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A FRAGILIDADE DAS CRÍTICAS À TLP

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A <strong>FRAGILIDADE</strong> <strong>DAS</strong> <strong>CRÍTICAS</strong> <strong>À</strong> <strong>TLP</strong> (Carlos Kawall)<br />

Em abril, o governo apresentou uma proposta muito bem vinda com a criação da <strong>TLP</strong> – Taxa de Longo Prazo, nos<br />

termos da MP 777 que está sendo atualmente apreciada pelo Congresso Nacional.<br />

Desde então se produziu rico debate que agregou novos elementos à discussão, com contribuições muito<br />

relevantes de Affonso Celso Pastore, Alexandre Schwartsman, Banco Mundial (Byskov e Clavijo), Gustavo Loyola,<br />

Maílson da Nóbrega, Márcio Garcia, Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e Zeina Latif, todas favoráveis à <strong>TLP</strong> (as<br />

referências encontram-se ao final do texto).<br />

Ao mesmo tempo, houve importante contraofensiva dos defensores do “status quo”, tanto dentro do governo<br />

como fora dele. Destacamos, neste sentido, as contribuições de Pedro Wongtschowski e Ernani Teixeira Torres<br />

Filho, contrários à proposta. De forma não exaustiva, procuramos abaixo listar e confrontar as principais críticas à<br />

proposta da <strong>TLP</strong>, buscando apontar suas fragilidades.<br />

<strong>TLP</strong> é volátil e pró-cíclica – a ideia de que a <strong>TLP</strong> será muito volátil deriva de sua ligação a uma taxa de mercado,<br />

para alguns já um pecado original. E no mercado, é claro, as taxas variam. Lembremos, contudo, que isto é<br />

também o caso de uma série de variáveis que afetam a decisão de investimento e que são incertas: os preços do<br />

produto e insumos, salários, taxa de câmbio, tributação. E mesmo assim, o investimento ocorre, envolvendo<br />

sempre incerteza.<br />

Além disso, sequer é possível argumentar que a TJLP seja menos volátil que a <strong>TLP</strong>. A TJLP é fixada de modo<br />

discricionário, flutuando ao longo do contrato de financiamento. Muitas empresas buscam bancos para “travar”<br />

ou fazer “hedge” da TJLP, e só conseguem fazê-lo imperfeitamente, a um custo elevado.<br />

A decisão de investir envolve cotejar a rentabilidade do projeto com o juro real (e não o nominal). Neste caso, a<br />

TJLP dá show de volatilidade. Como se manteve praticamente inalterada nos últimos anos, oscilou em termos<br />

reais de um terreno fortemente negativo (-4% a.a., em março de 2016) até a situação atual, em que está próxima<br />

de +4,5% a.a.. Ela mostrou, ainda, um componente fortemente pró-cíclico: queda real nos períodos de<br />

crescimento com a inflação ascendente, e alta nas crises quando a inflação declinava. Nos últimos dez anos, por<br />

exemplo, a taxa de juro real da TJLP apresentou desvio padrão de 1,7 ponto percentual (p.p.), acima dos 1,5 p.p.<br />

da NTN-B de cinco anos (que servirá de base para a <strong>TLP</strong>).<br />

No caso da <strong>TLP</strong> não haverá discricionariedade, por ser atrelada a uma taxa de juro de mercado. Além disso, será<br />

fixa ao longo do contrato em termos reais, diminuindo a incerteza e facilitando a alternativa de se buscar<br />

proteção no mercado contra oscilações da taxa. No período de transição, o subsídio concedido no contrato estará<br />

dado e não poderá ser alterado. Graficamente, ainda, é visível nos últimos dez anos o comportamento pró-cíclico<br />

da TJLP real e a evolução anticíclica da NTN-B de cinco anos, como podemos visualizar no gráfico a seguir. Não<br />

será surpresa, assim, se devedores do BNDES buscarem, voluntariamente, refinanciar suas operações trocando<br />

TJLP pela <strong>TLP</strong>, mais previsível, mais fácil de buscar “hedge” e mais anticíclica.


Há crédito dirigido e subsídio no mundo todo – os subsídios são uma prática antiga e que continuará. O emprego<br />

da <strong>TLP</strong> não esgotará tal possibilidade. Nos cinco anos iniciais eles continuarão a ser concedidos de forma implícita,<br />

dado que haverá um redutor frente à taxa de mercado. Adicionalmente, subsídios sempre poderão ser<br />

concedidos caso sejam julgados necessários pelo governo e sociedade, como foram no caso do PSI. Contudo,<br />

serão incluídos no Orçamento Geral da União, sendo submetidos também ao teto do gasto, como as demais<br />

despesas públicas. O que acabará gradualmente é o subsídio de crédito como uma despesa extra-orçamentária<br />

ou parafiscal, concedido à margem do Congresso Nacional.<br />

Além disso, há que se levar em conta a realidade fiscal: em 2015 e 2016, os subsídios via TJLP e PSI custaram cerca<br />

de 1% do PIB, valor que supera o investimento que o governo realizou nesses anos. Segundo estudo do Insper, a<br />

aprovação da <strong>TLP</strong> economizará até R$ 100 bilhões em subsídios futuros, contribuição fundamental no quadro<br />

fiscal em que nos encontramos.<br />

O fim da TJLP impactará negativamente os investimentos – parte dos críticos à adoção da <strong>TLP</strong> argumenta que,<br />

sem taxas subsidiadas, os investimentos cairiam no país, pois a ausência de subsídios inviabilizaria parcela dos<br />

projetos produtivos atualmente contemplados pela existência da TJLP. Tal argumento ignora o fato de que, assim<br />

como citamos no item anterior, o emprego da <strong>TLP</strong> não impede a adoção de taxas de crédito subsidiadas, e sim<br />

apenas traz transparência a esta prática.<br />

Mas, mesmo ignorando tal argumento, vale a pena mencionar que, em 2014, Marco Bonomo, Ricardo Brito e<br />

Bruno Martins realizaram um estudo 1 no qual não encontraram evidências de que a forte expansão de crédito<br />

direcionado observado no período pós-crise tenha motivado expansão de investimentos por parte das empresas<br />

de capital aberto analisadas. Constataram que grandes companhias, que estão no mercado há mais tempo e que<br />

são menos arriscadas, são as que mais se beneficiaram da expansão do crédito direcionado no pós-crise.<br />

TJLP não reduz a potência da política monetária – cobra-se do governo e do Banco Central provas cabais e<br />

estudos técnicos que mostrem que a TJLP e subsídios afetaram a potência da política monetária. Mas há larga<br />

literatura internacional sobre a “repressão financeira” desde os anos 50 que mostra que mercados submetidos a<br />

controles de juros e subsídios excessivos prejudicam o desenvolvimento do mercado de capitais. Também<br />

sabemos que, abandonada a Nova Matriz Econômica, encerrado o PSI e com a forte retração do crédito<br />

direcionado, a taxa Selic despencou, os juros do crédito livre recuaram e a inflação está abaixo da meta. A política<br />

monetária, assim, tem se mostrado muito mais eficaz.<br />

1<br />

Bonomo, M., Brito, R. e Martins, B., “Macroeconomic and Financial Consequences of the After Crisis Government-Driven Credit Expansion<br />

in Brazil”, WPS-378, Banco Central do Brasil, 2014.


Consoante a estas evidências, em um trabalho 2 desenvolvido por Marco Bonomo e Bruno Martins em 2016, os<br />

autores encontram resultados que sugerem que a política monetária afeta menos as empresas que tem acesso a<br />

crédito direcionado. Elas apresentam menor variação tanto no montante de empréstimos quanto na taxa de juros<br />

pagos. Ou seja, efetivamente o crédito direcionado reduziria a potência da política monetária.<br />

Vale aqui devolver o argumento: há algum estudo que comprove cabalmente que os subsídios generosos do<br />

BNDES via TJLP geraram crescimento econômico sustentado? Que sejam então apresentados.<br />

A <strong>TLP</strong> é o desmonte do FAT e BNDES – quando os argumentos técnicos não são bons, sempre é bom recorrer à<br />

boa e velha teoria da conspiração. O FAT está previsto na Constituição e tem recursos estáveis, voltados para o<br />

financiamento do seguro-desemprego e abono salarial. Seu caráter híbrido, também financiando o BNDES e<br />

outros bancos públicos, é que lhe confere instabilidade. Hoje, sub-remunerado pela TJLP artificialmente baixa dos<br />

últimos anos, o FAT tem déficit de recursos. E embora haja previsão de que o BNDES devesse restituir ao FAT<br />

recursos quando este fosse deficitário, isso não ocorreu, onerando o Tesouro. A TJLP foi um ônus para o FAT, e<br />

contribuiu para a sua posição deficitária.<br />

O BNDES é um banco de mais de 60 anos e não há proposta de extingui-lo ou privatizá-lo. Já foi o banco da<br />

infraestrutura quando criado, apoiou a industrialização e privatizações/ concessões, função esta que agora voltará<br />

com força. O que se busca nesse momento é adequá-lo à realidade fiscal do país. Isso também remete à possível<br />

devolução de recursos de sua gigantesca dívida com o Tesouro Nacional, hoje representando R$ 450 bilhões. Este<br />

balanço desproporcional ao tamanho de nossa economia foi inflado por subsídios excessivos e prioridades de<br />

crédito duvidosas.<br />

A criação da <strong>TLP</strong> e a definição de subsídios de modo explícito no Orçamento da União contribuirão para uma<br />

melhor eficiência na alocação de recursos do BNDES. Ao mesmo tempo, as empresas conviverão com uma taxa<br />

menos (e não mais) volátil, uma vez considerado o juro real (e não nominal) e mais anticíclica. Com a <strong>TLP</strong> e uma<br />

estrutura de taxa de juros mais homogênea, seremos beneficiados por uma maior democracia no acesso a crédito<br />

mais barato, o que incluirá as famílias e o crédito ao consumo, extremamente caro no Brasil.<br />

A Selic será mais baixa e oscilará menos, pois não mais será forçada a compensar eventuais políticas creditícias<br />

desequilibradas e onerosas. E o BNDES continuará a existir, mas não como um banco todo poderoso com acesso<br />

ilimitado a recursos subsidiados extra-orçamentários. O FAT será preservado, com maior autonomia de recursos e<br />

menos dependente da discricionariedade da TJLP e da eventual disponibilidade de recursos por parte do BNDES<br />

para suprir suas necessidades.<br />

Referências<br />

Affonso Celso Pastore, “A controvérsia sobre a <strong>TLP</strong>”, no Estado de São Paulo. Publicada em 26 de julho de 2017.<br />

Banco Mundial, “Para entender os Efeitos da Reforma da <strong>TLP</strong> sobre o Mercado de Crédito do Brasil”. “Staff Note”<br />

produzido por Steen Byskov e Clavijo. Publicado em julho de 2017.<br />

Alexandre Schwartsman, “O BNDES e o risco de regredirmos bem mais do que seis anos em seis meses”, na Folha<br />

de São Paulo. Publicada em 12 de julho de 2017.<br />

Gustavo Loyola, “<strong>TLP</strong> vem em boa hora”, no Valor Econômico. Publicado em 7 de agosto de 2017.<br />

2<br />

Bonomo, M. e Martins, B., “The Impact of Government-Driven Loans in the Monetary Transmission Mechanism: what can we learn from<br />

firm-level data?”, WPS-419, Banco Central do Brasil, 2016.


Maílson da Nóbrega, “Subsídios: o Congresso não pode renunciar ao seu papel”, em seu blog na<br />

Veja.com. Publicado em 10 de agosto de 2017.<br />

Marcos Lisboa, “Nova taxa de juros dá transparência ao BNDES”, na Folha de São Paulo.<br />

Publicada em 22 de julho de 2017.<br />

Pedro Wongtschowski, “<strong>TLP</strong>: curar ou matar o doente?”, no Valor Econômico. Publicada em<br />

15 de agosto de 2017.<br />

Samuel Pessôa, “O poder das corporações empresariais”, na Folha de São Paulo. Publicada em 9<br />

de julho de 2017.<br />

Valor Econômico, “Juro de longo prazo vira 'pomo da discórdia'”. Entrevista com Márcio Garcia,<br />

favorável à <strong>TLP</strong>, e Ernani Teixeira Torres Filho, contrário à proposta. Publicada em 15 de agosto<br />

de 2017.<br />

Zeina Latif, “Quando a maioria ganha”, no Estado de São Paulo. Publicada em 17 de agosto de<br />

2017.

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