construção de uma ferrovia ligando Nova<br />
Mutum a Santarém.<br />
De Sinop a Santarém pelos rios<br />
A Hidrovia Teles Pires-Tapajós mudaria a logística de transporte<br />
na região central do continente se fosse operada no trecho de<br />
Sinop a Santarém: ela iria bem além do chamado eixo de influência,<br />
que é a área em seu entorno. Os rios Teles Pires e Tapajós são caminhos<br />
naturais entre o Atlântico e o Centro-Oeste, e por eles se pode<br />
estabelecer uma nova rota longitudinal que desafogaria os portos<br />
de Santos e Paranaguá, evitando risco de estrangulamento ou apagão<br />
logístico na exportação de commodities agrícolas.<br />
O chamado eixo de influência da hidrovia é composto por 48<br />
municípios paraenses e mato-grossenses, com extensão territorial de<br />
550.783 km² – do tamanho da França.<br />
No Pará, a hidrovia beneficiaria diretamente uma área de 295.181<br />
km² nos municípios de Santarém, Aveiro, Belterra, Itaituba, Jacareacanga,<br />
Juruti, Novo Progresso, Trairão, Rurópolis e parte de Altamira.<br />
60
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Balsa com soja em Santarém<br />
Caboclo e vice-versa<br />
RO-RO é a abreviação em inglês de roll on-roll off, que significa o<br />
modo como as cargas são embarcadas e desembarcadas, rolando para dentro<br />
e fora das embarcações. Na Amazônia, RO-RO Caboclo é o nome que<br />
se dá ao transporte de carretas carregadas por balsas de fundo chato, proa<br />
lançada e baixo calado.<br />
A maior parte dos produtos industrializados na Zona Franca de Manaus<br />
é transportada pelo RO-RO Caboclo, que também responde pela fatia<br />
principal do abastecimento da capital amazonense, o que garante intensa<br />
movimentação de balsas.<br />
Para Manaus o embarque nas balsas é feito em Belém, <strong>depois</strong> de<br />
uma viagem rodoviária de 2.950 quilômetros de São Paulo até lá. Esse modal<br />
se completa com uma viagem de 1.700 quilômetros pelo rio Amazonas.<br />
Caso a consolidação da Hidrovia Teles Pires-Tapajós ocorra, Mato Grosso<br />
se transformará no grande corredor para essa interligação, com a inclusão<br />
61
Eduardo Gomes de Andrade<br />
do transporte ferroviário num multimodal hidrorrodoferroviário, que reduziria<br />
a distância rodoviária e o preço do frete.<br />
Caso a navegação comercial entre Sinop e Santarém entre em operação,<br />
o RO-RO Caboclo se transferiria para Mato Grosso e com uma vantagem<br />
a mais do que o modelo atual que utiliza a rodovia Belém-Brasília<br />
para acesso ao porto de Belém: os trilhos da ferrovia da Rumo ALL estão<br />
em Rondonópolis. Ou seja, o transporte entre São Paulo e Rondonópolis<br />
seria ferroviário; daquela cidade a Sinop, rodoviário; e a partir dali, por<br />
embarcações.<br />
No cenário realista, o multimodal por trilhos, rodovias e hidrovia<br />
baixaria o trecho rodoviário da rota do RO-RO Caboclo via Mato Grosso<br />
para 750 quilômetros, ou seja, 2.200 quilômetros a menos do que o atual,<br />
via Belém.<br />
A interligação de Manaus e São Paulo por Mato Grosso e o Oeste paraense<br />
criaria oportunidades de emprego e renda no eixo de influência do<br />
multimodal e mais acentuadamente nas cidades de transbordo de cargas<br />
do trem para o caminhão e nos portos onde aconteceriam as operações do<br />
RO-RO Caboclo.<br />
O preço médio mundial do frete fluvial é 60% menor do que o transporte<br />
rodoviário. Essa redução de custo teria reflexos positivos em Mato<br />
Grosso, que compra industrializados nas duas pontas do RO-RO Caboclo.<br />
Nordeste pelo modal hidrovia e cabotagem<br />
Cabotagem. Esta palavra típica da linguagem náutica aparentemente<br />
não tem nada a ver com Mato Grosso. Mas tem! Com a navegação comercial<br />
de Sinop a Santarém, seria possível incrementar o comércio inter-<br />
-regional com o Nordeste. É nesse contexto que a cabotagem entra.<br />
O Nordeste depende do milho produzido em outras regiões para a<br />
ração pecuária e sempre o importa da Argentina, que ocupa aquele nicho<br />
de mercado graças ao preço praticado em relação aos concorrentes brasileiros.<br />
Ou seja, os herm<strong>anos</strong> têm competitividade porque pagam frete naval,<br />
bem abaixo do praticado pela concorrência sobre rodas.<br />
62
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Carregamento de grãos em Santarém<br />
O <strong>Nortão</strong> perde em logística para a Argentina quando o assunto é<br />
milho para o Nordeste. Sinop, a principal cidade da região, é classificada<br />
como sendo de alta continentalidade – índice que mede a distância da<br />
lavoura ao porto –, porque sua matriz de transporte é rodoviária. Com a<br />
hidrovia, a situação mudaria por completo e o cereal chegaria em balsas ao<br />
Baixo Tapajós, onde seria transbordado para navios de cabotagem, que em<br />
sentido contrário carregariam industrializados, química fina, sal, insumos,<br />
eletrodomésticos e outros produtos.<br />
Sem comparativo<br />
Menor distância para as commodities chegarem aos principais<br />
centros importadores mundiais. Essa é uma das armas de Santarém<br />
em relação aos portos de Santos e Paranaguá, por onde Mato Grosso<br />
exporta a maior parte de sua produção agrícola.<br />
De Paranaguá a Roterdã, na Holanda, a distância é de 11.600 quilômetros.<br />
De Santos àquela cidade, 11.128. Santarém dista apenas 7.401<br />
daquele porto holandês. E Tóquio, no Japão, fica a 24.600 quilômetros<br />
de Santos, a 24.087 de Paranaguá e a 20.800 de Santarém.<br />
63
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Jatene e Silval<br />
VII<br />
Trem chinês para Santarém<br />
descarrila no <strong>Nortão</strong><br />
Castelo de Sonhos, município de Altamira (PA), 3 de setembro<br />
de 2011. Ouço o brasileiro Marco Polo Moreira Leite, presidente da<br />
Asian Trade & Investiments (ATI), que é de pouca e objetiva conversa.<br />
Esse predicado – creio – o apadrinhou para chegar ao comando<br />
daquele gigante chinês. Moreira Leite explana aos governadores Simão<br />
Jatene e Silval Barbosa e outras autoridades; a Léo Reck, fundador<br />
do lugar, e a empresários, uma proposta mandarim capaz de<br />
revolucionar a logística de transporte no Pará e em Mato Grosso.<br />
A proposta é construir uma ferrovia com 1.800 quilômetros<br />
paralela à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> criando um corredor de exportação de commodities<br />
no sentido norte e, numa escala infinitamente menor, na direção<br />
64
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
sul, para a entrada de máquinas, eletroeletrônicos, perfumes, roupas,<br />
brinquedos e uma infinidade de outros produtos made in China que<br />
inundam prateleiras e bancas no Paraguai, Bolívia e parte do Brasil.<br />
Para tanto, a ATI estaria disposta a investir R$ 10 bilhões nos<br />
trilhos, terminais intermodais de embarque e desembarque, composições<br />
dos trens, e se preciso, desembolsar para garantir a instalação de<br />
um porto no rio Tapajós. A obra seria executada em 450 dias. A China<br />
constrói em média quatro quilômetros de ferrovia diariamente.<br />
Maior parceira comercial de Mato Grosso, a China entendia<br />
que a ferrovia seria estratégica tanto para sua política de segurança<br />
alimentar que garante panela cheia para 1,3 bilhão de pares de olhos<br />
puxados quanto por se tratar de corredor de interesse universal.<br />
Essa ferrovia levaria vantagem sobre a logística atual de escoamento<br />
de commodities do <strong>Nortão</strong>, por duas razões: eliminaria os<br />
longos fretes rodoviários até os portos de Santos e Paranaguá; e os<br />
embarques nos navios seriam mais rápidos se construídas modernas<br />
instalações portuárias no Pará.<br />
Com a ferrovia e o porto de Santarém, o trecho marítimo do<br />
multimodal também levaria vantagem sobre Santos e Paranaguá encurtando<br />
a distância e reduzindo o tempo do transporte tanto para<br />
a Europa quanto para a Ásia, afinal o rio Amazonas que recebe as<br />
águas do Tapajós cruza a Linha do Equador no Amapá, o que deixa<br />
aquela hidrovia no centro do mundo.<br />
Tomando-se Sorriso por referência para efeito de embarque de<br />
grãos, farelo de soja, plumas, carnes e madeira, o multimodal exorcizaria<br />
o percurso rodoviário até o terminal da ferrovia da Rumo ALL<br />
em Rondonópolis, distante 650 quilômetros. O trajeto ferroviário de<br />
Sorriso a Santarém teria 1.400 quilômetros, enquanto que o trem percorre<br />
1.660 quilômetros de Rondonópolis a Santos. De Sorriso para<br />
Paranaguá o transporte rodoviário aumenta consideravelmente a<br />
distância no comparativo com o percurso ao porto paulista.<br />
65
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Pequim<br />
Silval defendia a ferrovia. Seu colega paraense Simão Jatene<br />
demonstrava indiferença. O projeto não foi adiante porque o Brasil<br />
não conseguiu dar segurança jurídica aos chineses – no trajeto há<br />
problemas agrários, ambientais e questões indígenas.<br />
66
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O <strong>Nortão</strong> perdeu um negócio da China. Foi vencido pelo Estado<br />
velhaco que chafurda na atividade-meio e que não é compatível<br />
com a grandeza do Brasil em todos os aspectos. Jatene achou bom o<br />
desfecho, afinal Belém vê Santarém como rival. Pobre nação da papelada<br />
e do bairrismo.<br />
67
Eduardo Gomes de Andrade<br />
VIII<br />
Onde o Brasil se encontra<br />
Região povoada por brasileiros dos quatro cantos do país, o <strong>Nortão</strong><br />
é uma babel, mas com predomínio sulista, notadamente paranaense.<br />
Seu poder político é bom indicador da origem de sua população.<br />
O <strong>Nortão</strong> tem 35 prefeitos. Em 2016, foram eleitos dezessete paranaenses,<br />
seis gaúchos, quatro catarinenses, quatro mato-grossenses,<br />
três paulistas e um mineiro.<br />
O grupo paranaense é formado por Asiel Bezerra (PMDB), de<br />
Alta Floresta; Adalto José Zago (PSDB), de Apiacás; Tony Rufatto<br />
(PSDB), de Paranaíta; Bia Sueck (PMDB), de Nova Monte Verde; Valdir<br />
Rio Branco (PSB), de Nova Bandeirantes; Carmem Martines (DEM),<br />
de Carlinda; Érico Gonçalves (PRB), de Guarantã do Norte; Terezinha<br />
Carrara (DEM), de Nova Santa Helena; Rosana Martinelli (PR), de Sinop;<br />
Valdenir Santos (PSDB), de Nova Ubiratã; Rafael Pavei (PSDB),<br />
de Feliz Natal; Altamir Kurten (PSDB), de Cláudia; Ari Lafin (PSDB),<br />
de Sorriso; Claudiomiro Queiroz (PSD), de União do Sul; Edu Pascoski<br />
(PR), de Itanhangá; Sirineu Moleta (PMDB), de Tabaporã; e Maurício<br />
Ferreira (PSDB), de Peixoto de Azevedo.<br />
O segundo estado em número de prefeitos é o Rio Grande do<br />
Sul com Zeca Zamoner (PSD), em Nova Guarita; Toni Mafini (PSDB),<br />
em Novo Mundo; Valtinho Miotto (PMDB), em Matupá; Flori Binotti<br />
(PSD), em Lucas do Rio Verde; Adriano Pivetta (PDT), em Nova Mutum;<br />
e Moacir Giacomelli (PSB), em Vera.<br />
Foram eleitos os catarinenses Egon Hoepers (PSD), em Santa<br />
Rita do Trivelato; Iraldo Ebertz (DEM), em Tapurah; Pedro Ferronatto<br />
(PSDB), em Ipiranga do Norte; e Valter Kuhn (PR), no município de<br />
Terra Nova do Norte.<br />
Quatro mato-grossenses foram eleitos. Valcir Donato (PV), de<br />
Itaúba, e Rodrigo Frantz (PSD), de Santa Carmem, são sinopenses.<br />
68
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Luciane Bezerra<br />
69
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Baixinho Piovesan (PMDB), de Porto dos Gaúchos, e Silvano Neves<br />
(PSD), de Novo Horizonte do Norte, nasceram naqueles municípios.<br />
Porto dos Gaúchos é a cidade mais antiga da região e Novo<br />
Horizonte do Norte foi a segunda povoação do <strong>Nortão</strong>.<br />
Os paulistas conquistaram três prefeituras: Nova Canaã do<br />
Norte, com Rubens Roberto Rosa (PDT); Colíder, com Noboru Tomiyashi<br />
(PSD); e Juara, com Luciane Bezerra (PSB); Luciane foi deputada<br />
estadual (2011-14).<br />
Arnóbio Vieira de Andrade (PSD), de Marcelândia, é mineiro.<br />
Arnóbio é o decano dos prefeitos mato-grossenses; foi reeleito<br />
aos 77 <strong>anos</strong>.<br />
As mulheres conquistaram cinco prefeituras na região em<br />
2016, dentre elas a de Sinop, que é a maior da região. O <strong>Nortão</strong><br />
tem 333 vereadores e em 2016 apenas 50 mulheres foram eleitas<br />
para o cargo.<br />
Em 2016, nos municípios de Nova Canaã do Norte, Nova<br />
Mutum, Vera, Ipiranga do Norte, Marcelândia, Novo Mundo, Itaúba<br />
e Nova Santa Helena nenhuma mulher foi eleita para a câmara<br />
municipal. Santa Carmem, com nove vereadores, é o único município<br />
com bancada feminina majoritária; as mulheres ocupam cinco<br />
cadeiras com a paranaense Elizete Faita (PSD) – campeã de votos,<br />
com 212; com a gaúcha Luiza Maziero (PR); com a paranaense Marlene<br />
Alexandre (PMDB); com a mato-grossense de Alto Araguaia<br />
Luleide Cabral (PSB); e com a paranaense Ana Paula Araújo (DEM).<br />
Dos povos indígenas que habitam a região, em 2016, somente<br />
em Feliz Natal um índio se elegeu: Txonto do Xingu (PMDB), da<br />
etnia Ikpeng, recebeu 176 votos. Txonto nasceu no Parque Indígena<br />
do Xingu, na área pertencente ao município de Canarana, Vale do<br />
Araguaia.<br />
O vice-governador Carlos Henrique Baqueta Fávaro (PSD) é<br />
paranaense e morador no <strong>Nortão</strong>; Fávaro foi eleito pelo PP.<br />
70
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Arnóbio Vieira de Andrade<br />
71
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Janaína Riva<br />
A representação política do <strong>Nortão</strong> na Assembleia Legislativa<br />
é expressiva. A legislatura eleita em 2014 tem 24 deputados e 10 são<br />
da região; Romoaldo Júnior, Janaína Riva e Silvano Amaral (PMDB),<br />
Dilmar Dal’Bosco (DEM), Baiano Filho (PSDB), Oscar Bezerra e Mauro<br />
Savi (PSB), Pedro Satélite e José Domingos Fraga (PSD) e Valdir Barranco<br />
(PT).<br />
A distribuição geográfica dos representantes do <strong>Nortão</strong> na Assembleia<br />
tem três mato-grossenses: Janaína Riva, de Juara; José Domingos<br />
Fraga, de Nortelândia; e Oscar Bezerra, de Cuiabá. Três paranaenses:<br />
Romoaldo Júnior, Valdir Barranco e Mauro Savi. Dois catarinenses:<br />
Pedro Satélite e Dilmar Dal’Bosco. Dois paulistas: Baiano Filho e<br />
Silvano Amaral.<br />
72
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nilson Leitão<br />
Nilson Leitão (PSDB), nascido em Mato Grosso do Sul, foi o único<br />
deputado federal eleito pela região em 2014. O <strong>Nortão</strong> não elegeu<br />
senador.<br />
Leitão foi vereador por Sinop (1997-98) e duas vezes consecutivas<br />
foi prefeito daquele município (2001-08). Exerceu mandato de deputado<br />
estadual (1999-2000) e está na segunda legislatura na Câmara<br />
dos Deputados.<br />
O histórico da região na Câmara dos Deputados é de pequena<br />
participação. O mineiro João Teixeira cumpriu mandato entre 1991 e<br />
1994. O catarinense Ricarte de Freitas exerceu dois mandatos (1999-02<br />
e 2003-07). O mineiro Rogério Silva foi deputado em duas legislaturas:<br />
1995-98 e 2003-06.<br />
73
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Silval Barbosa<br />
74
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Um político do <strong>Nortão</strong> chegou ao governo. O paranaense Silval<br />
da Cunha Barbosa (PMDB) foi eleito vice-governador em 2006 e assumiu<br />
o governo em março de 2010 com a desincompatibilização do<br />
titular Blairo Maggi (PR), que disputou e venceu a eleição ao Senado.<br />
Em 2010, Silval foi eleito governador em primeiro turno. Ao deixar o<br />
poder, Silval passou a ser investigado por supostos crimes de improbidade<br />
administrativa, teve a prisão decretada e se apresentou em 17 de<br />
setembro de 2015. Até o final de dezembro de 2016 continuava preso<br />
em Cuiabá, sem que tivesse sido condenado.<br />
Silval foi prefeito de Matupá (1993-96), cumpriu dois mandatos<br />
de deputado estadual (1999-2006) e presidiu a Assembleia em um biênio<br />
(2005-06).<br />
O produtor rural gaúcho radicado em Lucas do Rio Verde Neri<br />
Geller foi nomeado ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento<br />
pela presidente Dilma Rousseff em março de 2014 e permaneceu no<br />
cargo até janeiro de 2015. Neri foi vereador por Lucas do Rio Verde e<br />
suplente de deputado federal.<br />
O político que é apontado como maior ficha suja do Brasil é o<br />
capixaba José Riva, que foi prefeito de Juara e exerceu cinco mandatos<br />
consecutivos de deputado estadual entre 1995 e 2014 na condição de<br />
campeão de votos e nesse período ora presidiu a Assembleia ora foi<br />
primeiro-secretário da mesa diretora. Após deixar o cargo, ao qual não<br />
pode mais concorrer por impedimento legal da Lei Ficha Limpa, Riva<br />
foi preso em várias ocasiões acusado de improbidade administrativa.<br />
O ex-deputado responde a dezenas de ações por suposto desvio<br />
milionário de recursos públicos e cumpre medidas cautelares; ele nega<br />
a maior parte das acusações. Em meados de 2016 Riva passou a colaborar<br />
com a justiça apontando outros supostos envolvidos nos crimes<br />
aos quais responde.<br />
Janaína Riva, deputada estadual, é filha de Riva e sua sucessora<br />
política. Antes de chegar à Assembleia, Janaína não disputou nenhum<br />
outro cargo. Sua candidatura foi articulada e coordenada pelo pai.<br />
75
Eduardo Gomes de Andrade<br />
José Riva<br />
76
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O adeus de Jorge Abreu<br />
Um acidente aéreo em 19 de setembro de 1998 na cabeceira da<br />
pista em Jauru botou fim à carreira política de Jorge Antônio de Abreu<br />
(PMN), 44 <strong>anos</strong>, deputado estadual em campanha pela reeleição. O<br />
monomotor Corisco PT-NQG tentou decolar para Comodoro, perdeu<br />
sustentação, caiu e explodiu. Jorge Abreu, o piloto João Figueiredo e<br />
o político Ronald Borges morreram no local. Márcio Ronaldo de Deus<br />
da Silva, assessor do parlamentar, sobreviveu.<br />
Jorge Abreu era paranaense, engenheiro agrônomo e empresário;<br />
desde criança morava em Sinop, onde administrava negócios da família<br />
e por duas vezes foi vereador (1988 e 1992). A Câmara de Sinop deu<br />
seu nome ao plenário das deliberações. A viúva Sinéia Abreu foi vice-<br />
-prefeita de Sinop em 2000 e vereadora em 2004.<br />
77
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Primeiro senador de origem japonesa<br />
Jorge Yanai, do <strong>Nortão</strong>, foi o primeiro senador brasileiro de<br />
origem japonesa.<br />
<strong>Nortão</strong>, 1979. Jorge Yoshiaki Yanai chega à recém-fundada e<br />
emancipada Sinop. Na bagagem, o diploma de médico outorgado<br />
pela Universidade Federal do Paraná. Na cabeça, pl<strong>anos</strong> para exer-<br />
78
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
cer a profissão e enveredar pela atividade pecuária. Política não povoava<br />
sua mente.<br />
Sinop era cidade insalubre, assolada pela malária e também<br />
destino regional de vítimas de cobras, escorpiões, abelhas e queda<br />
de galhada na região. Cirurgião e ginecologista, o doutor Jorge Yanai<br />
tornou-se uma das referências em sua área para a população do<br />
município.<br />
De referência a líder político, o médico subiu ao palanque.<br />
Para ele, candidatura era novidade, coisa que encontrou em Sinop e<br />
com a qual nunca havia pensado em sua terra natal, Bandeirantes,<br />
no Paraná.<br />
As urnas foram generosas com o doutor Jorge Yanai em sua<br />
primeira candidatura e ele se elegeu deputado em 1990. Cumpriu o<br />
mandato e se orgulha de seu posicionamento em plenário, sempre<br />
em defesa do <strong>Nortão</strong>. A política lhe roubou o título de doutor e lhe<br />
deu identidade parlamentar. Virou deputado Jorge Yanai. Em 2002,<br />
o senador e candidato à reeleição Jonas Pinheiro o convidou para<br />
segundo suplente de sua chapa, que foi vencedora. Jonas morreu e<br />
foi sucedido pelo primeiro suplente Gilberto Goellner.<br />
Numa composição política, Goellner se licenciou no Senado e<br />
Yanai, mais uma vez, perdeu um título para ganhar outro. Deixou<br />
de receber o tratamento de deputado e virou senador. Com sua curta<br />
passagem pelo plenário entre 6 de maio de 2010 e 9 de setembro<br />
daquele ano, foi rebatizado. Passou a ser o senador Jorge Yanai.<br />
Mais que chegar ao plenário, ele se tornou o primeiro senador de<br />
origem japonesa, condição essa que lhe deu notoriedade nacional.<br />
Em 2008, o senador Jorge Yanai (DEM) foi candidato a vice-prefeito<br />
do empresário paulista Paulo Fiúza (PV) em Sinop e sua chapa foi<br />
vencida pelo radialista paranaense Juarez Costa (PMDB). Na eleição<br />
de 2014, pelo PMDB, voltou à suplência no Senado, na condição de<br />
primeiro suplente de Wellington Fagundes (PR).<br />
79
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Das pistas para a Câmara de Sinop<br />
Franzino e baixinho, trabalhando em Sinop na oficina de motos<br />
do Besouro, aquele mecânico de mão cheia e piloto de cair o queixo<br />
não poderia mesmo ser reconhecido pelo nome civil de Gilmar Pereira<br />
Flores. A irreverência popular lhe deu o apelido de Joaninha.<br />
Moto não existe somente para conserto, assim pensava o mecânico<br />
Joaninha. Também não sai da fábrica apenas para o trabalho<br />
e lazer, reforçava o pensamento. Além disso, ela é talhada para<br />
competição, para prova em que a adrenalina e a coragem se unem<br />
numa cumplicidade sem igual, acreditava – e continua com esse entendimento.<br />
Com esse entendimento, em 2003, Joaninha trocou as ferramentas<br />
e o macacão sujo de graxa pelas provas de motocross. Sinop<br />
perdeu um mecânico de motos. O motocross mundial ganhou um ás.<br />
80
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
A genialidade de Joaninha queria espaço, romper barreiras, superar<br />
desafios, literalmente voar decolando sobre duas rodas. Sinop era apenas<br />
o ponto de partida e Mato Grosso, a primeira etapa do horizonte. Ganhou<br />
o Brasil, arrebanhou provas, conquistou o reconhecimento nacional, extrapolou<br />
as fronteiras, saiu pelo mundo e agora é nome internacional. Tornou-se<br />
incorrigível ganhador de títulos sobre duas rodas.<br />
Gilmar Flores nasceu em Iguatemi, em Mato Grosso do Sul, no<br />
dia 14 de setembro de 1980. Dezessete <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> desembarcava em<br />
Sinop. O piloto Joaninha tem o privilégio de ser um dos ídolos da população<br />
sinopense.<br />
Nas provas oficiais e nas apresentações em festividades é embaixador<br />
mato-grossense itinerante. Jovem, no início de uma carreira<br />
arrojada e promissora, o campeão de motocross Joaninha enveredou<br />
pela política. Em outubro de 2016, com 1.625 votos, elegeu-se vereador<br />
pelo PMDB de Sinop.<br />
81
Eduardo Gomes de Andrade<br />
82
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Raoni, de ideia clara e idade indefinida<br />
Se ele sabe, esconde. O certo é que o cacique caiapó Raoni Metuktire,<br />
da Terra Indígena Capoto-Jarina, não revela a idade nem mesmo<br />
para seu amigo e cantor inglês Sting, que o tornou celebridade internacional<br />
em 1989 ao levá-lo a uma turnê por 17 países, entre abril e<br />
junho daquele ano, numa campanha contra suposta invasão de suas<br />
terras e para tentar impedir a hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira<br />
(PA), o que acabou acontecendo décadas <strong>depois</strong>. Sting é o nome artístico<br />
de Gordon Matthew Thomas Sumner, súdito de Sua Majestade.<br />
Janeiros à parte, Raoni é a maior liderança indígena brasileira.<br />
Data de nascimento para ele é secundária, mas registros internacionais<br />
dão conta de seu nascimento em 1930, em Mato Grosso.<br />
Decidido e de poucas palavras, em 1984, Raoni pintou-se com o<br />
urucum dos guerreiros para negociar a demarcação de Capoto-Jarina<br />
com o então poderoso ministro do Interior, coronel do Exército Mário<br />
Andreazza. Essa reserva tem 634.915,22 ha, com a maior área em Peixoto<br />
de Azevedo, ao lado do Parque Indígena do Xingu, e se estende ao<br />
Vale do Araguaia em Santa Cruz do Xingu e São José do Xingu.<br />
Raoni saiu vitorioso e ainda deu um literal puxão de orelhas em<br />
Andreazza, gesto que repetiria em 1999, com o mato-grossense presidente<br />
da Funai, Márcio Lacerda.<br />
Cidadão do mundo, Raoni está acima do endereço domiciliar.<br />
Tanto pode se encontrar em sua aldeia no município de Peixoto de<br />
Azevedo, no <strong>Nortão</strong>, como em qualquer outro lugar, independentemente<br />
de seu continente.<br />
Radical, mas sem radicalizar, Raoni costuma se juntar a políticos,<br />
e cumpre bem seu papel. Quando a Fifa escolhia as 12 sedes para<br />
a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, ele veio a Cuiabá e defendeu a<br />
capital mato-grossense junto ao cartola Ricardo Teixeira, da CBF, e o<br />
mandachuva Jérôme Valcke, que dava as cartas no futebol mundial.<br />
83
Eduardo Gomes de Andrade<br />
De Sinop para o topo do futebol<br />
Sinop tem 32 mil habitantes. O ano é 1990. Até então, conquista do<br />
campeonato estadual é feito exclusivo dos times da região metropolitana<br />
de Cuiabá. Cáceres, 15 de abril daquele ano. O Sinop Futebol Clube enfrenta<br />
o time da casa e que leva o nome da cidade. O apito final se aproxima<br />
com o placar mostrando 1 a 0 para os visitantes. Um pênalti assusta os<br />
sinopenses. João Carlos é encarregado da cobrança. No gol um adolescente,<br />
terceiro goleiro da equipe e escalado por força das circunstâncias. O<br />
jogador chuta forte e o goleiro defende. Aquele lance abre as portas do<br />
mundo do futebol para Rogério Ceni – que conseguiu a proeza de defender<br />
a penalidade.<br />
Rogério Mücke Ceni foi um garoto que a exemplo de tantos outros<br />
veio para Mato Grosso acompanhando os pais. Paranaense de Pato<br />
Branco, chegou a Sinop quando a cidade ainda era pequena. Na ado-<br />
84
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
lescência tentou dividir o tempo entre a escola pública e o emprego na<br />
agência pioneira do Banco do Brasil, mas nem uma coisa nem outra era<br />
o que queria.<br />
Lateral, Rogério Ceni trocou de posição e se tornou o terceiro goleiro<br />
do Sinop. Seu batismo de fogo aconteceu em Cáceres, quando o<br />
titular e o seu reserva imediato estavam contundidos. Escalado de última<br />
hora, brilhou. Seu time foi campeão estadual e o São Paulo Futebol<br />
Clube o contratou.<br />
No clube do Morumbi, Rogério Ceni começou na reserva e somente<br />
em 1997 ganhou a camisa 1, que vestiu até 2015, quando se aposentou<br />
após defender o Tricolor por 25 <strong>anos</strong>. Acumulou recordes. Com 132 gols,<br />
é o maior goleiro-artilheiro mundial. Atuou em 1.237 partidas, sendo<br />
que em 982 foi capitão. Em 17 jogos integrou a Seleção Brasileira.<br />
Títulos? Muitos. Campeão Mato-grossense, Paulista, Brasileiro, da<br />
Libertadores e Mundial. Tantos outros também conquistou. Para a torcida,<br />
Rogério Ceni virou Mito e assim passou a ser chamado.<br />
Em 5 de junho de 2015 Rogério Ceni dependurou as chuteiras, mas<br />
não se acomodou. Em 24 de novembro de 2016 o São Paulo anunciou que<br />
ele seria seu treinador a partir de 2017. Saiu de dentro das quatro linhas<br />
para tentar a carreira na profissão mais instável do futebol.<br />
Sua ligação com o <strong>Nortão</strong> permanece sólida. Sua família mora<br />
em Sinop. Seu pai, Eurides Ceni, e seus irmãos cultivam soja e lavouras<br />
de rotação em uma fazenda no município de Santa Carmem,<br />
vizinho a Sinop.<br />
Quando da pavimentação da MT-140 entre Sinop e o rio Tartaruga<br />
via Santa Carmem, Rogério Ceni integrou o consórcio que formalizou a<br />
PPP Caipira dos produtores com o governo para viabilizar a obra.<br />
Santo de casa, Rogério Ceni é exceção à regra: é ídolo do povo que<br />
se orgulha em tê-lo concidadão. Sinop o reverencia a tal ponto que no Estádio<br />
Gigante do Norte – onde iniciou sua vitoriosa carreira – a prefeitura<br />
construiu o Memorial Rogério Ceni, que é museu temático.<br />
85
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Padre João Salarini<br />
Padre não se aposenta<br />
Passos firmes, voz rouca e pausada de quem sabe o que diz. Olhar<br />
sereno e com irreverentes frases na ponta da língua. Assim é o padre jesuíta<br />
João Salarini, um dos pioneiros de Sinop, a cidade que ele conheceu antes<br />
mesmo da construção da primeira casa. Ênio Pipino convidou o padre<br />
João Salarini para uma aventura na Amazônia. Ele topou o desafio. Botou<br />
a surrada batina e a estola na mala juntamente com a Bíblia e as taças para<br />
a celebração. Pegou a Estrada do Rio Novo. Em 23 de maio de 1974 chegou<br />
à clareira onde mais tarde seria Vera e no mesmo dia já estava na futura Sinop,<br />
que seria fundada em 14 de setembro daquele ano. Um rasgo na mata<br />
ligava a embrionária Vera ao nada que se transformaria na sedutora Sinop.<br />
Ênio Pipino arranjou um barraco de madeira para o sacerdote se alojar<br />
como pudesse na boca na mata. “Se sou conhecido? Claro que sou. Até<br />
os cachorros me conhecem. Lá vai o padre João Salarini, dizem as pessoas<br />
quando passo”, revela sua popularidade. Aposentadoria é palavra que não<br />
conhece. Para ele, padre só se aposenta quando morre.<br />
86
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Igreja construída pelo padre João Salarini<br />
O trecho anterior é parte do ‘abre’ da entrevista que padre João<br />
Salarini me concedeu e que foi publicada no Diário Regional de Sinop em<br />
22 de janeiro de 2006.<br />
Padre João Salarini jamais aceitou a aposentadoria convencional,<br />
mas foi tirado de sua obra evangelizadora e social na noite do domingo 3<br />
de setembro de 2007, por um ataque cardíaco quando se submetia a tratamento<br />
numa unidade de terapia intensiva do Hospital Santo Antônio,<br />
em sua Sinop. Fechou os olhos aos 78 <strong>anos</strong>, dos quais <strong>46</strong> dedicados ao<br />
sacerdócio.<br />
Do legado de padre João Salarini ao povo da metrópole que ajudou<br />
a construir consta a Catedral Diocesana Sagrado Coração de Jesus, cuja<br />
idealização e construção levam suas digitais. Essa igreja é o mais imponente<br />
templo católico de Mato Grosso. Sua morte ocorreu seis dias antes<br />
da inauguração.<br />
Em homenagem ao construtor da catedral, a Câmara Municipal<br />
de Sinop aprovou por unanimidade projeto de lei da vereadora Sinéia<br />
Abreu (PSDB) que foi transformado em lei sancionada pelo prefeito tucano<br />
Nilson Leitão denominando de Praça Padre João Salarini a área no<br />
entorno do templo.<br />
87
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Jayme Campos<br />
88
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
IX<br />
<strong>Nortão</strong> na visão de quem o administrou<br />
O vazio demográfico no <strong>Nortão</strong> encheu-se de moradores em<br />
busca de dias melhores. A colonização foi rápida e o Estado não conseguia<br />
atender todas as demandas com a urgência das mesmas. Mato<br />
Grosso acabava de ser dividido para a criação de Mato Grosso do<br />
Sul e tentava se reencontrar administrativamente. Para complicar, a<br />
descoberta do ouro na região arrastou um fluxo migratório muito<br />
grande num período bem curto, para seus novos municípios e vilas.<br />
As demandas por serviço público eram muitas, mas saúde, rodovias<br />
pavimentadas e energia formavam a base das reivindicações<br />
dos moradores e das lideranças políticas na região. A Educação também<br />
sempre esteve na pauta dos pedidos, mas a clientela estudantil<br />
nunca deixou de ser atendida.<br />
A grande transformação do <strong>Nortão</strong> aconteceu no começo dos<br />
<strong>anos</strong> 1990, com o garimpo fervilhando e o agronegócio brotando<br />
para assumir o alicerce econômico estadual. À época havia um enorme<br />
distanciamento das cidades da região com Cuiabá e vice-versa.<br />
Ouvi Jayme Campos, que à época governava Mato Grosso, para entender<br />
como era a relação do poder com a nova realidade econômica,<br />
política e social que atendia pelo nome de <strong>Nortão</strong>. Jayme, além de<br />
governador (1991-94), também foi prefeito de Várzea Grande em três<br />
mandatos e senador da República (2007-14).<br />
Em nossa conversa Jayme disse que a cada dia mais e mais se<br />
surpreendia com a cordialidade do <strong>Nortão</strong> com Cuiabá e com o espírito<br />
participativo de sua gente. “Às vezes o nosso pessoal abria uma estrada<br />
e os moradores no trajeto se ofereciam para dar alimentação aos<br />
tratoristas, patroleiros e caminhoneiros. Era uma relação muito bonita,<br />
com todos em busca do mesmo objetivo”, revela.<br />
89
Eduardo Gomes de Andrade<br />
O ex-governador destacou que a carência começava pela falta<br />
de energia. Até então – lembra – as cidades eram atendidas por conjuntos<br />
geradores estacionários a diesel, de alto custo operacional,<br />
altamente poluentes e que não forneciam energia firme. Esses motores<br />
pertenciam à Cemat, empresa pública que após seu governo<br />
foi privatizada.<br />
Para superar o problema da energia seu governo construiu<br />
um linhão de transmissão de Nobres a Alta Floresta atendendo as<br />
cidades do percurso. Jayme inaugurou o trecho até Sinop deixando<br />
o restante do trajeto a um passo da inauguração, com a obra quitada.<br />
“Com essa energia o <strong>Nortão</strong> ganhou grande impulso”, avalia.<br />
Por várias razões a cidade mais emblemática do <strong>Nortão</strong> era<br />
Alta Floresta, que tinha a maior população, seu garimpo movimentava<br />
números impressionantes e, por sua localização, na região, tinha<br />
a maior distância de Cuiabá. Porém, ela enfrentava dois gargalos:<br />
falta de acesso pavimentado e de energia. Jayme diz com uma<br />
pitada de orgulho, no melhor sentido da palavra, que resolveu ambos<br />
os problemas: com o linhão e a conclusão da ligação asfáltica de<br />
Alta Floresta com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, pois seu governo pavimentou a MT-320<br />
entre Colíder e aquela localidade, também beneficiando diretamente<br />
a Nova Canaã do Norte e Carlinda, no trajeto.<br />
A chegada do asfalto a Alta Floresta teve reflexos muito<br />
positivos em seu raio de influência. Tanto assim que as vilas de<br />
Nova Guarita, Nova Monte Verde, Carlinda e Nova Bandeirantes<br />
se emanciparam transformando-se em cidades. Jayme observa que<br />
à época em outras áreas na região também havia movimentos em<br />
defesa da criação de municípios e ele mesmo sancionou leis criando<br />
os municípios de Santa Carmem, ao lado de Sinop, e Tabaporã,<br />
próximo a Juara.<br />
Na primeira metade dos <strong>anos</strong> 1990 a região era insalubre e<br />
90
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
havia grande carência de leitos hospitalares. No governo, Jayme<br />
construiu hospitais em Apiacás, Peixoto de Azevedo, Colíder e Sorriso,<br />
que eram pontos estratégicos para reduzir a distância entre o<br />
paciente e o médico.<br />
Com a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> aconteceu o surgimento das cidades<br />
da noite para o dia e desde então o governo priorizou a Educação e<br />
seu primeiro passo nesse sentido foi a implantação da Escola Estadual<br />
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Vera, pelo governador<br />
José Fragelli, em 23 de abril de 1974. Essa política sempre foi mantida<br />
pelos governadores, mas o maior avanço no setor foi a criação<br />
da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), que instalou<br />
campus em Sinop e Alta Floresta, além de extensão de vários outros<br />
municípios de região.<br />
“Não saberia dizer qual foi o ponto marcante do meu governo,<br />
que entre outros feitos construiu 18 mil moradias por meio da Cohab,<br />
com boa parte delas no <strong>Nortão</strong>, mas certamente entre as grandes<br />
conquistas de Mato Grosso naquele período está a criação da<br />
Unemat, que é orgulho de nossa gente e que tem em seus cursos<br />
mais de 18 mil alunos”, arremata.<br />
RECEITA – No começo dos <strong>anos</strong> 1990 a produção agrícola mato-<br />
-grossense era irrisória se comparada à movimentação do agronegócio<br />
de agora. O governo não tinha a receita extraorçamentária do<br />
Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), não recebia o<br />
Auxílio Financeiro para Fomento às Exportações (FEX) para compensação<br />
pela desoneração das commodities pela Lei Kandir, e a<br />
alíquota de suas principais fontes de receita era menor, a exemplo<br />
da energia elétrica, que saltou de 6% para 42%, e com um detalhe: a<br />
tributação à época somente incidia sobre as faturas da Cemat com<br />
consumo igual ou acima de 300 kWh.<br />
91
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Rio Arinos<br />
X<br />
A cidade pioneira do <strong>Nortão</strong><br />
Porto dos Gaúchos nasceu em 23 de março de 1955 com o desembarque<br />
num porto no rio Arinos de uma comitiva gaúcha liderada<br />
pelo empresário Guilherme Meyer, fundador do lugar, numa<br />
gleba à época pertencente a Diamantino. Em parceria com alemães,<br />
Meyer plantou o seringal de cultivo pioneiro em Mato Grosso. Seu<br />
projeto de colonização foi o primeiro a ser homologado nacionalmente<br />
pelo Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), que antecedeu<br />
ao Incra. À época a construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> não passava de<br />
uma proposta engavetada de um dos sonhos do presidente Juscelino<br />
Kubitschek.<br />
92
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Porto dos Gaúchos<br />
A cidade banhada pelo rio Arinos é parcialmente pavimentada,<br />
a água chega a todos os domicílios, mas não há coleta nem tratamento<br />
de esgoto. Comarca de primeira entrância, Porto dos Gaúchos tem<br />
5.308 habitantes e 6.862,118 km². O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) é de 0,685 numa escala de zero a um. O Produto Interno<br />
Bruto (PIB) é de R$ 231.179.000. A renda per capita é de R$ 43.122,42.<br />
Em 2016 sua economia exportou US$ 7.730.755 (FOB) em algodão para<br />
a Coreia do Sul, Turquia, Bangladesh e outros cinco países, e não realizou<br />
operação de importação. O município tem as vilas de São João<br />
e Novo Paraná. A ligação com Cuiabá via Juara – em trajeto mais longo<br />
– é pavimentada. Via Sinop ou Lucas do Rio Verde há trechos sem<br />
pavimentação.<br />
TREME TERRA - Situada a 259 metros acima do nível do mar e sobre<br />
uma falha geológica com aproximadamente 7 quilômetros de extensão,<br />
93
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Guilherme Meyer<br />
Porto dos Gaúchos aprendeu a conviver com abalos sísmicos. Essa situação<br />
levou a Universidade de Brasília (UnB) a atuar na região, monitorando<br />
a situação local e da vizinha Tabaporã.<br />
Um observatório sísmico foi montado numa fazenda entre Porto<br />
dos Gaúchos e Tabaporã, onde existem equipamentos da UnB. O maior<br />
tremor de terra no Brasil aconteceu naquela região, às 2h03 de 31 de<br />
janeiro de 1955 alcançando 6,6 pontos na Escala Richter, considerado<br />
forte; essa escala vai até 10. Tremores com menor intensidade ocorreram<br />
por lá. Em 23 de março de 2005 um forte abalo chegou a 5,2 pontos;<br />
à época difundiu-se a falsa informação de que teria acontecido um teste<br />
nuclear no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, da Aeronáutica, na<br />
Serra do Cachimbo, no Pará, perto de Guarantã do Norte.<br />
MEMÓRIA - A colonização de Porto dos Gaúchos ficou a cargo da<br />
Colonizadora Noroeste de Mato-grossense (Conomali), de Meyer e sócios.<br />
Essa empresa construiu a Estrada da Baiana (MT-338), numa extensão<br />
de 145 quilômetros ligando a então vila à Estrada do Rio Novo.<br />
94
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Porto dos Gaúchos<br />
Antes dessa via o acesso ao lugar era feito por avião ou pela Hidrovia<br />
do Arinos, no período das águas altas.<br />
O município emancipou-se de Diamantino em 11 de novembro<br />
de 1963 por uma lei de autoria dos deputados Walderson Coelho e<br />
Agapito Boeira, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada<br />
pelo governador Fernando Corrêa da Costa.<br />
Meyer foi o primeiro prefeito do município e morreu em Porto<br />
Alegre (RS) no dia 8 de fevereiro de 1994. Em 18 de março de 1997 o<br />
governador Dante de Oliveira sancionou uma lei de autoria do deputado<br />
José Riva denominando de Rodovia Guilherme Meyer o trecho da<br />
MT-220 entre a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e Porto dos Gaúchos. A reverência à memória<br />
do fundador não foi respeitada. Em 17 de março de 2016 o governador<br />
Pedro Taques sancionou nova lei, essa de autoria dos deputados Dilmar<br />
Dal’Bosco e Baiano Filho rebatizando o mesmo trecho de Rodovia<br />
Ivete Maria Crotti Dorner. Ivete morreu em 6 de maio de 2015 num<br />
acidente naquela estrada; a camionete que ela dirigia capotou. A homenageada<br />
era mulher do ex-deputado federal Roberto Dorner, que é<br />
companheiro político de Taques.<br />
95
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Vera<br />
XI<br />
Primeira cidade na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
tem nome de Miss Brasil<br />
Em fevereiro de 1971 Ênio Pipino construiu uma pista de pouso<br />
onde mais tarde surgiria a vila de Vera, para desembarcar compradores<br />
de áreas rurais da Gleba Celeste, de 198 mil hectares, por ele colocada<br />
à venda em vários pontos do Brasil. Interessados nas terras não<br />
raramente adquiriam imóveis rurais por sua localização em mapas.<br />
Em 27 de julho de 1972 Ênio Pipino inaugurou Vera – primeira<br />
vila construída no <strong>Nortão</strong> após a abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A solenidade levou<br />
ao local o ministro do Interior, Rangel Reis, e o governador José<br />
Fragelli. Aquela localidade seria o polo irradiador para a empresa da<br />
qual era sócio e líder – a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná<br />
(Sinop) – colonizar as vilas de Sinop, Cláudia e Santa Carmem, cujos<br />
projetos ainda hibernavam em sua mente.<br />
96
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O acesso à vila, antes e durante parte da construção da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>,<br />
era pela estrada secundária do Rio Novo, que começa na <strong>BR</strong>-364, cinco<br />
quilômetros antes de Posto Gil, no trevo das rodovias federais <strong>163</strong> e<br />
364, no sentido Cuiabá-<strong>Nortão</strong>. Dali por percurso sinuoso, à época com<br />
balsa para travessia do rio Teles Pires, se cruzava a fazenda Rio Novo<br />
que era centro de extração e beneficiamento de látex de seringais nativos,<br />
e as áreas onde mais tarde surgiriam as cidades de Santa Rita do<br />
Trivelato e Nova Ubiratã.<br />
Sua economia é diversificada, embora seja ancorada na agricultura.<br />
O município tem 2.962,688 km² e 10.820 moradores, com densidade<br />
demográfica de 3,45 habitantes por quilômetro quadrado. O Produto<br />
Interno Bruto (PIB) é de R$ 360.536.000. A renda per capita é de<br />
R$ 33.853,15. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,680<br />
numa escala de zero a um.<br />
Nos primórdios da colonização, a economia de Vera era calcada<br />
na extração e beneficiamento de madeira. Essa situação se arrastou<br />
por quase quatro décadas, mas aos poucos foi perdendo espaço<br />
para a agricultura, que atualmente é o pilar econômico do município.<br />
Em 2016 seu volume exportado alcançou R$ 1.665.028 (FOB). Milho e<br />
soja, os produtos de sua pauta, foram para o Kuweit, China, Malásia<br />
e outros cinco países. Não houve importação no período.<br />
O município de Vera é interligado à malha rodoviária nacional<br />
pela MT-225, que é alimentadora da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. O trecho que liga a cidade<br />
à rodovia é de 31 quilômetros.<br />
A água chega a todos os domicílios e o esgoto ensaia os primeiros<br />
passos para seu tratamento. O lixo é recolhido a um lixão. Parte da<br />
cidade é pavimentada. Algumas ruas receberam nomes de países, a<br />
exemplo de Paraguai e Estados Unidos.<br />
A primeira unidade escolar no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no <strong>Nortão</strong> foi a<br />
Escola Estadual Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Vera, que foi<br />
criada pelo governador José Fragelli em 23 de abril de 1974 e que em<br />
média mantém 1.100 alunos matriculados.<br />
97
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Até 2007 a Escola Nossa Senhora do Perpétuo Socorro funcionou<br />
em instalações improvisadas, mas naquele ano o governador<br />
Blairo Maggi inaugurou um prédio com 24 salas de aula e dependências<br />
administrativas virando de vez a página do improviso.<br />
Também naquela cidade foi erguido o primeiro templo construído<br />
no <strong>Nortão</strong> após a construção da rodovia: uma igrejinha de madeira<br />
dedicada a São Judas Tadeu, que mais tarde recebeu o nome de Capela<br />
Padre Antônio Heidler.<br />
A vila de Vera emancipou-se em 13 de maio de 1986 com a sanção<br />
pelo governador Júlio Campos de uma lei de autoria das bancadas<br />
do PDS e do PMDB, aprovada pela Assembleia Legislativa. Sua sede se<br />
situava no município de Sinop, mas seu território também inclui área<br />
que pertencia a Paranatinga.<br />
98
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
É ELA! - A origem do nome da vila? Bem, Ênio Pipino não brincava em<br />
serviço quando o assunto era mulher bonita. Daí, ele a denominou Vera.<br />
Só faltou acrescentar Fischer. O mesmo ele faria algum tempo <strong>depois</strong><br />
com outra vila, à qual chamou de Cláudia e qualquer alusão à musa morena<br />
ítalo-tunisiana Claudia Cardinale não é mera coincidência.<br />
Blumenau, Vale do Itajaí, Santa Catarina, 27 de novembro de<br />
1951. Nasce e menina Vera Lúcia, filha do casal de origem alemã<br />
Emil e Hildegard. Dos pais ela herdou o sobrenome: Fischer.<br />
Em 28 de junho de 1969 a menina filha dos Fischer desfila<br />
suas curvas num maiô cavado para o júri que a elegeria Miss Brasil<br />
naquele ano, e além do cetro da beleza tupiniquim que lhe entregou<br />
a antecessora baiana Martha Vasconcellos, recebeu olhares gulosos<br />
de Ênio Pipino, telespectador da TV Tupi, que não desgrudava a<br />
vista da tela em preto e branco onde via a deusa loira tentadora<br />
sendo coroada.<br />
Mal desceu da passarela, Vera Fischer literalmente tirou a roupa<br />
em filmes apimentados e nas páginas de revistas masculinas. Casando<br />
sua beleza com a capacidade de interpretar, ganhou as telas<br />
da Globo onde virou atriz de novelas, séries e minisséries. Numa<br />
carreira ascendente, conquistou espaço entre as maiores celebridades<br />
nacionais. Recentemente, lançou um livro biográfico.<br />
Irmã Adelis<br />
Os motores dos tratores ainda fumegavam após a abertura da<br />
clareira para fundar Vera, no <strong>Nortão</strong>, quando Irmã Adelis ali chegou<br />
em 1972 pelas mãos do colonizador da região, Ênio Pipino.<br />
Ali, Irmã Adelis iniciou a ímpar trajetória humanitária no <strong>Nortão</strong><br />
cuidando de doentes, onde a malária e as balas das armas de<br />
fogo matavam implacavelmente a ponto de surgir a máxima popular:<br />
“Aqui se morre de bala ou malária, ou ainda de balária”.<br />
99
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Adelheid Helena Schwaenen era o nome civil dessa religiosa<br />
alemã da Ordem Missionária do Santo Nome de Maria. Em 1985,<br />
mudou-se para Matupá, também no <strong>Nortão</strong>, onde fundou o Hospital<br />
da Malária.<br />
Irmã Adelis foi bálsamo, consolo e enfermeira de milhares de<br />
garimpeiros e dos moradores do <strong>Nortão</strong> vítimas da malária, a doença<br />
tropical transmitida pela fêmea do mosquito anofelino.<br />
Enferma e muito debilitada, Irmã Adelis foi para Maringá, no<br />
Paraná. Fechou os olhos em 24 de fevereiro de 1998.<br />
Na terra, Irmã Adelis foi anjo de luz. Ao fechar os olhos virou<br />
estrela. Brilha no céu.<br />
Trocou a cidade pelo céu<br />
Ingratidão mata. Padre Antônio Heidler<br />
morreu vítima desse mal. Por longo tempo esteve<br />
à frente da Paróquia São Judas Tadeu, em<br />
Vera, onde era homem dos sete ofícios.<br />
Sacerdote por opção e crença, padre Antônio<br />
casava, batizava, evangelizava, estendia<br />
a mão aos recém-chegados. Poeta. Compositor<br />
e autor do hino local. Jogador de baralho.<br />
Amante da cerveja. “Delegado” e “juiz de<br />
paz”. Defensor do povo. A cidade o reverenciava<br />
enquanto homem dos sete ofícios.<br />
Pela falta de razão que somente a Santa<br />
Madre entende, a Diocese de Diamantino<br />
transferiu padre Antônio para Itaúba. Não<br />
foi. Adoeceu. Morreu em 20 de fevereiro de<br />
1987, em Cuiabá. Cumpriu sua missão na<br />
Terra e seu pacto com Deus: somente trocaria<br />
Vera pelo céu.<br />
100
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nova Mutum<br />
XII<br />
O lugar onde começa o <strong>Nortão</strong><br />
Nova Mutum só se divide para dar passagem à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. No mais,<br />
sua única operação matemática é a multiplicação. Em 10 <strong>anos</strong> (2006-2016)<br />
a população do município saltou de 19.178 para 41.178 habitantes, resultando<br />
num crescimento proporcional de 53,43%. No mesmo período,<br />
Mato Grosso pulou de 2.856.999 para 3.305.531 moradores, crescendo<br />
13,57%. No comparativo do desempenho, Nova Mutum registrou quase<br />
quatro vezes mais aumento populacional do que o Estado.<br />
Como quase tudo no <strong>Nortão</strong>, Nova Mutum teve sua origem com a<br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, que cruza sua área urbana. Antes da rodovia, em 1966, o advogado<br />
paulista José Aparecido Ribeiro liderou um grupo de investidores que<br />
comprou uma gleba pertencente a Jorge Rachid Jaudy, com aproximadamente<br />
188 mil hectares no município de Diamantino e criou a Agropecuária<br />
Mutum.<br />
101
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Em 26 de maio de 1978, quando a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> era uma estrada recém-<br />
-inaugurada, José Aparecido fundou Nova Mutum. O vilarejo não tinha<br />
nenhuma estrutura. Seus primeiros imóveis foram 10 casas de madeira<br />
que ainda resistem ao tempo na área central.<br />
Para quem se dirigia de Cuiabá para Santarém ou em busca do sonho<br />
de vida nova no <strong>Nortão</strong>, Nova Mutum era a primeira vila <strong>depois</strong><br />
de Rosário Oeste. Muitos passavam. Alguns ficavam e o aspecto urbano<br />
mudou. Em 26 de novembro de 1981 o governador Frederico Campos<br />
sancionou a lei de autoria do deputado Oscar Ribeiro e aprovada pela<br />
Assembleia elevando a vila a distrito de Diamantino.<br />
Em 4 de julho de 1988, quando os Estados Unidos comemoravam<br />
212 <strong>anos</strong> de sua independência, fogos cobriam o céu azul em Nova Mutum<br />
festejando o jamegão do governador Carlos Bezerra na lei de autoria<br />
do deputado Hermes de Abreu e aprovada pela Assembleia que emancipou<br />
aquela localidade.<br />
A comarca de primeira entrância nasceu em 3 de setembro de 2003<br />
por uma lei de autoria do Tribunal de Justiça aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Blairo Maggi. A comarca foi<br />
elevada a segunda entrância.<br />
Uma conjugação de fatores que inclui topografia, luminosidade,<br />
regularidade das chuvas e trabalho, muito trabalho, fez de Nova Mutum<br />
um dos maiores municípios agrícolas do mundo. Em 2016 sua área cultivada<br />
com soja era de 410 mil hectares em sistema de rotação de cultura<br />
com o algodão e o milho safrinha em plantio direto.<br />
Enquanto no campo os produtores alcançam números absolutos e<br />
de produtividade, no Distrito Industrial da cidade o setor agroindustrial<br />
dá show de produção. Uma planta da Bunge Alimentos esmaga 1,3 mi-<br />
102
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
lhão de toneladas da leguminosa anualmente para produzir óleo degomado<br />
e farejo para os mercados nacional e internacional. Desde 2005 a<br />
<strong>BR</strong>F – Brasil Foods – Perdigão hasteou sua bandeira naquela localidade,<br />
onde desenvolve atividade avícola.<br />
Na margem urbana da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> o Frigorífico Excelência funciona,<br />
em turnos integrados, com capacidade para abater 350 cabeças de suínos<br />
por hora. A fábrica de sucos de uva Melina, de renome nacional,<br />
envasa cerca de 600 mil litros por safra. O Grupo Vanguarda do Brasil,<br />
controlado pelo empresário gaúcho Otaviano Pivetta, atua em vários<br />
estados; sua sede é naquela cidade.<br />
Essa movimentação econômica resulta em números e indicadores<br />
sociais convincentes. O município tem densidade demográfica de 3,31<br />
habitantes por quilômetro quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é<br />
de R$ 2.502.258.000. A renda per capita é de R$ 65.493,85. O Índice de<br />
Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,758 numa escala de zero a um.<br />
Em 2016 sua exportação alcançou US$ 655.220.001 (FOB), a importação<br />
registrou US$ 31.592.886 e o superávit foi de US$ 623.627.215. O município<br />
é uma das principais praças brasileiras no comércio de máquinas<br />
e implementos agrícolas.<br />
A balança comercial cobre os quatro cantos do mundo. Soja, farelo<br />
de soja, óleo degomado de soja, algodão, carne suína e milho são vendidos<br />
para a China, Holanda, Tailândia, Irã, Japão, Indonésia e mais de<br />
outros 24 países. Sua economia importa insumos agrícolas e máquinas<br />
da Alemanha, Arábia Saudita, Rússia, Venezuela, China, Omã e outras<br />
nove nações.<br />
A cidade tem um campus da Universidade do Estado de Mato<br />
Grosso (Unemat) com os cursos de Administração de Empresas, Ciências<br />
Contábeis e Agronomia. A pista do Aeroporto Brigadeiro Eduardo<br />
Gomes tem 1.600 metros por 30, mas não conta com balizamento para<br />
voos noturnos. O padrão residencial é alto, os primeiros prédios já brotaram<br />
no antigo solo do cerrado e surgiu um condomínio fechado, mas<br />
o problema comum a quase todos os municípios de região não poupa<br />
Nova Mutum: falta rede de esgoto. A água chega a todas as torneiras.<br />
Rumo ao vizinho município de Santa Rita do Trivelato se situa a vila de<br />
Ranchão, que tem infraestrutura urbana.<br />
103
Eduardo Gomes de Andrade<br />
PADRE JOÃO - Padre João foi o precursor do cooperativismo mato-<br />
-grossense, pois fundou o presidiu a Ocemat, o Sicredi e a Comajul.<br />
Isso tudo, entre uma celebração religiosa e outra, e uma assistência<br />
social aqui e outra ali, ao longo dos 42 <strong>anos</strong> que viveu em Mato Grosso.<br />
Nascido na cidade de Bodenrode, na Alemanha, em 7 de julho<br />
de 1934, Johannes Berthold Henning ordenou-se sacerdote em<br />
Fulda, naquele país, em 24 de abril de 1962, e chegou ao Brasil em<br />
dezembro de 1967.<br />
A pronúncia “Johannes” não soa bem e ele a aportuguesou<br />
para João, padre João, nome com o qual se tornou conhecido nos<br />
quatro cantos de Mato Grosso.<br />
Seus primeiros passos em Mato Grosso foram em Pedra Preta,<br />
104
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
na região de Rondonópolis, “por poucos dias; menos de um mês”,<br />
revela. Em seguida mudou-se para Juscimeira, onde celebrou a festa<br />
natalina de 1967.<br />
O perfil agrário de Juscimeira é de pequenas propriedades e<br />
essa característica levou padre João a criar a Comajul – cooperativa<br />
mista com sede naquele município. No início o cooperativismo fomentava<br />
o cultivo do arroz e para tanto montou um secador – que à<br />
época era raridade.<br />
Logo <strong>depois</strong> da criação da Comajul, Juscimeira estava em ebulição<br />
em razão da luta pela terra. Padre João entrou em cena: em 1982<br />
comprou uma área no município de Diamantino (hoje pertencente a<br />
Nova Mutum) e criou o Projeto Ranchão, que assentou trabalhadores<br />
rurais em parcelas de medidas diversas, cobrando preços irrisórios<br />
pelas mesmas. Para dar suporte a essa comunidade rural criou-se a<br />
vila de Ranchão.<br />
Em novembro de 2005 o governo de Mato Grosso homenageou<br />
o padre João dando seu nome a uma escola inaugurada naquele mês<br />
em Ranchão. A unidade escolar tem 12 salas de aula, laboratório de<br />
informática, biblioteca e dependências administrativas. Sua capacidade<br />
é para 700 alunos. Vítima de um infarto, padre João morreu em<br />
24 de agosto de 2010 em Juscimeira, onde seu corpo foi sepultado.<br />
FATALIDADE - O maior acidente rodoviário com vítimas indígenas<br />
em Mato Grosso aconteceu em 9 de abril de 2004 próximo a Nova Mutum.<br />
Uma van da empresa Executiva Tur que transportava um grupo<br />
de caiapós de Cuiabá para Colíder bateu de frente com um caminhão<br />
na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Morreram 10 índios, dentre eles Tedje Metuktire, 35, filho<br />
do cacique Raoni Metuktire, que vive no <strong>Nortão</strong>. O motorista Aparecido<br />
Jesus Saldotti, 43, que dirigia o caminhão, morreu no local.<br />
Os índios vítimas do acidente regressavam de Brasília, onde<br />
participaram de um evento. Viajaram de avião até Cuiabá e cumpriam<br />
de carro o segundo trecho da viagem até Colíder, de onde partiriam<br />
para suas aldeias no Xingu.<br />
105
Eduardo Gomes de Andrade<br />
COLONIZADORES – Nova Mutum reverencia o casal de colonizadores<br />
Hilda Strenger Ribeiro e José Aparecido Ribeiro. No centro da<br />
cidade, uma escultura em tamanho normal os mostra traçando o projeto<br />
urbano da cidade. Ela e ele emprestaram seus nomes a escolas locais.<br />
José Aparecido Ribeiro é a denominação do parque de exposições<br />
do município, que é palco de uma das principais feiras agropecuárias<br />
mato-grossenses.<br />
106
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Ana Tiemi<br />
Dona Tila fazia das tripas coração para manter a casa limpa, mas<br />
a poeira vermelha não dava trégua naquele vilarejo num canto perdido<br />
do município de Diamantino, à beira da quase deserta Cuiabá-Santarém,<br />
onde a malária era companhia constante, em meados dos <strong>anos</strong> 1980.<br />
O lugar onde dona Tila vivia não tinha nenhuma estrutura, mas<br />
seus moradores sonhavam com o amanhã coletivo melhor. Uns cultivavam,<br />
outros abriam estabelecimentos comerciais, alguns prestavam serviços.<br />
Cada um se virava como podia. Tempos <strong>depois</strong> a vila deu lugar<br />
a uma linda cidade, sede de um dos principais municípios agrícolas do<br />
Brasil, Nova Mutum.<br />
O sonho coletivo em Nova Mutum não tinha espaço para o esporte,<br />
principalmente para o vôlei, que exige quadra, treinamento diferenciado<br />
e até mesmo altura compatível para os atletas. No entanto, foi na área esportiva<br />
que a antiga vila conseguiu seu maior feito.<br />
De sua seleção feminina de vôlei, Nova Mutum mandou para o<br />
mundo a genialidade da levantadora Ana Tiemi, filha de dona Tila e<br />
orgulho da cidade.<br />
107
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Ana Tiemi Takagui é a cara de Nova Mutum. Nova, ousada,<br />
bonita, vencedora, respeitada e admirada. Sua mãe, Cleneci Onghero<br />
Takagui ou simplesmente dona Tila, é catarinense; o pai Toshio Takagui,<br />
é nissei paulistano. Em épocas diferentes trocaram seus estados de<br />
origem por Nobres, cidade no ponto equidistante de Cuiabá a Nova<br />
Mut um, e ali se casaram.<br />
Em 1985, o casal Takagui deixou Nobres por Nova Mutum, onde<br />
nem a poeira nem a malária impediu que dona Tila e Toshio gerassem<br />
aquela que mais tarde seria a maior estrela do vôlei de Mato Grosso e uma<br />
das principais do Brasil. Quando a menina nasceu não havia hospital em<br />
Nova Mutum e a saída foi uma maternidade na cidade onde os pais se<br />
conheceram e se casaram.<br />
A poeira cedeu lugar ao asfalto. A cidade ganhou qualidade de<br />
vida e o casal Takagui criou seus filhos em paz. Ana Tiemi alcançou a<br />
idade escolar e foi matriculada na Escola Municipal Carlos Drummond de<br />
Andrade, onde conheceu e se apaixonou pelo vôlei.<br />
A mãe de Ana Tiemi continua em Nova Mutum com parte da família.<br />
Desde 2005 o pai, Toshio, é um rosto a mais na multidão dos dekasseguis<br />
que fizeram o caminho inverso de seus ancestrais, e igual a eles, foi<br />
em busca do sonho da realização profissional que tanto pode estar de um<br />
como do outro lado do mundo.<br />
Jogando pela Seleção de Vôlei de Nova Mutum, o talento de Ana<br />
Tiemi despertou o interesse do Colégio Afirmativo, em Cuiabá, que a levou<br />
para sua equipe. Daí, os passos seguintes foram em direção a uma<br />
certa camiseta amarela respeitada no mundo inteiro.<br />
Pela Seleção Brasileira Infanto-Juvenil, na Venezuela, faturou duas<br />
importantes conquistas: o Sul-Americano e o título de melhor levantadora.<br />
Sua trajetória a levou à Seleção Juvenil e à medalha de ouro no Mundial<br />
da Turquia. Incorrigível ganhadora de medalhas e títulos, Ana Tiemi<br />
botou na galeria de suas conquistas o Grand Prix, disputado no Japão, que<br />
deu ao Brasil seu octacampeonato nessa competição.<br />
Nova Mutum. Cuiabá. Mato Grosso. Minas Tênis. Osasco/Nestlé.<br />
Brasil Turquia, França, pelas quadras mundo afora. O planeta é pequeno<br />
para Ana Tiemi, a musa morena nipo-brasileira que é pedra angular na<br />
Seleção Brasileira de Vôlei.<br />
108
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
XIII<br />
Santa Rita do Trivelato, terra da arara Mancho<br />
Imponente. Absoluta. Linda. Livre, totalmente livre. Senhora<br />
dos ares e dengo na terra. Mancho (pronuncia-se mantcho) era uma<br />
arara singular. Exuberante no vermelho predominante em sua plumagem<br />
pontilhada pelo verde, azul e amarelo. Não se deixava urbanizar<br />
embora vivesse numa vila agitada pelo vaivém dos carros e tratores<br />
agrícolas. De vez em quando batia asas, sumia do seu dono em longas<br />
e demoradas revoadas em bandos. Assim como ia, voltava.<br />
Chuva, muita chuva. Estrada com atoleiros. Chego a Santa Rita<br />
no final do ano de 1996. O compromisso é a cobertura de um mutirão<br />
rural do Sistema Famato (da Federação da Agricultura e Pecuária de<br />
Mato Grosso). Porém, ao entrar na vila tiro do pensamento a razão da<br />
minha viagem. Sou recebido por Mantcho, que num quá-quá-quá-quá<br />
de algazarra sobrevoa meu Gol. Depois dessa apresentação a ave posiciona-se<br />
sobre o carro como se fosse um guardião aéreo me escoltan-<br />
109
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Santa Rita do Trivelato<br />
do sem adiantar nem atrasar. Faz um voo sincronizado com o veículo.<br />
Acho aquilo fenomenal.<br />
Cheguei ao local do mutirão e fui apresentado a Edgar Matschinske,<br />
o dono de Mancho. Edgar era apaixonado por sua ave, que seu<br />
filho Adilson Matschinske encontrou filhotinho num ninho caído nas<br />
matas do rio Teles Pires e o levou para casa.<br />
Com carinho, Edgar criou Mancho sem jamais botá-lo na gaiola<br />
ou cortar suas asas. A paixão era recíproca – isso posso atestar – pois<br />
alguns minutos após o início da nossa conversa a ave entrou no recinto,<br />
localizou seu protetor, pousou em seu ombro e em silêncio ofereceu a<br />
cabeça pedindo um cafuné.<br />
Edgar e Mancho não estão mais entre nós. Ele tombou cheio de<br />
vitalidade durante uma partida de futebol, vítima de um infarto traiçoeiro<br />
e fulminante. Mancho fechou os olhos para sempre quando um<br />
trator o esmagou.<br />
110
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Soja cerca a cidade<br />
Ilson Matschinske, irmão de Edgar, era vereador por Nova Mutum,<br />
município ao qual a vila de Santa Rita pertencia e tratou de batizar<br />
a via principal do lugar de Rua da Arara. Depois, com a emancipação,<br />
Ilson foi eleito o primeiro prefeito e se reelegeu. Ilson também não está<br />
mais entre nós: ele, Edgar e Mancho voltaram ao Criador.<br />
SANTA RITA - A colonização da região começou em 1977 e a implantação<br />
da vila de Santa Rita, em 2 de fevereiro de 1978. Produtores que<br />
compravam áreas rurais ganhavam lote urbano.<br />
Atraídos pela fertilidade do solo e o preço das terras, centenas<br />
de agricultores, principalmente do Paraná, compraram áreas rurais na<br />
região de Santa Rita. Quase todos os negócios imobiliários foram fechados<br />
“pelo mapa”, ou seja: os compradores sequer conheciam a região.<br />
Em 12 de dezembro de 1980 o governador Frederico Campos<br />
sancionou uma lei de autoria dos deputados Ary Campos e Osvaldo<br />
111
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Sobrinho e aprovada pela Assembleia Legislativa criando o distrito de<br />
Santa Rita, no município de Nobres.<br />
Em 28 de dezembro de 1979 o governador Dante de Oliveira sancionou<br />
uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa, de autoria do<br />
deputado Nico Baracat, emancipando Santa Rita de Nova Mutum. A<br />
criação do município mudou seu nome para Santa Rita do Trivelato.<br />
Alguns moradores defendiam que o lugar deveria se chamar Santa Rita<br />
do Teles Pires, mas prevaleceu a vontade da maioria, que optou pela<br />
denominação atual em reverência à Trivelato, colonizadora do lugar.<br />
O município tem a menor população do <strong>Nortão</strong>: 3.135 habitantes,<br />
mas é dele a melhor renda per capita de Mato Grosso: R$ 132.591,36. O<br />
Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 389.156.000. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,735. Santa Rita do<br />
Trivelato tem 4.733,924 km² com 0,53 habitante por quilômetro quadrado.<br />
Em 2016, Santa Rita do Trivelato exportou US$ 99.722.428 (FOB)<br />
e não importou nenhum item. Milho, soja e algodão formaram sua<br />
pauta de produtos exportados para a China, Alemanha, Japão e outros<br />
20 países.<br />
Parte da cidade é pavimentada, a prefeitura recolhe o lixo, mas<br />
não o trata. A água, universalizada nas residências, é de poços artesi<strong>anos</strong>,<br />
mas não há tratamento de esgoto. Um pequeno hospital atende à<br />
população, mas a referência em saúde é o Hospital Regional de Sorriso,<br />
distante 280 quilômetros. Universitários viajam 220 quilômetros, nos<br />
dois sentidos, até a faculdade em Nova Mutum. O município tem a vila<br />
de Pacoval, distante 30 quilômetros de sua sede. A reserva indígena<br />
Santana, dos bakairis, ocupa 341 hectares de Santa Rita do Trivelato.<br />
Distante 33 quilômetros da cidade, o Salto Magessi, no rio Teles<br />
Pires, é o principal atrativo turístico da região. Naquele local o Teles Pires<br />
é o limite com Sorriso. A Área de Proteção Ambiental (APA) Estadual<br />
do Salto Magessi, com 7.8<strong>46</strong>,2420 hectares, estende-se pelos dois municípios.<br />
Essa APA nasceu de uma lei de autoria do deputado Humberto<br />
Bosaipo, que foi aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em<br />
20 de dezembro de 2012 pelo governador Rogério Salles.<br />
112
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Henrique Oleinik<br />
Mãos estendidas<br />
Cuiabá, 16 de outubro de 1991. Sol de 41º. As ruas tomadas pelo<br />
povo. Todos os olhares voltados para o trajeto por onde passaria o Papamóvel.<br />
Espremido na multidão, Henrique Oleinik está ali por duas<br />
razões, ambas com o mesmo sentido: ver o papa e lhe perguntar em<br />
polonês sobre seus vínculos familiares com sua mãe Alfreda Oleinik<br />
Wojtyla. Alfreda era filha de pais nascidos em Wadowice, no Sul da<br />
Polônia, berço natal de Sua Santidade.<br />
Henrique viu o papa e se emocionou. Na hora em que a comitiva<br />
papal passou perto dele, sequer pensou em algo. Mal conseguia enxergar,<br />
pois os olhos estavam marejados. Somente algum tempo <strong>depois</strong><br />
se deu conta de que seu desejo de questionar o líder católico não seria<br />
realizado. Um rígido esquema de segurança o mantinha longe do altar<br />
onde o papa João Paulo II celebrava a Santa Missa.<br />
Em 17 de outubro de 1991, um dia <strong>depois</strong> da visita do papa<br />
a Cuiabá, Henrique voltou para Santa Rita do Trivelato carregando<br />
consigo um vazio no peito, pois tudo que ele gostaria era a confirma-<br />
113
Eduardo Gomes de Andrade<br />
ção que nas veias de Alfreda corria o mesmo sangue do Pontífice. Se<br />
houvesse parentesco entre sua mãe e o papa, consequentemente ele<br />
seria um Wojtyla tanto quanto Karol Józef Wojtyla, a figura central<br />
da Santa Sé.<br />
Gaúcho de Guarani das Missões, Henrique morou 15 <strong>anos</strong> em<br />
Cascavel, no Paraná, mas teve que deixar aquela cidade <strong>depois</strong> que se<br />
meteu em uma enrascada com gente perigosa. Para ficar longe de seus<br />
problemas, ele decidiu deixar aquele estado. Tentou encontrar um lugar<br />
tranquilo no Paraguai, e nada; em Rondônia, também não. Até que<br />
um corretor lhe falou sobre Santa Rita, que estava nascendo.<br />
Com o nome Santa Rita na cabeça, sem pensar duas vezes pegou<br />
um bimotor que traria compradores de terras a Mato Grosso. Após<br />
uma rápida escala para abastecimento num lugar do qual ele não se<br />
recorda, o voo é retomado e em pouco tempo seus olhos se deparam<br />
com o verde sem fim da mata na calha do Teles Pires. O avião pousou<br />
na picada aberta para a vila, numa pista que não mais existe. Quatro<br />
casas de madeira. Apenas quatro marcavam a presença humana no<br />
vazio naquele canto da Amazônia Mato-grossense.<br />
Com os ouvidos zunindo pelo voo, Henrique desceu do avião.<br />
Era a terça-feira 28 de novembro de 1978. Botou os pés no chão. Olhou<br />
para todos os lados. Só enxergou paz e liberdade. “É aqui; pra sempre”,<br />
pensou. Nunca mais saiu de lá a não ser para buscar a mulher<br />
Wanda Oleinik e a filharada. Desde então mora na Rua da Arara – que<br />
à época ainda não tinha esse nome –, na casa nº 2.221.<br />
Agradável, sorridente e falante, Henrique se deixou arrastar pela<br />
política. Em 2000, foi eleito vereador pelo PMDB na primeira legislatura<br />
do município. “Foi para ajudar a formar nossa cidade”. Com a<br />
facilidade que entrou, saiu dos meios políticos, mas uma coisa ele não<br />
consegue abandonar: “Gosto muito do PMDB; sempre gostei muito”,<br />
revela, mas com a ressalva que sua grande paixão é a família: Wanda,<br />
os sete filhos e a escadinha de netos. Em 2016, aos 72 <strong>anos</strong>, esbanjando<br />
saúde, Henrique cuida de seu estabelecimento comercial e fica de olho<br />
nos outros negócios que toca com a filharada.<br />
114
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Cidade de Cláudia<br />
XIV<br />
Em homenagem à musa Claudia Cardinale<br />
Final de tarde da terça-feira 11 de julho de 1978. Ênio Pipino percorre<br />
a pé um trecho da Avenida Marechal Rondon sentindo o cheiro<br />
gostoso da terra entremeada por raízes das árvores que tombaram.<br />
Está muito feliz. Naquele instante sua Sociedade Imobiliária Noroeste<br />
do Paraná (Sinop) acaba de concluir a abertura daquela e da Avenida<br />
Gaspar Dutra. De sua ousadia nascia na quinta etapa do projeto de<br />
colonização da Gleba Celeste a vila de Cláudia, destinada a ser cidade<br />
em Mato Grosso.<br />
Era o ciclo da colonização da Amazônia Mato-grossense no divisor<br />
das águas do Teles Pires e do Xingu, no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> que pouco<br />
tempo antes foi inaugurada. Do Sul do Brasil, principalmente do Paraná,<br />
milhares de madeireiros, agricultores e comerciantes partiam em<br />
busca de dias melhores nos projetos de Ênio Pipino. Cláudia tornou-se<br />
importante polo madeireiro.<br />
115
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Os pioneiros de Cláudia foram os irmãos Raul – o Raul Banana –<br />
e Antônio Maldonado, que instalaram uma serraria no lugar, e André<br />
Schneider, que morreu em acidente rodoviário logo após sua mudança<br />
para aquela localidade. O primeiro farmacêutico foi o mineiro Aurélio<br />
Lino Teixeira, que chegou à vila em 5 de março de 1979 – data histórica,<br />
pois naquele dia a professora Roseli Maldonado iniciava o ano letivo<br />
para um grupo de oito alunos, na sua residência.<br />
Em 2016, Aurélio mantém sua farmácia na área central e se transformou<br />
em farmacêutico da família, figura popular nas pequenas comunidades,<br />
onde praticamente todos se conhecem e confiança é prática<br />
comum. A professora Roseli aposentou-se.<br />
Em 1º de setembro de 1986, o governador Wilmar Peres de Farias<br />
sancionou a lei de autoria dos deputados Osvaldo Sobrinho e Benedito<br />
Santiago transformando a vila de Cláudia em distrito de Sinop. O lugar<br />
não parava de crescer.<br />
Em 4 de julho de 1988, o governador Carlos Bezerra botou o<br />
jamegão na lei de autoria do deputado José Lacerda, que emancipou<br />
116
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Cláudia de Sinop,<br />
Itaúba e Marcelândia.<br />
Já em 13<br />
de abril de 2004, o<br />
governador Blairo<br />
Maggi sancionou<br />
a lei criando a comarca<br />
de primeira<br />
entrância, <strong>depois</strong><br />
que a Assembleia<br />
Legislativa aprovou<br />
projeto do<br />
Aurélio Lino<br />
Tribunal de Justiça<br />
nesse sentido.<br />
Cláudia está interligada à malha rodoviária pavimentada nacional.<br />
Seu acesso à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é feito pela Rodovia André Maggi (MT-423).<br />
A cidade dista 80 quilômetros de Sinop. A população é de 11.632 residentes<br />
e o município tem 3.849,991 km² com 2,86 habitantes por quilômetro<br />
quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de<br />
0,699 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de<br />
R$ 274.340.000 e a renda per capita, de R$ 23.945,17. Em 2016 sua exportação<br />
alcançou US$ 13.265.519 (FOB) em soja e milho para a China,<br />
Bangladesh e Japão; sua economia não importou nenhum produto.<br />
Cidade com maior percentual de coleta e tratamento de esgoto<br />
no <strong>Nortão</strong> (85%), Cláudia tem o melhor saneamento da região. A água<br />
é universalizada e parte do lixo é reciclada. Boa parte da área urbana é<br />
pavimentada.<br />
A escolha da denominação do município, segundo Aurélio, que<br />
conviveu no dia a dia com Ênio Pipino, não teria sido feita para homenagear<br />
integrante da família do colonizador. “Ele optou por Cláudia<br />
por ser um belo nome”, explicou, acrescentando que “seo Ênio era homem<br />
desprovido de vaidade” e teria selecionado nomes femininos que<br />
achava bonitos, de familiares ou não, para batizar as vilas e estradas<br />
que implantava, além de córregos, riachos e rios. Foi assim com os ribeirões<br />
Cristiane, Purificação e Mariana; e com os córregos Cibele, Már-<br />
117
Eduardo Gomes de Andrade<br />
cia, Norma e Guilhermina;<br />
além de<br />
estradas com nomes<br />
de mulheres”.<br />
O pioneiro repete<br />
aquilo que ouviu<br />
do fundador do<br />
lugar, que desconversava<br />
sobre a<br />
razão para escolha<br />
de nomes femininos.<br />
É ELA! - A explicação<br />
dada pelo<br />
pioneiro Aurélio<br />
tromba com uma<br />
Claudia Cardinale<br />
resposta ao mesmo<br />
questionamento<br />
que fiz a Ênio Pipino. Certa feita, em Cuiabá, citando que se tratava<br />
de registro histórico, perguntei ao colonizador se Santa Carmem<br />
tinha algo a ver com Carmem Miranda, e ele negou qualquer ligação.<br />
Num sorriso à meia-boca, comentou baixo: “Carmem (Carmem Ribeiro<br />
Pitombo) é nome de uma tia da dona Nilza (a mulher dele)”. Espichei<br />
pra Cláudia. É pela atriz? No primeiro momento ele não respondeu<br />
diretamente. Ajeitou os óculos, espichou a mão em despedida e foi enfático:<br />
“que mulher, essa Claudia Cardinale!”.<br />
Túnis, 15 de abril de 1938. Nasce Claude Josephine Rose Cardinale,<br />
filha de um casal siciliano. Morenaça. Boca carnuda. Bunda e<br />
dentes perfeitos. Seios grandes e empinados. Cabelo preto. Cinturinha<br />
fina. Rosto de traços suaves e firmes. Olhar envolvente. Com tantos<br />
atributos assim, essa ítalo-tunisiana virou musa, sex symbol, estrela de<br />
Hollywood adotando o nome artístico de Claudia Cardinale.<br />
Pelas mãos, ousadia e os sonhos do colonizador Ênio Pipino, Claudia<br />
Cardinale está para sempre no <strong>Nortão</strong>. Pena que ela não saiba disso.<br />
118
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Um parto na mata<br />
Divisor das águas<br />
dos rios Xingu e Teles Pires,<br />
15 horas do sábado<br />
11 de agosto de 1979. Na<br />
clareira aberta pelo colonizador<br />
Ênio Pipino para a<br />
implantação daquela que<br />
seria a cidade de Cláudia,<br />
nasce sem médico e sem<br />
parteira o primeiro bebê<br />
da região: Cláudia Neuza<br />
da Silva, filha do casal Maria<br />
Aparecida e Leonardo<br />
Ortolani.<br />
Forte, dona Maria Cláudia Neuza<br />
Aparecida se virou como<br />
pôde com a ajuda da vizinhança. O nome Cláudia é agradecimento<br />
dos pais à cidade homônima que ajudaram a construir nos confins da<br />
Amazônia Mato-grossense.<br />
Os Ortolani, pais de Cláudia, trocaram Diamante do Norte, no<br />
Paraná, pelo sonho da colonização da Amazônia. Não se arrependem<br />
do que fizeram nos <strong>anos</strong> 1970, quando deixaram uma região com boa<br />
infraestrutura e passaram a viver numa área caracterizada pelo isolamento,<br />
com alta incidência de malária e infestada por mosquitos.<br />
Cláudia orgulha-se de sua cidadania. É personalidade em seu<br />
município e sempre ouve de pioneiros que nos primórdios da colonização<br />
corretores e moradores diziam aos interessados em imóveis na<br />
então vila que ali nascera um bebê com o nome do lugar. “Essa citação<br />
mexia com o inconsciente daquelas pessoas e acho que contribuiu para<br />
que alguns mudassem para cá”, avalia Cláudia.<br />
Casada com Nivaldo Ferreira da Silva e mãe de Eduarda, Henrique<br />
e João Vitor Ferreira da Silva, Cláudia vive na cidade onde nasceu<br />
e da qual herdou o nome.<br />
119
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Cidade de Feliz Natal<br />
XV<br />
Da irreverência nasce o nome do município<br />
Agricultor gaúcho e visionário, Antônio Domingos Debastiani<br />
era dono de áreas na região de mata, onde fundou a vila de Feliz Natal,<br />
no sábado 12 de agosto de 1989. Até então, a área que se transformou<br />
no perímetro urbano era ponto de passagem para quem se dirigia às<br />
fazendas Cônsul, Bandeirantes, Uirapuru e Nova Aliança, no eixo da<br />
MT-225, ali conhecida por Estrada do Rio Ferro.<br />
O nome do município carrega o DNA da irreverência do brasileiro.<br />
Às vésperas do Natal de 1978, funcionários dessas fazendas na<br />
Estrada do Rio Ferro se dirigiam a Sinop, onde pretendiam passar o<br />
final de ano. Porém, a rodovia sofreu um bloqueio natural por um córrego<br />
afluente do rio Arraias – sem ponte – e até então sem nome, que<br />
transbordou na tarde de 23 de dezembro e impediu a passagem. Dois<br />
dias <strong>depois</strong> as águas baixaram e o grupo seguiu viagem.<br />
O grupo passou o Natal debaixo de chuva e dentro dos veículos<br />
em que viajava. A saudação cristã, na noite natalina naquele pedaço da<br />
Amazônia, resultou não somente na escolha do nome para o córrego,<br />
120
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
mas, também, o da cidade<br />
que <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> surgiria nas<br />
imediações do ponto do bloqueio.<br />
A área de Feliz Natal<br />
mede 11.<strong>46</strong>2,<strong>46</strong>4 km² com<br />
493.079 hectares pertencentes<br />
ao Parque Indígena<br />
do Xingu, o que representa<br />
45,73% da extensão territorial.<br />
Em 2016, segundo o<br />
IBGE, a população do município<br />
era de 13.175 habi-<br />
Debastiani<br />
tantes. A densidade demográfica, 0,95 habitante por quilômetro quadrado.<br />
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 0,692 numa escala<br />
de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 293.601.000.<br />
A renda per capita, R$ 23.601,40. Em 2016, sua exportação de soja e<br />
milho para o Japão, Coreia do Sul, China e outros três países alcançou<br />
US$ 1.303.896 (FOB) e não houve importação.<br />
A cidade é parcialmente pavimentada, mas não tem rede de esgoto.<br />
A água é universalizada pela prefeitura e o lixo é amontoado em<br />
um lixão. Hospital existe, mas para os primeiros socorros. Em casos<br />
mais graves a ambulância é a única saída, pois é ela quem transporta<br />
enfermo, acidentado ou vítima de arma branca ou de fogo para o Hospital<br />
Regional em Sorriso, distante 110 quilômetros por rodovia em sua<br />
maior parte pavimentada.<br />
A madeira foi o principal pilar da economia e ainda continua<br />
fazendo riqueza, mas em escala menor, pelo rigor ambiental. A soja<br />
chegou a Feliz Natal e se espalha pelo município. O comércio varejista<br />
atende à demanda local.<br />
Debastiani foi o primeiro prefeito. Chegou à prefeitura ao ser<br />
eleito em 1996 e reeleito em 2000. Em 2004, seu vice-prefeito, o paranaense<br />
Manuel Messias Salles o sucedeu no cargo. Quatro <strong>anos</strong><br />
121
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Prefeitura e Centro Cultural<br />
<strong>depois</strong>, Manuel não aceitou disputar novo mandato e Debastiani voltou<br />
ao poder. Na segunda tentativa de reeleição, em 2012, ele recebeu<br />
43,53% dos votos e o vencedor foi José Antônio Dubiella, o Toni<br />
Dubiella, com 56,47%.<br />
Quando prefeito, Manuel usou de artimanha para construir<br />
a sede da prefeitura. O município ganhou uma emenda parlamentar<br />
para um Centro Cultural. A solução encontrada para atender à<br />
exigência da emenda e à necessidade da administração foi dividir o<br />
prédio entre a prefeitura e a área para a cultura, sendo que à última<br />
ele destinou uma saleta, mas com o detalhe do nome em destaque na<br />
fachada principal.<br />
Quando da emancipação em 17 de novembro de 1995, a vila<br />
pertencia a Vera. A lei que criou o município foi do deputado Ricarte<br />
de Freitas, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />
governador Dante de Oliveira. Em 13 de abril de 2004, o governador<br />
Blairo Maggi sancionou uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e<br />
aprovada pela Assembleia, que criou a comarca de primeira entrância<br />
de Feliz Natal.<br />
Gabriela Caroline Dal Bosco é o nome da MT-225 entre o município<br />
de Feliz Natal e a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A lei que lhe deu tal denominação foi<br />
de autoria do governo e sancionada pelo governador Blairo Maggi.<br />
122
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nova Ubiratã<br />
XVI<br />
Fazenda se transforma em cidade no rio Ferro<br />
Mato Grosso vivia a febre da colonização. Em 1976, o corretor<br />
de imóveis Manuel Pinheiro comprou a fazenda Ubiratan na calha do<br />
rio Ferro e dois <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> criou a colonizadora Comércio Imobiliário<br />
Pinheiro (Comipril).<br />
As vendas de lotes não avançavam porque não havia nenhum<br />
aglomerado urbano na área, o que desmotivava possíveis compradores<br />
de imóveis rurais, e isso levou Pinheiro a fundar a vila de Nova Ubiratã<br />
em 9 de julho de 1978, e o lugar começou a se formar apesar do isolamento<br />
e da precariedade da estrada que o ligava a Sorriso.<br />
Nova Ubiratã teve o crescimento ditado pelo avanço da agricultura<br />
mecanizada em seu entorno. Safra após safra, novas e novas construções<br />
mudavam o aspecto urbano. A vila ganhou ares de pequena<br />
cidade e em 19 de dezembro de 1995 o governador Dante de Oliveira<br />
sancionou uma lei de autoria do deputado Ricarte de Freitas, aprovada<br />
pela Assembleia Legislativa desmembrando áreas em Sorriso e Vera<br />
para a formação daquele município.<br />
123
Eduardo Gomes de Andrade<br />
MT-242<br />
Em 21 de junho de 2004 o governador Blairo Maggi sancionou<br />
uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa criando a comarca de primeira entrância de Nova Ubiratã.<br />
A cidade não coleta nem trata seu esgoto e recolhe o lixo lançando-o<br />
num lixão na zona rural. Parte de Nova Ubiratã é pavimentada,<br />
a água chega a todos os domicílios e seu acesso à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> é feito pela<br />
rodovia MT-242, pavimentada e pedagiada. A distância entre as duas<br />
cidades é de 80 quilômetros.<br />
Nova Ubiratã tem 11.074 moradores. Sua área é de 12.706,743<br />
km², com 0,73 habitante por quilômetro quadrado. O Produto Interno<br />
Bruto (PIB) é de R$ 684.552.000. A renda per capita é de R$ 65.145,82.<br />
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,669 numa escala de<br />
zero a um.<br />
Nos primórdios, a economia do município era calcada na extração<br />
e beneficiamento da madeira. Nos últimos <strong>anos</strong> ocupa lugar entre<br />
os 10 maiores produtores de soja de Mato Grosso. Em 2016, Nova Ubiratã<br />
exportou US$ 134.316.604 (FOB) e não importou nada. Sua pauta<br />
124
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
de exportação foi ancorada pela soja, seguida pelo milho e madeira. Os<br />
destinos dos produtos foram: China, Irã, Vietnã, África do Sul e outros<br />
26 países.<br />
Mesmo considerado polo do agronegócio, Nova Ubiratã tem<br />
parte significativa de sua superfície excluída do processo produtivo.<br />
No limite com Paranatinga o Parque Indígena do Xingu ocupa 28.157<br />
hectares de sua área. No pontal onde o rio Ronuro se junta ao rio Ferro<br />
ou Den Von Steinen, o governo criou a Estação Ecológica do Rio Ronuro,<br />
com 102 mil hectares.<br />
Paixão sem fim<br />
Quantas malárias são necessárias para apagar o brilho de um<br />
olhar apaixonado? Quem responder 20 ou menos está redondamente<br />
enganado e seo Osvaldo Oissa, catarinense de 82 <strong>anos</strong>, não me deixa<br />
mentir. Quando olha no fundo dos olhos de sua mulher Domitilia Bialeski<br />
Oissa, mais que brilho, de suas pupilas saem faíscas.<br />
Casal Oissa<br />
125
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Em 2016, tão enamorado quanto no primeiro encontro, há 57<br />
<strong>anos</strong>, em Santa Catarina, quando conheceu Domitilia, seo Oissa se<br />
desmanchava pela amada; ele deve ser o tipo de marido que toda<br />
mulher sonha. Em 56 <strong>anos</strong> de casamento, sempre da maneira mais<br />
harmônica possível, o casal continua indo para a praça, em busca da<br />
paz num banco sossegado em algum canto, perto das flores, para que<br />
possam vê-las, senti-las e dá-las de presente um ao outro.<br />
Seo Oissa contraiu 20 malárias em Apiacás, no <strong>Nortão</strong>, onde<br />
entre outras atividades foi garimpeiro de ouro. Com precisão, cita os<br />
períodos em que ficou acamado e se tratando com quinino receitado<br />
por farmacêutico. Sequelas a febre não deixou, mas em janeiro de<br />
2015 ele e sua Domitilia saíram daquele município, aonde chegaram<br />
em 11 de abril de 1986 em busca da fortuna que o metal mais cobiçado<br />
do mundo poderia lhes dar num piscar de olhos, da noite para o<br />
dia. Porém não foi bem assim, e ele, cansado, trocou o garimpo por<br />
uma sorveteria na cidade, até que desistiu do negócio e em 18 de outubro<br />
de 2015 fez o mesmo caminho do filho Valdecir e se transferiu<br />
para Nova Ubiratã.<br />
Valdecir chegou à cidade com dois caminhões de frete, mas<br />
preferiu se desfazer dos possantes para trabalhar na prefeitura. Os<br />
pais, que estavam em Apiacás isolados do restante da família, agora<br />
estão junto com o filho. Os Oissa têm oito filhos: dois em Cascavel,<br />
no Paraná; dois em Porto Alegre; um em Cuiabá; outro em Alta<br />
Floresta; e outro ainda no garimpo de Creporizinho no município<br />
paraense de Itaituba.<br />
Com baixo índice de violência, Nova Ubiratã é cidade onde<br />
quase todos se conhecem, conforme testemunha o casal Oissa a caminhar<br />
de mãos dadas de sua casa à praça e fazer o caminho de volta.<br />
No trajeto muitos os saúdam. Do banco onde se sentam ninguém se<br />
aproxima. Uma barreira imaginária os isola da população. Não há<br />
justificativa para se interromper o momento romântico.<br />
126
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Marcelândia<br />
XVII<br />
Marcelândia, o sonho bom de Bianchini<br />
Anos 1970. Mata a perder de vista. Balbúrdia agrária. Mato Grosso<br />
era um grande vazio demográfico. Visionários lançavam projetos de colonização<br />
amarrados em sonhos; vendiam lotes de terra que dividiam com<br />
quem de direito e às vezes no segundo andar do mosaico fundiário – e nem<br />
Deus sabia onde estavam.<br />
O paulista José Bianchini poderia ser qualificado enquanto professor,<br />
advogado e corretor. Porém, ele era mais, bem mais que esse conjunto<br />
de profissões: sonhava, era um dos sonhadores com o povoamento de<br />
Mato Grosso e sua incorporação ao processo produtivo em escala. Assim,<br />
em 1977 Bianchini começou a vender áreas rurais localizadas a mais de 80<br />
quilômetros da margem direita da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido sul-norte numa desconhecida<br />
Gleba Maiká na calha do rio Xingu e vizinha ao Parque Indígena<br />
do Xingu. Pelas espécies abundantes de madeira, a região era verdadeiro<br />
paraíso para madeireiros.<br />
127
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Aparece um madeireiro daqui, um dono de caminhão toreiro dali,<br />
um comerciante de acolá e outros e mais outros. A mata ganhou vidas humanas<br />
e no feriado de 7 de setembro de 1980 Bianchini fundou uma vila no<br />
recém-criado município de Sinop à qual chamou de Marcelândia. O nome<br />
foi homenagem do colonizador ao filho Marcelo Gramolini Bianchini, paulista<br />
igual a ele.<br />
Marcelândia nasceu não apenas para suporte aos pioneiros na Gleba<br />
Maiká, mas com o desafio de se tornar cidade. Gente de todos os cantos se<br />
juntou numa corrente não planejada e meteu a mão na massa. Em 10 de maio<br />
de 1982 o governador Frederico Campos botou o jamegão numa lei de autoria<br />
da deputada Sarita Baracat e a vila virou distrito de Sinop.<br />
A corrente humana continuava e não se intimidava com a malária,<br />
o isolamento e a precariedade do lugar. A indústria florestal de base era o<br />
esteio da economia e tudo girava em torno da madeira. Em 1986, o IBGE<br />
registrou 4.612 habitantes no distrito, que em 13 de maio daquele ano virou<br />
município. A emancipação nasceu de entendimento entre as bancadas estaduais<br />
do PDS e PMDB, partidos que davam as cartas na política mato-grossense<br />
e foi sacramentada pelo governador Júlio Campos. Na sanção da lei,<br />
Júlio dirigiu-se a Bianchini, que acompanhava o ato: “não deixe cair a peteca<br />
de Marcelândia, viu seo Bianchini!”, cobrou o governador. O colonizador<br />
respondeu na bucha: “nunca deixei peteca nenhuma cair”.<br />
A cidade crescia e Bianchini passou a enfrentar enfermidades em<br />
1998, até que em 21 de outubro de 2001, no Hospital Jardim Cuiabá, em<br />
Cuiabá, fechou os olhos para sempre. A principal avenida da cidade leva<br />
seu nome.<br />
Com seu adeus, Bianchini não viu sua Marcelândia virar comarca de<br />
primeira entrância, o que aconteceu em 13 de abril de 2004 com a aprovação<br />
pela Assembleia Legislativa de um projeto do Tribunal de Justiça, com a<br />
sanção do governador Blairo Maggi.<br />
Quando Marcelândia virou comarca, seu crescimento populacional<br />
estava a todo vapor. O município tinha 17.353 habitantes, dois <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
saltou para 18.634 e desde então entrou em queda.<br />
Com 12.281,254 km², Marcelândia chegou a 2016 registrando 0,86 habitante<br />
por quilômetro quadrado. O encolhimento da população é o lado<br />
mais dramático da pressão sofrida pelo município que carregou a pecha de<br />
128
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Colheitadeira destruída<br />
pelo grande incêndio<br />
maior vilão ambiental brasileiro ao ser incluído, e encabeçar, a Lista Suja dos<br />
Desmatadores da Amazônia Legal criada pelo Ibama.<br />
A tal Lista começou a ser elaborada em janeiro de 2008 pelo Ibama,<br />
com base em informações instantâneas do sistema Detecção do Desmatamento<br />
em Tempo Real (Deter) para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais<br />
(Inpe) a serviço do Ibama. Sua atualização e divulgação são anuais.<br />
Na primeira divulgação da Lista, 52 municípios da Amazônia Legal<br />
foram relacionados, sendo 24 de Mato Grosso, dos quais 12 do <strong>Nortão</strong>.<br />
Marcelândia era o maior desmatador nacional.<br />
Na tentativa de botar freio ao desmatamento, o governo federal<br />
criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), do qual Mato Grosso foi pioneiro<br />
em sua execução. Por atender exigências do CAR, Marcelândia foi<br />
retirado da Lista.<br />
Mesmo fora da Lista, Marcelândia foi mantido debaixo de pressão.<br />
Para piorar a situação, em 11 de agosto de 2010 a cidade foi vítima de<br />
um incêndio que destruiu mais de 100 barracos no distrito industrial e<br />
15 serrarias e similares, além de tratores, veículos, equipamentos, toras e<br />
madeira serrada. O fogo começou num depósito de lixo próximo à área<br />
urbana. Depois do fogaréu, a taxa de crescimento populacional negativa<br />
agravou-se ainda mais. Naquele ano, o IBGE apurou 12.006 residentes, que<br />
minguaram em 2016 para 10.639; isso se traduziu numa queda percentual<br />
129
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Vítima do grande<br />
incêndio em Marcelândia<br />
de 11,39% em cinco <strong>anos</strong>.<br />
O município já não se ancora mais na madeira como no passado,<br />
embora ainda a extraia. A mata chegou ao fim para o corte raso em escala.<br />
O boi, que reinava absoluto nas invernadas formadas nas áreas onde a<br />
madeira foi retirada, agora vê sua soberania perder espaço para uma leguminosa<br />
de origem chinesa que atende pelo nome popular de soja. Isso sem<br />
prejuízo das reservas legais e da inviolabilidade de 136.219 hectares do<br />
Parque Indígena do Xingu que se estende àquele município, onde a Funai<br />
estuda criar a reserva Rio Arraias, para os kayabis.<br />
O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 212.145.000. A renda per capita<br />
é de R$ 19.129,38. Em 2016 Marcelândia exportou em madeira para<br />
Japão e França US$ 863.827 (FOB) e não importou nada. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,701. A água<br />
tratada chega a todas as moradias da cidade, que, no entanto, enfrenta dois<br />
problemas: não tem aterro sanitário e não coleta nem trata esgoto.<br />
Por razões contratuais, a concessionária da água e esgoto deveria<br />
construir redes de coleta e estações de tratamento do esgoto, mas não o faz.<br />
Em 2016, com orçamento minguado, o prefeito Arnóbio Andrade iniciou<br />
negociações junto à Noruega tentando recursos para resolver o problema<br />
do lixão, que é dor de cabeça comum aos prefeitos do <strong>Nortão</strong>.<br />
130
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O município tem a vila de<br />
Analândia do Norte e as comunidades<br />
de Bonjaguar e Santa Rita do<br />
Norte. Em Santa Rita, Marcelândia<br />
recebeu, no começo dos <strong>anos</strong> 2000,<br />
famílias de agricultores brasiguaios<br />
– brasileiros residentes no Paraguai<br />
– que se mudaram para aquele país<br />
em razão do alagamento do lago da<br />
hidrelétrica binacional de Itaipu.<br />
Do outro lado da fronteira os migrantes<br />
foram hostilizados e, sem<br />
Bianchini<br />
alternativa, voltaram ao Brasil.<br />
Em 2014, o governo de Mato<br />
Grosso pavimentou a MT-320 no trecho de 84 quilômetros entre a cidade<br />
e a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> próximo a Nova Santa Helena, mas não construiu as pontes no<br />
trajeto, mantendo as antigas, de madeira. Em janeiro de 2015, o governador<br />
Pedro Taques assumiu o poder e não deu continuidade à obra, que<br />
permanece às moscas. Por rodovia, Marcelândia situa-se a 700 quilômetros<br />
ao norte de Cuiabá via Sinop, Lucas do Rio Verde e Rosário Oeste.<br />
O índice de criminalidade é baixo. A cidade tem hospital, mas a referência<br />
em saúde é o Hospital Regional de Colíder, distante 110 quilômetros<br />
por rodovia pavimentada. A cidade entrou na era dos cursos superiores<br />
presenciais. Em janeiro de 2017, a Universidade do Estado de Mato Grosso<br />
(Unemat) realiza vestibular para Direito e Agronomia. Os dois cursos são<br />
extensão do campus de Alta Floresta, distante 290 quilômetros por rodovia<br />
pavimentada.<br />
Os dois cursos foram conquistas da prefeitura, que assumiu parte de<br />
seu ônus financeiro. De 2017 a 2021, o município repassará 200 mil anuais<br />
para o pró-labore dos professores. Agropecuaristas permitirão a realização<br />
de aulas práticas em suas propriedades e o conteúdo de laboratório na área<br />
agronômica será feito na sede do campus, com a prefeitura transportando<br />
os universitários.<br />
131
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Santa Carmem<br />
XVIII<br />
Santa Carmem, na vizinhança de Sinop<br />
Em 1970, produtores rurais compraram parcelas da Gleba Celeste,<br />
onde mais tarde surgiria o município de Santa Carmem. Os<br />
negócios eram fechados com base em informações de corretores e a<br />
identificação da localização dos imóveis por mapas elaborados pela<br />
Colonizadora Noroeste do Paraná (Sinop), de Ênio Pipino. Foi assim,<br />
naquele ano, que o agricultor Henrique Avelino Pereira tornou-se<br />
proprietário em Santa Carmem. Um ano após o negócio, Henrique<br />
trocou Diamante do Norte, no Paraná, por uma aventura na Amazônia.<br />
Para conhecer a área, viajou de ônibus até Cuiabá. De onde, num<br />
monomotor voou até o acampamento do 9º Batalhão de Engenharia<br />
de Construção (9º BEC) na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, no lugar que mais tarde seria Lu-<br />
132
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
cas do Rio Verde. Para completar o trajeto, de jipe, chegou à gleba.<br />
Henrique foi o primeiro morador nas imediações da futura cidade.<br />
Depois de sua chegada começou a construção da vila com a<br />
abertura da Avenida do Comércio, onde o estabelecimento pioneiro<br />
foi a loja de Ana José da Silva. Gente de todos os cantos do país se<br />
mudou para Santa Carmem nos primeiros <strong>anos</strong> de sua colonização,<br />
mas o grosso do contingente populacional era originário do Sul, sobretudo<br />
do Paraná.<br />
Serrarias se instalaram em Santa Carmem. A extinta empresa<br />
estatal do Ministério da Agricultura, Companhia Brasileira de Alimentos<br />
(Cobal) montou uma mercearia no lugar para assegurar a<br />
distribuição de secos e molhados, já que o acesso à futura cidade era<br />
precário, sobretudo no período das chuvas, o que desestimulava a<br />
abertura de supermercados.<br />
Município com 3.855,362 km², 4.326 habitantes e densidade<br />
demográfica de 1,06 habitante por quilômetro quadrado, Santa Carmem<br />
alcançou Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,715<br />
numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$<br />
202.439.000 e sua renda per capita, de R$ 47.565,45. Em 2016 a exportação<br />
foi de US$ 162.984.660 (FOB) e não houve importação. Soja,<br />
milho e madeira foram os bens exportados para a China, Rússia, Alemanha,<br />
Irã e outros 19 países.<br />
Distante 34 quilômetros de Sinop, Santa Carmem tanto se beneficia<br />
quanto é prejudicada por essa proximidade. Sua população<br />
busca saúde, ensino superior e boa parte dos serviços públicos burocráticos<br />
na vizinha metrópole regional. Sua taxa de crescimento é travada<br />
pela concorrência predadora do desenvolvimento sinopense.<br />
A cidade recolhe o lixo, garante água em todos os imóveis urb<strong>anos</strong>,<br />
mas não tem rede de esgoto. Seu índice de violência é considerado<br />
baixo e o município tem boa regularização fundiária. Praticamente<br />
todas as ruas são pavimentadas.<br />
A Rodovia João Adão Scheeren (MT-140) foi pavimentada em<br />
2005 por meio de um consórcio do governo estadual com produtores<br />
133
Eduardo Gomes de Andrade<br />
rurais ligados à Associação dos Beneficiários da MT-140, liderados<br />
pelo produtor Eurides Ceni. No trecho urbano em Sinop a estrada<br />
tem uma ciclovia paralela que atende à grande demanda de moradores<br />
na região.<br />
Santa Carmem foi elevada a distrito de Sinop em 10 de dezembro<br />
de 1981, quando o governador Frederico Campos sancionou<br />
uma lei de autoria do deputado Alves Ferraz aprovada pela<br />
Assembleia Legislativa. O município foi criado em 19 de dezembro<br />
de 1991, por uma lei do deputado Hermes de Abreu aprovada pela<br />
Assembleia e sancionada pelo governador Jayme Campos. Santa<br />
Carmem pertence à comarca de entrância especial de Sinop.<br />
A denominação do lugar foi escolhida por Ênio Pipino, em<br />
sua filosofia de dar nomes femininos às cidades por ele colonizadas.<br />
Santa Carmem é homenagem a Carmem Ribeiro Pitombo, tia da<br />
mulher de Pipino, Nilza de Oliveira Pipino.<br />
O mecânico Aarão Avelino Pereira, filho do pioneiro Henrique<br />
Avelino, mudou-se para Santa Carmem em companhia do pai e<br />
chegou a subprefeito do então distrito em 1983. Aarão acompanhou<br />
todas as transformações sociais locais e destaca que a agricultura<br />
mecanizada mudou o perfil econômico do lugar, já que o principal<br />
pilar da economia deixou de ser a madeira e migrou para a lavoura ,<br />
onde é grande a ocupação da mão de obra tanto qualificada quanto<br />
não. “Não temos desemprego”, comemora.<br />
MEMÓRIA - <strong>Nortão</strong>, 1980. Pé firme no freio. A Chevrolet C-14<br />
para. O motorista engata a primeira marcha puxando a alavanca<br />
pra baixo. Lentamente a camionete cruza a pequena ponte de madeira<br />
sobre o rio Azul, mas o faz engasgando. Aos trancos chega<br />
à vila de Santa Carmem. O remédio é procurar um mecânico. Um<br />
mecânico, não; o único do lugar, o jovem paranaense Aarão Avelino<br />
Pereira. O cliente era ninguém menos que Ênio Pipino, o dono<br />
da colonizadora Sinop.<br />
Tímido, Aarão recebe Ênio Pipino e faz o diagnóstico mecâni-<br />
134
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Aarão Avelino Pereira<br />
co: “É o platinado, seo Ênio. Mas vou dar um jeito”. Num piscar de<br />
olhos a peça é lixada e o veículo está pronto. A oficina funcionava<br />
debaixo da copa de uma árvore, à base do improviso. O cliente pergunta<br />
a Aarão se ele não tinha um lote para se instalar. “Quem sou<br />
eu, seo Ênio!”, Aarão admite sua fraqueza.<br />
Sem muita conversa, Ênio Pipino doou ao mecânico um lote<br />
na avenida principal e sua oficina ali funcionou até 2015, quando<br />
baixou as portas, pois o mecânico perdeu parte da capacidade motora<br />
ao ser afetado por uma neuropatia, que o deixa preso a uma<br />
cadeira de rodas.<br />
No sábado 19 de novembro de 2016 estive com Aarão em sua<br />
casa, na fazendinha de sua família, ao lado de Santa Carmem. Na<br />
véspera ele completara 60 <strong>anos</strong>. Foi a segunda vez que o vi. A primeira<br />
aconteceu em 1999, quando levantava material para uma série<br />
sobre os 500 <strong>anos</strong> do Brasil. A doença não o abateu e seu sonho é<br />
vencê-la e fazer aquilo que sempre fez e mais gosta: trabalhar na<br />
oficina.<br />
135
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Lucas do Rio Verde<br />
XIX<br />
Lucas do Rio Verde e da qualidade de vida<br />
Crescimento populacional de 48,19% nos últimos 10 <strong>anos</strong>,<br />
quando saltou de 28.6<strong>46</strong> habitantes em 2006 para 59.436 em 2016.<br />
Assim é Lucas do Rio Verde, com 28 <strong>anos</strong> – oitavo município mais<br />
populoso do Estado – e o maior polo produtor de carne suína e aves<br />
de Mato Grosso.<br />
Lucas não é uma ilha de prosperidade porque integra um bolsão<br />
de desenvolvimento bem acima da média estadual. Seus núme-<br />
136
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Setor industrial<br />
ros econômicos são relevantes. O município tem 3.663,994 km², com<br />
12,43 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,768 numa escala de zero a um. O Produto<br />
Interno Bruto (PIB) é de R$ 2.752.160.000 e a renda per capita,<br />
de R$ 49.953,90. Em 2016 sua economia exportou US$ 508.422.410<br />
(FOB) em soja, farelo de soja, algodão, milho e outras commodities<br />
agrícolas para a China, Holanda, Indonésia, Irã e outros 25 países.<br />
No período importou da Espanha, Japão, Estados Unidos e outros<br />
25 países US$ 17.743.3<strong>46</strong> (F0B) em máquinas agrícolas, adubos e ferramentas.<br />
O superávit foi de US$ 490.679.064.<br />
137
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Armazém da Cooperlucas<br />
A cidade é uma das mais modernas de Mato Grosso, com alto<br />
padrão residencial. Parte do esgoto é coletada e tratada. O lixo é<br />
depositado num ecoponto e a coleta é mecanizada – o município<br />
foi o terceiro no Brasil a adotar tal prática. A guarda municipal foi a<br />
pioneira em Mato Grosso. Todas as ruas são pavimentadas.<br />
O município tem as vilas de Groslândia e Itambiquara; a cidade<br />
é banhada pelo rio Verde, afluente do Teles Pires. Lucas é um dos<br />
divisores das bacias do Juruena e do Teles Pires. A rede escolar municipal<br />
é a melhor de Mato Grosso tanto em estrutura física quanto<br />
em conteúdo.<br />
O parque agroindustrial do município é importante. O frigorífico<br />
da <strong>BR</strong>F – Brasil Foods tem capacidade diária para abater 300<br />
mil aves e 4.400 suínos. A meta para 2017 é subir a produção para<br />
138
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
500 mil aves e 10 mil suínos. Quando de sua instalação não havia<br />
mão de obra local para atender sua demanda, o que obrigou a empresa<br />
a contratar funcionários em outros estados, principalmente<br />
no Nordeste. Lucas não tem déficit habitacional, mas para que isso<br />
acontecesse a <strong>BR</strong>F construiu 1.500 casas para parte dos seus 4.500<br />
funcionários.<br />
O município tem indústria de esmagamento de soja e produção<br />
de biodiesel. Seus produtores cultivam 780 mil hectares (ha) de<br />
milho safrinha, 700 mil ha de soja e 79 mil ha de algodão. A avicultura<br />
e a suinocultura são em escala empresarial. Para transportar<br />
essa produção, Lucas tem uma frota licenciada de 1.200 caminhões,<br />
carretas e bitrens.<br />
MEMÓRIA - A história de Lucas começa com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Sua área<br />
urbana nasceu em 5 de agosto de 1982, de um acampamento do 9º<br />
Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC) após o povoamento<br />
da região com famílias de parceleiros do Incra oriundas de Encruzilhada<br />
Natalino no município de Ronda Alta, Rio Grande do Sul.<br />
Para resolver um problema agrário no Sul, esse pessoal foi assentado<br />
numa área em Diamantino, que mais tarde pertenceria a Lucas.<br />
O distrito, pertencente a Diamantino, foi criado em 16 de dezembro<br />
de 1985 por uma lei de autoria do deputado Ubiratan Spinelli<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />
Júlio Campos. O município nasceu em 4 de julho de 1988 com<br />
a sanção, pelo governador Carlos Bezerra, de uma lei do deputado<br />
José Lacerda, aprovada pela Assembleia Legislativa.<br />
A comarca agora de terceira entrância de Lucas foi criada<br />
pelo governador Márcio Lacerda, em 6 de novembro de 1997, após<br />
a aprovação pela Assembleia Legislativa de uma lei de autoria do<br />
Tribunal de Justiça. O município é sede da 21ª Zona Eleitoral e tem<br />
uma vara da Justiça do Trabalho.<br />
139
Eduardo Gomes de Andrade<br />
A denominação surgiu antes da vila e do acampamento do 9º<br />
BEC. A região era conhecida como seringal do Lucas do rio Verde.<br />
Francisco Lucas de Barros foi seringueiro na calha daquele rio nos<br />
<strong>anos</strong> de 1950 e 60, época em que a fazenda Ubiratan (nas vizinhanças<br />
de Nova Ubiratã) comprava e beneficiava látex de seringais nativos<br />
no seu entorno. A associação de seu nome ao do rio resultou em Lucas<br />
do Rio Verde. Quando alguém se referia à região, normalmente<br />
dizia, “lá no Lucas do rio Verde”.<br />
O perímetro urbano e considerável parte do município de Lucas<br />
foram colonizados pelo Incra, que em 26 de novembro de 1976<br />
iniciou o processo de discriminação judicial na gleba de 230 mil hectares<br />
que leva o nome da cidade, declarando-a área prioritária para<br />
fins de reforma agrária.<br />
Em 1987, Diamantino instalou uma subprefeitura em Lucas<br />
nomeando subprefeito o presidente da Cooperativa Mista Agropecuária<br />
de Lucas do Rio Verde (Cooperlucas), Anton Huber. No começo<br />
da década de 1990 essa cooperativa deu um rombo milionário<br />
no Banco do Brasil ao efetuar transações ilegais; o caso virou inquérito<br />
na Polícia Federal com 3 mil páginas, chegou à Justiça Federal,<br />
mas ninguém foi condenado.<br />
A agricultura luverdense tem tanta importância que na safra<br />
agrícola 96-97 o então ministro da Agricultura e senador Arlindo<br />
Porto (MG) abriu oficialmente a safra nacional de grãos na cidade<br />
em 21 de fevereiro de 1997, na fazenda Munaretto, com uma solenidade<br />
no Centro de Tradições Gaúchas Sentinela da Tradição. Com<br />
aquele ato, Porto criou a tradição anual da abertura da safra.<br />
GOL – No esporte o município se orgulha do Luverdense Esporte<br />
Clube, que desde 2014 disputa a Série B do Campeonato Brasileiro e<br />
manda seus jogos no Estádio Passo das Emas.<br />
140
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Reinaldo, camisa 9, marca o<br />
primeiro na Arena Pantanal<br />
O atacante Reinaldo da Cruz Oliveira Nascimento, do Luverdense,<br />
marcou o primeiro gol na Arena Pantanal em Cuiabá, na vitória<br />
de 2 a 1 de seu clube sobre o Vasco da Gama, na partida disputada<br />
no sábado 26 de abril de 2014 e válida pela segunda rodada do<br />
primeiro turno do Campeonato Brasileiro da Série B.<br />
O lateral-direito Raul Prata desarmou o ataque vascaíno, avançou<br />
pela direita, cruzou o meio-campo, passou por dois, chegou à<br />
cabeça da área, desmontou um zagueiro e chutou. O goleiro Diogo<br />
Silva espalmou para a esquerda, por onde entrava Reinaldo. Mesmo<br />
destro, o atacante meteu a canhota na bola que estufou a rede.<br />
O cronômetro do árbitro gaúcho Jean Pierre Gonçalves Lima<br />
marcava 21 minutos do primeiro tempo quando Reinaldo marcou<br />
o gol inaugural da Arena Pantanal e também o seu primeiro com a<br />
camisa do Luverdense.<br />
141
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Garimpo - 1982<br />
XX<br />
Peixoto de Azevedo, a terra do ouro<br />
Da explosão do garimpo – fofoca, como se diz no jargão garimpeiro<br />
– ao êxodo. Da riqueza fácil ao caos que a deixou a um passo<br />
de ser cidade fantasma. Foi assim com Peixoto Azevedo, que viveu<br />
o ciclo do ouro no <strong>Nortão</strong> e que é a referência urbana daquele curto<br />
período marcado por assassinatos, malária, balanças de precisão em<br />
muitas portas abertas na Rua do Comércio, de intensa movimentação<br />
de mono e bimotores, camionetes de frete transportando doentes e sonhadores,<br />
ônibus despejando levas de aventureiros. Em suma, no auge<br />
da opulência e quando o declínio começou Peixoto era um fuzuê danado,<br />
onde a verdadeira moeda circulante era o grama do metal mais<br />
cobiçado no mundo inteiro.<br />
142
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Rua do Comércio - 1985<br />
O grama cotava o sexo nos incontáveis cabarés e também era<br />
parâmetro para compra de ingressos aos shows no Clube Maranhense,<br />
com Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Gretchen – a Rainha<br />
do Bumbum –, Pedro Bento & Zé da Estrada. Também era ele que<br />
garantia nas farmácias a salvadora dose de quinino para espantar a febre<br />
quando o Hospital da Malária da Irmã Adelis, na vizinha Matupá,<br />
estava superlotado.<br />
Fortunas arrancadas da terra e do leito dos rios da noite para o<br />
dia. Assim era Peixoto, uma cidade onde a imaginária linha que separa<br />
a extrema pobreza da riqueza não passava de um punhado de metal<br />
amarelo que cabia na palma da mão. A cidade de garimpeiros que trabalhavam<br />
do nascer ao pôr do sol era a mesma onde eles se esbaldavam<br />
à noite nas orgias, de crimes e impunidade. Aquele período não<br />
mais existe. Cedeu lugar a uma nova era, de comércio solidificado, de<br />
agricultura e pecuária com sinais de vitalidade, de extração mineral<br />
organizada e ambientalmente correta.<br />
143
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Garimpo - 2014<br />
O ciclo do ouro se estendeu de 1978 ao começo de 1995. A política<br />
mineral do governo federal e até mesmo a escassez do metal para extração<br />
manual pelos garimpeiros decretaram o fim daquele período. Em<br />
1995 no auge da movimentação a população chegou a 47.009 habitantes<br />
e dez <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> despencou para 19.224. Casas vazias, lojas fechadas, a<br />
cidade ganhou ar fantasmagórico.<br />
A aventura se foi. Ficou a realidade peixotense. O município, com<br />
14.257,800 km², na divisa com o Pará, tem 33.296 residentes e sua densidade<br />
demográfica é de 2,16 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice<br />
de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,649 numa escala de zero<br />
a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 345.536.000 e a renda per<br />
capita, de R$ 10.643,67. O rebanho bovino de Peixoto alcançou 315.580<br />
cabeças de mamando a caducando. Em 2016 Peixoto não exportou, mas<br />
importou da Austrália US$ 1.694 (FOB) em concentrados para metais.<br />
O ritmo alucinado da extração foi engolido pelo tempo, mas quem<br />
pensa que o ouro acabou está enganado. O que aconteceu foi o fim da<br />
144
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
aventura e da garimpagem sem critérios ambientais, mas o metal continua<br />
lá, firme, porém em menor quantidade, o que impede o surgimento de<br />
fortunas fáceis como antes, mas em compensação gera renda para o município<br />
e seus vizinhos Novo Mundo, Matupá, Guarantã do Norte, Nova<br />
Guarita e Terra Nova do Norte. Gilson Cambuim, líder da Cooperativa dos<br />
Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe), revelou que em 2015<br />
seus 5 mil cooperados extraíram 1,9 tonelada do metal e estimou que na<br />
área, naquele ano, o volume extraído foi de 4 toneladas. A movimentação<br />
em 2016 somente será apurada em meados de 2017 após cruzamento de<br />
informações.<br />
Peixoto tornou-se distrito de Colíder em 16 de novembro de 1981,<br />
por uma lei de autoria dos deputados Zanete Cardinal e Pedro Lima,<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />
Frederico Campos. A emancipação sobre uma área de Colíder e Sinop<br />
aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei de autoria das bancadas do<br />
PDS e PMDB aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />
governador Júlio Campos.<br />
O município tem a vila de União do Norte, à margem da MT-322 e<br />
distante 90 quilômetros da cidade. É sede de comarca de segunda entrância,<br />
da 33ª Zona Eleitoral, de uma Vara da Justiça do Trabalho e de um<br />
batalhão da Polícia Militar. Parte da área urbana é pavimentada. A água<br />
chega a todos os domicílios e uma limitada rede de esgoto atende aproximadamente<br />
20% da população. Peixoto é um dos divisores das amazônicas<br />
bacias do Teles Pires, formador do Tapajós, e do Xingu.<br />
Em Peixoto 244.931 hectares pertencem a duas áreas indígenas. A<br />
Capoto-Jarina mede <strong>46</strong>7.366 hectares e a Menkragnoti, 124.758 hectares.<br />
Ambas são homologadas. Na primeira estão aldeados caiapós, mentuktires<br />
e tapaiúnas, e dentre eles o cacique Raoni Metuktire. Na outra, caiapós<br />
e menkragnotis.<br />
TRAGÉDIA – Às 20 horas do dia 29 de setembro de 2006 no município<br />
de Peixoto um choque a 37 mil pés de altura entre um Boeing-737 da<br />
145
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Peixoto de Azevedo - 2016<br />
Gol Linhas Aéreas com um jato executivo Legacy 600 da companhia<br />
norte-americana Excel Aire matou os 154 ocupantes do primeiro avião,<br />
sendo que seis eram tripulantes. Os dois pilotos e os cinco passageiros<br />
do Legacy não se feriram e em razão do impacto sofrido pela aeronave<br />
seus comandantes Joseph Lepore e Jean Paul Paladino fizeram um<br />
pouso de emergência no Campo de Provas Brigadeiro Velloso, mais<br />
conhecido como Base Aérea do Cachimbo, da Força Aérea Brasileira<br />
(FAB) no Pará.<br />
O avião da Gol voava de Manaus para o Rio de Janeiro com escala<br />
em Brasília. O Legacy seguia de São José dos Campos (SP) para<br />
Manaus, onde faria uma escala para atendimento de exigência alfandegária<br />
e <strong>depois</strong> decolaria para os Estados Unidos, onde a Excel tem<br />
base operacional.<br />
1<strong>46</strong>
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O inquérito que apurou as causas do acidente revela que o Legacy<br />
voava com o transponder – peça do sistema de detecção de outras<br />
aeronaves – desligado. O jato executivo bateu na chamada barriga do<br />
avião da Gol e abriu um buraco em sua fuselagem, o que provocou sua<br />
desintegração estrutural e ele caiu na reserva indígena Capoto-Jarina.<br />
Quase uma década <strong>depois</strong> os dois pilotos foram condenados pelo juiz<br />
federal Murilo Mendes, de Sinop, a penas de três <strong>anos</strong>, um mês e 10<br />
dias em regime aberto, por atentado contra a segurança do transporte<br />
aéreo e eles a cumprem nos Estados Unidos, onde residem.<br />
MEMÓRIA - Nos <strong>anos</strong> 1950 e 60, seringueiros da empresa Rio Novo<br />
trabalhavam na área que mais tarde seria o município de Peixoto. Porém,<br />
a fixação do homem somente aconteceu a partir de 1973, com a<br />
abertura da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, e logo em seguida, com a descoberta de ouro por<br />
garimpeiros de Itaituba (PA).<br />
A primeira casa da futura cidade foi construída pelo fazendeiro<br />
Orestes Belmonte de Barros, que chegou à região em 1973, para demarcar<br />
uma área que havia comprado no rio Peixoto de Azevedo. Juntamente<br />
com Orestes, alguns outros proprietários rurais também demarcaram<br />
seus imóveis, mas somente ele permaneceu no lugar.<br />
Encravada às margens da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, a cidade tem suas raízes ligadas<br />
à rodovia. Nas barrancas do rio Peixoto de Azevedo o 9º Batalhão<br />
de Engenharia de Construção do Exército (9º BEC) montou um<br />
acampamento. Em torno dele surgiram casebres, bares, restaurantes,<br />
cabarés, pequenas mercearias, oficinas mecânicas e outros estabelecimentos<br />
que deram origem a um vilarejo perdido na Amazônia.<br />
O nome Peixoto de Azevedo foi dado ao rio que banha a cidade<br />
em homenagem ao tenente da Polícia Militar Antônio Peixoto de Azevedo<br />
citado no capítulo sobre a região. Com o surgimento da vila, inicialmente<br />
sem nome, quem se referia a ela dizia “lá na vila do Peixoto<br />
de Azevedo”. Daí, a denominação do município.<br />
147
Eduardo Gomes de Andrade<br />
União do Sul<br />
XXI<br />
Nome simboliza pensamento de sua gente<br />
Vida pacata, baixa criminalidade, cidade em boa parte pavimentada<br />
e com água universalizada nas residências e área comercial,<br />
mas sem tratamento de esgoto. Assim é União do Sul, na calha do rio<br />
Arraias, afluente do Manissauá-Miçu, ou simplesmente Manito, na<br />
Bacia do Rio Xingu. O município faz limite com o Parque Indígena<br />
do Xingu.<br />
Com 4.581,910 km², 3.509 residentes e densidade demográfica<br />
de 0,82 habitante por quilômetro quadrado, em 2016, União do<br />
148
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Sul registrou Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,665<br />
numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) era de R$<br />
86.709.000. A renda per capita alcançava R$ 24.126,02. O município<br />
exportou em madeira para os Estados Unidos e África do Sul US$<br />
1.665.028 (FOB) e nada importou.<br />
A economia em seus primórdios era baseada na extração e beneficiamento<br />
da madeira. Gradualmente as lavouras mecanizadas<br />
avançaram sobre o município e hoje o cultivo da soja e de sua rotação<br />
de cultura são os pilares econômicos.<br />
A cidade dista 160 quilômetros de Sinop por rodovia parcialmente<br />
pavimentada. Em dezembro de 2016 havia dois trechos sem<br />
pavimentação na MT-423 entre Cláudia e União do Sul, que juntos<br />
somam 37 quilômetros. Além desse gargalo no trajeto, a ponte de<br />
madeira sobre o rio Tartaruga esperava por sua substituição por uma<br />
de concreto, e definitiva.<br />
MEMÓRIA - No começo dos <strong>anos</strong> 1980, o corretor de imóveis Manoel<br />
Cavalcante vendeu propriedades rurais na região onde mais tarde<br />
surgiria o município de União do Sul. A gleba por ele comercializada<br />
inicialmente chamou-se Paralelo 16 e posteriormente Itaipu. Os compradores,<br />
porém, enfrentaram problemas porque a documentação<br />
não era legal. Com isso, surgiram questões agrárias com sérios desdobramentos<br />
judiciais, muitos dos quais ainda pendentes.<br />
A região, à época, refletia a balbúrdia agrária mato-grossense,<br />
com terras sem documentos e documentos sem terras. Além de Manoel<br />
Cavalcante, outros vendedores de imóveis rurais surgiram na área oferecendo<br />
e vendendo glebas como se fossem suas. Ainda hoje, boa parte<br />
das fazendas e sítios não têm títulos definitivos.<br />
Para suporte aos proprietários rurais, a exemplo do que acontecia<br />
nos demais projetos de colonização em Mato Grosso, Manoel Cavalcante<br />
abriu uma clareira na mata e em 28 de agosto de 1983 o vazio<br />
demográfico foi vencido pelo surgimento de uma vila, que formalmen-<br />
149
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Igreja atual<br />
Igreja antiga<br />
Adelmo Ragnini<br />
150
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
te nasceu naquela data e não tinha nome oficial. Alguns a chamavam<br />
de Paralelo 16, outros de União – em alusão a uma gleba existente na<br />
região. A indefinição quanto ao nome dificultava e, não raramente,<br />
impedia o recebimento de correspondência por parte dos moradores.<br />
Para se verem livres desse problema, os habitantes resolveram que deveriam<br />
definir a questão da denominação do lugar.<br />
O crescimento da vila resultou em sua emancipação no dia 21<br />
de dezembro de 1995, data em que o governador Dante de Oliveira<br />
sancionou uma lei de autoria do deputado Ricarte de Freitas e aprovada<br />
pela Assembleia Legislativa criando União do Sul desmembrado<br />
de Cláudia, Marcelândia e Santa Carmem. O município pertence<br />
à comarca de primeira entrância de Cláudia.<br />
MÃOS DADAS - Entendimento zero. Uns defendiam Nova Concórdia<br />
em alusão à cidade de Concórdia (SC), de onde procediam. Outros<br />
apresentavam mais opções. A consensualidade parecia algo impossível<br />
na tarde do domingo 12 de agosto de 1984, quando um grupo de<br />
moradores se reuniu para escolher a denominação da vila, após rezar o<br />
terço na Igreja Nossa Senhora Aparecida. A discordância deu lugar ao<br />
consenso após o sitiante e dono de serraria Adelmo Ragnini, gaúcho de<br />
Cacique Doble, sugerir União do Sul.<br />
A sugestão soou bem e caiu no agrado da maioria por simbolizar<br />
o estado de espírito dos pioneiros da vila União ou vila Paralelo<br />
16, como era chamado o recém-fundado vilarejo, hoje cidade de<br />
União do Sul, na calha do rio Tartaruga.<br />
Adelmo deve ser caso único de cidadão brasileiro residente<br />
numa cidade cujo nome foi por ele escolhido e diz que se sente feliz<br />
pela aceitação de sua sugestão. “Poucos homens escolheram o nome<br />
de sua cidade; eu sou um deles”, comenta com uma ponta de orgulho,<br />
que nem mesmo sua simplicidade e mãos calejadas no trabalho<br />
diário conseguem esconder.<br />
151
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Itanhangá<br />
XXII<br />
Do pesadelo ao sonho bom<br />
Fazenda Vale do Arinos, município de Tapurah, 12 de agosto<br />
de 1994. O pesadelo vira sonho. Sonho bom para 1.149 famílias<br />
de Lucas do Rio Verde, Diamantino e Tapurah, que um dia antes<br />
desmontaram suas barracas de lona plástica defronte ao Incra, em<br />
Cuiabá, e chegaram ao Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá,<br />
numa área do Incra em Tapurah. Esse foi o embrião de Itanhangá.<br />
O vento soprava forte no cerrado quando as famílias desembarcavam.<br />
Antes da chegada, peregrinaram por 30 dias num acam-<br />
152
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
pamento na fazenda São João, em Diamantino, até serem despejadas<br />
em 9 de maio de 1994. De lá, um grupo foi para Cuiabá e<br />
montou barracas na porta do Incra. Negocia dali, negocia daqui e<br />
o assentamento em Itanhangá saiu do papel. Virou realidade. Virou<br />
vila em 12 de agosto daquele ano e cidade em 29 de março<br />
de 2000 por uma lei sancionada pelo governador Dante de Oliveira,<br />
oriunda de projeto de lei do deputado José Riva aprovado pela<br />
Assembleia Legislativa. Itanhangá pertence à comarca de primeira<br />
entrância de Tapurah.<br />
A denominação do município tem origem na sabedoria popular.<br />
Em tupi-guarani a palavra itanhangá significa pedra de fogo.<br />
Antigos moradores juram que era muito comum se avistarem bolas<br />
de fogo nas áreas acidentadas próximo ao perímetro urbano. Daí deu<br />
no que deu.<br />
Itanhangá é cidade com baixo índice de criminalidade, mas já<br />
carregou a pecha de ser a terceira em número de mortes violentas no<br />
país. O Mapa da Violência dos Municípios em 2008, publicado pelo<br />
Ministério da Justiça com base em dados de 2006, revelou que para<br />
cada grupo de 100 mil moradores em Itanhangá 105,7 foram assassinados.<br />
No topo do ranking ficou Coronel Sapucaia (MS), com 107,2<br />
para igual grupo.<br />
O Mapa não computou o caso do então presidente da Câmara<br />
de Itanhangá, Hildo Cezar Dallapria (PP), que em 20 de junho de<br />
2006 foi vítima de emboscada. Dallapria foi atingido por oito tiros de<br />
calibre 22 e teve uma das mãos parcialmente mutilada pelas balas.<br />
Seu caso foi um entre tantos outros da violência que reinava no município,<br />
mas que não somaram para a composição daquele indicador.<br />
Em 2007 Dallapria me recebeu em sua casa para uma entrevista<br />
e disse que o atentado teve motivação política. Acrescentou<br />
que tentou provar isso no inquérito policial, mas que o caso mergulhou<br />
numa densa nuvem e acabou abafado por forças poderosas.<br />
153
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Maria Ramos<br />
SONHADORA - Dona Maria Ramos estava entre os que sonharam com<br />
Itanhangá e, acompanhando seu marido, Geraldo, chegou àquele lugar<br />
junto com os demais pioneiros. O Incra não contemplou dona Maria com<br />
parcela da reforma agrária, mas isso não a desanimou. Ela e Geraldo<br />
criaram cinco filhos e agora o casal tem 12 netos.<br />
Sem chão pra plantar, Geraldo se vira na construção civil na cidade.<br />
O sonho de dona Maria não acabou; agora ele é por dias melhores<br />
para a filharada, “nesta terra boa de viver”, como diz, mantendo o sotaque<br />
mineiro que trouxe de sua terra, Governador Valadares.<br />
ITANHANGÁ - Juntamente com o vizinho Ipiranga do Norte, é o município<br />
mais novo de Mato Grosso. Sua instalação aconteceu em 1º de janeiro<br />
de 2005. A área territorial é de 2.898,075 km². Em 2016 a população<br />
era de 6.252 moradores, com densidade demográfica de 1,82 habitante<br />
por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)<br />
é de 0,710 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de<br />
154
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
R$ 177.533.000 e a renda per capita, de R$ 29.837,47. A economia local<br />
ainda não se inseriu ao mercado internacional.<br />
A cidade não tem tratamento de esgoto, mas a água atende a todos<br />
os domicílios. Parte de Itanhangá é pavimentada. As vilas de Simioni e<br />
Monte Alto lhe pertencem. O município é banhado pelo rio Arinos, da<br />
Bacia do Juruena.<br />
Por rodovia, com alternativas de trajeto, Itanhangá dista <strong>46</strong>0 quilômetros<br />
de Cuiabá. No final de 2016 um dos trajetos tinha um trecho<br />
de 36 quilômetros em pavimentação. No outro faltavam 16 quilômetros<br />
para a interligação com a malha rodoviária pavimentada.<br />
Em 2016, transcorridos 22 <strong>anos</strong> do desembarque dos parceleiros<br />
pioneiros, o assentamento que os recebeu ainda não foi emancipado<br />
pelo Incra. Muitos contemplados com lotes os deixaram, os venderam<br />
por meio de contratos de gaveta, partiram em busca de novos horizontes,<br />
porque a burocracia do Incra infernizava suas vidas – dentre eles<br />
também havia os “profissionais” da reforma agrária, que aportam em<br />
assentamentos para levar algum tipo de vantagem.<br />
A terra fértil de Itanhangá e a topografia que permite a mecanização<br />
despertaram interesse em produtores rurais e alguns compraram<br />
ou arrendaram lotes para o cultivo da soja e milho safrinha. Com isso o<br />
município passou a se integrar ao modelo econômico de sua região, que<br />
é um dos principais polos do agronegócio brasileiro. Essa alteração no<br />
mosaico fundiário levou o governo federal, em 2010, a investigar o que<br />
se passava por lá.<br />
Em novembro de 2014, portanto quatro <strong>anos</strong> <strong>depois</strong> do início das<br />
investigações, Itanhangá foi destaque na imprensa com a deflagração<br />
pela Polícia Federal da Operação Terra Prometida para desbaratar um<br />
esquema criminoso de venda e posse irregular de lotes do assentamento<br />
que deu origem ao lugar. Essa operação foi levada a efeito por 350 policiais<br />
de oito estados, que cumpriram 1<strong>46</strong> mandados de busca e apreensão<br />
e efetuaram mais de 20 prisões.<br />
Dentre os presos na Operação Terra Prometida, o empresário Marino<br />
Franz, ex-prefeito de Lucas do Rio Verde, e Odair e Milton Geller,<br />
155
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Silvestre Caminski<br />
que são irmãos de Neri Geller, à época ministro da Agricultura. Milton<br />
foi prefeito de Tapurah. Franz e os irmãos Geller foram soltos. O nome<br />
de Neri chegou a ser citado na operação, mas o Ministério Público Federal<br />
apurou que ele não teve participação no caso.<br />
Em 19 de dezembro de 2014, quando a operação estava em fase<br />
de tramitação de inquéritos e com diligências em campo, a Polícia Federal<br />
prendeu na Assembleia Legislativa o vereador por Itanhangá Silvestre<br />
Caminski (PPS) logo após sua fala numa audiência pública que<br />
discutia a questão das terras da União. A justificativa para a prisão foi a<br />
preservação das investigações. Tal audiência foi requerida pelos deputados<br />
Nininho Bortolini (à época PR e agora PSD) e Ezequiel Fonseca<br />
(PP, agora deputado federal). Caminski foi solto e o caso continua em<br />
curso com tempero em banho-maria, como tradicionalmente acontece<br />
nas questões agrárias.<br />
156
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Novo Horizonte do Norte<br />
XXIII<br />
A segunda povoação mais antiga da região<br />
Novo Horizonte do Norte foi colonizado pelo empresário paulista<br />
José Kara José, que para tanto criou a Imobiliária Mato Grosso (Imagrol).<br />
É o menor município do <strong>Nortão</strong>. Sua área é de 879,662 km². A média<br />
territorial dos municípios da região é de 6.658 km², dos quais o maior é<br />
Juara, com 22.641,187 km².<br />
Em 2016 a população era de 3.862 residentes e densidade demográfica,<br />
de 4,26 habitantes por quilômetro quadrado. A cidade é plana,<br />
parcialmente pavimentada e a água é distribuída em todas as moradias,<br />
mas não há tratamento de esgoto. O rio Arinos, afluente do Juruena que<br />
é formador do Tapajós, banha o município.<br />
157
Eduardo Gomes de Andrade<br />
A pecuária é a principal base econômica. O rebanho bovino tem<br />
97.306 cabeças de mamando a caducando. O Produto Interno Bruto (PIB)<br />
é de R$ 44.734.000 e a renda per capita, de R$ 11.679,93. O Índice de<br />
Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,664 numa escala de zero a um.<br />
A economia do município não está inserida na balança comercial. Novo<br />
Horizonte do Norte pertence à comarca de primeira entrância de Porto<br />
dos Gaúchos.<br />
A cidade dista 30 quilômetros de Juara no rumo sul, por rodovia<br />
pavimentada. Seu trajeto rodoviário na ligação com Cuiabá é o mesmo<br />
daquela cidade, observada a distância entre elas. Os detalhes estão no<br />
capítulo sobre Juara.<br />
A colonização da gleba que posteriormente se transformaria no<br />
município de Novo Horizonte do Norte começou em 21 de agosto de<br />
1968, por intermédio da Imagrol. O nome primitivo era Novo Horizonte.<br />
Um escritório da empresa, instalado em Maringá, no Paraná, centralizava<br />
a venda de áreas de tamanhos variados na zona rural.<br />
Antes de ampliar seus negócios no Estado e colonizar aquela área<br />
no Vale do Arinos, José Kara José mantinha atividades agropecuárias no<br />
Vale do Jurigue, no município de Pedra Preta, polo de Rondonópolis.<br />
Entusiasmado com o projeto de implantar uma cidade na Amazônia, ele<br />
escolheu o nome de Novo Horizonte para o futuro município, por acreditar<br />
que ali todos teriam um imenso horizonte pela frente.<br />
Nos primeiros <strong>anos</strong>, durante o período das chuvas, Novo Horizonte<br />
ficava isolado de Porto dos Gaúchos e Cuiabá enquanto as águas<br />
do pequeno rio Mestre Falcão permanecessem cobrindo a única rodovia<br />
que a ligava a Juara e ao restante de Mato Grosso. Na seca não havia problema<br />
com estrada, mas eram poucos os veículos que por ali trafegavam.<br />
Antigos moradores que faziam compras de supermercado em Porto dos<br />
Gaúchos dependiam de carona.<br />
Vila pertencente a Porto dos Gaúchos, Novo Horizonte virou distrito<br />
daquele município em 31 de maio de 1976 por uma lei sancionada<br />
pelo governador Garcia Neto. Em 13 de maio de 1986 o governador Júlio<br />
Campos sancionou uma lei de autoria das bancadas do PDS, PFL e<br />
PMDB aprovada pela Assembleia Legislativa emancipando o distrito e<br />
mudando seu nome para Novo Horizonte do Norte.<br />
158
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nova Guarita<br />
XXIV<br />
Expulsos por índios encontram abrigo<br />
Nova Guarita é uma das marcas deixadas em Mato Grosso pelo<br />
pastor luterano, político e colonizador Norberto Schwantes. Sua colonização<br />
resolveu um grave problema social no Rio Grande do Sul,<br />
onde centenas de famílias de agricultores que plantavam nos municípios<br />
de Tenente Portela, Guarita e Miraguaí foram expulsos pelos índios<br />
caingangues.<br />
Sem área para o cultivo, os agricultores foram atendidos por<br />
uma parceria do governo federal com os estados de Mato Grosso e Rio<br />
Grande do Sul, que foi executada por Schwantes, que liderava a Cooperativa<br />
Agropecuária Mista Canarana (Coopercana). Schwantes implantou<br />
um programa de colonização onde mais tarde surgiria o município<br />
de Nova Guarita. Os primeiros parceleiros chegaram à gleba em<br />
159
Eduardo Gomes de Andrade<br />
1978. O nome é homenagem à cidade de Guarita, no Rio Grande do Sul,<br />
de onde provinham muitos dos pioneiros.<br />
Schwantes adotou ali o sistema de agrovilas, que se expandiu<br />
pela Amazônia. Para assegurar serviços básicos aos colonos ele criou e<br />
vila de Guarita em 22 de outubro de 1978. A terra foi vendida a preço<br />
quase simbólico e com facilidade de pagamento. Quem adquiriu lote<br />
rural padrão de 200 hectares ainda recebeu uma chácara nas imediações<br />
da área urbana. Da área vendida aos colonos eles somente poderiam<br />
explorar 50% e o restante seria parte de uma reserva legal condominial,<br />
que na prática nunca se efetivou plenamente.<br />
O agricultor Mário Nerves, o Nenão, chegou à gleba na primeira<br />
leva com 90 colonos, no final de 1978. Ele integrava o grupo expulso<br />
pelos índios. Em 1999 o entrevistei para um material sobre os 500 <strong>anos</strong><br />
do Brasil em 2000. A família Nerves se adaptou ao lugar. Nenão me<br />
disse que ele e sua mulher dona Marilda Nerves têm filhos e netos nascidos<br />
em Nova Guarita.<br />
Planejada para a agricultura familiar, Guarita foi desfigurada<br />
socialmente com o ciclo do ouro, o que é abordado com detalhes no<br />
capítulo sobre Peixoto de Azevedo. Em 1995, com a redução do garimpo,<br />
a gleba reencontrou-se com a agricultura. O município foi palco de<br />
conflitos fundiários, mas conseguiu superá-los.<br />
Nova Guarita é pacata, com ruas pavimentadas, água nas residências,<br />
mas sem tratamento de esgoto. Sua área é de 1.114,126 quilômetros<br />
quadrados. Em 2016 a população era de 4.523 habitantes com<br />
4,43 indivíduos por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,688 numa escala de zero a um. O Produto<br />
Interno Bruto (PIB) é de R$ 64.679.000 e a renda per capita, de<br />
R$ 13.879,57. O município não exporta nem importa. Sua economia é<br />
calcada na pecuária bovina, com rebanho de 130.893 cabeças de mamando<br />
a caducando; o leite é fonte de renda para famílias de pequenos<br />
criadores, que o destina à plataforma de uma cooperativa na vizinha<br />
Terra Nova do Norte. A extração de madeira aconteceu enquanto havia<br />
matéria-prima para os madeireiros.<br />
160
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Crianças de Nova Guarita<br />
O município é banhado pelo rio Peixoto de Azevedo, da Bacia<br />
do Teles Pires, e pertence à comarca de primeira entrância de<br />
Terra Nova do Norte. A cidade dista 50 quilômetros da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> e<br />
sua ligação é feita pela Rodovia Diego Felipe Dal Bosco (MT-208),<br />
pavimentada.<br />
Nova Guarita emancipou-se de Colíder, Terra Nova do Norte<br />
e Peixoto de Azevedo por uma lei de autoria do deputado Lincoln<br />
Saggin, aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em 19 de<br />
dezembro de 1991 pelo governador Jayme Campos.<br />
ALÔ - Com o avanço das comunicações a cidade está integrada ao<br />
mundo pela internet, mas no passado não muito distante as novidades<br />
do lugar eram tornadas públicas pelo serviço de alto-falantes<br />
batizado pela irreverência popular por “Pau da fofoca” – alusão à<br />
colocação dos mesmos no alto de alguns postes.<br />
161
Eduardo Gomes de Andrade<br />
XXV<br />
Juara é o maior município do <strong>Nortão</strong><br />
Juara é um município com área superior à de Israel ou Sergipe.<br />
Seu território tem 22.641,187 km² – o maior do <strong>Nortão</strong> –, com 33.731<br />
moradores e densidade demográfica de 1,45 habitante por quilômetro<br />
quadrado.<br />
A cidade é parcialmente pavimentada e tem ensino superior. O<br />
lixo é recolhido e jogado num lixão. A água, em concessão municipal,<br />
chega a todos os endereços na cidade. Estima-se que 20% do esgoto são<br />
captados. O rio Arinos, da Bacia do Juruena, vizinho do perímetro urbano,<br />
é a principal área de lazer no período das águas baixas. O maior<br />
evento do município e região é a Expovale, a exposição agropecuária e<br />
industrial. O município tem as vilas de Águas Claras, Paranorte e Catuaí.<br />
Juara tem duas reservas indígenas regularizadas: Apiaka-Kaiabi,<br />
com 103.689 hectares (ha), dos apiakas, kaiabis e mundurukus; e<br />
Japuíra, com 1<strong>46</strong>.353 ha dos rikbaktsas; e uma em fase de regulariza-<br />
162
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
ção: Batelão, dos kaiabis, com 4.063 ha naquele município, mas que se<br />
estende a Nova Canaã do Norte. As terras indígenas respondem por<br />
22% da área juarense.<br />
Os dois principais acessos rodoviários a Cuiabá ainda não foram<br />
totalmente asfaltados. Em ambos há trecho encascalhado. Um trajeto alternativo<br />
com 800 quilômetros via Brasnorte, no Chapadão do Parecis,<br />
liga as duas cidades por rodovia pavimentada. Pela rota mais curta, via<br />
Lucas do Rio Verde e Porto dos Gaúchos, a distância cai para 640 quilômetros,<br />
mas tem o gargalo do trecho sem pavimentação.<br />
O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 625.837.000 e a renda per<br />
capita, de R$ 18.691,19. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)<br />
é de 0,682 uma escala de zero a um. O pilar da economia é a pecuária,<br />
com rebanho de 944.605 cabeças, mas nos primórdios da colonização a<br />
principal atividade foi a cafeicultura.<br />
Polo pecuário em Mato Grosso, em 2016 Juara exportou US$<br />
2.809.585 (FOB) em carne bovina para a Hong Kong e Egito, e não efetuou<br />
importação.<br />
Em 2012, em Cuiabá, num seminário sobre mineralogia promovido<br />
em parceria pelo Departamento Nacional de Produção Mineral<br />
(DNPM) e a Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), o<br />
presidente da IMS Engenharia Mineral, de Minas Gerais, Juvenil Tibúrcio<br />
Félix, detalhou o depósito mato-grossense de minério de ferro. Citou<br />
que Juara tem 3 bilhões de toneladas desse minério. Fora do <strong>Nortão</strong> há<br />
depósitos em Juína, Cocalinho e Mirassol D’Oeste – onde foi descoberto<br />
fosfato, numa área pertencente ao ex-banqueiro Daniel Dantas.<br />
Félix defendeu a construção de uma ferrovia para o escoamento<br />
do minério de Juara e Juína para Porto Velho (RO), de onde seria transportado<br />
por barcaças até Itacoatiara (AM), no rio Amazonas, e dali em<br />
navios para o mercado mundial.<br />
O executor da colonização foi José Pedro Dias, o Zé Paraná, sócio<br />
e executivo da Sociedade Imobiliária da Bacia Amazônica (Sibal), que<br />
iniciou a colonização da Gleba Taquaral, de 35.900 hectares no município<br />
de Porto dos Gaúchos, área na qual fundou aquela que seria a<br />
cidade de Juara, à margem do rio Arinos.<br />
<strong>163</strong>
Eduardo Gomes de Andrade<br />
O marco do início da colonização urbana da gleba Taquaral foi<br />
cravado em 8 de julho de 1973. No inverno amazônico ou período das<br />
águas altas o acesso ao lugar era feito pelo rio Arinos. No verão amazônico<br />
ou estiagem, uma precária trilha conhecida como Estrada da Baiana<br />
ligava a vila à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
A vila e <strong>depois</strong> distrito (04/07/76) de Juara pertencia a Porto dos<br />
Gaúchos. Lei de autoria dos deputados Oscar Ribeiro e Osvaldo Sobrinho,<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada em 23 de<br />
setembro de 1981 pelo governador Frederico Campos, a emancipou e<br />
hoje o município é sede de comarca de segunda entrância e da 27ª Zona<br />
Eleitoral. A cidade tem uma vara da Justiça do Trabalho.<br />
Tanto os colonizadores quanto os primeiros moradores das vilas<br />
que pipocavam por todos os lados no <strong>Nortão</strong> vibravam com seu<br />
crescimento. Exemplo disso aconteceu com Zé Paraná, que cumpriu,<br />
alegre, a promessa feita ao Menino Jesus: lavar com cerveja o primeiro<br />
ônibus que ali chegasse. Nessa tarefa não faltaram mãos para o<br />
ajudarem nem bocas para bons goles da loira bem gelada que não<br />
foram utilizados no ritual.<br />
Muitos pioneiros deixaram seus lugares de origem em busca<br />
do sonho da realização, na Amazônia Mato-grossense. Parte trazia<br />
consigo mágoas ou tristeza pelos fracassos comerciais ou no campo.<br />
Outros tantos chegavam com a cara e a coragem. Todos, indistintamente,<br />
tinham algumas coisas em comum: o trabalho, a falta de lazer,<br />
a distância de tudo, o risco da malária. Toda conquista coletiva virava<br />
motivo de comemoração.<br />
O NOME - Em 1972 o mineiro Antônio Corrêa Faria, natural de Manhuaçu,<br />
conhecedor da cafeicultura e que residia em Juscimeira, comprou<br />
uma área em Taquaral e foi o primeiro agricultor a cultivar café<br />
naquela região. Corrêa contou que os pioneiros não gostavam da denominação<br />
do lugar. Daí trocaram Taquaral por Juarinos, que é a fusão<br />
dos nomes dos rios Juruena com Arinos; por se tratar de palavra comprida<br />
para o linguajar popular a mudaram para Juara, de pronúncia<br />
reduzida e forte, e que em tupi significa moça bonita.<br />
164
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Zé Paraná<br />
ZÉ PARANÁ - Na vida pública foi vereador e vice-prefeito de Diamantino,<br />
prefeito de Porto dos Gaúchos e duas vezes prefeito de Juara. Na<br />
iniciativa privada fundou Juara e Tabaporã e trabalhou na colonização<br />
de Porto dos Gaúchos. Homem simples, de origem humilde, com cheiro<br />
de povo, Zé Paraná sempre tinha palavra incentivadora e ombro amigo<br />
aos pioneiros da região que desbravava. Vítima de câncer no intestino,<br />
morreu aos 75 <strong>anos</strong> no dia 28 de fevereiro de 2004, em Juara, onde foi<br />
sepultado. Figura mais importante na ocupação do vazio demográfico<br />
do Vale do Rio Arinos. Este é o currículo do paranaense de Santo Antônio<br />
da Platina José Pedro Dias, o Zé Paraná, que escreveu com mãos<br />
limpas e honradez uma das páginas da transformação econômica de<br />
Mato Grosso.<br />
165
Eduardo Gomes de Andrade<br />
XXVI<br />
Nome do município reverencia uma árvore<br />
Mato Grosso tem uma cidade que nasceu da extração da madeira:<br />
Itaúba, em homenagem a uma espécie nobre da flora amazônica. A<br />
cidade tem topografia levemente ondulada, boa parte das ruas é pavimentada,<br />
a água chega a todos os domicílios, mas não há coleta e tratamento<br />
de esgoto; a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> cruza o perímetro urbano, onde há barracas<br />
de vendas de castanha-do-brasil à margem da rodovia. O município é<br />
banhado pelo rio Teles Pires.<br />
O município tem suas origens ligadas à extração de madeira no<br />
eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Em 1972, logo após a abertura dessa rodovia, os irmãos<br />
Adelino, Ildo e Ivo Bedin compraram uma área de mata de 20<br />
mil hectares nas imediações do lugar onde mais tarde seria a cidade de<br />
Itaúba. Os Bedin atuavam no ramo madeireiro em Ouro Verde, distrito<br />
166
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Itaúba<br />
de Abelardo Luz (SC), e se transferiram para Mato Grosso em função<br />
da madeira aqui existente ao passo que em Santa Catarina ela já faltava<br />
àquela época.<br />
À margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, distante 20 quilômetros da cidade, a<br />
vila de Castanheira pertence a Itaúba. O município é sede de comarca<br />
de primeira entrância. Sua área é de 4.529,581 km² com 3.905<br />
residentes em 2016 e densidade demográfica de 1,01 habitante por<br />
quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) é de 0,690 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto<br />
(PIB) alcançou R$ 114.088.000 e a renda per capita, R$ 27.664,32.<br />
Itaúba não está inserido na balança comercial. Sua base econômica é<br />
o agronegócio. O rebanho bovino é de 103.108 cabeças de mamando<br />
a caducando.<br />
Anualmente, em 12 de outubro, Dia da Padroeira do Brasil,<br />
Nossa Senhora Aparecida, a igreja católica realiza uma procissão que<br />
percorre 5 quilômetros entre a cidade e uma capela de Nossa Senhora<br />
Aparecida à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> rumo norte.<br />
167
Eduardo Gomes de Andrade<br />
MEMÓRIA - Em 1973, os Bedin instalaram a Indústria de Madeiras<br />
Renato (Imarel), à margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> no sentido sul-norte,<br />
numa área recém-adquirida por eles e, um ano <strong>depois</strong>, a indústria<br />
entrou em operação. A palavra Renato no registro da Junta Comercial<br />
é alusão ao rio Renato – afluente do Teles Pires – que banha as imediações<br />
de Itaúba e ali mesmo deságua. Posteriormente a empresa sofreu<br />
alterações contratuais até se transformar no Grupo Bedin.<br />
Com os Bedin vieram para Mato Grosso vários funcionários que<br />
trabalhavam com eles em Santa Catarina. Em torno da serraria o grupo<br />
construiu casas para esse pessoal e ao lado delas surgiram estabelecimentos<br />
comerciais. Assim nasceu uma vila que sequer nome tinha e<br />
pertencia ao município de Chapada dos Guimarães. Em 1979, Colíder<br />
se emancipou e a futura Itaúba, para se tornar seu distrito, precisou<br />
ganhar um nome. De maneira quase consensual, seus primeiros moradores<br />
optaram pela denominação atual.<br />
O distrito de Itaúba foi criado em 18 de dezembro de 1977 pelo<br />
governador Garcia Neto, no município de Chapada dos Guimarães.<br />
A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986, data em que o governador<br />
Júlio Campos sancionou uma lei de autoria do PDS e PMDB<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa desmembrando Itaúba de Colíder,<br />
Diamantino e Sinop.<br />
168
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nova Monte Verde - 2016<br />
XXVII<br />
Gervásio Azevedo fundou Nova Monte Verde<br />
Gervásio Azevedo, o colonizador, estampou um sorriso largo<br />
quando os tratores concluíram a abertura da Avenida Mato Grosso, a<br />
primeira do lugar. O calendário marcava 19 de agosto de 1984. Aquela<br />
data tornou-se o marco da fundação de Nova Monte Verde, mas um<br />
ano antes Gervásio já fazia das tripas coração para vender lotes rurais<br />
naquela área, por meio de sua Imobiliária Monte Verde, que recebeu<br />
esse nome em alusão a uma elevação na região.<br />
169
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Enquanto agricultores e pecuaristas pioneiros derrubavam a<br />
mata, a área urbana era ocupada. Em 18 de maio de 1987, portanto<br />
menos de três <strong>anos</strong> após a abertura da Avenida Mato Grosso, a vila que<br />
nasceu com o nome de Monte Verde foi elevada a distrito de Alta Floresta<br />
por uma lei de autoria do deputado João Teixeira aprovada pela<br />
Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Carlos Bezerra.<br />
O acesso ao lugar era difícil. No verão amazônico a MT-208 desaparecia<br />
num corredor de poeira nos 160 quilômetros entre Monte<br />
Verde e Alta Floresta. No inverno na região a estrada virava um atoleiro<br />
sem fim; quando os rios transbordavam o trânsito era interrompido.<br />
A malária tinha contornos de hiperendemia. No entorno, em Apiacás<br />
e Paranaíta, o garimpo do ouro gerava violência e esvaziava o campo.<br />
Nada disso esmorecia os moradores do distrito de Gervásio.<br />
Em 20 de dezembro de 1991, com 3.954 habitantes, Monte Verde<br />
teve o nome alterado para Nova Monte Verde. Naquela data o<br />
distrito virou município por força de uma lei de autoria do deputado<br />
João Teixeira e sancionada pelo governador Jayme Campos. A superfície<br />
para sua criação incluiu áreas de Alta Floresta, Apiacás e Juara.<br />
Quando em 13 de abril de 2004 o governador Blairo Maggi sancionou<br />
uma lei de autoria do Tribunal de Justiça e aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa criando a comarca de primeira entrância de Nova<br />
Monte Verde, sua população era de 8.254 habitantes. No passo seguinte<br />
a cidade tornou-se sede da 50ª Zona Eleitoral.<br />
O município tem tradição no cultivo do café conilon, mas a base<br />
de sua sustentação econômica é a pecuária. Um frigorífico para abate<br />
bovino instalou-se na cidade, mas baixou as portas em 2009. Um laticínio<br />
recebe em sua plataforma o leite da pecuária regional.<br />
Não há captação nem distribuição de água às residências. Os moradores<br />
lançam mão de cacimbas e em alguns casos, de poços semiartesi<strong>anos</strong>.<br />
Coleta e tratamento de esgoto são coisas estranhas por lá. O lixo<br />
é deixado num lixão a céu aberto. No final de 2016 a pavimentação da<br />
MT-208 entre a cidade e Alta Floresta não estava concluída; faltavam<br />
170
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Nova Monte Verde - 2006<br />
12 quilômetros para a o término daquela obra e a substituição das antigas<br />
pontes no trajeto. O município tem o distrito de São José do Apuí<br />
e a vila de Alto Paraíso. Nova Monte Verde é um dos divisores das<br />
amazônicas bacias do Juruena e Teles Pires, que formam o rio Tapajós.<br />
A área do município é de 5.048,543 km² e em 2016 tinha 8.730<br />
moradores, com densidade demográfica de 1,54 habitante por quilômetro<br />
quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 129.085.000. A<br />
renda per capita, de R$ 15.110,04. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) numa escala de zero a um é 0,691. Em 2016 Nova Monte Verde<br />
exportou US$ 249.500 (FOB) em madeira, para o México e Eslovênia;<br />
no período não efetuou importação. A cidade dista 960 quilômetros de<br />
Cuiabá via Alta Floresta, Sinop e Nobres.<br />
171
Eduardo Gomes de Andrade<br />
XXVIII<br />
Nova Santa Helena, à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
O povoamento da região da então vila de Santa Helena, no município<br />
de Chapada dos Guimarães, teve início em 1973, com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
que cruza o perímetro urbano. Agricultores e pecuaristas abriram fazendas<br />
na gleba Atlântica, que <strong>anos</strong> mais tarde se tornaria vila.<br />
A área urbana surgiu em 24 de março de 1984, no recém-criado<br />
município de Colíder, tendo por colonizadora a empresa Comarco, de<br />
172
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
São Paulo, que atuava na região vendendo áreas desde 1979. O primeiro<br />
estabelecimento da vila foi um mercado montado à margem da <strong>BR</strong>-<br />
<strong>163</strong> pelo paranaense João Barrichelo. Em seguida, Lázaro Ferreira, que<br />
morava em Marcelândia, montou um bar e rodoviária, uma vez que a<br />
localidade fica no entroncamento rodoviário da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com a MT-320,<br />
que dá acesso a Alta Floresta.<br />
O comércio e prestação de serviço aos usuários da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> criaram<br />
infraestrutura na vila. Surgiram posto de abastecimento, borracharias,<br />
oficinas mecânicas, bares, restaurantes, churrascaria, boates e um<br />
comércio informal na margem da rodovia para a venda de castanha-<br />
-do-brasil.<br />
A escolha do nome Santa Helena foi da Comarco. Em 28 de janeiro<br />
de 1998 o governador Dante de Oliveira sancionou uma lei de<br />
autoria do deputado Jorge Abreu aprovada pela Assembleia Legislativa<br />
criando o município, que foi desmembrado de Itaúba e Cláudia e<br />
ganhou o nome de Nova Santa Helena.<br />
A área territorial é de 2.359,829 km². Com base em números de<br />
2016 a população é de 3.581 moradores e a densidade demográfica,<br />
de 1,47 habitante por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um. O Produto<br />
Interno Bruto (PIB) é de R$ 66.118.000 e a renda per capita, de<br />
R$ 18.624,77.<br />
A água chega aos domicílios, o lixo é recolhido, mas não há<br />
rede de esgoto. Algumas vias têm galerias pluviais. Distante 48 quilômetros<br />
da cidade, a vila Atlântica tem infraestrutura razoável. O<br />
município é um dos divisores das amazônicas bacias do Teles Pires<br />
e do Xingu.<br />
A economia de Nova Santa Helena está em seu segundo ciclo.<br />
Primeiro foi a extração da madeira, que se exauriu. Depois a pecuária,<br />
que agora divide a base econômica com a agricultura. O município tem<br />
um rebanho bovino com 123.4<strong>46</strong> cabeças de mamando a caducando.<br />
173
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Estudantes<br />
Em 2016 o município exportou US$ 140.481.255 (FOB) em soja e milho<br />
para o Irã, China, Taiwan, Vietnã, Malásia, Coreia do Sul e Egito;<br />
no período não efetuou importação. O Irã respondeu por US$ 35,9<br />
milhões desse montante.<br />
MEMÓRIA - Roque Carrara, primeiro prefeito, tomou posse em janeiro<br />
de 2001. O município tinha por patrimônio público 220 lotes urb<strong>anos</strong><br />
medindo 10x30 m, cedidos pela prefeitura de Itaúba, que os havia<br />
recebido para quitação de tributos da Comarco. Ele, porém, teve problemas,<br />
pois parte da cidade não era titulada. Para começar sua frota,<br />
Nova Santa Helena ganhou uma ambulância doada pelo deputado estadual<br />
José Riva.<br />
A agência dos Correios de Nova Santa Helena é franqueada e foi<br />
inaugurada em novembro de 2002 pelo ministro das Comunicações,<br />
João Pimenta da Veiga, que estava na região por outras razões.<br />
174
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Paranaíta<br />
XXIX<br />
Do café à geração de energia elétrica<br />
Picadeiros, tratoristas, topógrafos, motoristas e os demais profissionais<br />
que trabalhavam para Ariosto da Riva, dono da Integração,<br />
Desenvolvimento e Colonização (Indeco), tiveram duas razões para<br />
comemoração com o chefe, em 29 de junho de 1979: o Dia de São<br />
Pedro e a fundação da vila de Paranaíta, que Ariosto planejara para<br />
centro urbano de um polo produtor de café e guaraná.<br />
Ariosto quase sempre acertava. Mas na aposta sobre o tal polo<br />
deu com os burros n’água, porque no nascedouro a povoação perderia<br />
a identidade que lhe estava reservada. A razão é simples: a descoberta<br />
de ouro na região. Garimpeiros maranhenses, paraenses e não<br />
175
Eduardo Gomes de Andrade<br />
UHE Teles Pires<br />
se sabe mais de onde invadiram as terras, reviraram o subsolo e mudaram<br />
cursos de águas em busca do metal mais cobiçado do mundo.<br />
Potenciais compradores de terra recusavam as ofertas tentadoras<br />
de Ariosto. Os agricultores e pecuaristas que se mudaram para<br />
o lugar entraram em polvorosa. Tudo em Paranaíta era comprado e<br />
pago com grama de ouro. Na Boate Sombra da Mata e na concorrência<br />
a mulherada fazia festa madrugada adentro e garimpeiros lavavam o<br />
chão com cerveja. Malária. Assassinatos. Congestionamentos aéreos.<br />
Dinheirama correndo solta. Era um fuzuê. A vila, perdida num canto<br />
do imenso município de Aripuanã, divisa com o Pará, não tinha lei.<br />
Em Cuiabá, na cúpula da Polícia Militar, coronéis brigavam<br />
longe da população civil para nomearem subordinados de sua confiança<br />
para a região. Era voz corrente que a PM fazia segurança nos<br />
garimpos à base de uma moderna derrama parecida com aquela dos<br />
idos da Inconfidência Mineira, com o pequeno detalhe que a ‘receita’<br />
não chegava aos cofres do Estado.<br />
Em meados da década de 1990 o ouro murchou, ficou difícil de<br />
ser garimpado e o governo federal complicou ainda mais as coisas<br />
com uma política nociva ao garimpo. Paranaíta entrou em declínio e<br />
o êxodo botou fim às vilas que lhe pertenciam.<br />
Em 1995, com a garimpagem desativada, a população remanescente<br />
era de 15.255 residentes. Transcorridos 21 <strong>anos</strong>, o número de<br />
moradores é de 10.864 e a densidade demográfica, de 2,23 habitantes<br />
por quilômetro quadrado. Ou seja, no período a queda populacional<br />
foi de 28,79%.<br />
176
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O município faz divisa com o Pará e limites com Apiacás, Nova<br />
Monte Verde e Alta Floresta. Sua área é de 4.796,013 km². O Índice de<br />
Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,672 numa escala de zero a um.<br />
O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 881.350.000 e a renda per capita,<br />
de R$ 81.433,04. Paranaíta não exportou nem importou em 2016.<br />
A exemplo do que acontece em praticamente todos os municípios<br />
em Mato Grosso, Paranaíta não faz captação nem tratamento de<br />
esgoto. O precário saneamento é feito por meio de fossas. De igual<br />
modo, também não tem aterro sanitário e o lixo é deixado a céu aberto<br />
num lixão.<br />
A cidade aos poucos retoma o crescimento, mas ainda se ressente<br />
do baque do esgotamento do garimpo. A malária de ontem sumiu,<br />
pelo menos na área urbana. A saúde melhorou e conta com um<br />
hospital particular conveniado com o SUS. Um matadouro garante a<br />
sanidade da carne consumida pelos moradores.<br />
Empresários e instituições se uniram em Paranaíta para a construção<br />
da sede do fórum da comarca, que foi criada em 13 de abril<br />
de 2004 por uma lei de autoria do Tribunal de Justiça, aprovada pela<br />
Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador Blairo Maggi.<br />
A cidade tem acesso pavimentado pela MT-206. Parte do centro<br />
é pavimentada. A maioria dos terrenos urb<strong>anos</strong> tem escritura. Na<br />
zona rural o mosaico fundiário é bem capenga, mas o maior problema<br />
agrário foi resolvido: o Estado fez uma composição com os proprietários<br />
de uma área de 100 mil hectares (ha) regularizando a situação de<br />
aproximadamente 300 famílias de posseiros que a ocupavam.<br />
177
Eduardo Gomes de Andrade<br />
O Projeto de Assentamento São Pedro, com 35 mil ha, na margem<br />
da MT-208, foi subdividido em 764 lotes, mas estima-se que o número<br />
atual de parceleiros não passe de 650.<br />
Em 1º de outubro de 1981 o governador Frederico Campos sancionou<br />
uma lei de autoria do deputado Ricardo Corrêa aprovada pela<br />
Assembleia Legislativa tornando a vila de Paranaíta distrito de Alta<br />
Floresta. A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei<br />
de autoria das bancadas do PDS e PMDB aprovada pela Assembleia e<br />
sancionada pelo governador Júlio Campos.<br />
Topografia acidentada, invernadas com pedras, aguada boa: Paranaíta<br />
é ideal para a pecuária e tem um rebanho bovino com 425.419<br />
cabeças de mamando a caducando. O ciclo do ouro findou, mas o garimpo<br />
não morreu de vez e aventureiros ainda arriscam a sorte no Garimpo<br />
Zé da Onça.<br />
A maior usina hidrelétrica de Mato Grosso é a Teles Pires, no<br />
rio do mesmo nome, com capacidade para gerar 1.820 MW. Sobre esta<br />
UHE leia o tópico Energia, no segundo capítulo.<br />
TACA - José Maria Pereira Luz é nome estranho em Paranaíta. Porém,<br />
se alguém se referir ao Goiano, a cidade em peso sabe quem é. Pioneiro<br />
no lugar e ex-picadeiro da Indeco, Goiano trocou de profissão em 1981<br />
e se tornou garimpeiro de ouro. Malhou em ferro frio. Foi vítima da<br />
Taca na Paranaíta que não tinha juiz, promotor nem delegado. Apanhou<br />
e foi levado na carroceria de um caminhão caçamba para Alta<br />
Floresta por jagunços armados que retiravam garimpeiros das áreas<br />
reservadas pela Indeco para venda a agricultores.<br />
Nome mais apropriado, impossível: taca é uma espécie de chicote<br />
e esse instrumento de tortura era usado pela jagunçada que expulsava<br />
garimpeiros na região de Alta Floresta quando dos primórdios de<br />
sua colonização, para abrir caminho à venda de lotes rurais.<br />
Em 2001, transcorridos 20 <strong>anos</strong> do incidente, ouvi o empresário<br />
Vicente da Riva, filho e sucessor de Ariosto da Riva e dono da Indeco,<br />
que negou envolvimento do pai já falecido e da empresa com a Taca.<br />
Goiano continua em Paranaíta com as marcas psicológicas da<br />
Taca, agressão que não tem paternidade. Filho feio não tem pai.<br />
178
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Ipiranga do Norte<br />
XXX<br />
A boa terra do Grito do Ipiranga<br />
Grandes rodovias trancadas. Agências do Banco do Brasil isoladas<br />
por máquinas. A Esplanada dos Ministérios tomada por um<br />
mar de chapéus, tratores, colheitadeiras e caminhões. A gigantesca<br />
manifestação levou o país a refletir sobre a importância da agricultura,<br />
do agronegócio e do produtor rural. Era o Grito do Ipiranga.<br />
O ano: 2006. A razão? A busca desesperada por uma política agrícola<br />
justa e que oferecesse reais garantias jurídicas a quem produz.<br />
Aquele movimento nasceu em Ipiranga do Norte, município à época<br />
com um ano de instalação.<br />
179
Eduardo Gomes de Andrade<br />
180
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O Grito levou o nome do município onde surgiu. À sua frente o<br />
prefeito e empresário rural Ilberto Effting, o Alemão. De Ipiranga do<br />
Norte o movimento espalhou-se pelos estados produtores e figuras do<br />
meio político e sindical usurparam a liderança de Alemão, deixando-o<br />
em plano secundário.<br />
A cidade é plana, parcialmente pavimentada, com amplas avenidas,<br />
belas residências, recolhe o lixo, mas não trata o esgoto. Seus principais<br />
eventos festivos são realizados no Centro de Tradições Gaúchas<br />
(CTG) Herança Nativa. De acordo com o calendário agrícola, ora a soja,<br />
ora o milho safrinha a abraçam. O município, instalado em 1º de janeiro<br />
de 2005, tem 3.<strong>46</strong>7,051 km² e figura no time dos 11 maiores produtores<br />
de soja em Mato Grosso. Com 6.903 residentes em 2016, sua densidade<br />
demográfica era de 1,47 habitante por quilômetro quadrado. O Índice<br />
de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,727 numa escala de zero a<br />
um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 500.860.000 e a renda per capita,<br />
de R$ 78.912,83. Mesmo com grande produção agrícola, Ipiranga<br />
do Norte ainda não entrou no mercado internacional.<br />
O município banhado pelo Teles Pires e seu afluente rio Verde<br />
emancipou-se de Tapurah em 29 de março de 2000 por uma lei de autoria<br />
do deputado José Riva, aprovada pela Assembleia Legislativa<br />
e sancionada pelo governador Dante de Oliveira. Ipiranga do Norte<br />
pertence à comarca de terceira entrância de Sorriso. Pela Rodovia Geraldo<br />
Francisco Cella (MT-242) a cidade é interligada à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> na zona<br />
urbana de Sorriso, distante 80 quilômetros. A MT-242 é pavimentada e<br />
pedagiada. Ipiranga do Norte e Itanhangá são os dois municípios mais<br />
novos de Mato Grosso.<br />
MEMÓRIA - Ipiranga do Norte nasceu da reforma agrária. Começou<br />
em 1990 com o embrião do Projeto de Assentamento Ipiranga, na fazenda<br />
do mesmo nome, em Tapurah. A maioria dos parceleiros vinha<br />
de estados do Sul e em acampamentos aguardava a distribuição de<br />
lotes pelo Incra; parte deles acampou em Nobres.<br />
181
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Ilberto Effting<br />
A vila que mais tarde seria a cidade foi inaugurada pelo Incra<br />
em 15 de março de 1995 numa área de 200 hectares e sua população<br />
predominantemente era formada por parceleiros.<br />
Em maio de 2007, Alemão, seu primeiro prefeito, foi afastado<br />
do cargo por decisão da Câmara Municipal e do Tribunal de Contas<br />
do Estado (TCE). O vice-prefeito Orlei José Grasselli, o Graxa – ex-<br />
-parceleiro – assumiu a prefeitura. Um ano e três meses <strong>depois</strong> a Justiça<br />
devolveu o mandato a Alemão, mas ele permaneceu pouco tempo<br />
no cargo. Debilitado e emocionalmente ferido pela condenação, à<br />
qual não teve direito de defesa – como atesta sua absolvição judicial<br />
– em 5 de setembro de 2008 sofreu um infarto em seu gabinete; foi<br />
atendido na emergência em seu município e removido para o Hospital<br />
Regional de Sorriso, mas não resistiu. Alemão fechou os olhos<br />
para sempre. Levou a marca da injustiça que o fulminou. Deixou a<br />
chama da luta dos produtores rurais por seus direitos.<br />
182
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Tapurah<br />
XXXI<br />
Tapurah homenageia o cacique José Tapurá<br />
Bonita, limpa, organizada, com a construção civil em alta e<br />
imponentes lojas e casas surgindo a todo o instante. Assim é Tapurah,<br />
cidade distante 95 quilômetros da margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
em seu sentido sul-norte. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um.<br />
O município tem 4.510,6<strong>46</strong> km². Em 2016 sua população era<br />
de 12.632 moradores, com densidade demográfica de 2,30 habitantes<br />
por quilômetro quadrado. Tapurah se orgulha do título de<br />
maior produtor de carne suína mato-grossense. Anualmente suas<br />
granjas respondem por 59 mil toneladas de carne, o que representa<br />
183
Eduardo Gomes de Andrade<br />
63% do setor no Estado. Os abates são feitos na gigante <strong>BR</strong>F Brasil<br />
Foods, em Lucas do Rio Verde.<br />
A água tratada chega a todos os domicílios, a cidade tem rede<br />
coletora de esgoto para 20% de sua demanda, mas a mesma não foi<br />
ativada. Sua ligação com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> em Lucas do Rio Verde, distante<br />
90 quilômetros, é pavimentada.<br />
A produção de carne suína resulta no aproveitamento dos dejetos,<br />
gerando 4 megawatts de energia. Diretamente essa atividade<br />
não coloca o município na balança comercial, mas em 2016 Tapurah<br />
exportou, em soja, milho e algodão, US$ 117.113.549 (FOB) e não fez<br />
importação. A China foi o principal destino, seguida por Irã, Malásia,<br />
Coreia do Sul e outros 16 países.<br />
Nem só de porco vive Tapurah. O município, que é sede de<br />
comarca de primeira entrância, cultiva 165 mil hectares de soja e tem<br />
intensa movimentação de grãos para a produção de ração para as<br />
granjas. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 639.923.000 e a renda<br />
per capita, de R$ 53.550,07. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) é de 0,714 numa escala de zero a um.<br />
Tapurah é um dos divisores das bacias do Juruena e do Teles<br />
Pires, ambos amazônicos. Sua colonização começou em 1969, com a<br />
venda de áreas pela Colonizadora Tapurah dos sócios Filinto Corrêa<br />
da Costa, Benedito Mário Tenuta e Sérgio Leão Monteiro, que<br />
compraram uma área denominada Cuiabá Norte, em Diamantino,<br />
de 40 mil hectares ou um pouco mais, porque não havia exatidão<br />
cartorial à época. Porém, os primeiros moradores chegaram ao lugar<br />
somente em 1970 e em 20 de novembro daquele ano a vila que<br />
mais tarde seria a cidade começou a se formar, com a abertura das<br />
primeiras ruas à margem da estrada que liga Cuiabá a Porto dos<br />
Gaúchos. No início da década de 2000 Tapurah enfrentou um sério<br />
problema com uma erosão que engoliu uma grande área ao lado do<br />
perímetro urbano.<br />
184
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Na região predomina o cerrado, que nos primórdios foi explorado<br />
por madeireiros e <strong>depois</strong> virou o paraíso do agronegócio. Em<br />
30 de novembro de 1981 a vila virou distrito de Diamantino por uma<br />
lei de autoria do deputado Oscar Ribeiro, aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos. A<br />
emancipação aconteceu em 4 de julho de 1988 por uma lei de autoria<br />
do deputado Hermes de Abreu, aprovada pela Assembleia e com a<br />
sanção do governador Carlos Bezerra.<br />
O NOME - A denominação Tapurah foi escolhida por Corrêa da<br />
Costa em homenagem ao cacique Irantxe José Tapurá. O “h” no final<br />
da palavra foi um modismo americanizado encontrado por Corrêa<br />
185
Eduardo Gomes de Andrade<br />
da Costa, que segundo versão corrente teria se inspirado no teclado<br />
de telex – um moderno meio de comunicação à época –, que não tem<br />
assentos gráficos.<br />
Nas transmissões de telex, a última vogal da palavra, quando<br />
tem assento agudo, é acrescida da letra “h”. Exemplo: José se transforma<br />
em Joseh. Tapurá em Tapurah... José Tapurá era amigo de<br />
Corrêa da Costa, morava e liderava os índios Irantxe na margem esquerda<br />
do rio Cravari e tentou convencer seu povo a ceder uma área<br />
para o amigo branco. A rejeição foi total e resultou na sua destituição<br />
do cargo de cacique e numa espécie de exílio na reserva Escondido,<br />
dos rikbaktsas, na margem esquerda do rio Juruena.<br />
186
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Terra Nova do Norte<br />
XXXII<br />
Uma nova terra para colonos gaúchos<br />
Terra Nova do Norte leva a marca do pioneirismo do pastor luterano<br />
Norberto Schwantes, que no <strong>Nortão</strong> também colonizou Nova<br />
Guarita, e no Vale do Araguaia, Canarana, Água Boa e Querência. O<br />
município com 2.562,231 km² na calha do rio Teles Pires tem densidade<br />
demográfica de 4,41 habitantes por quilômetro quadrado. Em 2016 sua<br />
população era de 9.816 moradores.<br />
O mosaico fundiário de Terra Nova do Norte é de pequenas pro-<br />
187
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Schwantes<br />
priedades e boa parte dessas áreas dedica-se à pecuária leiteira. Nos<br />
primórdios o município cultivou café e guaraná, mas ambas as lavouras<br />
perderam espaço. O rebanho bovino é de 268.272 cabeças e na cidade<br />
uma cooperativa recebe leite em sua plataforma para a produção<br />
de lácteos que são distribuídos para diversos estados. A economia está<br />
consolidada. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 188.875.000. O município<br />
não exportou nem importou em 2016.<br />
A cidade é parcialmente pavimentada e não tem déficit habitacional,<br />
mas enfrenta o problema da falta de captação e tratamento de<br />
esgoto. Á água chega a todas as moradias. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,698 numa escala de zero a um. A renda<br />
per capita é de R$ 18.176,83. A cultura da predominante colônia gaúcha<br />
é mantida no Centro de Tradições Gaúchas Querência Nova.<br />
A ocupação da área que futuramente seria o município de Terra<br />
Nova do Norte começou em 5 de julho de 1978, quando chegaram ao<br />
lugar 85 famílias em 10 ônibus da empresa Ouro e Prata, procedentes<br />
do Parque de Exposições Agropecuárias Internacionais de Esteio, no<br />
188
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Rio Grande do Sul, onde estavam acampadas por terem sido expulsas,<br />
juntamente com outras centenas de famílias, das terras dos índios<br />
caingangues em Tenente Portela, Nonoai, Guarita, Planalto e Miraguaí,<br />
todos municípios gaúchos. Esse grupo foi selecionado por Schwantes<br />
para ocupar parte de uma das 10 agrovilas implantadas pela Cooperativa<br />
Coopercana, que ele dirigia, numa área de 360 mil hectares do<br />
Exército Brasileiro no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
A versão oficial diz que a colonização de Terra Nova do Norte<br />
somente tornou-se possível por uma parceria do Ministério do Interior,<br />
Exército Brasileiro, governo de Mato Grosso, governo do Rio<br />
Grande do Sul e a Coopercana, para solucionar problema fundiário<br />
no Rio Grande do Sul. Porém, quem viveu aquele período ao lado de<br />
Schwantes sabe que na verdade somente foi possível ocupar uma área<br />
de treinamento dos militares, por intervenção direta do presidente da<br />
República, general Ernesto Geisel, que era amigo do colonizador. Havia<br />
resistência dos militares, inclusive na área ministerial, mas Geisel<br />
abraçou a causa da transferência dos colonos do Sul.<br />
Em 30 de junho de 1978, os colonos que se dirigiam a Terra Nova<br />
do Norte passaram por Cuiabá e foram recepcionados pelo governador<br />
Cássio Leite de Barros. O líder da caravana sulista, José Almir da<br />
Silva, ganhou uma Bandeira de Mato Grosso de Cássio Leite e guarda<br />
tal presente em sua residência até hoje. Depois de cinco dias de viagem<br />
da capital até o destino, os primeiros moradores ali desembarcaram e<br />
iniciaram a ocupação da área. José Almir presidia o Grêmio Estudantil<br />
do Colégio José de Alencar, em Ronda Alta (RS) e foi convidado por<br />
Schwantes, em 8 de março de 1978, para coordenar a transferência dos<br />
acampados em Esteio. José Almir aceitou o desafio e desde então se<br />
transferiu para aquela localidade, onde foi exator e fundou e preside o<br />
sindicato rural.<br />
Depois da primeira caravana, outras vieram para Mato Grosso<br />
trazendo colonos que estiveram acampados no parque em Esteio. Ao<br />
todo, foram transferidas 1.064 famílias. Posteriormente, uma das agrovilas<br />
ganhou o nome de Norberto Schwantes. Ele ainda recebeu outras<br />
189
Eduardo Gomes de Andrade<br />
José Almir<br />
homenagens no município: uma escola e uma avenida na cidade também<br />
levam seu nome.<br />
O núcleo urbano de Terra Nova do Norte foi implantado em<br />
1978, numa área de 3 mil hectares, na margem esquerda da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
no sentido Cuiabá-Pará, obedecendo projeto urbanístico elaborado na<br />
Alemanha, especialmente para cidade amazônica. Nos primeiros <strong>anos</strong><br />
da colonização, pioneiros enfrentaram problemas com a malária, precariedade<br />
das estradas, falta de saúde e telefone. E a situação se agravou<br />
ainda mais com o ciclo do ouro na região – tema tratado no capítulo sobre<br />
Peixoto de Azevedo –, o que provocou o desaparecimento da mão<br />
de obra para a lavoura e a desistência por parte de muitos parceleiros<br />
que optaram pela garimpagem, deixando de lado a atividade agrícola.<br />
O primitivo nome da vila foi Terranova e com essa denominação<br />
em 21 de novembro de 1981 ela foi elevada a distrito de Colíder,<br />
incorporando área de Itaúba, por uma lei de autoria dos deputados<br />
Zanete Cardinal e Alves Ferraz aprovada pela Assembleia Legislativa<br />
e sancionada pelo governador Frederico Campos. A emancipação<br />
aconteceu em 13 de maio de 1986 com a sanção pelo governador Júlio<br />
Campos de uma lei de autoria das bancadas do PSD e PMDB aprovada<br />
pela Assembleia; ao se emancipar, Terranova ganhou o nome de Terra<br />
Nova do Norte. O município é sede de comarca de primeira entrância.<br />
190
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Matupá<br />
XXXIII<br />
Uma bela cidade na divisa com o Pará<br />
Cidade com belo traçado urbano tendo ao centro um lago circundado<br />
por área de lazer. Assim é Matupá, no cruzamento da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong><br />
com a MT-322 que liga o <strong>Nortão</strong> ao Vale do Araguaia via São José do<br />
Xingu. O município, nas calhas do rios Teles Pires e Xingu, faz divisa<br />
com Altamira, no Pará.<br />
Matupá nasceu de um projeto de colonização da Colonizadora<br />
Agropecuária Cachimbo, do Grupo Ometto, à época liderado pelo empresário<br />
Hermínio Ometto. Oficialmente sua fundação aconteceu em<br />
19 de setembro de 1984 em pleno ciclo do ouro, tema que é abordado<br />
no capítulo sobre Peixoto de Azevedo.<br />
191
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Irmã Adelis<br />
Matupá nasceu nas pranchetas dos professores da Faculdade de<br />
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) Cândido<br />
Malta Campos Filho e Carlos Costa, e a execução de seu projeto<br />
ficou a cargo do engenheiro civil João Carlos de Souza Meirelles. A<br />
cidade foi planejada para 300 mil habitantes na terceira fase de sua<br />
planta, sendo que a primeira é para 50 mil e a segunda para 100 mil.<br />
Mesmo prevista para uma população acima dos padrões dos<br />
municípios mato-grossenses, Matupá chegou a 2016 com 15.654 moradores<br />
em seus 5.239,672 km², alcançando densidade demográfica de<br />
2,71 habitantes por quilômetro quadrado. Pelo Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) de 0,716 – numa escala de zero a um – registrado<br />
no município, sua qualidade de vida é considerada boa. A água chega<br />
192
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
a todos os domicílios na cidade e 20% da rede de esgoto para universalizar<br />
a coleta foram construídos, mas o tratamento continua pendente.<br />
Parte das vias públicas é pavimentada.<br />
A economia dá sinais de vitalidade. O Produto Interno Bruto<br />
(PIB) é de R$ 417.893.000 e a renda per capita, de R$ 27.482,08. Em<br />
2016 o município exportou US$ 213.257.521 (FOB) e não processou nenhuma<br />
importação. Os compradores foram China, Espanha, Portugal,<br />
Hong Kong e outras 21 nações. Farelo de soja, soja, milho e carne bovina<br />
formaram a pauta da exportação. O rebanho bovino do município é<br />
de 244.829 cabeças de mamando a caducando e uma planta frigorífica<br />
ao lado da cidade abate gado de corte da região.<br />
O município tem 102.626 hectares em reservas indígenas que se<br />
estendem a outros municípios e ao Pará. Em Matupá, Panará mede<br />
57.700 hectares; Menkragnoti, 16.002 hectares; e Iriri, 28.924 hectares.<br />
No auge do garimpo Matupá ganhou o noticiário nacional – e<br />
não foi pelo ouro extraído na região. Em 23 de novembro de 1990 três<br />
homens foram linchados e queimados vivos: Osvaldo Bachinan, 32,<br />
e os irmãos Ivacir, 31, e Arci Garcia dos Santos, 28. O trio foi dominado<br />
por uma multidão enfurecida após uma fracassada tentativa de<br />
assalto numa residência que foi cercada pela Polícia Militar; os assaltantes<br />
fizeram reféns duas mulheres, sendo que uma estava grávida,<br />
e quatro crianças. Rendidos, os criminosos sofreram o linchamento<br />
que foi gravado em vídeo e assustou boa parte da população brasileira<br />
e do exterior.<br />
Irmã Adelis (citada no capítulo sobre Vera) fundou o Hospital da<br />
Malária na cidade. Sua entrega total na luta em defesa da vida de garimpeiros<br />
e outros moradores da região vitimados pela febre malária é<br />
um dos capítulos mais hum<strong>anos</strong> da construção do <strong>Nortão</strong>. Reitero meu<br />
entendimento de que ela foi um Anjo de Luz.<br />
A vida institucional da comarca de primeira entrância de Matupá<br />
é recente e com poucos capítulos. Em 11 de outubro de 1985 a vila<br />
foi elevada a distrito de Colíder por uma lei de autoria do deputado<br />
193
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Alves Ferraz aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo<br />
governador Júlio Campos. Em 4 de julho de 1988, sobre uma área até<br />
então pertencente a Colíder e Guarantã do Norte, criou-se o município;<br />
naquela data o governador Carlos Bezerra sancionou uma lei<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa e que teve por autor o deputado<br />
Sebastião Júnior.<br />
SILVAL - O paranaense Silval da Cunha Barbosa foi prefeito de Matupá<br />
no quadriênio 1993-96. Depois cumpriu dois mandatos consecutivos<br />
de deputado estadual e por um biênio presidiu a Assembleia Legislativa.<br />
Em 2006 foi eleito vice-governador de Blairo Maggi; assumiu<br />
o governo em março de 2010 e em outubro daquele ano conquistou o<br />
governo em primeiro turno. Após concluir o mandato, Silval foi preso<br />
em Cuiabá no mês de setembro de 2015 acusado de improbidade<br />
administrativa e permanecia preso até a edição deste livro no final de<br />
dezembro de 2016.<br />
No governo, Silval executou e canalizou obras para sua cidade.<br />
A pista do Aeroporto Regional Orlando Villas-Bôas foi pavimentada.<br />
Um trecho da MT-322 foi asfaltado em direção a São José do Xingu. O<br />
município ganhou um escritório regional do Instituto de Defesa Agropecuária<br />
(Indea) e outros órgãos.<br />
NOME – Em 1º de maio de 1997 num voo de Cuiabá para Cocalinho, no<br />
Vale do Araguaia, o engenheiro civil, empresário e político João Carlos<br />
de Souza Meirelles contou-me sobre a escolha do nome da cidade e<br />
seu significado. Segundo ele, operários descansavam à margem do rio<br />
Peixoto de Azevedo perto da área urbana da vila que construía, quando<br />
um barranco se desagarrou e caiu na água sendo arrastado pela<br />
correnteza. Um índio que trabalhava para ele lhe disse que aquilo era<br />
matupá – pedaço de terra que flutua enquanto é levado pelas águas.<br />
Meirelles gostou do nome Matupá e o sugeriu a Hermínio Ometto, que<br />
o aprovou.<br />
194
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O começo de Sinop<br />
XXXIV<br />
A grande cidade fundada por Ênio Pipino<br />
Sinop tem um quê de liderança. Quem for até lá imaginando que<br />
chegará ao meio da Floresta Amazônica cairá do cavalo ou do jato que<br />
pousar no moderno aeroporto da cidade ou ainda do carro que o transportar<br />
pela pavimentada <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> com trechos duplicados. A cidade é<br />
linda, sedutora e seu crescimento salta aos olhos de quem a vê. O padrão<br />
residencial sinopense a deixa no nível das melhores cidades brasileiras.<br />
As avenidas são largas, rotatórias facilitam o trânsito dos 99.500<br />
veículos emplacados no município, dentre os quais 27.700 motos, além<br />
da frota flutuante. Ciclovias atendem os ciclistas e pistas de caminhada<br />
facilitam a vida da turma que luta para ficar em forma e perder peso.<br />
Mais: o Parque Florestal, com mais de 43 hectares na área urbana, é um<br />
mar verde que não tem um segundo sequer em silêncio pela algazarra<br />
195
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Transporte de passageiros nos primórdios da cidade<br />
da passarada; essa área tem uma fonte d’água que forma um lago de<br />
três hectares.<br />
A cidade cresce, e com a vantagem do ordenamento habitacional.<br />
Os bairros, daqueles de alto padrão aos operários, todos, indistintamente,<br />
têm um quê de modernidade. Seu Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,754 numa escala de zero a um. A renda per capita<br />
alcança R$ 33.807,26.<br />
Polo universitário, sim senhor! Sinop tem campus da Universidade<br />
Federal (UFMT) e da Universidade do Estado (Unemat), além de faculdades<br />
particulares. A cidade conta com boa rede hospitalar, clínicas,<br />
concessionárias de veículos e máquinas, hotéis, churrascarias, casas noturnas,<br />
boutiques, lojas e uma infinidade de outros estabelecimentos, incluindo<br />
os bancos sempre prontos a emprestar com altas taxas de juro. As<br />
ruas são limpas e bem cuidadas, mas há um problema escondido debaixo<br />
do asfalto: até recentemente não havia rede de esgoto, mas finalmente o<br />
município começou a construí-la.<br />
196
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O transporte coletivo atende parcialmente a cidade, que tem um<br />
gargalo injustificável: sua velha, pequena e feia rodoviária está encravada<br />
na área central. O Aeroporto Municipal Presidente João Figueiredo<br />
opera voos noturnos de jatos da aviação regional. Distante 485 quilômetros<br />
ao norte de Cuiabá, Sinop foi o principal polo irradiador da<br />
ocupação do vazio demográfico no <strong>Nortão</strong> e motivou o surgimento de<br />
outras cidades. O município é um dos divisores das amazônicas bacias<br />
do Teles Pires e do Xingu. A <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem 32 quilômetros em sua área urbana.<br />
Sinop tem 3.942,229 km² e sua densidade demográfica é de 28,69<br />
habitantes por quilômetro quadrado. Quando de sua emancipação seu<br />
território era de 48.678 km², mas cedeu áreas para Marcelândia, Cláudia,<br />
Vera e Santa Carmem.<br />
A extração madeireira deu o pontapé inicial na economia de Sinop<br />
e foi sua principal base de sustentação até o começo dos <strong>anos</strong> 2000.<br />
No auge, o município teve mais de 400 indústrias madeireiras em atividade.<br />
Gradativamente houve diversificação econômica, mas algumas<br />
madeireiras resistem. Hoje, comércio, prestação de serviços, ensino<br />
superior, agricultura, pecuária e indústria travam briga no melhor sentido<br />
da palavra. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 4.287.335.000.<br />
Em 2016 sua exportação alcançou US$ 491.248.850 (FOB) e a importação<br />
ficou em US$ 2.088.233 (FOB), resultando num superávit de US$<br />
489.160.617. A soja foi o carro-chefe das vendas, seguida pelo farelo de<br />
soja, milho, carne bovina, madeira e móveis. Os destinos foram: China,<br />
com US$ 134,4 mi (FOB); Rússia, com US$ 55,2 mi (FOB); Espanha,<br />
com US$ 50 mi (FOB); Reino Unido e outras 26 nações. As compras foram<br />
de aviões agrícolas, acessórios de veículos, bombas para líquidos,<br />
câmaras de ar e outros itens; os fornecedores foram Estados Unidos,<br />
China, Hong Kong e Taiwan.<br />
O município é importante polo de beneficiamento e empacotamento<br />
de arroz. A exposição agropecuária Exponop é uma das principais<br />
do Centro-Oeste e em suas edições anuais movimenta milhões de<br />
reais em máquinas e animais. O comércio varejista tem clientela segura<br />
entre moradores dos municípios no entorno.<br />
197
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Governador Júlio Campos (esq.), presidente Figueiredo e ênio Pipino - 1983<br />
SONHO - Sinop acalenta um sonho que é compartilhado com o <strong>Nortão</strong><br />
e outras regiões: a divisão territorial de Mato Grosso. Caso isso aconteça,<br />
a vila fundada por Ênio Pipino certamente se transformará numa<br />
das mais belas capitais brasileiras.<br />
O sonho existe e para fundamentá-lo há fortes argumentos: a<br />
distância do <strong>Nortão</strong> a Cuiabá, a identidade própria construída no dia<br />
a dia com a miscigenação de seus povos, a vitalidade econômica regional,<br />
a infraestrutura nos 35 municípios daquele polo e a beleza de<br />
Sinop; se além disso, for preciso comparar o crescimento de Cuiabá e<br />
daquela cidade é fácil: de 1980 a 2016 a população cuiabana saltou de<br />
212.984 para 585.367 habitantes, registrando aumento proporcional<br />
de 174,84%. No mesmo período Sinop pulou de 19.891 para 132.934,<br />
o que se traduz numa taxa de explosão populacional de 568,31% –<br />
e com um detalhe: do núcleo de moradores à época, boa parte saiu<br />
198
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Sinop - 2016<br />
da estatística do município com a emancipação de quatro municípios<br />
desmembrados da grande cidade fundada por Ênio Pipino.<br />
COLONIZADOR - Ao inaugurar o loteamento urbano de Sinop, em<br />
14 de setembro de 1974, mais que implantar aquela que seria a principal<br />
cidade mato-grossense abaixo do Paralelo 15, o colonizador Ênio<br />
Pipino lançava as sementes da ocupação da mais importante fronteira<br />
agrícola do planeta. A solenidade teve repercussão nacional e foi prestigiada<br />
pelo ministro do Interior, Rangel Reis, que ganhou o título de<br />
paraninfo de Sinop.<br />
Homem acostumado a criar cidades no Paraná, Ênio Pipino<br />
transferiu a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop) para<br />
Mato Grosso no começo da década de 1970, inicialmente comprando<br />
a Gleba Celeste, de 198 mil hectares, de Jorge Martins Philip, onde im-<br />
199
Eduardo Gomes de Andrade<br />
plantou o Projeto de Colonização Celeste, embrião de Sinop, Vera, Santa<br />
Carmem e Cláudia, na calha dos rios Teles Pires e Xingu, da Bacia<br />
Amazônica. Principal líder da Colonizadora Sinop, Ênio Pipino era sócio<br />
da mesma com sua mulher, Nilza de Oliveira Pipino, e João Pedro<br />
Moreira de Carvalho.<br />
O projeto de colonização expandiu-se por outras áreas e se transformou<br />
no principal fator de ocupação populacional no eixo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>,<br />
que acabara de ser implantada. A vila, de topografia plana, enfrentava<br />
problema com o escoamento de água no longo período de chuvas e não<br />
passava de uma clareira na mata, com traçados de ruas e avenidas pontilhadas<br />
por isoladas construções de madeira que não iam muito além<br />
de serrarias, escritório da colonizadora, hotel, posto de combustível,<br />
alguns bares e modestas residências. Para suprir o mercado varejista<br />
a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), estatal do Ministério da<br />
Agricultura, enviava regulamente ao lugar uma carreta Alfa Romeo<br />
que funcionava como supermercado móvel.<br />
O acesso por rodovia era precário no período das chuvas, com atoleiros<br />
na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. A malária ganhava contornos hiperendêmicos na re-<br />
200
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Sinop - 2016<br />
gião de Sinop, tanto ao norte após o rio Renato, quanto ao sul onde mais<br />
tarde surgiriam cidades a exemplo de Lucas do Rio Verde. Mas, nem a<br />
doença nem a distância, nem a precariedade da rodovia que somente<br />
seria pavimentada em 1983 – pelo presidente João Figueiredo –, nem o<br />
isolamento, nada disso impediu que a cada dia mais e mais moradores,<br />
sobretudo do Paraná, se transferissem para a cidade de Ênio Pipino.<br />
A vida institucional começou em 29 de junho de 1976, quando<br />
Sinop tornou-se distrito de Chapada dos Guimarães numa canetada<br />
do governador Garcia Neto. Pouco tempo <strong>depois</strong>, em 17 de dezembro<br />
de 1979, o governador Frederico Campos sancionou uma lei de autoria<br />
do deputado Osvaldo Sobrinho aprovada pela Assembleia Legislativa<br />
emancipando Sinop numa área então pertencente a Chapada e Nobres.<br />
O município é sede de comarca de entrância especial, de duas zonas<br />
eleitorais (22ª e 32ª), duas varas da Justiça do Trabalho, duas varas da<br />
Justiça Federal, comando regional de Polícia Militar, Delegacia Regional<br />
de Polícia Civil, Delegacia da Polícia Federal, quartel do Corpo de<br />
Bombeiros Militar e uma série de órgãos públicos federais e estaduais;<br />
e um quartel do Exército está em construção.<br />
201
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Apiacás<br />
XXXV<br />
Fora da malha rodoviária pavimentada<br />
Apiacás integra o rol de cidades colonizadas por Ariosto da<br />
Riva no <strong>Nortão</strong> por intermédio da Integração, Desenvolvimento e<br />
Colonização (Indeco), que loteou uma extensa área nas divisas com<br />
o Pará e Amazonas. A vila que mais tarde se transformaria naquela<br />
cidade foi fundada oficialmente em 15 de maio de 1983. Porém, desde<br />
1979, alguns garimpeiros já trabalhavam em baixões na região.<br />
A proposta de Ariosto, a exemplo do que aconteceu anteriormente<br />
na vizinha Paranaíta, era implantar um projeto agropecuário<br />
voltado, sobretudo, para a produção de guaraná, cacau, cupuaçu,<br />
látex, arroz, feijão e milho. Os primeiros proprietários rurais que<br />
202
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
chegaram à área se dedicaram à agricultura e, na zona urbana, pequenos<br />
comerciantes iguais a Raimundo Moreira, o seo Zelão, se<br />
instalaram em rústicas casas de madeira.<br />
Ainda em 1983 garimpeiros descobriram garimpos de ouro<br />
em vários pontos do município. A notícia se espalhou e as fofocas<br />
arrastaram milhares de aventureiros para o lugar.<br />
Apiacás tornou-se paradeiro de garimpeiros. A construção civil<br />
transformou o lugar num verdadeiro canteiro de obras. Cabarés<br />
com lindas mulheres recrutadas em Goiânia e outras capitais permaneciam<br />
superlotados e preferiam receber em grama de ouro ao<br />
invés da moeda oficial. Aviões mono e bimotores com garimpeiros,<br />
compras para o rancho e diesel para os motores que lavavam o cascalho<br />
decolavam a todo o instante da pista de terra da vila para as<br />
clareiras rasgadas na selva de onde se extraía o metal. Homicídios<br />
por motivos fúteis. Shows de rebolado, strip-tease e musicais com<br />
artistas de projeção nacional a exemplo de Walter Basso, Rogéria,<br />
Roberta Close, Gretchen, Waldick Soriano e Amado Batista eram rotineiros<br />
nas casas noturnas.<br />
Uma cidade de forasteiros! Essa era a melhor definição que se<br />
podia dar a Apiacás, uma terra que no auge do garimpo era uma babel<br />
onde o garimpeiro pobre anoitecia rico e podia amanhecer novamente<br />
na pobreza, ou até mesmo ser morto por alguém que simplesmente<br />
queria mostrar que tinha coragem para matar o semelhante.<br />
A febre do garimpo passou em 1995, pela queda internacional<br />
do preço do grama do ouro, pela dificuldade de sua extração<br />
manual e também por injunções da política econômica do governo<br />
federal. Os garimpeiros se foram, deixando para trás enormes áreas<br />
degradadas, rios contaminados pelo mercúrio e os chamados filhos<br />
do garimpo, aqueles gerados por prostitutas e cujos pais jamais serão<br />
conhecidos.<br />
203
Eduardo Gomes de Andrade<br />
UHE São Manoel<br />
Estima-se que 55 mil garimpeiros de todos os cantos do Brasil<br />
trabalharam em Apiacás. Com o fim do garimpo, a economia<br />
buscou a agricultura, a pecuária e a extração madeireira, mas essa<br />
última atividade tem ciclo curto e agora capenga. O município enfrenta<br />
problemas agrários com focos de tensão social na luta pela<br />
posse da terra. Em fevereiro de 2001, cinco homens, supostamente<br />
pistoleiros, foram linchados por posseiros na Gleba Raposo Tavares,<br />
onde estavam a serviço do proprietário Euclides Dobri, <strong>depois</strong><br />
que a Justiça lhe concedeu reintegração de posse da referida área.<br />
A cidade não tem sistemas de captação e tratamento de esgoto,<br />
que é lançado em fossas. O lixo urbano é jogado a céu aberto<br />
num lixão. Na divisa com o Pará e segundo maior município<br />
do <strong>Nortão</strong>, Apiacás tem 20.377.499 km², com 9.551 residentes e<br />
sua densidade demográfica é de 0,42 habitante por quilômetro<br />
quadrado. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 120.038.000 e<br />
a renda per capita, de R$ 12.978,53. A pecuária é o principal sustentáculo<br />
da economia, com rebanho bovino de 219.002 cabeças<br />
de mamando a caducando, mas a extração de madeira continua,<br />
porém em escala cada vez menor. Em 2016 Apiacás exportou US$<br />
79.000 (FOB) em peças de madeira para a Bolívia e no período<br />
nada importou.<br />
No município de Apiacás e em fase final de construção a<br />
UHE São Manoel, no rio Teles Pires, produzirá 700 MW. Sobre ela<br />
leia o tópico Energia, no segundo capítulo; sobre parques florestais,<br />
no mesmo capítulo, leia Preservação.<br />
204
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
A Reserva Estadual Ecológica de Apiacás, com 100 mil hectares,<br />
criada em junho de 1994 pelo governador Jayme Campos, situa-se no<br />
ponto mais ao norte do município. A região onde se localiza essa área de<br />
preservação permanente é conhecida por Gleba Pontal, por ser o encontro<br />
das águas dos rios Juruena e Teles Pires, que formam o rio Tapajós.<br />
Apiacás é um dos divisores das bacias do Teles Pires e do Juruena e ao<br />
mesmo tempo ponto de junção desses rios, na tríplice divisa com Amazonas<br />
e Pará.<br />
Isolado da malha rodoviária pavimentada, Apiacás fica a 50 quilômetros<br />
da MT-208 em fase final de asfaltamento na ligação de Nova<br />
Monte Verde com Alta Floresta. O trajeto entre a cidade e aquela rodovia<br />
foi incluído há cinco <strong>anos</strong> ao plano de integração de todos os municípios<br />
por asfalto, mas o governo não mostra interesse político pela obra.<br />
A reserva indígena Apiaka-Kaiabi no município tem 457.242 hectares<br />
e pertence aos apiakas e caiabis. A Funai estuda a criação da reserva<br />
Pontal do Apiaka, dos mesmos índios.<br />
INSTITUCIONAL – O distrito de Apiacás no município de Alta<br />
Floresta foi criado em 30 de abril de 1986 por uma lei de autoria dos<br />
deputados Benedito Santiago e Osvaldo Sobrinho, aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Júlio Campos. A<br />
emancipação aconteceu em 4 de julho de 1988 por uma lei de autoria<br />
do deputado João Teixeira, aprovada pela Assembleia e sancionada<br />
pelo governador Carlos Bezerra. Apiacás é sede de comarca de primeira<br />
entrância.<br />
205
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Carlinda<br />
XXXVI<br />
Cidade homenageia Carlinda Teles Pires<br />
Carlinda nasceu da reforma agrária. Em 1981 o Projeto de Assentamento<br />
Parque Carlinda, numa área de 89 mil hectares do Incra,<br />
foi o embrião da cidade. Desde 1976 havia moradores dispersos na<br />
região, que ali chegaram com a abertura de MT-320 que liga Alta<br />
Floresta à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
O município tem 2.393,027 km² e 10.258 residentes, com densidade<br />
demográfica de 4,59 habitantes por quilômetro quadrado. Seu<br />
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,665 numa escala<br />
de zero a um. A cidade é plana, parcialmente pavimentada, a água<br />
tratada é captada no rio Buriti por uma empresa concessionária e<br />
206
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
chega a todos os domicílios. Não há coleta de esgoto. Carlinda tem<br />
a vila de Del Rey, à margem da MT-320 no sentido sul, para Colíder.<br />
Distante 25 quilômetros de Alta Floresta – principal cidade num<br />
raio de 250 quilômetros – pela pavimentada MT-320, Carlinda tem<br />
vantagens e desvantagens com essa proximidade.<br />
Município banhado pelo Teles Pires, Carlinda depende de<br />
uma balsa para fazer a travessia daquele rio na MT-419 em sua ligação<br />
com a cidade de Novo Mundo.<br />
A base econômica é a pecuária, seguida pela agricultura. O<br />
rebanho bovino é de 229.035 cabeças de mamando a caducando. O<br />
Produto Interno Bruto é de R$ 121.994.000. Em 2016 sua economia<br />
não exportou nem importou. O município pertence à comarca de<br />
terceira entrância de Alta Floresta.<br />
MEMÓRIA - O primeiro nome do lugar foi Quatro Pontes, que nasceu<br />
da irreverência popular: enchentes arrastaram três pontes sobre<br />
o rio Carlinda; a quarta foi construída e resistiu à força das águas.<br />
A vila que começou em 11 de abril de 1981 passou a ser chamada<br />
de Quatro Pontes, mas esse nome foi descartado, prevalecendo a<br />
denominação Carlinda, pois é desse modo que a região é conhecida<br />
em razão do rio de igual denominação que a banha.<br />
Carlinda, o nome do rio e do município, rende homenagem a<br />
Carlinda Lourenço Teles Pires, mulher do capitão Teles Pires, que é<br />
citado no segundo capítulo.<br />
O distrito de Carlinda foi criado no município de Alta Floresta<br />
em 9 de abril de 1987 pelo governador Carlos Bezerra que<br />
sancionou uma lei de autoria do deputado João Teixeira aprovada<br />
pela Assembleia Legislativa. A emancipação aconteceu em 19 de<br />
dezembro de 1994, data em que o governador Jayme Campos sancionou<br />
lei de autoria do deputado Leonildo Menin aprovada pela<br />
Assembleia.<br />
207
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Colíder<br />
XXXVII<br />
Uma linda cidade chamada Colíder<br />
Colíder é sede de comarca de segunda entrância, da 23ª Zona<br />
Eleitoral e de uma Vara da Justiça Federal. A cidade conta com uma<br />
unidade do Corpo de Bombeiros Militar e seu Hospital Regional é referência<br />
do SUS no entorno do município. Sua área é de 3.093,171 km²,<br />
tem 32.120 moradores e sua densidade demográfica é de 9,95 habitantes<br />
por quilômetro quadrado. As vilas de Zé Reis, Sol Nascente, Trevo<br />
Ouro Branco, Cafenorte, Léo Baiano, Santo Reis, Veraneio e Marco de<br />
Cimento resistiram ao êxodo rural iniciado com a decadência do café.<br />
208
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
A cidade é parcialmente pavimentada, a água chega aos<br />
domicílios, mas a coleta e o tratamento de esgoto desafiam a<br />
prefeitura. O município tem 375.947 cabeças de bovinos de mamando<br />
a caducando. Um frigorífico bovino e um curtume geram<br />
empregos na região. Em 2016 Colíder exportou US$ 17.358.871<br />
(FOB) em carne bovina para a Rússia, Hong Kong, Angola, Turquia,<br />
Argélia e República Democrática do Congo. No período<br />
importou da Itália US$ 9.190 (FOB) em artefatos de materiais<br />
têxteis para uso técnico e motores. O superávit comercial foi de<br />
R$ 17.349.681. O maior evento na região é a Expolíder, exposição<br />
agropecuária e industrial local.<br />
Banhada pelo rio Teles Pires, Colíder ganhou uma UHE<br />
com capacidade para gerar 300 MW. Saibam sobre essa usina no<br />
tópico Energia, no segundo capítulo.<br />
O grande orgulho da cidade está num mural entalhado<br />
em mogno representando a Santa Ceia do Senhor Jesus Cristo.<br />
A peça fica aos fundos do altar da Igreja São João Batista, da Paróquia<br />
João XXIII. Mede 11,50 m por 3,65 m. Foi entalhada pelo<br />
artista local Mário da Silva com apoio de Nelson Silva, Anísio<br />
Matias e Antônio Rodrigues e apresentada aos fiéis em 18 de<br />
abril de 1993. “O orgulho tem razão de ser”, observou o padre<br />
Vitório Sachi numa conversa que tivemos em 2000. Sachi tinha<br />
razão: a obra de arte dos colidenses é a maior do gênero na América<br />
Latina.<br />
MEMÓRIA - Em 1973, o paranaense Raimundo Costa Filho,<br />
principal sócio da Colonizadora Líder e com experiência em colonização<br />
em seu estado, colocou à venda lotes na Gleba Cafezal,<br />
onde mais tarde surgiria a cidade de Colíder. A área total do<br />
imóvel permanece uma incógnita tal a balbúrdia agrária que reinava<br />
em Mato Grosso à época.<br />
209
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Mural<br />
O primeiro agricultor da Gleba Cafezal foi Luiz Marques da<br />
Silva, de Paranavaí (PR). Depois dele, chegaram outros pioneiros<br />
para o cultivo da principal lavoura da região, o café.<br />
Um ranchão da colonizadora foi a primeira construção da vila<br />
de Cafezal inaugurada por Raimundo em 7 de maio de 1973. Esse<br />
ranchão servia para alojamento de compradores de terra, enfermaria<br />
para tratamento de malária e funcionava ainda como uma espécie<br />
de cozinha comunitária. Ao lado dele surgiram bares, armazéns,<br />
farmácias, restaurantes, postos de combustíveis, residências, escolas,<br />
igrejas, oficinas, escritórios, e assim nascia uma das mais importantes<br />
cidades do <strong>Nortão</strong>.<br />
O nome Cafezal durou pouco. Em menos de dois <strong>anos</strong> foi mudado<br />
para Colíder, por dupla razão: a nova denominação significava<br />
a junção da primeira sílaba de colonizadora com a palavra líder –<br />
210
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Co+líder – e também podia ser entendida como surgimento de outra<br />
grande cidade no <strong>Nortão</strong>, a exemplo do que acontecia 150 quilômetros<br />
abaixo na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> sentido Pará-Cuiabá, onde Ênio Pipino construía<br />
Sinop.<br />
O ciclo do café em Colíder foi curto. No final da década de 1970<br />
o município transformou a pecuária em sua principal base econômica,<br />
muito embora naquele período tenham sido descobertos muitos<br />
garimpos de ouro que foram explorados por quase duas décadas até<br />
o declínio da atividade.<br />
Colíder tornou-se distrito de Chapada dos Guimarães em 28 de<br />
julho de 1976 por uma lei sancionada pelo governador Garcia Neto.<br />
Em 18 de dezembro de 1979 ganhou autonomia municipal por uma<br />
lei de autoria do deputado Osvaldo Sobrinho aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos.<br />
211
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Guarantã do Norte<br />
XXXVIII<br />
A porta de entrada dos paraenses<br />
Considerada a porta de entrada da região Oeste do Pará em Mato<br />
Grosso, Guarantã do Norte se situa na divisa dos dois estados e distante<br />
1.000 quilômetros de Santarém. Essa localização foi decisiva para seu crescimento,<br />
uma vez que seu comércio varejista, atacadista e especializado<br />
atende considerável volume de consumidores paraenses que residem no<br />
eixo de influência da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>.<br />
Com topografia levemente ondulada, a cidade tem largas avenidas<br />
e ensaia os primeiros passos rumo à verticalização. Guarantã tem<br />
4.734,751 km², com 34.218 moradores. A densidade demográfica é de 6,80<br />
habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano<br />
(IDH) é de 0,703 numa escala de zero a um. A renda per capita é<br />
de R$ 16.236,84. A água chega a todos os domicílios e parte do esgoto é<br />
212
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
coletada e tratada. O município é sede de comarca de primeira entrância<br />
e da 44ª Zona Eleitoral.<br />
O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 5<strong>46</strong>.077.000. A principal atividade<br />
econômica é a pecuária, seguida pelo comércio e a agricultura. A<br />
extração de madeira foi importante nas duas primeiras décadas da ocupação<br />
da terra, mas entrou em processo de exaustão. O rebanho tem 334.605<br />
cabeças de mamando a caducando e um frigorífico nas imediações da cidade<br />
abate bovinos. Em 2016 Guarantã exportou US$ 3.416.202 (FOB) em<br />
carne e couro para Hong Kong, Egito, Itália, China e mais cinco países. No<br />
período importou US$ 10 mil (FOB) em máquina espanhola para curtir<br />
couro. O superávit no período foi de R$ 3.406.202.<br />
A reserva indígena Panará, dos índios panarás, estende-se por<br />
56.222 hectares em Guarantã, e sua área se expande para fora daquele<br />
município.<br />
O município é um dos divisores das bacias do Teles Pires e do Xingu.<br />
No rio Braço Norte, da primeira bacia, na região de limite com Novo<br />
Mundo, foram construídas quatro pequenas centrais hidrelétricas (PCHs)<br />
com capacidade para gerar 5,18 MW, 10,75 MW, 14,16 MW e 14 MW.<br />
Sobre o Parque Estadual do Cristalino no município, em Novo<br />
Mundo e em Alta Floresta leia o tópico Preservação, no segundo capítulo.<br />
A cidade é dividida ao meio pela <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Guarantã tem duas vilas:<br />
Cotrel e Gaúcho. A primeira é praticamente um bairro. A outra, dividida<br />
ao meio pela <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, situa-se na área de contestado com o Pará.<br />
Cotrel remonta aos primórdios da colonização e vila Gaúcho nasceu<br />
com a rodovia.<br />
A vila Gaúcho foi fundada em 14 de novembro de 1976, data em<br />
que o comerciante Henrique Lopes de Lima, o Gaúcho, nascido em Lagoa<br />
Vermelha, no Rio Grande do Sul, abriu pela primeira vez as portas do Bar<br />
e Restaurante Gaúcho, à margem direita da rodovia no sentido Cuiabá-<br />
-Santarém, na área de contestado entre os dois estados. À época, a área<br />
onde o estabelecimento foi aberto pertencia a Colíder. A localidade se<br />
formou na vizinhança do pioneiro Gaúcho.<br />
213
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Igreja Matriz<br />
MEMÓRIA - Em 1980 o Incra, em parceria com a Cooperativa Tritícola<br />
de Erechim (Cotrel), Empresa Brasileira de Engenharia e Construção<br />
(Ebec), Construtora Triunfo e apoio financeiro do Banco Nacional de<br />
Crédito Cooperativo (BNCC), iniciou a implantação do projeto de assentamento<br />
Parque Peixoto de Azevedo, ao longo da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, numa<br />
área da União superior a 1 milhão de hectares.<br />
Um ano <strong>depois</strong>, o presidente do Incra, Paulo Yokota, lançou um<br />
pacote de obras na região, para construir 600 quilômetros de estradas<br />
vicinais, postos de saúde, escolas e fomentar a política agrária que tinha<br />
como uma de suas principais metas assentar pequenos agricultores do<br />
Rio Grande do Sul que foram desapropriados de suas terras para a formação<br />
do lago da hidrelétrica do rio Jacuí e, também, outros brasileiros<br />
que trabalhavam em lavouras do Paraguai, os chamados brasiguaios,<br />
além de regularizar posses já existentes.<br />
Executor do Incra na região, o cearense José Humberto Macêdo<br />
entusiasmou-se com o projeto e pediu autorização a Yokota para fun-<br />
214
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
dar uma cidade às margens da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. O sinal verde foi dado, o arquiteto<br />
do Incra Sérgio Antunes de Freitas planejou e elaborou um<br />
projeto urbanístico e, assim, em 2 de junho de 1981, nascia a vila de<br />
Cotrel – primeiro nome do lugar. Foram abertas duas ruas no Km 725,<br />
que mais tarde receberiam os nomes de Avenida Jatobá e Avenida<br />
Alcides Moreno Scampelini.<br />
O fluxo migratório para a área urbana foi grande logo após a<br />
abertura das ruas. E em 16 de novembro de 1981 Cotrel foi elevada<br />
a distrito de Colíder, com o nome de Guarantã, em alusão a um tipo<br />
de madeira então muito comum na área. A escolha da denominação<br />
levou em consideração que madeireiros se referiam à região fazendo<br />
citação à madeira: “vamos lá naquele lugar do guarantã”.<br />
Guarantã sempre teve perfil agrícola. A Unidade Avançada do<br />
Incra registrou no final de 2000, em sua circunscrição que se estende<br />
a Peixoto de Azevedo, Novo Mundo e Terra Nova do Norte, 12.800<br />
famílias assentadas em 17 projetos agrários.<br />
José Humberto Macêdo, titular do Cartório do Registro Civil<br />
e ex-prefeito (1989-92); Soto Mineto, comerciante; Alcides Moreno<br />
Scampelini, primeiro farmacêutico; e Guilherme Mezomo, que instalou<br />
o primeiro mercado, formam o grupo de pioneiros.<br />
Desde os primórdios da colonização e até meados dos <strong>anos</strong><br />
2000 boa parte frota de veículos de Guarantã e região era formada<br />
por carros artesanais montados sobre chassis canibalizados de jipes<br />
ou camionetes, por oficinas locais e na vizinhança. Eram os chamados<br />
paco-paco, que recebiam esse nome por conta do barulho de<br />
seus motores a diesel estacionários. Porém, a Justiça proibiu sua<br />
circulação.<br />
O distrito foi criado por uma lei de autoria dos deputados Zanete<br />
Cardinal e Alves Ferraz, aprovada pela Assembleia Legislativa<br />
e sancionada pelo governador Frederico Campos. Em 13 de maio de<br />
1986 o governador Júlio Campos sancionou uma lei de autoria das<br />
bancadas do PDS e do PMDB aprovada pela Assembleia criando o<br />
município de Guarantã do Norte.<br />
215
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Nova Bandeirantes<br />
XXXIX<br />
No <strong>Nortão</strong>, a cidade mais distante de Cuiabá<br />
Não perca tempo procurando cachoeiras mais bonitas do que<br />
as do rio Juruena no limite de Nova Bandeirantes com Cotriguaçu.<br />
Da Porteira, Meia Carga e Figueira se destacam pela beleza natural<br />
e nenhuma outra se compara a elas. Portanto, Nova Bandeirantes é<br />
uma mistura de qualidade de vida dos seus 14.106 habitantes com<br />
belezas naturais numa área onde o café conilon reinou e hoje é um<br />
216
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
dos paraísos da pecuária mato-grossense, como atesta o quantitativo<br />
de seu rebanho bovino: 429.103 cabeças de mamando a caducando<br />
em parte de seus 9.606,257 km². No <strong>Nortão</strong> é a cidade mais distante<br />
de Cuiabá; o trajeto entre as duas é de 1.020 quilômetros.<br />
Nova Bandeirantes é uma cidade plana, sem endemias, mas<br />
carente de rede de esgoto. A água chega a todos os domicílios e a criminalidade<br />
é baixa. Um hospital da prefeitura cuida da saúde básica,<br />
mas a referência do SUS fica em Alta Floresta, distante 210 quilômetros.<br />
Sua densidade demográfica é de 1,21 habitante por quilômetro<br />
quadrado e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) registra<br />
0,650 numa escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é<br />
de R$ 169.642.000 e a renda per capita, de R$ 12.713,91. Em 2016 sua<br />
economia não exportou nem importou. O município tem as vilas de<br />
Japuranã e Paraíso do Norte.<br />
Sobre usinas hidrelétricas e áreas de preservação permanentes<br />
leia os tópicos Energia e Preservação, no segundo capítulo.<br />
MEMÓRIA - Nova Bandeirantes foi fundada em 11 de agosto de<br />
1982 pela Colonizadora Bandeirantes (Coban), de Bandeirantes no<br />
Paraná e pertencente a Daniel Meneguel, para dar suporte aos proprietários<br />
rurais que adquiriram lotes de seu projeto de colonização<br />
com 100 mil hectares, no Vale do rio Juruena e iniciado um ano antes.<br />
Em Nova Bandeirantes, se alguém perguntasse pelo baiano<br />
Manoel Nascimento dos Santos ninguém saberia responder quem<br />
era. Porém, se o questionamento fosse sobre Manezinho da Coban<br />
até o vento diria que se tratava da figura mais conhecida, respeitada<br />
e admirada do lugar. Manezinho foi o homem dos sete ofícios de Daniel<br />
Meneguel. Demarcou e abriu ruas, apaziguou brigas, estimulou<br />
investidores, viveu a cidade à qual entregou seu corpo após fechar<br />
os olhos para sempre. Conversei com ele em várias ocasiões e tentei<br />
assimilar seus conselhos.<br />
217
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Manezinho da Coban<br />
A então prefeita Solange Sousa Kreidloro, a Sol, rendeu homenagem<br />
à memória de Manezinho e denominou uma Unidade<br />
Básica de Saúde (UBS) de Manoel Nascimento dos Santos – Manezinho<br />
da Coban.<br />
Antes da formação da vila, a região não tinha acesso. A Coban<br />
implantou na mata 74 quilômetros de rodovia a partir da agropecuária<br />
Trivelato no entroncamento da MT-208 com a MT-160 para Apiacás.<br />
Dali, a estrada prosseguiu por mais 59 quilômetros com a mesma<br />
218
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
identificação de MT-208, passando por Nova Monte Verde, e dobrou<br />
à direita batizada por MT-417 por mais 16 quilômetros.<br />
No começo da colonização a economia girou em torno do café<br />
conilon. Aos poucos a pecuária assumiu as rédeas. Durante <strong>anos</strong>, ao<br />
longo da colheita do café, de abril a setembro, as comunidades rurais<br />
iguais a São Paulo, Cristo Redentor, Sagrada Família, Santa Rita,<br />
Santa Luzia, São José, São Brás, Nossa Senhora do Carmo e Japuranã,<br />
promoviam festas com quermesses nos finais de semana. O ponto<br />
alto das festividades acontecia na cidade, em outubro, quando era<br />
eleita a Rainha do Café de Nova Bandeirantes.<br />
Em 2000, a vencedora do concurso Rainha do Café de Nova<br />
Bandeirantes foi Harielle Francini Beltramin, que recebeu o cetro da<br />
antecessora eleita no ano anterior, Fernanda Tessaro.<br />
O nome Nova Bandeirantes foi escolhido por Daniel Meneguel,<br />
para homenagear a cidade paranaense de Bandeirantes, sede<br />
de sua colonizadora e local onde foi lançado o projeto de colonização<br />
no Vale do Rio Juruena.<br />
O distrito de Nova Bandeirantes foi criado no município de<br />
Alta Floresta em 2 de maio de 1986 por uma lei de autoria dos deputados<br />
Benedito Santiago e Osvaldo Sobrinho, aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Júlio Campos. Em 20<br />
de dezembro de 1991 o governador Jayme Campos sancionou uma<br />
lei de autoria do deputado João Teixeira e aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa criando o município numa área pertencente a Alta Floresta<br />
e Juara.<br />
Nova Bandeirantes pertence à comarca de primeira entrância<br />
da vizinha Nova Monte Verde. Entre a cidade e Alta Floresta há dois<br />
trechos sem pavimentação: um de 16 quilômetros na ligação da área<br />
urbana com a MT-208, e outro, de 12 quilômetros na MT-208 – obra<br />
paralisada e que até o final de 2016 desafiava a capacidade administrativa<br />
do governo de Mato Grosso.<br />
219
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Nova Canaã do Norte<br />
XL<br />
Começo conturbado em Nova Canaã do Norte<br />
Cidade levemente ondulada e parcialmente pavimentada, onde o<br />
lixo é recolhido mas não há rede de esgoto, Nova Canaã do Norte, distante<br />
três quilômetros da MT-320 que liga a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> a Alta Floresta, é sede<br />
de um município com 5.966,196 km², com 12.355 moradores e densidade<br />
demográfica de 2,03 habitantes por quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) é de 0,686 numa escala de zero a um.<br />
O município, banhado pelo rio Teles Pires, é sede de comarca<br />
de primeira entrância. A base econômica é a pecuária bovina, com<br />
um rebanho de 397.309 cabeças de mamando a caducando. Um frigorífico<br />
e um laticínio ali instalados completam a cadeia pecuária. Em<br />
2016 sua economia não exportou, mas importou da Rússia, Argentina,<br />
Canadá, Estados Unidos e Alemanha US$ 4.399.036 (FOB) em<br />
rodas hidráulicas, condensadores e outros componentes industriais.<br />
As vilas de Colorado e Ouro Branco pertencem a Nova Canaã do<br />
Norte. Sobre terras indígenas e UHE leia os tópicos Índios e Energia,<br />
no segundo capítulo.<br />
220
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
MEMÓRIA - A Gleba Nova Era, da Colonizadora Líder, começou<br />
a ser colonizada em 1976, com a venda de seus primeiros lotes pelo<br />
presidente da empresa, Raimundo Costa Filho.<br />
Lotes vendidos por Raimundo Costa tinham documentação irregular,<br />
o que provocou conflitos agrários pela posse da terra, com<br />
ações judiciais e enfrentamentos armados que resultaram em troca de<br />
tiros, tocaias e mortes. Na relação dos assassinatos figura o sócio da<br />
colonizadora, Louro Silva Lima. A tensão na zona rural se agravava a<br />
cada dia, mas, indiferentemente a isso, o colonizador criou a vila em<br />
7 de abril de 1977, numa área de 242 hectares, à qual deu o nome de<br />
Nova Era, que mais tarde seria Nova Canaã e posteriormente Nova<br />
Canaã do Norte. O seu primeiro morador foi Antônio Alves da Silva,<br />
conhecido por Antônio do Ponto, oriundo de Assis Chateaubriand,<br />
no Paraná.<br />
O apelido Antônio do Ponto surgiu porque ele tinha duas<br />
Kombi que faziam linha transportando passageiros diariamente para<br />
Colíder e, em dias alternados, para Sinop. O local de embarque e desembarque<br />
funcionava na Avenida Brasil, na calçada da Comercial<br />
Santo Antônio – de propriedade dele e que foi o primeiro estabelecimento<br />
de Nova Canaã. A antiga casa que servia de ponto das Kombi<br />
foi demolida.<br />
Depois de Antônio do Ponto, se mudaram para Nova Canaã<br />
Antônio Moreira, Osvaldo Amaral e outros. A principal atividade<br />
econômica nos primeiros <strong>anos</strong> foi o plantio de café conilon. Porém,<br />
os produtores esbarravam na falta de regularização fundiária, para<br />
conseguirem financiamentos no Banco do Brasil. O problema foi<br />
solucionado pelo Incra em 26 de abril de 1982 com a desapropriação<br />
da gleba onde surgiu o município, para a implantação do Projeto<br />
de Assentamento Canaã que contemplou com títulos definitivos<br />
3.700 agricultores que compraram áreas da Colonizadora Líder ou<br />
de terceiros.<br />
O nome Nova Canaã foi escolhido pelo então bispo de Diamantino,<br />
dom Henrique Froehlich, quando da elevação da vila a distrito<br />
221
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Antônio do Ponto<br />
de Colíder, em 23 de novembro de 1981, por uma lei de autoria dos<br />
deputados Zanete Cardinal e Alves Ferraz, aprovada pela Assembleia<br />
Legislativa e sancionada pelo governador Frederico Campos. O prelado<br />
levou em conta, para isso, que aquela região simbolizava a conquista<br />
de uma nova terra, uma espécie da Canaã citada na Bíblia, tais os<br />
percalços enfrentados por seus moradores.<br />
A emancipação aconteceu em 13 de maio de 1986 por uma lei de<br />
autoria das bancadas do PDS e do PMDB, aprovada pela Assembleia<br />
e sancionada pelo governador Júlio Campos. O município foi criado<br />
sobre áreas de Colíder e Diamantino; seu nome foi alterado para Nova<br />
Canaã do Norte.<br />
SANGUE – O prefeito Antônio Luiz Cesar de Castro, o Luizão, 43 <strong>anos</strong>,<br />
foi assassinado com cinco tiros, por volta de 22 horas da sexta-feira 5 de<br />
agosto de 2011, quando participava de uma festa na cidade. Tratou-se<br />
de crime de pistolagem.<br />
222
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Novo Mundo<br />
XLI<br />
A cidade do garimpeiro Cacheado<br />
Cidade com topografia acidentada, Novo Mundo dista 30 quilômetros<br />
de Guarantã do Norte pela MT-419 pavimentada, mas com pontes<br />
de madeira sobre o rio Braço Norte e sua vazante. Com 5.790,962 km² e<br />
8.549 moradores, o município pertence à comarca de primeira entrância<br />
de Guarantã do Norte. A densidade demográfica é de 1,27 habitante por<br />
quilômetro quadrado. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) alcançou<br />
0,674 numa escala de zero a um.<br />
Sem rede coletora, o esgoto da cidade é lançado em fossas. A água,<br />
de mina, chega a todos os domicílios. O município, na calha do rio Teles<br />
Pires, tem a vila Cinco Mil, distante 50 quilômetros no sentido de Carlinda,<br />
enfrenta problemas agrários e um pequeno hospital atende a saúde<br />
básica, mas a referência do SUS é o Hospital Regional de Colíder, distante<br />
180 quilômetros.<br />
223
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Com um rebanho bovino de 349.606 cabeças de mamando a caducando,<br />
a pecuária é o principal esteio econômico do município. O Produto<br />
Interno Bruto (PIB) é de R$ 115.679.000 e sua economia não exportou<br />
nem importou em 2016. O Parque Estadual do Cristalino ocupa áreas em<br />
Novo Mundo e outros municípios. Sobre ele leia o tópico Preservação, no<br />
segundo capítulo.<br />
MEMÓRIA - Novo Mundo e o vizinho Guarantã do Norte tiveram<br />
a mesma origem. Ambos praticamente começaram com o Projeto de<br />
Assentamento Conjunto Peixoto de Azevedo, de 1 milhão de hectares,<br />
numa área então pertencente a Colíder. Posteriormente outras glebas<br />
do Incra somaram-se àquela.<br />
Em 1980, atendendo a um pedido da irmã Glícia Maria Barbosa<br />
da Silva, de Mundo Novo, em Mato Grosso do Sul, o Incra destinou 211<br />
mil hectares na região do rio Nhandu, onde mais tarde surgiriam Novo<br />
Mundo e Guarantã do Norte, para assentar cerca de 600 colonos daquele<br />
município e outros brasileiros que ocupavam ou eram proprietários de<br />
terras no Paraguai, os chamados brasiguaios. A execução fundiária ficou<br />
a cargo da Cotrel, que dividiu a área em cinco módulos, e em cada um<br />
pretendia criar uma comunidade com posto de saúde, campo de futebol,<br />
escola e igreja nos moldes das agrovilas idealizadas por Norberto<br />
Schwantes. Aquele que deveria ser o módulo chamado Nhandu acabou<br />
sendo deslocado para uma vila que surgiu a três quilômetros do local<br />
escolhido para sua instalação. Essa vila era a corruptela do Cacheado,<br />
às margens do córrego Grotão, e se transformaria em Novo Mundo. Os<br />
demais módulos: Cotrel, Linha Fogo, comunidade São Pedro e Salvador<br />
Siqueira, foram consolidados.<br />
Coincidentemente com o assentamento dos parceleiros o ouro foi<br />
descoberto na região e aconteceram levas migratórias que mudaram seu<br />
perfil. Com isso a corruptela do Cacheado ganhou novos moradores.<br />
Alguns chamavam a vila do Cacheado de vila Ouro Novo porque<br />
ela se localizava numa área onde uma mineradora com aquele nome extraía<br />
o metal. O nome Novo Mundo foi escolhido em 1983, por assentados<br />
oriundos de Mundo Novo. É uma inversão da denominação para diferenciá-lo<br />
daquele município e não tem relação com a Ouro Novo.<br />
224
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Ponte de madeira em rodovia pavimentada<br />
O garimpo fazia fortuna da noite para o dia. Porém, deixava para<br />
trás um rastro de violência com mortes e feridos nas incontáveis brigas<br />
por motivos fúteis em cabarés e nos baixões. Acrescente-se a isso a tragédia<br />
da malária, que ia além de casos isolados e se transformava em hiperendemia.<br />
Quem a enfrentava era o farmacêutico cuiabano e um dos<br />
pioneiros, Maurindo Ramos, da Drogaria Ramos. Maurindo era a única<br />
arma contra a doença. Com seu microscópio fazia lâmina e medicava garimpeiros,<br />
prostitutas e comerciantes do lugar. Além disso, segundo ele,<br />
não eram poucos os casos de blenorragia – a famosa gonorreia – e outras<br />
doenças sexualmente transmissíveis que infestavam os garimpos.<br />
Cacheado e Maurindo são os dois principais personagens de Novo<br />
Mundo. Cacheado tornou-se fazendeiro. Maurindo atendeu mais de 10<br />
mil casos de malária, mas aposentou o microscópio e retornou a Cuiabá.<br />
Novo Mundo pertencia a Guarantã do Norte e emancipou-se em<br />
17 de novembro de 1995 por uma lei de autoria do deputado Jorge Yanai<br />
aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador<br />
Dante de Oliveira.<br />
225
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Cacheado<br />
CACHEADO - Cacheado é o apelido do garimpeiro e primeiro comerciante<br />
do lugar, o piauiense de Campo Maior Antonio Alves da Silva,<br />
que chegou ao <strong>Nortão</strong> em 1979, quando tudo na região se resumia ao<br />
garimpo de ouro.<br />
Cacheado sentia na pele o vácuo do Estado na corruptela por<br />
ele fundada no garimpo que lhe pertencia. Via seus companheiros de<br />
trabalho morrerem vítimas da balária – mistura de bala e malária –,<br />
garimpava sem as mínimas condições de segurança, testemunhava o<br />
raiar e o ocaso do sol com crianças nas ruas por falta de escola.<br />
Aluno da escola do mundo, Cacheado assina o nome. Ausente<br />
do banco escolar pela dureza da vida, retribuiu com grandeza essa<br />
adversidade: construiu as duas primeiras escolas de Novo Mundo. Vítima<br />
de derrame cerebral, Cacheado se recupera na Estância Repouso,<br />
à margem da <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. Com dificuldade de fala, resume seu sentimento<br />
sobre a cidade que fundou: “Tenho olhos bons para os lados de lá”.<br />
226
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Tabaporã<br />
XLII<br />
Cidade Bonita ou apenas Tabaporã<br />
Cidade Bonita. Este é o nome Tabaporã na linguagem tupi. Trata-se<br />
da junção das duas palavras pela genialidade do poeta Carlos<br />
Drummond de Andrade para denominar um projeto de colonização<br />
rural e urbana próximo a Juara, de José Pedro Dias, o Zé Paraná, e seu<br />
sócio Isaías Apolinário.<br />
Município jovem, Tabaporã tem 9.398 residentes, 8.448,004 km² e<br />
sua densidade demográfica é de 1,19 habitante por quilômetro quadrado.<br />
Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,695 numa<br />
escala de zero a um. O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 355.235.000<br />
227
Eduardo Gomes de Andrade<br />
e a renda per capita, de R$ 37.073,13. Em 2016 sua exportação alcançou<br />
US$ 450.239. A China comprou US$ 436 mi em soja e o Japão, US$ 13<br />
mi em milho. No período não houve importação. O rebanho bovino é<br />
de 161.042 cabeças de mamando a caducando. A economia é calcada<br />
na agricultura e pecuária. Na cidade, 65% das ruas são pavimentadas,<br />
a água chega a todos os domicílios, mas o esgoto ainda desafia a prefeitura.<br />
Tabaporã tem duas vilas: Nova Fronteira e Americana do Norte.<br />
A ligação da cidade à <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> tem 86 quilômetros sem pavimentação.<br />
O município pertence à Bacia do Teles Pires, que é um dos formadores<br />
do rio Tapajós.<br />
MEMÓRIA - O distrito foi criado no município de Porto dos Gaúchos<br />
em 16 de dezembro de 1986 por uma lei de autoria dos deputados Pedro<br />
Lima e Zanete Cardinal, aprovada pela Assembleia Legislativa e<br />
sancionada pelo governador Wilmar Peres de Farias. A emancipação<br />
aconteceu em 20 de dezembro de 1991 por uma lei de autoria do deputado<br />
Hermes de Abreu, aprovada pela Assembleia e sancionada pelo<br />
governador Jayme Campos.<br />
O mineiro Drummond, poeta maior do Brasil, sugeriu a denominação<br />
da futura cidade atendendo solicitação de seu amigo Hermano<br />
Moisés, genro de Isaías. Num encontro em São Paulo, Hermano<br />
disse a ele que o sogro estava colonizando uma área em Mato Grosso,<br />
mas que a mesma ainda não tinha nome. “Encontre um nome bonito<br />
pra aquilo!”, pediu Hermano. Drummond, de imediato, o atendeu.<br />
Assim, em 17 de agosto de 1984, exatamente três <strong>anos</strong> antes de<br />
sua morte, o poeta inscreveu seu nome na história da colonização de<br />
Mato Grosso ao denominar de Tabaporã uma vila que surgia nos confins<br />
amazônicos.<br />
A execução do projeto de colonização e urbanização de Tabaporã<br />
teve à frente Zé Paraná, que representava a Gi-Paraná Empreendimentos<br />
Imobiliários, que lhe pertencia, e a seu sócio Isaías, dono da Comercial<br />
Isaías Apolinário Empreendimentos.<br />
228
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
O lendário avião dos Metralha<br />
XLIII<br />
Dos céus para sempre no solo<br />
Para sempre no solo independentemente que o céu seja ou não<br />
de brigadeiro. Não voa mais! O bimotor que prestou grande serviço<br />
ao <strong>Nortão</strong> aterrissou para sempre em Alta Floresta, que tanto ajudou a<br />
crescer. Agora, o bom Douglas DC-3 em sua versão cargueiro C-47 de<br />
prefixo PT-KVA é patrimônio cultural sobre um pedestal para encher<br />
de beleza os olhos dos turistas e marejar o olhar de seus passageiros<br />
nos tempos da loucura do garimpo de ouro no <strong>Nortão</strong>.<br />
Os gêmeos Wilson Clever Lima e William José Lima, seus donos<br />
e seus comandantes, que na proeza de seus pousos e decolagens em<br />
situações climáticas muitas vezes adversas em arremedos de improvisadas<br />
pistas ganharam o apelido de Irmãos Metralha, tiraram as mãos<br />
229
Eduardo Gomes de Andrade<br />
do manche e guardaram seus brevês. Nos <strong>anos</strong> 1980 cruzando os céus<br />
do município sobre o rio Teles Pires e suas matas o imponente C-47<br />
carregou muito ouro, mas seu transporte mais precioso sempre foi o<br />
povo de Alta Floresta.<br />
Os Irmãos Metralha doaram a famosa aeronave ao povo de<br />
Alta Floresta e agora ela atesta a magia do ciclo do ouro, quando<br />
praticamente não havia estradas na região e o transporte aéreo era o<br />
pulmão que bombeava ar ao coração econômico e social da cidade,<br />
nas famosas pistas de garimpo e por onde mais se possa imaginar.<br />
William agora não mais vê do alto a cidade. Reconhecido por<br />
muitos, caminha pelas ruas entre os moradores do município, onde<br />
presidiu o sindicato rural; é um entre seus 5,48 habitantes por quilômetro<br />
quadrado. Seu irmão Wilson parou de voar na segunda-<br />
-feira 28 de abril de 2014 quando em Araçatuba (SP) fechou os olhos<br />
para sempre, vítima das sequelas de um aneurisma. Naquela data o<br />
comandante Wilson Metralha decolou para o céu, de onde namora<br />
Alta Floresta – uma de suas grandes paixões. À noite, se transforma<br />
na mais brilhante estrela sobre a cidade que Ariosto da Riva colonizou<br />
com sua empresa Integração, Desenvolvimento e Colonização<br />
(Indeco), façanha essa que lhe rendeu o reconhecimento do jornalista,<br />
escritor e compositor David Nasser que o chamou de “O Último<br />
Bandeirante”.<br />
Conga, Conga, Conga na madrugada<br />
Mais de 20 mil garimpeiros extraíram grande quantidade de<br />
ouro na Pista do Cabeça entre 1982 e 85. Quem controlava aquela área<br />
de 19 mil hectares era o paraibano Eliézio Lopes de Carvalho, o Cabeça,<br />
que recebeu uma grande quantidade do metal como pagamento<br />
de sua parte no garimpo e por remédios, gasolina, bebidas, mulheres,<br />
alimentos que fornecia aos garimpeiros, além do transporte aéreo que<br />
fazia com seus aviões. Cabeça jura que por seus bolsos passaram 12<br />
toneladas.<br />
230
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Cabeça<br />
Os donos das pistas de garimpo no <strong>Nortão</strong> e Pará faziam chover<br />
e acontecer. Cabeça foi um deles e estavam no seu poder a segurança,<br />
a saúde, as regras sociais e a economia dos milhares de garimpeiros de<br />
todos os cantos do Brasil que viviam a aventura do ouro na sua pista<br />
localizada na calha do rio Teles Pires, na Alta Floresta que agora tem<br />
8.976,309 km². À época havia vácuo de segurança e de instituições do<br />
Estado, mas isso mudou. O município é sede de comarca de terceira<br />
entrância, de uma Vara do Trabalho, da 24ª Zona Eleitoral, comando<br />
regional da Polícia Militar, de Delegacia Regional de Polícia Civil, de<br />
Perícia Oficial (Politec) e de uma unidade do Corpo de Bombeiros Militar.<br />
A agora desativada Pista do Cabeça ficava a 75 quilômetros de<br />
Alta Floresta. À época não havia estrada e o meio de acesso era o avião.<br />
Hoje a cidade tem acesso pavimentado a Cuiabá e o Aeroporto Piloto<br />
Osvaldo Marques Dias tem a maior pista de Mato Grosso. Transporte<br />
aéreo e rodoviário são coisas que não faltam, mas uma das deman-<br />
231
Eduardo Gomes de Andrade<br />
marcos cardeal<br />
Alta Floresta<br />
das da região é a Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que enfrenta cadeado<br />
judicial; esse meio de transporte é permanente bandeira do médico e<br />
empresário Mário Nishikawa e de tantos outros sonhadores.<br />
Cabeça promoveu 36 shows nacionais para animar as noitadas<br />
dos garimpeiros. Amado Batista, Waldick Soriano, Walter Basso, Nelson<br />
Ned, Donizete e Suzamar foram algumas dessas atrações. Dona<br />
Maria Odete Brito de Miranda fez show por lá e na madrugada rebolou<br />
Conga, Conga, Conga para o anfitrião. Essa senhora é Gretchen, a<br />
rainha da preferência nacional. O município passou por grande transformação<br />
e seu maior evento popular é a exposição agropecuária e industrial<br />
Expoalta.<br />
A economia do ciclo do ouro não mais existe; diversificou-se<br />
muito. Alta Floresta é polo regional distribuidor aos municípios em seu<br />
entorno, produz café conilon, cacau e soja. Isto mesmo: a leguminosa<br />
chinesa que é o pilar econômico de Mato Grosso chegou por lá em 2013<br />
espalhando-se por modestos 5.550 hectares. Acontece que essa tal soja<br />
232
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
Área central<br />
não tem limites e fechou 2016 com uma área três vezes maior. Se o boi<br />
não ficar esperto, em breve ela engole suas invernadas. A piscicultura<br />
se faz presente e o garimpo de ouro permanece, porém em quantidade<br />
bem menor. Sobre ocupação do solo leia o tópico Assentamentos, no<br />
segundo capítulo, e saiba mais sobre um excelente programa complementar<br />
da reforma agrária criado pelo florestense e ex-deputado estadual<br />
Jair Mariano, nascido em Minas Gerais.<br />
O Produto Interno Bruto (PIB) é de R$ 1.040.126.000. O rebanho<br />
bovino de mamando a caducando é de 712.874 cabeças. Ao lado da<br />
cidade, um frigorífico abate e reforça a balança comercial; a extração da<br />
madeira continua gerando renda. Em 2016 o município exportou US$<br />
19.250.420 (FOB) em madeira, carne e ouro bruto para os Estados Unidos,<br />
Hong Kong, Egito e outros 34 países. No período importou US$<br />
42.238 (FOB) em equipamentos para frigoríficos e velas de transmissão<br />
produzidos na Espanha e Alemanha. Com essa movimentação seu superávit<br />
no ano foi de US$ 19.208.182.<br />
233
Eduardo Gomes de Andrade<br />
Nelza Luci Asvolinsque<br />
Um dos mais belos cartões-postais de Mato Grosso é o rio Cristalino<br />
em Alta Floresta, numa área preservada do parque estadual que<br />
leva seu nome. Sobre o parque leia o tópico Preservação, no segundo<br />
capítulo.<br />
Uma escolha democrática<br />
Em Cuiabá uma jovem professora se sentiu instigada a participar<br />
de um inusitado concurso, não por sua modesta premiação, mas<br />
porque o vencedor ou vencedora entraria para a história. Foi assim que<br />
nasceu o nome Alta Floresta.<br />
Professora de Matemática no Colégio Sagrado Coração de Jesus,<br />
Nelza Luci Asvolinsque Faria leu um anúncio no Diário de Cuiabá<br />
sobre a realização de um concurso para escolha do nome de uma<br />
cidade que o colonizador Ariosto da Riva implantava na Amazônia<br />
Mato-grossense. Nelza prestou atenção ao indicativo da localização do<br />
projeto, bem no alto do mapa em meio à mata densa. Sem pensar duas<br />
vezes, foi à Rádio A Voz D’Oeste, em Cuiabá, e depositou numa urna<br />
234
<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
sua sugestão. Daí para frente caberia aos ouvintes aprovarem ou não<br />
o nome.<br />
Nelza sugeriu Alta Floresta e venceu o concurso idealizado pelo<br />
coronel José Meirelles, ex-comandante do 9º Batalhão de Engenharia<br />
e Construção (9º BEC), que <strong>depois</strong> de se aposentar foi contratado por<br />
Ariosto para concluir a abertura de uma estrada ligando a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong> ao<br />
seu projeto. Meirelles topou o desafio e o cumpriu. Além disso, bolou o<br />
concurso vencido por Nelza, que posteriormente tornou-se cartorária<br />
no Cartório do 7º Ofício de Cuiabá.<br />
A abertura da estrada demorou três <strong>anos</strong>. Meirelles foi encarregado<br />
da travessia do rio Teles Pires e do trajeto até o local definido para<br />
a cidade. O avanço do projeto dependia de tratores pesados. Ao invés<br />
de balsa convencional, Meirelles lançou mão de balsas de portada –<br />
empregadas na engenharia militar – e com elas botou os equipamentos<br />
na margem esquerda do rio. Certa vez Meireles contou-me sobre a dificuldade<br />
que enfrentou, porque a área de vazante na margem direita<br />
do Teles Pires é muito larga.<br />
Nos primórdios, sem acesso por rodovia, a alternativa era o<br />
transporte aéreo, que consagrou grandes nomes da aviação, dentre<br />
eles Dpemty Bandeira Fiúza, o comandante Fiúza, que em 2 de junho<br />
de 2016, aos 85 <strong>anos</strong>, decolou para seu último voo sem necessidade de<br />
avião – a máquina que tão bem pilotava.<br />
Juntamente com Meirelles, seu braço direito na <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>, o topógrafo<br />
Antônio Nunes Severo Gomes também trabalhou para Ariosto.<br />
Severo foi topógrafo nos projetos urb<strong>anos</strong> de Alta Floresta, Paranaíta e<br />
Apiacás, cidades fundadas por aquele colonizador.<br />
A data da vitória de Ariosto<br />
Calha do rio Teles Pires, município de Aripuanã, quarta-feira 19<br />
de maio de 1976. Ao contrário do Brasil que está em ebulição pelas<br />
eleições municipais em novembro, naquele local o assunto era um só:<br />
a inauguração de Alta Floresta. Pela manhã Ariosto era a imagem do<br />
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Eduardo Gomes de Andrade<br />
Ariosto da Riva<br />
contentamento acompanhando os tratores arrancando as derradeiras<br />
raízes das ruas sem casas, escolas e lojas laterais. À tarde o colonizador<br />
estava ainda mais feliz entregando ao Brasil, a Mato Grosso e às<br />
gerações futuras um projeto que transformava o vazio amazônico no<br />
embrião de uma cidade sonhada para ser moderna. Digo mais: para ser<br />
a imagem de seu construtor.<br />
O dia da fundação é a data oficial de Alta Floresta, mas seu distrito<br />
foi criado em 19 de setembro de 1977 pelo governador Garcia Neto<br />
e a emancipação aconteceu em 18 de dezembro de 1979 com a sanção<br />
pelo governador Frederico Campos da lei que emancipou o município.<br />
As ruas desertas quando da inauguração da cidade mais tarde<br />
viveram o boom populacional com o garimpo. Em 1995, quando a<br />
atividade entrou em declínio, havia 79.591 moradores. Transcorridos<br />
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<strong>Nortão</strong><br />
<strong>BR</strong>-<strong>163</strong>: <strong>46</strong> <strong>anos</strong> <strong>depois</strong><br />
21 <strong>anos</strong>, esse número caiu para 50.082, registrando queda de 37,08%<br />
no período. Esse enxugamento humano somente não é maior porque<br />
o êxodo foi estancado e nos últimos <strong>anos</strong> houve a retomada do<br />
crescimento. Dois indicadores sociais mostram que as sequelas com<br />
o fim do garimpo estão cicatrizando: o Índice de Desenvolvimento<br />
Humano (IDH) numa escala de zero a um é de 0,714 e a renda per<br />
capita alcança R$ 20.853,81. Tratamento de esgoto contribui para a<br />
melhoria da qualidade de vida e Alta Floresta está atenta a isso. Por<br />
meio de concessão, a cidade coleta e faz tratamento de parte do esgoto.<br />
Fé e trabalho nunca faltaram a Alta Floresta; é nesse binômio que<br />
se retoma o crescimento. Dentre os líderes religiosos que elevaram<br />
e elevam as mãos aos céus pela cidade, o pastor baiano Agenor José<br />
dos Santos, que aos 77 <strong>anos</strong>, em 2 de junho de 2016, se juntou ao coro<br />
dos justos que ora nos céus.<br />
No auge do garimpo havia um frenesi de pequenos aviões no<br />
aeroporto da cidade e, na Boate Saramandaia, mais de 300 mulheres<br />
faziam a alegria dos garimpeiros noite adentro sem hora para o sexo e<br />
a bebedeira acabar. O pagamento quase sempre era feito em pepitas;<br />
dinheiro era raro naquela casa, onde a verdadeira moeda circulante<br />
atendia pelo nome de ouro. Sobre isso leia o capítulo dedicado a Peixoto<br />
de Azevedo.<br />
As ruas desertas e sem escola não existem mais. A Educação ajudou<br />
a povoá-las com suas crianças e quem primeiro ensinou o bê-á-bá<br />
na terra de Ariosto foi o professor Benjamin Paula. O desenvolvimento<br />
levou para Alta Floresta um campus da Universidade do Estado (Unemat)<br />
e outro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia<br />
(IFMT), com extensão em Paranaíta, e faculdades particulares com ensino<br />
presencial e a distância. A cidade ganhou hospitais e inclusive o<br />
Hospital Regional. Mulheres e homens povoaram essas ruas e lá não se<br />
segrega gênero. Por dois mandatos consecutivos a economiária Maria<br />
Izaura Dias Alfonso foi sua prefeita. Mais: a cidade não é adepta da<br />
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Eduardo Gomes de Andrade<br />
máxima de que santo de casa não faz milagre, tanto assim que em 1990<br />
elegeu seu morador mineiro João Batista Teixeira dos Santos primeiro<br />
deputado federal do <strong>Nortão</strong>.<br />
ARIOSTO - Melhor escola, impossível! Ariosto da Riva aprendeu a<br />
construir cidades com o maior colonizador do Paraná, Geremia Lunardelli.<br />
Do Paraná para Mato Grosso – antes de sua divisão – onde<br />
criou Naviraí (agora MS). Depois chegou ao Teles Pires em 1974. Fundou<br />
Alta Floresta, Apiacás e Paranaíta. Nasceu de família pobre em<br />
Agudos (SP). Sua têmpera esculpida pelo trabalho incessante ao longo<br />
de 77 <strong>anos</strong> abriu caminhos ao desenvolvimento de Mato Grosso e ao<br />
sonho de milhares que buscavam no <strong>Nortão</strong> as oportunidades que não<br />
tinham em seus lugares de origem. Em 25 de julho de 1992 fechou os<br />
olhos, mas não deixou sua Alta Floresta onde seu corpo foi sepultado.<br />
Entrou para a galeria dos que construíram o Brasil. Virou lenda.<br />
As gerações de seus sucessores ganham mais e mais componentes.<br />
Em 5 de maio de 2015 nasceram seus primeiros tetranetos: Laura e<br />
Arthur. Seu filho Vicente da Riva foi prefeito do município.<br />
No cenário de conquistas e vitórias, Ariosto experimentou uma<br />
dor sem fim pela perda de seu filho Ludovico da Riva – seu braço direito<br />
na colonização – que morreu num acidente aéreo em 1990, quando<br />
disputava o governo.<br />
Ariosto e Ludovico emprestam seus nomes ao principal corredor<br />
da cidade, que é separado por um amplo canteiro central com construções<br />
de frente para as duas pistas, uma a Avenida Ariosto da Riva e<br />
outra a Avenida Ludovico da Riva.<br />
Citando esse grande colonizador, povoador do vazio demográfico<br />
amazônico e criador de oportunidades para milhares de brasileiros<br />
que encontraram em Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás a oportunidade<br />
que não tiveram em sua terra natal, encerro este livro. Espero que a<br />
obra contribua para dar forma literária à oralidade da história do <strong>Nortão</strong>.<br />
Obrigado a todos. Obrigado meu Deus!<br />
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Depois de <strong>46</strong> <strong>anos</strong> de intensa relação com o <strong>Nortão</strong><br />
imaginava que o conhecia como a palma da mão. Ledo<br />
engano! Ao escrever este livro descobri um verdadeiro<br />
universo dentro daquela área que ganhou enraizamento<br />
urbano e vitalidade econômica com a <strong>BR</strong>-<strong>163</strong>. No passo a<br />
passo desta obra descortinou-se para mim a verdadeira<br />
face daquela região. Transportei a oralidade de sua história<br />
para as páginas ora apresentadas. Se tivesse que<br />
reescrever o tema ora abordado repetiria os personagens<br />
citados, mas encontraria um jeito de relacionar outros, tão<br />
importantes quanto aqueles, mas que não foram mencionados<br />
pela limitação do número de páginas.