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Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade

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Há também registros de alianças dos quilombolas com populações<br />

indígenas <strong>da</strong> região, o que suscitou grande preocupação por parte <strong>da</strong>s elites<br />

locais. Documentos <strong>da</strong> época retratam o curso de episódios ocorridos<br />

entre 1772 e 1775, com destaque para a carta envia<strong>da</strong> pelo então Governador<br />

<strong>da</strong> província de Goiás, Dr. João Manoel de Mello à Majestade Portuguesa,<br />

descrevendo a aliança entre indígenas <strong>da</strong> nação Xavante e quilombolas,<br />

<strong>da</strong>ndo ain<strong>da</strong> conta dos perigos desse panorama para a Coroa.<br />

Succedeu nesse tempo incidente maior que me obrigou a<br />

cui<strong>da</strong>r na sua prompta expedição, porque me constou que<br />

os ditos gentios (Xavantes) surprehendendo huns negros de<br />

uma roça os não matrão como praticavão nas antecedentes<br />

abalroa<strong>da</strong>s, e he costume inveterado de to<strong>da</strong>s aquelas nações;<br />

mas levando-os às suas Aldeas lhes fizeram muitos afagos,<br />

e os cazarão com as gentias, asseveramdo-lhes que todo o<br />

preto que quizesse passar para eles acharião nas suas Aldeas o<br />

mesmo bom tratamento. Esta prejudicial maxima era o meio<br />

mais conducente para se acabarem estas minas, pois se os<br />

pretos d ellas estão fugindo continuamente para os quilombos<br />

expostos a assaltos dos Capitães do mato que incessantemente<br />

os perseguem, o que farião tendo passo franco para as Aldeas<br />

dos Gentios, onde estavam seguros de perigo, senhores de sua<br />

liber<strong>da</strong>de, e com mulheres próprias (23). (Carta do governador<br />

João Manoel de Mello à Majestade portuguesa com <strong>da</strong>ta de 30 de<br />

março de 1765, in Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo 84,<br />

Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1920, p. 8-89). Apud, Silva, op.cit. pp.<br />

289-290, parêntesis acrescentados).<br />

As fugas de escravizados, a crescente proliferação de kilombos e<br />

mesmo a presença do elemento indígena como potencial aliado dos quilombolas<br />

trouxeram grande preocupação à Coroa. Ora, africanos e seus<br />

descendentes e a população indígena ocupavam lugares destinados pelos<br />

colonizadores à subserviência, ao embranquecimento ou ao extermínio.<br />

Não há como compreender o passado dos encontros e choques destes povos<br />

sitiados sem considerar as redes de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de entre eles. Originalmente,<br />

as terras do Brasil eram dos indígenas, portanto, a organização de<br />

novas territoriali<strong>da</strong>des engendra<strong>da</strong>s pelos negros não poderia acontecer<br />

sem negociações e conflitos com aqueles que nestas terras moravam, transitavam<br />

ou tinham conhecimento <strong>da</strong>s mesmas. De fato, ao contrário do<br />

que tem sido usualmente acolhido pela historiografia oficial, o regime escravista<br />

foi constantemente assediado por um conjunto imenso de ações e<br />

resistências febris e impetuosas <strong>da</strong> parte <strong>da</strong>queles a quem os colonizadores<br />

viam como naturalmente subalternos, como é o caso dos quilombolas.<br />

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