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Esperança profética
David Ayusso<br />
Gustavo Kralj<br />
Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo, Juiz - Basílica<br />
de São Pedro, Vaticano<br />
Vingou a honra da<br />
Santa Igreja<br />
São Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta<br />
daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana<br />
traição”.<br />
Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que<br />
de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o<br />
Concílio tomou uma atitude de condenação.<br />
Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da<br />
Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas<br />
sobretudo no interior da Igreja Católica, que é por excelência a montanha<br />
sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro<br />
dela toma a defesa do erro e do mal.<br />
A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece<br />
que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que<br />
afirma que o bem é o mal e o mal é o bem, e que luta, dentro da Igreja,<br />
para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.<br />
(Extraído de conferência de 3/7/1965)<br />
São Leão II<br />
Artaud de Montor (CC3.0)<br />
2
Sumário<br />
Ano XIX - Nº <strong>220</strong> Julho de 2016<br />
Esperança profética<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na<br />
década de 1990.<br />
Foto: Sérgio Miyasaki<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
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Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Editorial<br />
4 Prelúdio de grandes acontecimentos<br />
Piedade pliniana<br />
5 Súplica a Nossa Senhora do Amparo<br />
Dona Lucilia<br />
6 Seriedade florida<br />
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
8 Reino de Maria e patriarcalidade<br />
De Maria nunquam satis<br />
14 Fátima e Nossa Senhora do Carmo<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
17 Certeza da vitória<br />
Calendário dos Santos<br />
22 Santos de Julho<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
24 A procura de um superior<br />
Hagiografia<br />
26 Santa Marciana e o testemunho dos mártires<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
31 Florença e a perfeição das formas<br />
Última página<br />
36 Nossa Senhora da Luz Profética<br />
3
Editorial<br />
Prelúdio de grandes<br />
acontecimentos<br />
Os grandes acontecimentos da História, aqueles que envolvem uma manifestação da misericórdia<br />
ou da justiça divinas, sempre são precedidos de uma longa espera para os que creem na promessa<br />
feita por Deus.<br />
Ouçamos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 1 :<br />
Deus pede às pessoas a quem Ele quer conceder a honra de realizar os planos d’Ele um ato de<br />
confiança de esperar contra todas as aparências, confiar contra toda verossimilhança, de serem aparentemente<br />
abandonados pelo próprio Deus para que, depois, Ele confirme sua aliança com eles. A<br />
aparência de um abandono divino, esse é o modo pelo qual Deus manifesta a sua dileção.<br />
As grandes esperas são exatamente o prelúdio dos grandes dons de Deus; e o profetismo envolve<br />
muitas vezes a espera.<br />
A espera profética é constituída de vários elementos. Em primeiro lugar, da certeza plena da profunda<br />
desordem das coisas como elas estão. Em segundo lugar, uma intuição de como tudo deveria<br />
estar se estivesse em ordem. Em terceiro lugar, no jogo de luz e trevas, uma participação enorme de<br />
todo ser nisso e uma certeza incutida pelo sobrenatural, uma espera de que virá um dia em que a luz<br />
esmagará as trevas e as vencerá.<br />
Esta espera profética traz consigo uma rejeição completa da Revolução, uma separação, uma alteridade<br />
em relação a ela, um não poder viver dentro dela, de onde um desejo ardente do dia em que<br />
ela acabe, do dia da punição, do dia da ira, do dia do castigo.<br />
Há uma frase muito bonita da Escritura: “Ó sentinela, dize-me, como vai correndo a noite?” (Is<br />
21,11). “Lentamente eu percebo no horizonte uma luz que vai se tornando mais intensa”— a resposta<br />
é sempre a mesma... “Mas responde-me outra coisa, sentinela: Quanto tempo levará esta luz para<br />
iluminar o horizonte inteiro?” E a resposta é: “‘Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco…’<br />
Rezemos para que Nossa Senhora intervenha, porque de repente a luz começa a brilhar mais.”<br />
Esse é o drama da espera profética, é o sangue, a incógnita, o peso e a beleza de nossa vida, porque<br />
é a cruz de nossa vida!<br />
Tenho a impressão de que os católicos nas catacumbas sabiam também que um dia a Igreja sairia<br />
dos subterrâneos. Entretanto, havia as perseguições. Depois de dias de intervalo e de quietude: “Será<br />
a hora?” Sai-se das catacumbas, está reinando Calígula... Voltam para dentro, nova perseguição!<br />
Um belo dia, está reinando Constantino...<br />
A saída da Igreja de dentro das catacumbas tem todas as glórias da Ressurreição de Cristo. Os fiéis<br />
levando seus objetos de culto de dentro das catacumbas, relíquias de mártires, etc., e começando<br />
a se instalar à luz do dia; imaginem o aspecto pascal deste fato, a beleza disto!<br />
Também de nós Deus quer que estejamos certos de que o dia d’Ele virá em nossos dias, mas virá<br />
muito inopinadamente.<br />
1) Excertos de conferências de 25/7/1968, 18/9/1972 e 22/7/1973.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Francisco Lecaros<br />
Nossa Senhora do Amparo - Igreja de<br />
Santo Estêvão, Plasencia, Espanha<br />
Súplica a Nossa<br />
Senhora do Amparo<br />
ÓSanta Senhora do Amparo, ponde em minha alma, totalmente carecedora de méritos<br />
e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente<br />
durante a vida inteira. Uma graça que faça desta confiança cega o caminho pelo<br />
qual ele realize sua vocação, e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.<br />
Vós bem sabeis que incontáveis vezes este escravo Vos será infiel. Ponde, porém, na alma de<br />
vosso escravo a convicção de que, de antemão, lhe perdoastes tudo, já perdoastes até o inimaginável,<br />
e de que depois de cada miséria Vós abrireis para este escravo as portas de uma misericórdia<br />
nova, mais suave, mais rica e mais insondável do que a anterior. Assim seja.<br />
(Composta em 4/9/1970)<br />
5
Dona Lucilia<br />
Seriedade florida<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Dona Lucilia foi a pessoa mais séria que<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> conheceu em sua vida. Espírito<br />
muito profundo que ligava habitualmente<br />
todas as coisas às mais altas considerações.<br />
Ao mesmo tempo, ela possuía uma amenidade,<br />
uma doçura e uma sadia alegria de existir,<br />
mesmo nas ocasiões mais dramáticas.<br />
M<br />
inha formação contrarrevolucionária<br />
eu devo<br />
fundamentalmente ao<br />
convívio com mamãe.<br />
Mais ao convívio com ela do que<br />
a princípios abstratos ensinados<br />
por ela. Dona Lucilia não era uma<br />
doutora em Filosofia, mas uma dona<br />
de casa, e sabia o que comumente<br />
uma dona de casa sabe. Não possuía<br />
esses conhecimentos abstratos;<br />
e nem eu gostaria muito que tivesse.<br />
Eu venero esses princípios abstratos,<br />
faço deles o ar de minha alma,<br />
mas convêm mais ao varão do<br />
que à dama.<br />
Aprendi com ela uma coisa diferente<br />
e que eu não sei ensinar; ela<br />
soube e eu não sei. É a seriedade<br />
florida. Ela foi a pessoa mais séria<br />
que conheci em minha vida. Espírito<br />
muito profundo que habitualmen-<br />
6
te ligava todas as coisas às mais altas<br />
considerações.<br />
E por causa disso com uma integridade<br />
de julgamento moral muito<br />
grande e, portanto, recusando o que<br />
deve ser recusado. Mas com isso,<br />
uma amenidade, uma doçura, e via-<br />
-se que a seriedade colocava dentro<br />
dela um ambiente tão agradável, tão<br />
perfumado, tão cheio de uma sadia<br />
alegria de existir, mesmo nas ocasiões<br />
mais terríveis, mais dramáticas<br />
em que eu a vi. Observando sua alegria<br />
sadia de existir, compreendi nela<br />
experimentalmente que a seriedade<br />
é a única fonte da verdadeira felicidade.<br />
Por aí veio o resto.<br />
No Quadrinho 1 , isso se vê. Poder-<br />
-se-ia escrever embaixo: “Seriedade<br />
florida!”<br />
Aos 92 anos, quando mais nada<br />
floresce e tudo fala da sepultura, havia<br />
qualquer coisa nela de ameno, de<br />
deleitável, que não deixou de me encantar<br />
até o último instante de sua<br />
vida.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
27/8/1983)<br />
1) Quadro a óleo, que muito agradou a<br />
<strong>Dr</strong> . <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />
discípulos, com base nas últimas fotografias<br />
de Dona Lucilia . Ver <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n . 119, p . 6-9 .<br />
7
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Gustavo Kralj<br />
Reino de Maria e<br />
patriarcalidade<br />
Ao longo de toda sua vida, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> desejou<br />
ardentemente o Reino de Maria, e tudo<br />
que ele fazia tinha como fim último sua<br />
implantação. Nesta conferência, afirma<br />
ele que as instituições do Reino de Maria<br />
deverão guardar o espírito, a mentalidade dos<br />
que deram o impulso inicial, porque sem isso<br />
não se chegará à perfeição suprema.<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Pediram-me para falar a respeito<br />
do Reino de Maria e<br />
da patriarcalidade nele. Como<br />
nascerá o Reino de Maria? O<br />
que tem que ver com isso a patriarcalidade?<br />
As melhores coisas o<br />
homem, muitas vezes,<br />
faz sem planejar<br />
Quando eu era jovem, uma vez ou<br />
outra, tentei traçar para mim mesmo<br />
o quadro do Reino de Maria. Eu<br />
não achava compreensível o seguinte:<br />
como há uma coisa a qual eu deseje<br />
tanto e que não seja capaz de retraçar,<br />
de definir. Se quero, sei definir.<br />
Se não sei definir é porque não<br />
sei o que estou querendo; então, sou<br />
um bobo. Parece um raciocínio muito<br />
cogente, que aperta bem.<br />
Entretanto, o raciocínio apertante<br />
é uma coisa, e o raciocínio quadrado<br />
é outra; este não aperta. O raciocínio<br />
verdadeiramente bem feito pode<br />
agarrar um homem, mas sem deixar<br />
nele nada de contundido. Pelo<br />
contrário, o raciocínio, como esse<br />
que fiz há pouco, deixa o interlocutor<br />
sem ter o que dizer; mas é apenas<br />
porque ele é jovem, inexperiente,<br />
por qualquer outro motivo; se ele<br />
pensasse bem, veria que o raciocínio<br />
procede de um lado errado. E, procedendo<br />
de um aspecto errado, ele<br />
todo sai trocado. E nada pior do que<br />
apertar na base do trocado, do errado.<br />
Seria mais ou menos como usar<br />
um sapato torto. Andar com isso é<br />
um tormento, não se anda.<br />
Vendo como começou a nascer a<br />
Idade Média, não tardei em perceber<br />
que ela não teve planejadores.<br />
8<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em outubro de 1988.<br />
Acima, Sainte-Chapelle - Paris, França
Antonio Lutiane<br />
Pórtico da Catedral de<br />
Colônia, Alemanha<br />
E a sociedade patriarcal ninguém a<br />
planejou, ela se fez, simplesmente. O<br />
que quer dizer que as melhores coisas<br />
o homem, muitas vezes, tem feito<br />
sem plano.<br />
Seria porque é um tonto incapaz<br />
de planejar? Não. É que a ação dele<br />
vem de uma ordem mais profunda<br />
do que a mera ordem do pensamento.<br />
É uma ordem das tendências virtuosas,<br />
em que a boa disposição do<br />
senso do ser, do senso católico, a conaturalidade<br />
com a virtude, vão fazendo<br />
com que do homem emanem<br />
hábitos, gestos, costumes; pouco depois,<br />
sistemas de arte, estilos de vida,<br />
instituições políticas, sociais, etc., as<br />
quais florescem a partir do chão sem<br />
que seja necessário planejar.<br />
A razão deve controlar o que vai<br />
nascendo para evitar as coisas tortas<br />
tão frequentes na natureza. Controlar,<br />
sim; planejar, não. Deixa-se ir fazendo<br />
e vai-se controlando e interpretando<br />
aquele impulso inicial que<br />
vai saindo, para onde ele tende, como<br />
ele é; explicá-lo aos nossos próprios<br />
olhos e saber com isto desenvolver<br />
aquilo. Assim é que verdadeiramente<br />
se fazem as coisas que tomam<br />
sentido.<br />
Consequências da<br />
civilização mecânica<br />
Se isto está claro, ponho o princípio:<br />
o Reino de Maria será assim!<br />
Quer dizer, quando eu, na exposição<br />
anterior, falava do patriarca, que<br />
levantava antes de todo mundo, via<br />
as tendas armadas no campo e o dia<br />
que começava a amanhecer, e o patriarca<br />
de longa túnica branca com<br />
um bastão na mão e uma espécie de<br />
olifante, que ele soava com o seu toque;<br />
aos poucos as tendas se movimentavam,<br />
a gente ia saindo, etc., a<br />
vida vinha emergindo do sono e se<br />
mostrando à luz do dia. O patriarca<br />
nunca pensou: “Farei tais tendas<br />
e vou arranjar uma corneta com um<br />
chifre furado, pois ficará bonito de<br />
manhã, e tomarei uma atitude bonita,<br />
vou pegar um bastão grande e<br />
levantá-lo para o horizonte…” Não.<br />
Se ele fizer assim, sai errado…<br />
Quando as inteligências estão bem<br />
ordenadas e os instintos, as tendências,<br />
pulsam de acordo com a virtude,<br />
as coisas vão saindo maravilhosas<br />
naturalmente. De maneira que, para<br />
nós termos uma ideia de como será<br />
o Reino de Maria, deveríamos indagar<br />
como será a virtude, como serão<br />
as inteligências no Reino de Maria,<br />
para nos perguntarmos, vagamente, o<br />
9
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
que dali poderia nascer. Nessas condições,<br />
poderemos ter uma ideia do<br />
que o Reino de Maria será.<br />
O homem contemporâneo está<br />
habituado a uma civilização mecânica<br />
que trepida com toda a vibração<br />
da máquina e tem velocidades muito<br />
superiores à do ser humano; e sente,<br />
desde pequeno, todos seus instintos<br />
ajustados a isso. A consequência<br />
é que o desejo da velocidade, do movimento,<br />
do inopinado, do barulho,<br />
cresce muito mais do que normalmente<br />
cresceria numa época de tranquilidade<br />
e de reflexão.<br />
Qual é, por sua vez, o resultado<br />
disso? É uma espécie de hipertrofia<br />
de exagero, de excesso, que se dá até<br />
na fantasia. A fantasia, quando começa<br />
a imaginar as coisas, representa-as<br />
passando depressa e quer que<br />
os quadros passem rápido. O espírito<br />
vive correndo e, quando deseja fazer<br />
uma coisa devagar, não se ajusta.<br />
Por quê? Porque está habituado ao<br />
corre-corre.<br />
É preciso acrescentar que é fora<br />
de dúvida que essa efervescência assim<br />
é latina.<br />
Posso falar bem à vontade porque<br />
sou latino. É uma efervescência latina<br />
a cem por cento, e não se sabe em<br />
qual dos dois veios americanos da<br />
raça latina é maior: se no veio hispano<br />
ou no luso. No veio hispano, essa<br />
efervescência se dá em movimento:<br />
é preciso gritar, falar, etc. No veio<br />
brasileiro, luso, se dá com algo disso,<br />
mas é necessário, sobretudo, cutucar,<br />
dizer uma coisa… O belisca-belisca,<br />
o cutuca-cutuca, um diz para o<br />
outro, outro diz para um terceiro, o<br />
fala-fala, o mexe-mexe um com o outro<br />
são incessantes.<br />
Compreendo muito bem que isto<br />
cause surpresa aos não latinos, porque<br />
não é só a raça — acho que o fator raça<br />
não tem muita importância no caso<br />
—, mas o ritmo da vitalidade, a tradição,<br />
os hábitos nos povos anglo-saxões<br />
e germânicos são completamente diferentes<br />
e a demarragem é outra.<br />
O brasileiro e o latino em geral<br />
demarram num pulo. O alemão ou<br />
o anglo-saxão precisa passar por várias<br />
velocidades antes de demarrar.<br />
Tudo isso é a vivacidade própria<br />
à raça, à tradição, aos costumes, etc.<br />
Mas não há alguma coisa da velocidade<br />
da máquina dentro disso? Algo<br />
de excitação da civilização mecânica<br />
com tudo quanto ela apresenta<br />
de alucinante, de corre-corre, etc.?<br />
No fundo, há apenas um hábito, ou<br />
também um vício? É uma pergunta<br />
que se pode fazer.<br />
Grand Retour: graça<br />
que descerá e mudará<br />
completamente os homens<br />
Com o Grand Retour 1 as mentalidades<br />
devem ser reformadas até o<br />
fundo, pela graça do Divino Espírito<br />
Santo. E sem que as nações percam<br />
as suas boas características, elas, em<br />
alguma medida pelo menos, devem<br />
ser libertadas dos seus maus hábitos<br />
e de suas más tendências. Alguma<br />
coisa fica, porque o homem tem que<br />
lutar contra seus maus hábitos e más<br />
tendências. A vida é uma luta.<br />
E não vai ser feita uma vida<br />
fácil no Reino de Maria. Se fosse<br />
fácil, não valeria nada. Não tenham<br />
ilusão de que o Reino de<br />
Maria vai ser um pirão. Isso não<br />
valeria dois caracóis. O Reino de<br />
Maria deve ser da vida dura, mas<br />
com a alma forte para levar a<br />
vida adiante! Com sacrifício, é<br />
evidente. Porém com um amor<br />
ao sacrifício, uma compreensão<br />
da ascese, do reto, do calmo,<br />
do tranquilo, e uma seriedade<br />
que não é a de um campo<br />
de concentração.<br />
Não é uma seriedade<br />
parecida com nada do<br />
século XX; é aquela superior<br />
seriedade que se<br />
sentia tomando contato<br />
com Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo: transcendente.<br />
Ele, de Quem o Evangelho não conta<br />
uma só vez que fosse visto rindo.<br />
E no Reino de Maria se rirá. Não vai<br />
ser uma era sem riso, mas ficará indicado<br />
que esse riso nunca romperá<br />
a seriedade. E será estabelecido um<br />
equilíbrio de alma que, sem eliminar<br />
o que tem de bom e de necessário na<br />
alegria, saberá distinguir palhaçada e<br />
comicidade de um lado, e alegria e riso<br />
da alegria de outro lado, como coisas<br />
fundamentalmente diversas.<br />
Analisando o Novo Testamento,<br />
encontramos todas as fragilidades dos<br />
Apóstolos. Nosso Senhor ressuscitou<br />
e apareceu para eles, mas as fragilidades<br />
não desapareceram. Pelo contrário,<br />
continuaram a dar mostras até o<br />
momento em que, estando no Cená-<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
10<br />
Cristo Rei
Sergio Hollmann<br />
Pentecostes - Catedral de Valência, Espanha<br />
culo em oração com Nossa Senhora —<br />
Ianua Cœli, Ela é Porta do Céu —, a<br />
porta se abriu e passou o Espírito Santo:<br />
uma língua de fogo rica, opulenta,<br />
desceu sobre a Virgem Santíssima e<br />
depois se espalhou por todos os Apóstolos.<br />
E pela ação do Espírito Santo ficaram<br />
outros homens.<br />
E eles que eram tímidos, inibidos,<br />
sofriam de uma espécie de sensação<br />
de inferioridade diante da civilização<br />
judaica, da civilização greco-latina,<br />
etc., que se encontravam em Jerusalém<br />
e tinham todos os defeitos que<br />
se conhecem, eles saíram outros. Foram<br />
para a praça e começaram imediatamente<br />
a pregar, com tanto calor<br />
e com tanta eficácia, que as conversões<br />
se faziam aos montes.<br />
E os Apóstolos pregando coisas<br />
lucidíssimas e admiráveis, entretanto<br />
alguns diziam que eles estavam<br />
ébrios, porque falavam em todas<br />
as línguas. E cada um entendia<br />
na própria língua. Quer dizer, o seu<br />
horizonte mental se abriu e tudo foi<br />
outra coisa. A ação da graça entrou<br />
até o fundo de suas almas e os alterou.<br />
Daí começou a nascer, sem planejamento<br />
— Nosso Senhor deu os<br />
princípios fundamentais e os traços<br />
essenciais da estrutura —, a Santa<br />
Igreja Católica Apostólica Romana,<br />
que deu nesta maravilha a qual a<br />
tristeza dos dias de hoje não conseguiu<br />
destruir.<br />
O Grand Retour naturalmente<br />
não será um fenômeno com a densidade<br />
da vinda do Espírito Santo sobre<br />
os Apóstolos, mas um fenômeno<br />
nesse gênero: alguma graça que<br />
descerá e mudará completamente os<br />
homens. A partir daí um mundo começará<br />
a nascer.<br />
E, por causa disso, as nossas almas<br />
melhor se preparam para o Reino<br />
de Maria, vendo o que há de ruim<br />
atualmente, do que prevendo o que<br />
vem de bom, porque por aí nós nos<br />
preparamos para conhecer e admirar<br />
o que virá.<br />
Do impulso inicial à<br />
perfeição suprema<br />
Por isso, nós poderíamos tomar a<br />
ponta do que falei a respeito do Patriarcado<br />
e nos perguntar o seguinte:<br />
se o Patriarcado é apenas algo pastoril,<br />
aquela situação primitiva de pastores<br />
que vão se transformando num<br />
Estado, num país, numa nação, mas<br />
não são Estado, nem nação, nem sequer<br />
ainda cidade — este foi o quadro<br />
que eu tracei —, se o Patriarcado<br />
é somente isso, qual é a aplicabilidade<br />
dele num país inteiramente<br />
constituído, que tenha chefe de Estado,<br />
organização, ordem, civilização,<br />
progresso?<br />
Era preciso tomar a noção de Patriarcado<br />
no que ela tem de mais<br />
profundo. Em outra conferência, falei<br />
do bulbo ou do elemento inicial<br />
do cedro do Líbano, ou de qualquer<br />
outro vegetal, que contém em si toda<br />
a planta e tem isto de augusto: é algo<br />
no qual a coisa enorme já está contida<br />
e que, no cedro do Líbano, por<br />
exemplo, dorme uma árvore dentro<br />
daquela bolota, em geral feia; não há<br />
raiz bonita.<br />
Lembro-me de que usei esta metáfora:<br />
se o cedro fosse capaz de<br />
uma intelecção, e pegássemos do<br />
fundo da terra o bulbo que está no<br />
cedro, mas do qual ele não vive mais<br />
11
A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Guillermo Asurmendi<br />
Santa Maria dos Anjos (a Porciúncula) - Assis, Itália<br />
sa capelinha, em certo sentido, está<br />
nas nascentes da Ordem Franciscana,<br />
que depois deitou raízes e galhos pelo<br />
mundo esplendidamente: torrentes de<br />
santos, obras de piedade, de apostolado<br />
e de tudo, de todo tamanho e de todo<br />
jeito, através dos séculos.<br />
O que fizeram os franciscanos?<br />
Construíram uma basílica enorme naquele<br />
lugar, mas não destruíram a capelinha,<br />
que ficou guardada, protegida<br />
na sua velhice pela força da basílica<br />
nova. Ela existe inteirinha, com telhado<br />
e tudo, dentro da própria basílica.<br />
É claro que as pessoas, quando querem<br />
rezar em condições de receber a<br />
graça mais preciosa do franciscanismo,<br />
procuram orar na capelinha. A capelinha<br />
é o bulbo. Ali a Ordem Franciscana<br />
tem seu cedro, o qual protege,<br />
com sua massa, o bulbo precioso.<br />
Seria ridículo que os franciscanos<br />
pensassem: “Nossa Ordem é tão<br />
porque deitou raízes opulentas e vive<br />
de si, e o puséssemos numa mesinha,<br />
perto do cedro, este, que não se<br />
curva diante de nada, nem das tempestades,<br />
diante do bulbo se curvaria:<br />
“Tu és minha causa, por isso há<br />
em ti uma ciência, uma sabedoria da<br />
qual eu nasci, uma forma qualquer<br />
de conhecimento, que levarei dezenas<br />
de anos ou séculos para adquirir.<br />
Aconselha-me, eu te reverencio!”<br />
A civilização patriarcal leva-nos a<br />
não só ver esse nexo na vida de família,<br />
mas também a ter um grande respeito<br />
e um grande senso de continuidade<br />
de tudo em relação às suas próprias<br />
nascentes. E este é um ponto<br />
muito importante, de maneira tal que,<br />
por exemplo, em Assis, há uma igrejinha<br />
— acho que é de Nossa Senhora<br />
dos Anjos da Porciúncula — que é<br />
uma capelinha na qual, antes de tudo,<br />
São Francisco de Assis esteve. Esgrande,<br />
fica feio que tenha nascido<br />
de uma capelinha tão pequena e tão<br />
simples…” Seria mau espírito, uma<br />
coisa tão horrível que não vale a pena<br />
imaginar. Pelo contrário, devem<br />
dizer: “Olha, ela é tão pequenina,<br />
mas continha, como no seu bulbo,<br />
tudo quanto está aí pelo mundo.”<br />
Isto deveria levar todas as instituições<br />
a proteger todo o seu passado,<br />
e, portanto, a preservar com respeito<br />
e com veneração tudo aquilo de que<br />
provêm. Não só fisicamente tal objeto,<br />
tal monumento ou tal coisa, mas<br />
a guardar o espírito, a mentalidade<br />
dos primeiros que deram o primeiro<br />
impulso, porque sem essa inspiração<br />
do impulso inicial é difícil chegar-se<br />
ao fim último, à perfeição suprema.<br />
Malefícios da falta do<br />
senso de patriarcalidade<br />
Então, dou um exemplo lamentável.<br />
A cidade de São Paulo — não a<br />
São Paulinho de meu tempo de menino,<br />
mas a São Paulinho microscópica,<br />
da época de Anchieta — formou-se<br />
no centro, no chamado Pátio<br />
do Colégio. E ali Anchieta construiu<br />
com taipa — é o material de construção<br />
mais modesto que há e muito<br />
adequado ao nosso clima, porque ele<br />
guarda o calor nos dias frios e o frio<br />
nos dias quentes — uma capelinha<br />
minúscula, primitiva, onde os jesuítas<br />
foram pondo as suas primeiras imagens,<br />
etc., e na qual os índios iam rezar,<br />
dirigidos pelos padres dos quais<br />
alguns, dentro de mais algum tempo,<br />
iam ser mártires, portanto estar em<br />
condições de ser canonizados.<br />
Um dos governos do Estado de<br />
São Paulo mandou arrasar essa capelinha,<br />
derrubando todas essas tradições.<br />
Razão, superficial, mas inaceitável,<br />
é que a capelinha era muito<br />
feinha, feita de taipa e não representava<br />
o progresso que São Paulo moderno<br />
devia representar.<br />
Primeiro derrubaram com o consentimento<br />
da maioria; passado o<br />
12
frenesi, veio a reflexão e com esta<br />
uma sensação da besteira feita, do<br />
crime cometido: não deveria ter sido<br />
destruída.<br />
Isso maturou, maturou e pouco<br />
antes do IV centenário, ou algo assim,<br />
todo mundo em São Paulo pediu<br />
para se construir ali o fac simile<br />
completo da capela. Está construído,<br />
mas já não é o original.<br />
Quer dizer, essas reconstruções<br />
servem como ato de reparação, são<br />
úteis didaticamente para que as gerações<br />
novas tenham uma ideia de<br />
como foi, mas a coisa está destruída,<br />
e não se recompõe. É evidente.<br />
Isto é falta, neste sentido da palavra,<br />
do senso de patriarcalidade, por<br />
onde a cidade de São Paulo se prendia<br />
às suas raízes e adquiria daí, no<br />
plano sobrenatural — uma vez que<br />
se tratava de uma igreja católica —,<br />
mas também no plano cultural, no<br />
natural, elementos psicológicos para<br />
chegar ao termo de sua formação, de<br />
seu desenvolvimento; isto desaparecia.<br />
E com este desaparecimento, a<br />
cidade levava um golpe.<br />
Ora, se consideramos as cidades<br />
modernas, sobretudo aqui na América,<br />
notamos serem feitas, em geral,<br />
na base de destruição de coisas dessas,<br />
e de construção de coisas novas,<br />
com ruptura da tradição patriarcal.<br />
Algo que se dá frequentemente,<br />
por exemplo, nas grandes cidades da<br />
América Latina — no Sul dos Estados<br />
Unidos, que é mais tradicional,<br />
talvez seja mais raro, no Norte talvez<br />
seja mais frequente, não tenho ideia;<br />
no Canadá também não sei dizer —<br />
é o seguinte.<br />
Constrói-se um bairro que representa<br />
o apogeu de uma determinada<br />
classe, de uma mentalidade, de um<br />
determinado modo de ser, com base<br />
numa situação socioeconômica. Por<br />
exemplo, em São Paulo, o bairro dos<br />
Campos Elíseos, depois o de Higienópolis,<br />
construídos na época da riqueza<br />
do café, etc., em que o café era a coluna<br />
da grandeza econômica do Brasil.<br />
Em determinado momento, cria-<br />
-se um bairro novo, por exemplo,<br />
nos Jardins. Então, as residências<br />
antigas são abandonadas sem razão,<br />
pelo frenesi de construir uma casa<br />
no estilo novo. E o bairro antigo,<br />
com suas mansões, sua dignidade,<br />
ou é destruído para dar lugar a casas<br />
modernas de quinta categoria, ou<br />
naquelas mansões vai viver a degradação:<br />
ficam transformadas em cortiços,<br />
quando não em casas de prostituição.<br />
Falta de patriarcalidade.<br />
A velha Faculdade de Direito de<br />
São Paulo era o convento antigo dos<br />
franciscanos, todo ele cheio de tradi-<br />
ção do tempo dos franciscanos e do<br />
tempo posterior; tradição que muitas<br />
vezes não era de nenhum modo a<br />
nossa. Essa faculdade foi arrasada em<br />
determinado momento, e foi construído<br />
aquilo que está lá. Não tem tradição<br />
nenhuma. Perdeu-se a continuidade.<br />
Mas perdendo-se certas continuidades,<br />
algo do espírito se perde.<br />
Há no mundo moderno mil contrapatriarcalidades<br />
dessas, que são o<br />
contrário da continuação tradicional<br />
do Reino de Maria.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
4/1/1986)<br />
1) Do francês: Grande retorno. No início<br />
da década de 1940, houve na<br />
França extraordinário incremento do<br />
espírito religioso, quando das peregrinações<br />
de quatro imagens de Nossa<br />
Senhora de Boulogne. Tal movimento<br />
espiritual foi denominado de “grand<br />
retour”, para indicar o imenso retorno<br />
daquele país a seu antigo e autêntico<br />
fervor, então esmaecido. Ao tomar<br />
conhecimento desses fatos, <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> começou a empregar a expressão<br />
“grand retour” no sentido não<br />
só de “grande retorno”, mas de uma<br />
torrente avassaladora de graças que,<br />
através da Virgem Santíssima, Deus<br />
concederá ao mundo para a implantação<br />
do Reino de Maria.<br />
The Photographer (CC3.0)<br />
Pátio do Colégio, São Paulo, Brasil<br />
13
De Maria nunquam satis<br />
Fátima e Nossa<br />
Senhora do Carmo<br />
Timothy Ring<br />
Em Fátima, a Virgem Maria também<br />
apareceu com as características de Nossa<br />
Senhora do Carmo. Que relação existe<br />
entre a mensagem de Fátima e a Ordem do<br />
Carmo? Essa questão é abordada por <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>, com base no texto de uma revelação<br />
recebida por Santa Teresa de Ávila.<br />
Gostaria de apresentar alguns<br />
traços da revelação de Fátima<br />
que a diferenciam de<br />
outras revelações anteriores.<br />
Castigo por causa<br />
da imoralidade e da<br />
irreligião dos povos<br />
Eis um traço muito curioso: é a<br />
única revelação que conheço, de tal<br />
maneira admitida, aceita e acatada<br />
em meios católicos e até pela hierarquia<br />
eclesiástica, a qual trata não só<br />
de um tema moral — porque isso é<br />
frequente em várias revelações —,<br />
mas tira derivações desse tema moral<br />
para o campo político, numa ilação<br />
que tem muito de comum com a<br />
doutrina que posteriormente tentamos<br />
expor no livro Revolução e Contra-Revolução.<br />
O plano de ideias que Nossa Senhora<br />
apresenta para os homens é<br />
que há uma crise moral prodigiosa,<br />
a qual é, no fundo, uma crise religiosa;<br />
e essa crise religiosa e moral vai<br />
desembocar numa catástrofe política.<br />
Essa catástrofe política que Ela<br />
profetiza qual vai ser? A Rússia espalhará<br />
seus erros por toda a Terra.<br />
É um castigo por causa da imoralida-<br />
14<br />
Divulgação (CC3.0)
Francisco Lecaros<br />
de e da irreligião dos povos. Quer dizer,<br />
há um nítido conteúdo político.<br />
Outro aspecto curioso que não<br />
encontrei ainda em nenhuma outra<br />
revelação — não digo que não houve,<br />
pois não pretendo ter conhecido<br />
todas —: Nossa Senhora Se mostra<br />
em três invocações sucessivas: com<br />
as características de Nossa Senhora<br />
de Fátima, mas também como o<br />
Imaculado Coração de Maria e como<br />
Nossa Senhora do Carmo.<br />
Por que essas invocações? Encontramos<br />
fundamento para isso na própria<br />
revelação. Ela declara o seguinte:<br />
“Por fim, o meu Imaculado Coração<br />
triunfará.” O que quer dizer<br />
que Ela quer ter um triunfo que vai<br />
ser uma enorme efusão de graças,<br />
porque o coração aí significa a bondade<br />
e a vontade, e o triunfo d’Ela<br />
vai se realizar depois de um castigo<br />
tremendo, por uma efusão de graças<br />
enorme. É o Reino do Coração<br />
d’Ela que Maria Santíssima anuncia.<br />
Por causa disso, Ela como que referenda<br />
a devoção ao Imaculado Coração<br />
de Maria, apresentando-Se<br />
com essas características numa de<br />
suas visões. É para se compreender,<br />
para dar um estímulo à devoção ao<br />
Imaculado Coração de Maria.<br />
Isto é muito menos claro. Que<br />
relação tem a invocação do Carmo<br />
com os tempos vindouros, em que<br />
seu Coração vai triunfar? Há alguma<br />
tarefa, alguma missão do Carmo<br />
dentro disso?<br />
Essa pergunta nos interessa muito,<br />
tomando em consideração que quase<br />
todos nós somos terceiros carmelitas<br />
1 . Há revelações muito<br />
impressionantes feitas<br />
a Santa Teresa de<br />
Timothy Ring<br />
Uma Ordem religiosa<br />
nos últimos tempos<br />
Mas por que Ela Se apresenta como<br />
Nossa Senhora do Carmo numa<br />
das aparições?<br />
Cenas da revolução<br />
comunista na Rússia<br />
15
De Maria nunquam satis<br />
Francisco Lecaros<br />
Jesus, que se encontram nas boas biografias<br />
desta Santa carmelita, e que<br />
dizem algo a esse respeito. São os parágrafos<br />
12, 13, 14 e 15 das obras de<br />
Santa Teresa de Jesus, tomo I, Livro<br />
da Vida, capítulo 40. É algo oficial e<br />
documentado.<br />
Parágrafo 12:<br />
Fazendo uma vez oração com muito<br />
recolhimento, suavidade e paz, parecia-me<br />
estar rodeada de Anjos e muito<br />
perto de Deus. Comecei a suplicar a<br />
Sua Majestade pela Igreja. Foi-me, então,<br />
dado a entender o grande proveito<br />
que havia de fazer uma Ordem nos últimos<br />
tempos, e com que fortaleza seus<br />
filhos haviam de sustentar a Fé.<br />
Uma Ordem que, como veremos,<br />
parece ser a própria Ordem do Carmo,<br />
à qual Santa Teresa pertencia<br />
e que por prudência e modéstia ela<br />
não queria mencionar. Haveria um<br />
tempo em que a Ordem do Carmo<br />
teria filhos que lutariam pela ortodoxia<br />
com muito denodo.<br />
Parágrafo 13:<br />
Quando certa ocasião rezava junto<br />
ao Santíssimo Sacramento, apareceu-<br />
-me um Santo cuja Ordem esteve um<br />
tanto decaída.<br />
Ela era exatamente a reformadora<br />
da Ordem do Carmo, que estivera<br />
muito decaída.<br />
Tinha nas mãos um grande livro.<br />
Abriu-o e deu-me a ler as seguintes<br />
palavras escritas em letras grandes e<br />
muito inteligíveis: Nos tempos vindouros,<br />
florescerá essa Ordem, haverá<br />
muitos mártires.<br />
Então, é um incremento de luta<br />
pela ortodoxia, martírio e florescimento<br />
dessa Ordem.<br />
Religiosos com<br />
espadas nas mãos<br />
Parágrafo 14:<br />
Outra vez, durante Matinas, no<br />
Coro, vi diante de meus olhos<br />
seis ou sete religiosos dessa<br />
Ordem, com espadas<br />
nas mãos.<br />
Notem que<br />
se tratam de<br />
espadas, símbolo<br />
da luta.<br />
Significava isso, penso,<br />
que hão de defender<br />
a Fé, porque mais tarde,<br />
estando em oração, fui arrebatada<br />
em espírito e pareceu-me<br />
estar num vasto<br />
campo onde lutavam<br />
muitos combatentes e<br />
os desta Ordem pelejavam<br />
com grande<br />
fervor; tinham os rostos formosos e<br />
muito incendidos. Venciam deitando<br />
por terra numerosos inimigos e matando<br />
outros. Tive a impressão de que a<br />
batalha era contra hereges.<br />
Parágrafo 15:<br />
Ao glorioso Santo de que falei acima,<br />
tenho visto várias vezes. Tem me<br />
dito diversas coisas, agradecendo a<br />
oração que faço por sua Ordem e prometendo<br />
encomendar-me ao Senhor.<br />
Não assinalo a Ordem para que não<br />
se desagradem as demais. O Senhor<br />
declarará os nomes, se for servido que<br />
se saibam. Cada Ordem, ou cada um<br />
de seus membros deveria esforçar-se<br />
para que, por seu meio, fizesse o Senhor<br />
tão ditosa sua religião que em<br />
tão grande necessidade, como agora<br />
tem a Igreja, pudesse servir. Felizes as<br />
vidas que se sacrificarem por tão nobres<br />
causas.<br />
Vemos aqui mencionar uma Ordem,<br />
provavelmente a do Carmo,<br />
que terá uma grande batalha pela<br />
Fé nos tempos futuros. Ora, até esse<br />
momento, não chegou essa batalha;<br />
a Ordem do Carmo não fez isto<br />
até agora.<br />
E Nossa Senhora nos fala, precisamente,<br />
de grandes perseguições,<br />
de grandes lutas, de grandes martírios<br />
na revelação de Fátima.<br />
E ali a Santíssima Virgem Se mostra<br />
com as características de Nossa<br />
Senhora do Carmo. Parece haver entre<br />
tudo isso uma relação para a qual<br />
eu chamo a atenção a fim de prezarmos<br />
cada vez mais nossa condição de<br />
irmãos da Ordem Terceira do Carmo,<br />
e compreendermos o que há de<br />
providencial nessa pertencença à família<br />
carmelitana.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
13/5/1965)<br />
1) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e os mais antigos membros<br />
do Movimento por ele fundado pertenciam<br />
ao Sodalício Flos Carmeli, da<br />
Basílica Nossa Senhora do Carmo,<br />
em São Paulo.<br />
16<br />
Santa Teresa de Jesus - Museu de<br />
São João da Cruz, Úbeda, Espanha
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Certeza da vitória<br />
Géder Abrahão (CC3.0)<br />
Diante da infestação diabólica espalhada pelo mundo<br />
inteiro, sussurrando aos homens que se dobrem diante de<br />
todo tipo de mal, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> proclama a certeza da vitória<br />
de Nossa Senhora e da Santa Igreja Católica.<br />
Francisco Lecaros<br />
N<br />
esta sessão 1 acabamos de<br />
ouvir o nosso coro, por<br />
meio de harmonias, exaltar<br />
a alegria dos participantes com o<br />
cântico Alle Psalite, invocar o auxílio<br />
de Nossa Senhora com a Ave Maria,<br />
lembrar páginas das mais sombrias<br />
da Escritura, entoando uma das lamentações<br />
do Profeta Jeremias que<br />
diz respeito ao abandono do Salvador<br />
pelo povo que Ele veio remir, e<br />
queria conduzir ao auge do esplendor,<br />
da glória e da santidade; e fazer<br />
uma evocação ainda mais lúgubre do<br />
filho das trevas por excelência, do<br />
mercador péssimo que por trinta dinheiros<br />
traiu o seu Mestre.<br />
Propósito inquebrantável<br />
de não recuar<br />
Judas devolve as 30 moedas - Mosteiro de<br />
San Millan de la Cogolla, La Rioja, Espanha<br />
Esta consonância ou dissonância<br />
— como preferirem — de notas<br />
gloriosas e jubilosas, lúgubres e tristes,<br />
marca bem a tônica do momento<br />
em que tenho o prazer de vos dirigir<br />
a palavra.<br />
Momento em que, de um lado, reluz<br />
dentro da sala, com uma alegria<br />
que não hesito em chamar de sobrenatural;<br />
e de outro lado, se abríssemos<br />
as janelas e olhássemos para fora,<br />
veríamos estar o horizonte carregado<br />
de todas as nuvens que toldam<br />
o mundo contemporâneo. Nuvens<br />
que parecem ainda atrair mais e<br />
mais nuvens, até o momento supremo<br />
daquela catástrofe das catástrofes<br />
prenunciada por Nossa Senhora<br />
em Fátima, e que parece baixar sobre<br />
nós.<br />
Na hora precisa em que também<br />
sobre nós parecem baixar as nuvens<br />
cada vez mais escuras, cada vez mais<br />
densas e prontas em desatar-se em<br />
tempestade, nota-se um grande paradoxo<br />
— talvez o maior deste dia 16<br />
de julho, consagrado a Nossa Senhora<br />
do Carmo — que faz estremecer<br />
os corações retos:<br />
É a debilidade dos que deveriam<br />
combater, o recuo daqueles a quem<br />
competia avançar, e o temor dos<br />
bons diante deste estado de espírito<br />
de entrega, de defecção, que como<br />
uma infestação diabólica parece<br />
percorrer de ponta a ponta o mundo<br />
contemporâneo, sussurrando aos<br />
ouvidos prognósticos derrotistas,<br />
pondo-lhes diante dos olhos quadros<br />
17
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
nos numerosos são aqueles que defendem<br />
a boa causa, e quanto mais<br />
convictos estão do apoio de Nossa<br />
Senhora, mais eles estão próximos<br />
do momento de sua grande vitória.<br />
Porque, como disse um pensador<br />
do século XIX, quando Deus quer intervir<br />
nos acontecimentos humanos,<br />
Ele deixa todas as coisas tomarem o<br />
rumo como se tudo estivesse perdido<br />
e, num canto do tabuleiro, Ele põe<br />
alguns homens, alguns instrumentos<br />
débeis e fracos, mas necessários, para<br />
a realização de seu plano.<br />
Esses instrumentos Ele os move,<br />
faz caminhar, lhes dá força, os atira<br />
à luta, os conduz à vitória para que<br />
fique certo de que Deus respeita<br />
sempre os seus próprios métodos de<br />
ação. Mas Deus deixa claro que a vitória<br />
é d’Ele.<br />
Os métodos de ação de Deus<br />
consistem em que haja — como dizia<br />
Santo Agostinho —, nas coisas<br />
da Fé, bastante luz para que um<br />
homem reto, querendo crer, creia,<br />
e para que um homem ímpio, não<br />
querendo crer, possa não crer.<br />
Deus reserva assim a sua ação de<br />
tal maneira que o ímpio encontre<br />
meios de negá-Lo, e que o homem<br />
piedoso ache meios de aderir a Ele.<br />
E mesmo nas grandes crises da<br />
História, Deus não deixa de agir<br />
dessa maneira. O Altíssimo procede<br />
de forma que sua interferência seja<br />
clara, mas ao mesmo tempo não é<br />
evidente. É por isso que Ele escolhe<br />
instrumentos humanos.<br />
Deus os escolhe para que na<br />
aparência tenham feito alguma<br />
coisa, e Ele quer que esses homens<br />
realizem tudo quanto está<br />
em seu poder fazer. Mas ao mesmo<br />
tempo Ele os coloca diante de tais<br />
obstáculos que, tendo eles feito tudo<br />
quanto é humanamente possível,<br />
sem conseguir nada, Deus os move.<br />
Esses homens retos têm o instinto<br />
profético de que eles são instrumentos<br />
na mão de Deus. Sabem que<br />
diante deles as muralhas vão se abade<br />
uma derrota que não existe, para<br />
levá-los a uma entrega que será devida<br />
não à força do adversário, mas à<br />
própria fraqueza deles.<br />
No momento em que de tal maneira<br />
se enuncia a fraqueza dos fortes,<br />
Nossa Senhora determina que se<br />
anuncie a força dos fracos.<br />
Temos aqui jovens que, unidos no<br />
mesmo espírito, na mesma meta, nos<br />
mesmos métodos, na fidelidade ao<br />
mesmo estandarte, afirmam o seu propósito<br />
inquebrantável de não recuar<br />
diante de nada e de, aos pés de Nossa<br />
Senhora, prometerem ir até o último<br />
hausto de sua vida para defender esta<br />
Causa que tantos abandonam.<br />
Nesta sala, em que este propósito<br />
solene se exprime, não há tristeza,<br />
nem apreensão, mas um entusiasmo,<br />
um frêmito de certeza de antecipada<br />
vitória.<br />
Quanto mais o mal<br />
esteja vitorioso, mais<br />
ele se aproxima de sua<br />
própria derrota<br />
Qual é a razão do entusiasmo que<br />
aqui reina, e que nos faz ter a certeza<br />
de que venceremos? Qual é o fundamento<br />
deste pressentimento de que<br />
Maria Santíssima, que nos tem levado<br />
de vitória em vitória, de inverossímil<br />
em inverossímil, nos conduzirá à<br />
vitória final?<br />
No fundo, a certeza é dupla. Ela<br />
se baseia no mesmo princípio filosófico,<br />
que é o princípio axiológico<br />
2 . Esse princípio nos diz que Deus<br />
sendo bom, a ordem das coisas existentes<br />
é fundamentalmente boa e,<br />
portanto, no fundo, o mal não pode<br />
prevalecer, e o bem triunfará. E<br />
que quanto mais o mal está vitorioso,<br />
mais ele se aproxima de sua própria<br />
derrota.<br />
Quanto mais o mal parece esmagar<br />
aqueles que defendem o bem,<br />
tanto mais ele se precipita no abismo<br />
em que vai ser tragado. Quanto meter,<br />
os potentados vão cair, os ídolos<br />
vão ruir e que afinal de contas o plano<br />
de Deus se realizará.<br />
E é esta a alegria que nos anima<br />
aqui nesta noite. É esta certeza, que<br />
eu não hesitaria em chamar uma<br />
certeza profética, de que esta Causa,<br />
a qual, contra todas as vicissitudes,<br />
as perseguições, todos os ostracismos,<br />
conseguiu, pelo favor de Nossa<br />
Senhora, estender-se tanto será vitoriosa.<br />
Deus castiga as infidelidades<br />
Sergio Hollmann<br />
Lendo o livro impressionante<br />
que contém as cartas da Venerável<br />
Maria de Ágreda<br />
ao Rei Felipe IV da<br />
18<br />
Venerável Maria de Jesus<br />
de Ágreda - Diputación<br />
Provincial de Soria, Espanha
Espanha, vemos o zelo extraordinário<br />
com que a Providência assistia a<br />
nação espanhola. Ela recebia revelações<br />
de Deus e as comunicava ao<br />
Rei de Espanha ponto por ponto, a<br />
respeito do modo de dirigir a monarquia<br />
católica para a glória da causa<br />
da Igreja.<br />
Mas, ao mesmo tempo em que se<br />
leem as cartas e se veem os desígnios<br />
amorosos de Deus, percebemos<br />
que nas mãos do débil Felipe IV estava<br />
uma nação que, como sua irmã<br />
Portugal, se encontrava carregada de<br />
glórias, porém ao mesmo tempo caminhava<br />
para um declínio. Nessas<br />
cartas, ela conta que Nosso Senhor<br />
Jesus Cristo lamenta o declínio da<br />
nação católica, da nação fidelíssima.<br />
Essas nações não seguiram à risca<br />
aquilo que Deus lhes mandou, e com<br />
isto — enquanto o mundo inteiro subia,<br />
e as outras nações da Europa se<br />
tornavam cada vez mais ricas e mais<br />
poderosas — foi possível armar a trama<br />
oculta que a política internacional<br />
organizou como uma verdadeira perseguição<br />
à Espanha e Portugal.<br />
De maneira que a Europa ficava<br />
cada vez mais poderosa, mas o Império<br />
espanhol e o Império luso se<br />
foram desagregando pouco a pouco,<br />
e se pode dizer que num mundo estimulado<br />
pelo mecanicismo, pelo capitalismo,<br />
muitas vezes pelo materialismo,<br />
que caminhava ao seu zênite,<br />
à margem dele, como uma zona<br />
de sombras, ficavam as nações de fala<br />
portuguesa e de fala hispânica.<br />
Espanha e Portugal não foram nações<br />
tão ricas quanto as outras da<br />
Europa, nos séculos XIX e XX. Muitos<br />
sorriram de Portugal e da Espanha,<br />
considerando que em última<br />
análise eram nações inferiores que<br />
não sabiam se afirmar.<br />
Esta inferioridade resultava em<br />
boa parte de infidelidade. Deus castiga,<br />
sobretudo nesta Terra, as infidelidades<br />
daqueles a quem Ele ama<br />
mais, porque deseja pelo castigo regenerar.<br />
Nações que foram punidas,<br />
mas podem se regenerar<br />
Quando eu vejo um pecador que<br />
sofre, tenho esperanças por ele.<br />
Quando observo um pecador feliz,<br />
rico, saudável, prestigiado eu estremeço<br />
por ele, porque está recebendo<br />
ao longo de sua vida uma paga<br />
por algum bem que tenha praticado.<br />
Mas ai dele quando chegar o dia do<br />
ajuste de contas!<br />
E como o ajuste de contas das nações<br />
é nesta Terra, quando eu vejo<br />
nações ímpias em ascensão, no fastígio<br />
de seu poder, estremeço por elas.<br />
Porque elas pagam, de repente, em<br />
alguns dias, em alguns meses, talvez<br />
em alguns anos de declínio, todos os<br />
pecados que cometeram.<br />
Enquanto as nações que foram<br />
punidas têm possibilidades de se regenerar<br />
e, se perseveram, são conduzidas<br />
depois por Deus ao ponto central<br />
da História.<br />
É esta, a meu ver, a Teologia da<br />
História do mundo ibérico, hispano-<br />
-português, nos séculos XIX e XX.<br />
Não se construiu em nossas terras a<br />
civilização esplendorosa desses séculos.<br />
Em compensação, nossos recursos<br />
ficaram intactos. Antes de tudo<br />
nossos recursos de alma porque,<br />
com estes ou aqueles desgastes, estas<br />
ou aquelas perdas, é bem verdade<br />
que o espírito católico entre nós<br />
todos continua a crepitar como em<br />
nenhum outro país da Terra.<br />
Conservamos os recursos enormes<br />
de nossa unidade. Espanha e as<br />
nações que dela nasceram, Portugal<br />
e o Brasil e os povos que de Portugal<br />
surgiram na África formam imensas<br />
famílias de almas que, mais do que<br />
isso, são conglomerados de cultura,<br />
de língua, unidos pela Religião, que<br />
formam enormes blocos.<br />
E em plena crise nós nos apresentamos<br />
com Fé, com recursos para o<br />
dia de amanhã no esplendor de nossa<br />
unidade.<br />
É neste todo que a Providência<br />
nos chama a reafirmar os princípios<br />
dos quais resultou a grandeza desse<br />
todo, e cujo abandono, pelo menos<br />
parcial, determinou seu declínio,<br />
mas cuja reaceitação levará esse todo<br />
ao seu esplendor e à sua verdadeira<br />
glória.<br />
Quais são esses princípios? São<br />
evidentemente os princípios basilares<br />
da Civilização Cristã, os quais em<br />
última análise resultam do Decálogo,<br />
pois que a Fé nos ensina — e nós<br />
não poderíamos negar sem deixar de<br />
ser católicos — que o Decálogo é a<br />
base da Civilização Cristã.<br />
Código de conduta perfeita<br />
Se analisarmos o que diz São Tomás<br />
de Aquino a respeito do Decálogo,<br />
vemos que os Dez Mandamentos<br />
da Lei de Deus contêm, de um<br />
modo verdadeiramente admirável,<br />
os princípios da ordem natural nas<br />
relações entre Deus e os homens, e<br />
dos homens entre si.<br />
Os três primeiros Mandamentos<br />
dizem respeito ao amor de Deus; são<br />
como deveriam ser, dado que Deus<br />
é Deus e nós somos nós. Estas são<br />
as obrigações que nascem da ordem<br />
real. Deus sendo Quem é, o homem<br />
sendo o que é, o homem deve a Deus<br />
o tributo do cumprimento dos três<br />
primeiros Mandamentos. Os outros<br />
se referem ao amor do próximo.<br />
Sendo Deus Pai de todos os homens<br />
e sendo os homens o que são,<br />
a própria natureza das coisas exige<br />
que as relações entre nós homens sejam<br />
a dos sete Mandamentos seguintes.<br />
Um homem que pratique para<br />
com os outros homens os sete Mandamentos<br />
terá esgotado o preceito<br />
do amor do próximo, porque se<br />
ama o próximo praticando-se aqueles<br />
Mandamentos.<br />
Ama-se quer dizer o quê? Não é<br />
apenas um sentimento de ternura fugaz,<br />
um acesso de amizade. A afetividade<br />
do homem é transitória, descon-<br />
19
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
tínua. Diz uma canção italiana que la<br />
donna è mobile qual piuma al vento…<br />
— “a mulher é volúvel como uma<br />
pluma ao vento” —, ela muda de tendência,<br />
de afetos e de pensamentos.<br />
É fácil atribuir ao sexo feminino<br />
uma instabilidade que está em todos<br />
nós, e faz parte da condição humana<br />
maculada e deteriorada pelo pecado<br />
original.<br />
Todo afeto humano é volúvel, e<br />
aquilo que não se baseia em princípios<br />
não vale nada. Todo amor ao<br />
próximo não é nada quando não se<br />
baseia em regras de conduta objetivas,<br />
claras, sábias, baseadas na ordem<br />
natural das coisas. E a ordem<br />
natural das coisas faz com que o homem<br />
não mate o outro, não o roube,<br />
não minta, não peque contra a castidade,<br />
etc.<br />
De maneira tal que Santo Agostinho<br />
pôde dizer muito bem: a prova<br />
de que o código perfeito do procedimento<br />
vem a ser os Dez Mandamentos<br />
da Lei de Deus está simplesmente<br />
num cálculo da razão.<br />
Imaginem um país onde os que<br />
governam e os que são governados,<br />
os que ensinam e os que aprendem,<br />
os pais e os filhos, os esposos e as esposas,<br />
os empregados e os patrões,<br />
os militares de categoria inferior e os<br />
oficiais, todo o mundo praticasse os<br />
Dez Mandamentos da Lei de Deus;<br />
este país não subiria imediatamente<br />
ao apogeu daquilo que ele pode ser,<br />
dado os recursos naturais que tem<br />
em mãos?<br />
Então, assim fica provado que este<br />
é o código de conduta perfeita, e<br />
que o fundamento perfeito da Civilização<br />
Cristã são os Dez Mandamentos<br />
da Lei de Deus.<br />
Necessidade da graça divina<br />
Diz bem São Tomás de Aquino<br />
que esses Dez Mandamentos pesam<br />
ao homem. Não há mesmo para<br />
o homem um fardo mais terrível do<br />
que o do cumprimento deles. Porque<br />
nossa natureza, maculada pelo pecado<br />
original, está a todo momento<br />
nos convidando a uma ação contrária<br />
a esses Mandamentos.<br />
E por isso afirma ele que, embora<br />
os homens pela razão vejam que<br />
esses Mandamentos são verdadeiros,<br />
se Deus não os tivesse revelado<br />
os homens não os descobririam. Porque<br />
é tão penoso levar o raciocínio<br />
até o último ponto, e concluir contra<br />
as apetências de sua própria carne,<br />
que os homens não conheceriam esses<br />
Mandamentos por sua maldade.<br />
Mais ainda. Se Deus não desse<br />
uma graça especial aos homens, estes<br />
não seriam capazes de cumprir<br />
longamente, na sua totalidade, os<br />
Mandamentos da Lei de Deus. Os<br />
homens precisam para isso da graça,<br />
por sua natureza eles não os podem<br />
cumprir.<br />
Se a ordem humana só é verdadeiramente<br />
ordem se os homens<br />
cumprirem os Mandamentos da Lei<br />
de Deus, mas os seres humanos são<br />
incapazes de cumpri-los, logo a ordem<br />
humana é impossível se nos ativermos<br />
apenas aos homens. Temos<br />
de considerar a graça.<br />
A Civilização Cristã é, portanto,<br />
um produto da graça, um milagre, é<br />
o maior milagre de Deus; depois do<br />
homem católico, da família católica,<br />
o maior milagre de Deus é a Civilização<br />
Cristã, obra-prima da graça, que<br />
eleva o homem acima de si mesmo<br />
e lhe faz viver na Terra as condições<br />
de vida que seriam mais próprias aos<br />
Anjos no Céu.<br />
Esses dados considerados, vemos<br />
bem que caminhamos para o extremo<br />
oposto. Nós nos damos conta facilmente<br />
de que estamos nos aproximando<br />
da negação completa de todos<br />
os Mandamentos, e da animalização<br />
total do homem.<br />
Mas se o Criador deu aos homens<br />
e aos povos a sua Lei, o mundo não<br />
poderá terminar sem que em certa<br />
época da História os povos de fato<br />
tenham cumprido essa Lei, sem que<br />
o mundo de fato tenha sido Católico<br />
Apostólico Romano.<br />
De maneira que, apesar de todas<br />
as trevas contemporâneas, de todas<br />
as apreensões de hoje, recuem os outros<br />
se quiserem, dobrem-se diante<br />
de Belial, do demônio, haverá sempre<br />
um punhado de católicos que dirá:<br />
“Nós somos inconformados! Nós<br />
não cedemos! Nós continuamos a esperar!<br />
Nós lutaremos até o fim! E<br />
nós teremos a vitória!”<br />
Não são fáceis as horas que tereis<br />
diante de vós. Elas são luminosas,<br />
brilhantes, difíceis. No momento<br />
em que se aproxima a nossa despedida,<br />
não é sem apreensão que vos vejo<br />
dispersados.<br />
Com efeito, penso nas inúmeras<br />
dificuldades que vos aguardam, na<br />
pressão do ambiente, na força do<br />
mimetismo que leva cada homem a<br />
se conformar com o que pensam e<br />
dizem os outros homens, na sedução<br />
enorme dessa civilização anticristã<br />
que se avulta diante de nós,<br />
no efeito desmoralizador que sobre<br />
os melhores produzem tantas capitulações<br />
e, por que não dizer, tantas<br />
traições…<br />
A Arca da Aliança que trará<br />
a vitória para o mundo<br />
Mas não posso deixar de me lembrar<br />
de que houve um exemplo augusto<br />
de Alguém que, em circunstâncias<br />
que não hesito em qualificar<br />
de infinitamente piores, permaneceu<br />
fiel, não se entregou, não fraquejou,<br />
não traiu, não recuou. E, mesmo na<br />
hora mais trágica que houve e haverá<br />
na existência da humanidade,<br />
continuou de pé como uma tocha de<br />
oração, de esperança.<br />
Sabemos que houve um momento<br />
trágico em que o Sol se toldou em<br />
pleno dia, a Terra tremeu, as sepulturas<br />
dos justos se abriram na Cidade<br />
Santa, e os cadáveres dos homens<br />
que tinham morrido na Antiga Lei<br />
em união com Deus se levantaram.<br />
20
E no meio das trevas, nos estertores<br />
da Terra que tremia, no ruído dos prédios<br />
que caíam, nos gemidos dos feridos<br />
e das pessoas que choravam, no silêncio<br />
da natureza animal aterrorizada,<br />
eles passeavam com os olhos fechados,<br />
com os corpos envoltos por<br />
aquelas tiras estreitas que enfaixavam<br />
antigamente os mortos, exprobando<br />
de boca fechada aos que tinham crucificado<br />
o Salvador.<br />
Era, como disse Bossuet, o Padre<br />
Eterno fazendo as pompas fúnebres<br />
de seu Divino Filho. O Templo estremeceu<br />
e seu véu se rasgou. Dele saíram<br />
os Anjos, ali entraram os demônios.<br />
Aquilo tudo, até então objeto<br />
da benevolência de Deus, foi execrado<br />
e atirado para o lado.<br />
Ao pé da Cruz o horror, quase<br />
ninguém era fiel. Nosso Senhor tinha<br />
num dilúvio de dores exclamado<br />
o seu consummatum est. Ele estava<br />
exangue; não tinha mais nada a oferecer<br />
do seu sacrifício.<br />
Nesta hora o bom ladrão se preparava<br />
para deixar a Terra, o centurião<br />
que ferira Nosso Senhor pouco<br />
depois de morto se golpeava no peito.<br />
Algumas pessoas recolhidas ao<br />
pé da Cruz choravam. A alegria, entretanto,<br />
não desertara de uma alma.<br />
A alma mais inconforme com tudo<br />
aquilo, que mais execrava tudo<br />
aquilo, que mais odiava tudo quanto<br />
se passava, que mais amava o Salvador<br />
morto, que mais esperava, mais<br />
certeza tinha: a certeza de todas as<br />
certezas! Uma Fé que continha toda<br />
a Fé que deveria haver no mundo<br />
até o fim dos tempos!<br />
E esta era a alma celestialmente<br />
inconformada de Nossa Senhora:<br />
Stabat Mater dolorosa iuxta crucem,<br />
lacrimosa. Em latim, stabat quer dizer<br />
estava em pé.<br />
Portanto, Ela estava em pé em toda<br />
a força de seu corpo e de sua alma,<br />
com os olhos inundados de lágrimas,<br />
mas com a alma inundada de luz! Maria<br />
Santíssima tinha a certeza que, depois<br />
das grandes tragédias, do abando-<br />
Calvário - Museu de Belas Artes, Dijon, França<br />
no geral, viria a aurora da Ressurreição,<br />
da Santa Igreja Católica Apostólica<br />
Romana, nimbada de glória a partir<br />
de Pentecostes. E de cruzes em luzes,<br />
de luzes em cruzes o mundo chegaria<br />
até aquele momento que em Fátima<br />
Ela prenunciou: “Por fim, o meu<br />
Imaculado Coração triunfará!”<br />
Meus olhos e minha alma se voltam<br />
para Vós, Senhora do Carmo,<br />
cuja festa hoje se celebra.<br />
Vós que fostes a Fundadora do<br />
grande veio de profetas que começou<br />
com o Profeta Elias, e irá até o fim do<br />
mundo com o carisma de profecia na<br />
Santa Igreja Católica Apostólica; Vós<br />
que ensinastes antes mesmo de existir,<br />
que fostes o modelo daqueles que<br />
creram no Redentor que viria, o apogeu<br />
da esperança desses varões de<br />
Deus, pois que Vós fostes a nuvem da<br />
qual choveu o Salvador, Vós sois hoje<br />
a Arca da Aliança da qual virá a vitória<br />
para o mundo!<br />
Enchei, ó minha Mãe, desta certeza,<br />
desta inconformidade, desta coragem<br />
de estar de pé na derrota e na<br />
adversidade, esperando o dia de glória,<br />
os vossos filhos aqui reunidos. É<br />
o que Vos peço nesta oração final.v<br />
(Extraído de conferência de<br />
16/7/1971)<br />
1) Trata-se do encerramento de um Congresso<br />
de jovens, realizado em São<br />
Paulo.<br />
2) Termo derivado de “Axiologia”: ramo<br />
da Filosofia que estuda os “valores”,<br />
isto é, os motivos e as aspirações superiores<br />
e universais do homem, as<br />
condições e razões que dão rumo à<br />
sua existência, para os quais ele tende<br />
por insuprimível impulso da sua natureza.<br />
Francisco Lecaros<br />
21
Francisco Lecaros<br />
C<br />
alendário<br />
1. Santo Aarão. Sacerdote do Antigo<br />
Testamento, da tribo de Levi, irmão<br />
de Moisés.<br />
2. São Swithun, bispo (†862). Bispo<br />
de Winchester, Inglaterra, foi, segundo<br />
a tradição, capelão do rei Egberto<br />
de Wessex e tutor de seu filho, o<br />
príncipe Ethelwulf.<br />
3. Solenidade de São Pedro e São<br />
Paulo, Apóstolos. (Transferida do dia<br />
29 de junho).<br />
São Tomé, Apóstolo.<br />
São Leão II, Papa (†683). Ver página<br />
2.<br />
4. Santa Isabel de Portugal, rainha<br />
(†1336).<br />
Beato José Kowalski, presbítero e<br />
mártir (†1942). Sacerdote salesiano,<br />
morto no campo de concentração de<br />
dos Santos – ––––––<br />
Auschwitz, Polônia, depois de passar<br />
por atrozes tormentos.<br />
5. Santo Antônio Maria Zaccaria,<br />
presbítero (†1539).<br />
Santo Atanásio de Jerusalém, diácono<br />
e mártir (†451). Diácono da<br />
Igreja da Ressurreição, assassinado<br />
pelo monge herege Teodósio, cuja impiedade<br />
tinha recriminado durante o<br />
Concílio de Calcedônia.<br />
6. Santa Maria Goretti, virgem e<br />
mártir (†1902).<br />
Beata Maria Teresa Ledóchowska,<br />
virgem (†1922). Nobre austríaca, fundadora<br />
do Instituto de Missionárias<br />
do Sodalício de São Pedro Claver, em<br />
Roma, dedicado a auxiliar as missões<br />
na África.<br />
7. Beato Bento XI, Papa (†1304).<br />
Frade da Ordem de Pregadores, promoveu<br />
durante seu curto pontificado<br />
a concórdia, a renovação da disciplina<br />
e o crescimento da religião.<br />
8. Santos Áquila e Priscila (†séc.<br />
I). Colaboradores de São Paulo, estes<br />
santos esposos o acolhiam em sua casa<br />
e arriscaram suas vidas para defendê-lo.<br />
9. Santa Paulina do Coração Agonizante<br />
de Jesus, virgem (†1942).<br />
São Joaquim He Kaizhi, mártir<br />
(†1839). Catequista estrangulado em<br />
Guiyang, China, por sua Fé cristã.<br />
11. São Bento, abade (†547).<br />
Santa Marciana, virgem (†c. 303).<br />
Ver página 26.<br />
12. São Pedro Khanh, presbítero<br />
e mártir (†1842). Reconhecido como<br />
sacerdote enquanto passava por uma<br />
alfândega, foi preso, torturado e decapitado<br />
em Nghê An, Vietnã.<br />
13. Santo Henrique, Imperador<br />
(†1024).<br />
São Silas (†séc. I). Enviado pelos<br />
Apóstolos para pregar aos gentios,<br />
juntamente com São Paulo e São Barnabé.<br />
14. São Camilo de Lélis, presbítero<br />
(†1614).<br />
Beato Gaspar de Bono, presbítero<br />
(†1604). Abandonou a carreira das<br />
armas para se dedicar a Deus na Ordem<br />
dos Mínimos. Morreu em Valência,<br />
Espanha, sendo Provincial.<br />
15. São Boaventura, bispo e Doutor<br />
da Igreja (†1274).<br />
Beata Ana Maria Javouhey, virgem<br />
(†1851). Fundadora da Congregação<br />
das Irmãs de São José de<br />
Cluny, em Paris.<br />
16. Nossa Senhora do Carmo.<br />
Beata Hermengarda, abadessa<br />
(†866). Bisneta de Carlos Magno, entregou-se<br />
ao serviço de Deus no mosteiro<br />
de Chiemsee, Alemanha, do<br />
qual foi abadessa.<br />
Santa Brígida<br />
10. XV Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Agostinho Zhao Rong, presbítero,<br />
e companheiros, mártires<br />
(†1648-1930).<br />
São Pedro Vincioli, presbítero e<br />
abade (†1007). Reconstruiu a Igreja<br />
de São Pedro, em Perúgia, Itália, e<br />
construiu junto a ela um mosteiro sob<br />
a regra cluniacense.<br />
17. XVI Domingo do Tempo Comum.<br />
Bem-aventurado Inácio de Azevedo,<br />
presbítero, e companheiros, mártires<br />
(†1570).<br />
Beato Paulo Gojdich, bispo e mártir<br />
(†1960). Sendo ordinário da Eparquia<br />
de Presov, na Eslováquia, foi jogado<br />
na prisão onde com uma corajosa<br />
confissão passou para a vida eterna.<br />
22
–––––––––––––––––– * Julho * ––––<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
23. Santa Brígida, religiosa (†1373).<br />
São João Cassiano, presbítero<br />
(†c. 435). Após ter sido monge na Palestina<br />
e eremita no Egito, fundou em<br />
Marselha, França, a abadia de São Vitor,<br />
composta de duas comunidades:<br />
uma masculina e outra feminina. Escreveu<br />
as Instituições Monásticas e as<br />
Conferências.<br />
finlandês que ele mesmo havia libertado<br />
da escravidão.<br />
29. Santa Marta, irmã de Lázaro e<br />
Maria.<br />
Santo Olavo, rei e mártir (†1030).<br />
Difundiu a Fé e combateu a idolatria<br />
no Reino da Noruega. Morreu atravessado<br />
pela espada dos seus inimigos.<br />
São Silas<br />
18. São Simeão de Lipnica, presbítero<br />
(†1482). Pregador franciscano, devoto<br />
do Nome de Jesus, morreu em Cracóvia,<br />
Polônia, contagiado pelas vítimas<br />
de uma epidemia, das quais cuidava.<br />
19. Santa Macrina, virgem (†379).<br />
Irmã dos santos Basílio Magno, Gregório<br />
de Nisa e Pedro de Sebaste. Versada<br />
nas Sagradas Escrituras, retirou-se para<br />
levar uma vida solitária no mosteiro de<br />
Annesi, no norte da Turquia.<br />
20. Santo Apolinário, bispo e mártir<br />
(†c. séc. II).<br />
São José María Díaz Sanjurjo,<br />
bispo e mártir (†1857). Dominicano<br />
espanhol, eleito Bispo do Tonkín<br />
Oriental, Vietnã. Morreu decapitado<br />
durante a perseguição ordenada pelo<br />
imperador Tu Ðúc.<br />
21. São Lourenço de Bríndisi,<br />
presbítero e Doutor da Igreja<br />
(†1619).<br />
Santa Praxedes, virgem (†a. 491).<br />
Consta ter sido filha do senador romano<br />
Pudente, convertido por São<br />
Pedro. Deu nome à Basílica de Santa<br />
Praxedes, no Esquilino.<br />
22. Santa Maria Madalena.<br />
Beato Agostinho de Biella Fangi,<br />
presbítero (†1493). Sacerdote dominicano,<br />
oriundo da nobre estirpe dos<br />
Fangi, que dispensou numerosos benefícios<br />
em Soncino, Vigevano e Veneza.<br />
24. XVII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Charbel Makhluf, presbítero<br />
(†1898).<br />
Beata Cristina, religiosa, chamada<br />
“a Admirável” porque nela Deus operou<br />
coisas realmente admiráveis, tanto<br />
em seu corpo, pois teve que sofrer<br />
muito, como em sua alma, enriquecida<br />
com fenômenos místicos. Faleceu<br />
no convento de Saint-Trond, em Brabante,<br />
Bélgica (c. 1224).<br />
25. São Tiago Maior, Apóstolo.<br />
Santa Maria do Carmo Sallés y<br />
Barangueras, virgem (†1911). Fundadora<br />
da Congregação das Irmãs da<br />
Imaculada Conceição, em Madri.<br />
26. São Joaquim e Sant’Ana, pais<br />
de Maria Santíssima.<br />
Santa Bartolomeia Capitanio, virgem<br />
(†1833). Junto com Santa Vicenta<br />
Gerosa, fundou a Congregação das<br />
Irmãs da Caridade de Maria Menina.<br />
Morreu tuberculosa aos 26 anos.<br />
27. Beata Maria Madalena Martinengo,<br />
abadessa (†1737). De família<br />
nobre, entrou como religiosa no convento<br />
capuchinho de Bréscia. Foi favorecida<br />
com fenômenos místicos e<br />
deixou escritos que revelam sua incomum<br />
espiritualidade.<br />
28. São Botvido, mártir (†1100).<br />
Sueco de nascimento e batizado na<br />
Inglaterra, trabalhou na evangelização<br />
de sua pátria. Foi morto por um<br />
30. São Pedro Crisólogo, bispo e<br />
Doutor da Igreja (†c. 450).<br />
Beata Maria Vicenta de Santa<br />
Doroteia Chávez Orozco, virgem<br />
(†1949). Fundou em Guadalajara, México,<br />
o Instituto das Servas dos Pobres.<br />
31. XVIII Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Inácio de Loyola, presbítero<br />
(†1556).<br />
São Justino de Jacobis, bispo<br />
(†1860). Religioso lazarista enviado<br />
como missionário à Etiópia, onde sofreu<br />
fome, sede, tribulações e prisão.<br />
Santo Aarão<br />
Gustavo Kralj<br />
23
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
A procura de<br />
um superior<br />
Francisco Lecaros<br />
Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.<br />
A existência de superiores é uma condição natural para a<br />
inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode<br />
cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de<br />
maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.<br />
Do ponto de vista natural,<br />
prescindindo, portanto,<br />
da graça para efeitos de<br />
estudo, o que vem a ser a força da<br />
presença de Deus e no que isto sustenta<br />
o homem?<br />
Um jovem que deseja ser<br />
cavaleiro e vê passar ao<br />
longe Carlos Magno<br />
Tenho a impressão de que, assim<br />
como dos elementos somados<br />
de uma paisagem resulta o panorama<br />
— o qual é muito mais do que o<br />
elenco de seus elementos constitutivos<br />
—, assim também, de várias influências<br />
conjugadas resulta o fato<br />
de que o verdadeiro superior dá para<br />
o inferior uma impressão de alguém<br />
que é uma resposta a uma pergunta,<br />
que é a pergunta da vida dele e<br />
o preenchimento de algo de que sua<br />
alma está vazia.<br />
Nesse sentido, todo homem deseja<br />
e procura seu superior, a qualquer<br />
título.<br />
E o maior crime que se pode cometer<br />
contra uma civilização é a supressão<br />
dos superiores, de maneira<br />
que as almas fiquem nessa orfandade,<br />
terrivelmente péssima, de não<br />
sentir que o superior aparece e que<br />
preenche o horizonte da vida.<br />
Esse anseio por um superior corresponde<br />
a algo por onde a pessoa,<br />
melhor do que nunca, nota o conjunto<br />
todo da Criação reunido num<br />
ponto panoramático, a partir do qual<br />
ela capta melhor aquele panorama<br />
que explica a sua alma até o fundo,<br />
dando respostas às perguntas sem as<br />
quais o viver dela não tem sentido.<br />
A título de exemplo, poderíamos<br />
imaginar um rapaz do tempo de Carlos<br />
Magno que tem o desejo de ser<br />
cavaleiro, mas nem tem noção clara<br />
de cavalaria. Está cavalgando pelos<br />
Pirineus, e numa volta de caminho<br />
vê passar ao longe Carlos Magno<br />
e seus cavaleiros. Ele fica encantado,<br />
vai correndo, presta ao soberano<br />
uma homenagem e pede licença<br />
para entrar naquela coorte.<br />
Esse é um momento sagrado, pois<br />
o que há de mais semelhante, mais<br />
adequado a ele, por onde ele explica<br />
a vida e encontra o caminho para<br />
Deus, aparece de repente diante dele,<br />
e é como que um encontro com o<br />
Criador.<br />
Distâncias majestosas,<br />
intimidades paternas<br />
O que está dentro do homem bramindo,<br />
gemendo, sob a forma de aspirações<br />
implícitas que a realidade<br />
contingente não satisfaz; o que há de<br />
nobre em certos desejos, que o homem<br />
não conhece, mas que gemem<br />
dentro dele à procura de uma explicitação,<br />
de uma realização, de uma<br />
conexão para se tornarem mais elevados;<br />
tudo quanto é o próprio impulso<br />
na vida do homem; tudo quanto<br />
há de nobre na alma enquanto alma;<br />
tudo isso nesse momento se coloca<br />
em posição porque encontrou<br />
seu superior que lhe explica tudo.<br />
Nisso o homem vê Deus que Se explica<br />
a ele por uma espécie de semelhança,<br />
que passará a orientar e a interpretar<br />
sua vida até o fundo. E estabelece-se<br />
um comércio entre Deus<br />
e o que a alma tem de mais delicado,<br />
e ao mesmo tempo de mais forte. De<br />
24
Carlos Magno - Parc d’Avroy. Liège,<br />
Bélgica. Ao fundo, Pirineus franceses<br />
maneira que todas as ternuras e<br />
também todos os vigores se instalam<br />
naturalmente nesse comércio.<br />
Um cavaleiro assim seria capaz<br />
de confessar os seus pecados para<br />
um homem desses, embora sabendo<br />
que não se trata de uma absolvição.<br />
Ato de suma intimidade e ao mesmo<br />
tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais,<br />
cheio de alegria ao contemplar<br />
esse homem num trono, ainda que<br />
ele se mantivesse afastado do trono<br />
a uma distância enorme. E ao presenciar<br />
uma ação solene diante deste<br />
homem, por exemplo, coroando-<br />
-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias<br />
majestosas e todas as intimidades<br />
paternas em relação ao superior,<br />
fundidas num todo só, o que representaria<br />
para ele algo que é a figura<br />
de Deus.<br />
Jacques Renier (CC3.0)<br />
É como nós veremos, no Céu, a<br />
Deus Nosso Senhor. Infinitamente<br />
transcendente a nós, mas na realidade<br />
o centro de nossa própria vida.<br />
Entre superior e inferior há, pois,<br />
uma relação pela qual o superior está<br />
continuamente dando ao inferior<br />
toda essa corrente de “deiformidades”,<br />
que penetram nele e o vão modelando.<br />
Às vezes, quando o pai é<br />
bom, é um mero precursor,<br />
porque o chefe<br />
o indivíduo vai encontrar<br />
em outras<br />
circunstâncias da<br />
vida.<br />
Abstraindo de<br />
superiores, não<br />
podem existir verdadeiramente<br />
as condições<br />
naturais próprias para<br />
uma inteira prática da virtude<br />
da religião. Porque é<br />
só em função disso bem<br />
constituído que a virtude<br />
da religião se estabelece<br />
de um modo completamente<br />
adequado.<br />
Quando esse fenômeno<br />
é irrigado pela graça<br />
— creio que normalmente<br />
o é —, então entra qualquer<br />
coisa que toma a graça do Batismo e<br />
dá a ela um fluxo especial.<br />
Má influência exercida sobre<br />
a criança em muitos colégios<br />
Algumas crianças têm certa noção<br />
da nobreza de sua própria alma<br />
— eu excluo aqui, completamente,<br />
a ideia de aristocracia terrena —,<br />
por onde elas, olhando no fundo de<br />
si mesmas, percebem a existência de<br />
algo muito elevado e nobre, que já<br />
habita ali. E acrescento, sem vacilação:<br />
percebem algo de muito santo.<br />
Quer dizer, muito conforme também<br />
à ordem sobrenatural, em que<br />
uma criança discerne em si mesma<br />
a própria graça de Deus que pousa<br />
sobre ela, mas especialmente sobre<br />
aquilo por onde é especialmente ela<br />
mesma e difere de todo mundo.<br />
Isso dá à criança uma experiência<br />
interna de ser participante da natureza<br />
divina, chegando até a notar,<br />
em termos católicos, algo de divino<br />
em si mesma.<br />
Quando a criança é fiel a isso, ela<br />
está ordenada, muito mais facilmente<br />
do que outras, a desenvolver tudo<br />
aquilo por onde tem em si radicalmente<br />
a semelhança de Deus. E,<br />
por isso, procurar com mais empenho,<br />
analisar com mais finura e encontrar<br />
com maior certeza o superior<br />
de sua vida.<br />
Lamentavelmente, a maior parte<br />
das crianças perde isso no colégio, se<br />
não antes. Na vida da escola aparece,<br />
com o agarra-agarra e o empurra-empurra,<br />
o problema da comparação:<br />
esse veio com um automóvel<br />
mais bonito, o outro com não sei o<br />
quê… E isso no meio daquela folia<br />
e da zoeira do colégio, que se prolonga<br />
cabeça adentro até quando a<br />
criança dorme.<br />
A criança é violentamente arrancada<br />
dessa ordem de cogitações e<br />
lançada no desenrolar da vida. Ela<br />
deixa de se perguntar quem ela é<br />
— interrogação através da qual encontra<br />
o seu superior — e passa a se<br />
perguntar como sobrepujar este ou<br />
aquele; surgem apegos, amizades e<br />
inimizades…<br />
Aí entram as paixões desordenadas<br />
que calcinam a alma, na qual o ambiente<br />
procura incutir a ideia de que<br />
aqueles sentimentos interiores imbecilizam<br />
o homem, e são fatores negativos<br />
quando ele se põe na luta pela vida<br />
dentro do colégio: tornam-no menos<br />
capaz de berrar e de correr.<br />
Ou seja, a criança era um Jacó em<br />
meio aos Esaús. E, para se redimir<br />
daquela situação, ela se joga naquela<br />
“esausada” e perde esse senso inicial<br />
incomparável.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
20/7/1984)<br />
25
Hagiografia<br />
Santa Marciana e o<br />
testemunho dos mártires<br />
Nos primeiros séculos da História da Igreja, milhões de<br />
mártires deram sua vida por Nosso Senhor. Por que não<br />
reagiram contra os tiranos? A Providência chamou-os para<br />
uma forma de heroísmo que correspondia aos desígnios d’Ela<br />
naquele tempo e que não era liquidar e vencer, mas aguentar<br />
e morrer. O testemunho dos mártires é uma das grandes<br />
provas da veracidade dos fatos narrados no Evangelho.<br />
T<br />
ecerei comentários sobre Santa<br />
Marciana, virgem e mártir,<br />
cujos dados biográficos foram<br />
tirados da obra do Abbé Ferrier: La<br />
grande fleur de la vie des Saintes.<br />
“Ó meu Divino Mestre,<br />
vou feliz para Vós!”<br />
Em Rouzucourt, pequena cidade da<br />
Mauritânia, Argélia de hoje, vivia em<br />
fins do século III uma jovem chamada<br />
Marciana, tão piedosa quanto bela,<br />
que consagrou muito cedo sua virgindade<br />
a Deus e deixou tudo para viver<br />
numa cela perto da cidade romana.<br />
Ora, um dia a virgem, inspirada<br />
sem dúvida pela voz do Senhor, saiu<br />
de sua cela e veio se misturar à multidão<br />
que circulava na cidade, agitada<br />
por uma emoção porque corriam os<br />
dias sangrentos da perseguição desencadeada<br />
no mundo inteiro pelo ímpio<br />
Diocleciano.<br />
Marciana, chegando pela porta Tipásia,<br />
viu colocada numa praça uma<br />
estátua de mármore da deusa Diana.<br />
Aos pés da deusa corriam águas límpidas<br />
num tanque também de mármore.<br />
A intrépida virgem não pôde suportar<br />
a visão do ídolo impuro e fez o ídolo<br />
em mil pedaços. Uma multidão furiosa<br />
se lançou sobre ela e a maltratou<br />
horrivelmente. Depois a arrastaram<br />
ao pretório, perante o juiz imperial.<br />
A altiva cristã riu-se dos deuses de<br />
pedra e de madeira e gloriou-se de<br />
adorar o Deus vivo, e O exaltou no<br />
templo, com voz eloquente.<br />
O juiz pagão irritou-se e entregou-<br />
-a aos gladiadores para que servisse<br />
de joguete a infames ultrajes. A virgem<br />
permaneceu serena e sem medo.<br />
Durante três horas, com efeito, Deus<br />
a defendeu no meio desses brutos, atacados<br />
de terror e imobilidade. Pela<br />
oração da angélica mártir um deles se<br />
converteu a Jesus Cristo.<br />
patotenere (CC3.0)<br />
Paisagem da Argélia,<br />
correspondente à<br />
Mauritânia romana<br />
26
Jebulon (CC3.0)<br />
Diocleciano<br />
O tirano, confuso, redobrou seu<br />
ódio ímpio e, não podendo desonrar a<br />
virgem cristã, condenou-a a ser estraçalhada<br />
por animais ferozes.<br />
Marciana, quando chegou a hora,<br />
caminhou para a arena como para<br />
uma alegre festa, bendizendo a Jesus<br />
Cristo. Amarraram-na ao local do suplício<br />
e contra ela foi lançado um leão<br />
furioso, que logo se atirou sobre a vítima,<br />
ficou em pé e colocou suas garras<br />
sobre seu peito. Depois se afastou<br />
bruscamente e não a tocou mais.<br />
O povo, tomado de admiração, gritou<br />
que libertassem a jovem mártir,<br />
mas um grupo misturado à multidão<br />
e sempre sedento de sangue cristão pediu<br />
que lançassem agora contra Marciana<br />
um touro selvagem. A fera aproximou-se<br />
dela e com seus chifres furiosos<br />
lhe fez no peito uma horrível ferida.<br />
O sangue jorrou e a virgem caiu<br />
agonizante na arena.<br />
Tiraram-na de lá por um momento,<br />
estancaram-lhe o sangue e, como<br />
ainda lhe restasse um pouco de vida,<br />
o bárbaro tirano a fez amarrar ainda<br />
uma terceira vez.<br />
Marciana ergueu seus olhos ao céu,<br />
um sorriso iluminou seu rosto marcado<br />
pelo sofrimento. “Ó Cristo! — gritou<br />
— eu Vos adoro e Vos amo. Vós<br />
estivestes comigo na prisão, Vós me<br />
guardastes pura, e agora Vós me chamais.<br />
Ó meu Divino Mestre, vou feliz<br />
para Vós! Recebei a minha alma!”<br />
Neste momento o tirano lançou-<br />
-lhe um leopardo monstruoso que,<br />
com suas garras horríveis, despedaçou<br />
os membros da heroica virgem e<br />
lhe abriu o glorioso caminho do Céu.<br />
Desafio à idolatria numa<br />
atitude carregada do<br />
mais belo espírito épico<br />
Diana, deusa da<br />
mitologia romana<br />
Esta ficha belíssima merece alguns<br />
comentários debaixo de um<br />
ponto de vista que não será, talvez, o<br />
que ocorre logo de início.<br />
À primeira vista temos o espetáculo<br />
de um heroísmo extraordinário,<br />
que nos deixa desconcertados. Para<br />
dizer tudo numa palavra só, um heroísmo<br />
milagroso.<br />
Trata-se de uma santa que é uma<br />
eremita no sentido próprio da palavra,<br />
quer dizer, ela vive inteiramente<br />
isolada, nas proximidades de uma<br />
pequena cidade da África, no<br />
tempo do Império Romano,<br />
época na qual o Norte da<br />
África era todo constituído<br />
de colônias romanas e<br />
estava tão latinizado quanto<br />
a Europa latina. Depois, a<br />
invasão dos vândalos derrubou o domínio<br />
romano e eliminou de lá a raça<br />
latina. Mas naquele tempo se tratava<br />
de uma região inteiramente latinizada.<br />
Ela era, provavelmente,<br />
uma latina; seu nome indica isso.<br />
E como uma eremita, ela não se<br />
misturava com nada nem com ninguém.<br />
Um dia, tocada pela graça e<br />
sem saber ela mesma por que,<br />
Marciana vai para a cidade e encontra,<br />
então, a cena típica das épocas<br />
de perseguição: uma praça pública<br />
para onde tinham transportado<br />
o ídolo de Diana, a deusa da caça.<br />
Foi colocada junto a uma fonte,<br />
cujas águas estavam represadas<br />
por um recipiente de mármore.<br />
E o povo era obrigado a ir adorar esse<br />
ídolo. Quem não o adorasse, seria<br />
morto.<br />
Ela, tomada de um justo ódio<br />
contra esse ídolo que era a afirmação<br />
de uma religião oposta à de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, revestida de<br />
uma força que não se sabe bem de<br />
onde lhe vinha — porque a imagem<br />
que dela nos dá a ficha é de uma jovem<br />
bela, graciosa, portanto frágil<br />
—, empurra o ídolo para o chão, a<br />
cabeça se separa do corpo e ele fica<br />
em pedaços.<br />
O crime de si, debaixo do ponto de<br />
vista romano, era muito grande, principalmente<br />
se tomamos em consideração<br />
que essas estátuas não eram<br />
para eles o que são as imagens para<br />
nós. Uma imagem de Nossa Senhora,<br />
por exemplo, quem a quebra comete<br />
um sacrilégio porque rompe algo<br />
que é a figura de Nossa Senhora,<br />
Eric Gaba (CC3.0)<br />
27
Hagiografia<br />
Yuntero (CC3.0)<br />
Robek (CC3.0)<br />
“Gladiador” (afresco) - Museu<br />
Nacional de Arte Romano,<br />
Badajoz, Espanha<br />
mas não é Nossa Senhora em pessoa.<br />
Sabemos que essa estátua não faz senão<br />
representar a Santíssima Virgem,<br />
que está realmente no Céu em corpo<br />
e alma. Mas para os idólatras pagãos<br />
a estátua era o próprio deus. Este<br />
era um dos aspectos da<br />
idolatria deles, que acreditavam<br />
ser aquela estátua a<br />
deusa Diana. Havia várias<br />
Dianas, em diversas cidades,<br />
aquela era a deusa Diana<br />
daquela cidade.<br />
Com uma coragem muito<br />
grande, numa atitude carregada<br />
do mais belo espírito<br />
épico, ela joga o ídolo<br />
no chão — e já entro na<br />
análise do épico do acontecimento.<br />
Vemos, então, uma<br />
virgem frágil, débil, uma eremita<br />
solitária, recolhida, reclusa,<br />
que sai do seu êremo<br />
e faz aquilo que os homens<br />
de vida ativa não<br />
realizariam, que os católicos<br />
da região, com certeza,<br />
não tinham coragem<br />
de fazer: ela vai ao<br />
ídolo, o derruba e o espatifa.<br />
Quer dizer, ela desafia<br />
a idolatria no que essa<br />
tem de mais central, de modo<br />
ostensivo. Ela não derruba apenas<br />
a imagem, mas esta se quebra<br />
em vários pedaços.<br />
Atacada por gladiadores<br />
e animais ferozes<br />
Marciana se encontra ali de pé,<br />
afrontando o tirano que, em nome do<br />
Imperador Diocleciano, está condenando<br />
à morte a todos os católicos.<br />
E ela enfrenta, então, a morte, com<br />
uma coragem e serenidade absolutas.<br />
Por que ela não parte para matar<br />
o tirano? Entre outras razões<br />
porque é uma jovem e não tem forças<br />
para isso. Deus não lhe deu essa<br />
missão. Ela não é uma Santa Joana<br />
d’Arc. De momento, a sua missão<br />
é diferente. Ela deve desafiar, mostrar<br />
a força de Deus de um modo diverso.<br />
Como Marciana mostra a força<br />
de Deus? Ela é exposta a vários tormentos<br />
e a epopeia continua. É sujeita<br />
aos ataques de um grupo de<br />
gladiadores, quer dizer, de homens<br />
da ralé, extremamente sensuais, que<br />
têm ordem de pular em cima da jovem,<br />
abusar dela como entenderem,<br />
e depois matá-la.<br />
Então se dá este fato incrível: ela<br />
se encontra ali tranquila, e o que ela<br />
mais ama na Terra, sua virgindade,<br />
sua fidelidade a Deus, está exposta<br />
ao risco iminente, ou seja, que<br />
os gladiadores podem pular em cima<br />
dela de um momento para outro.<br />
Durante três horas esses homens estão<br />
ali imobilizados e não conseguem<br />
se aproximar dela. Uma força<br />
misteriosa vence os gladiadores.<br />
Temos aí a primeira manifestação<br />
dos traços característicos da Idade<br />
Média: é o domínio do Direito sobre<br />
a força, do espírito sobre a matéria,<br />
da virgindade sobre a concupiscência.<br />
Na ordem natural das coisas,<br />
ela representa tudo aquilo<br />
que na Civilização Cristã é<br />
frágil. Mas<br />
ela desafia.<br />
E por<br />
uma força<br />
sobrenatural<br />
mostra que<br />
soou outra era<br />
da História: tudo<br />
quanto é frágil, reto,<br />
digno vai começar<br />
a dominar tudo<br />
quanto é turbulento<br />
e representa a força<br />
material, tudo quanto<br />
é bestial, tudo quanto,<br />
segundo a ordem natural das coisas<br />
depois do pecado original, costuma<br />
dominar, avassalar a Terra.<br />
Ela reza tranquila, e ninguém se comove.<br />
Era normal que várias pessoas<br />
se comovessem, que o tirano se abalasse.<br />
Um gladiador se converte; os<br />
outros, não. O gladiador que se converte<br />
é ele mesmo uma prova do caráter<br />
sobrenatural do que se passava.<br />
E mandam logo vir outro animal<br />
para saltar em cima dela: é um leão.<br />
28
Sergio Hollmann<br />
Mais uma vez se repete o contraste<br />
maravilhoso; é épico: a virgem que<br />
está de pé e o leão que avança sobre<br />
ela e, para trucidá-la, deita a pata nela.<br />
Podem imaginar o que representa<br />
uma patada de um leão numa donzela!<br />
De repente a fera para e sai. O<br />
povo todo se entusiasma, começa a<br />
aplaudir e pede clemência para ela.<br />
Cria-se, então, uma agitação e começam<br />
a pedir que vá um touro por<br />
cima de Marciana. Soltam o touro<br />
que avança, lhe dá uma chifrada e ela<br />
cai. E então se vê o sangue purpúreo,<br />
o sangue virginal daquela donzela,<br />
daquela mártir, que sai generosamente<br />
da horrível ferida. Mas os perseguidores<br />
não se contentam<br />
com isso. Querem de<br />
fato matá-la e soltam então um leopardo<br />
que pula em cima dela e a estraçalha.<br />
Marciana morre docemente,<br />
chamando a Deus Nosso Senhor e<br />
confessando que ela vai para o Céu.<br />
Conversão dos povos da<br />
bacia do Mediterrâneo<br />
Alguém dirá: que sentido tem esse<br />
acontecimento? Ele é apenas manifestação<br />
de uma epopeia? Toda<br />
epopeia tem uma finalidade. Qual é<br />
a finalidade dessa? Era apenas mostrar<br />
que ela não queria ceder ante o<br />
paganismo? Ou somente desejava<br />
impressionar a opinião pública por<br />
meio de seu martírio?<br />
Vê-se que foi tudo miraculoso,<br />
desde o princípio ao fim. Esse foi um<br />
dos milagres que deveriam atestar,<br />
junto ao povo ainda pagão, a veracidade<br />
da Religião Católica e com isso<br />
contribuir para a conversão da Bacia<br />
do Mediterrâneo.<br />
A grande obra da Igreja Católica,<br />
nos séculos da antiguidade, foi a conversão<br />
dos povos da Bacia do Mediterrâneo,<br />
os quais converteram, por sua<br />
vez, os povos bárbaros que vinham do<br />
Norte. E foi porque estes se converteram<br />
também que nasceu a Europa católica,<br />
a Idade Média, a Civilização católica.<br />
As missões de todos os outros<br />
Apóstolos que partiram para outras<br />
terras — como São Tomé, na Índia,<br />
na Etiópia, etc. — foram mais ou menos,<br />
ou inteiramente, rejeitadas. No<br />
Mediterrâneo, por desígnio da Providência,<br />
a quantidade enorme de mártires<br />
e de milagres converteu os povos.<br />
E daí veio, por sua vez, toda a epopeia<br />
da Civilização católica.<br />
Para abrir os olhos desses povos,<br />
era preciso um grande número de<br />
milagres e que, ao mesmo tempo, esses<br />
não fossem puros fatos materiais:<br />
o leão saltou em cima da virgem e<br />
não conseguiu devorá-la; os gladiadores<br />
tiveram missão de estraçalhá-<br />
-la e não conseguiram avançar contra<br />
ela. Era necessário que nesses<br />
milagres se visse a beleza da Doutrina<br />
Católica, da Civilização Católica<br />
que ia jorrar daí. Era a civilização<br />
da virgindade, da castidade; a civilização<br />
dos fracos que recebem forças<br />
sobrenaturais e enfrentam todas<br />
as forças materiais; a civilização daqueles<br />
que sabem que para a alma<br />
que tem Fé nada é impossível, e que<br />
enfrentam todos os obstáculos, pouco<br />
ligando para estes, porque, Deus<br />
estando com eles, conseguem tudo.<br />
Aqui está verdadeiramente o senso<br />
de epopeia afirmado.<br />
Argumento apologético<br />
para os séculos vindouros<br />
Alguém dirá: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, então<br />
o senhor assinala dois pontos: milagres<br />
para converter os povos do Mediterrâneo,<br />
o perfume da Doutrina<br />
Católica e a beleza simbólica desses<br />
acontecimentos para atrair as almas<br />
a essa Doutrina. Mas por que<br />
essa santa, em vez de morrer dilacerada<br />
por um touro, não foi protegida<br />
por Deus até o fim? E o Criador<br />
não deu ordens para o touro liquidar<br />
com o governador romano? Não teria<br />
sido uma coisa muito mais bonita<br />
ver o touro, o leão, o leopardo de repente<br />
pularem, como um cavalo alado,<br />
por cima da tribuna do governador<br />
romano, matá-lo e depois fazer<br />
uma chacina e implantar ali o domínio<br />
dos católicos? Não seria então,<br />
muito antes de Constantino, uma espécie<br />
de revanche católica que nos<br />
daria as glórias da vitória? Para que<br />
tanta gente que morre praticamente<br />
sem resistir, tantos milagres que não<br />
dão numa vitória que só Constantino<br />
veio alcançar?”<br />
Uma pessoa, com muito fundamento,<br />
muita razão, muito bom senso,<br />
dias atrás me fez essa pergunta.<br />
Eu estava apressado, não dei a resposta,<br />
mas a dou agora: Uma das provas<br />
de que Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
existiu e de que os fatos narrados<br />
pelo Evangelho são verdadeiros —<br />
provas válidas para os homens de ho-<br />
Derek Ramsey (CC3.0)<br />
29
Hagiografia<br />
je, de quinhentos anos atrás, para os<br />
homens até o fim do mundo —, está<br />
precisamente no testemunho dos<br />
mártires. Não se tratava apenas de<br />
vencer, mas de dar um argumento<br />
apologético para os séculos vindouros.<br />
Qual era esse argumento apologético?<br />
Os fatos narrados no Evangelho<br />
se deram na presença de muitíssima<br />
gente. Por sua vez, as testemunhas<br />
desses fatos, ou os filhos delas,<br />
foram dispersas por todo o Império<br />
Romano, pela pressão de Tito à nação<br />
judaica. Os inimigos acérrimos<br />
dos católicos poderiam alegar que os<br />
fatos narrados pelo Evangelho eram<br />
falsos, dizendo: fale com esse, com<br />
aquele, com aquele outro; eles dirão<br />
que isso não existiu, que esses fatos<br />
não são verdadeiros.<br />
Havia judeus por todo o Império<br />
Romano. De mais a mais, muitos deles<br />
que ali viviam já não eram propriamente<br />
procedentes da Judeia, mas<br />
chamados da diáspora, que se tinham<br />
dispersado antes de Jesus Cristo. Esses<br />
judeus viajavam frequentemente<br />
a Jerusalém, o ponto de atração de interesse<br />
máximo para eles, e se inteiravam<br />
das coisas que lá aconteciam.<br />
Todos eles poderiam ter desmentido<br />
o Evangelho, o que deveria criar<br />
nas pessoas que ouvissem os Apóstolos,<br />
ou seus seguidores, uma dúvida.<br />
Entretanto, os judeus não desmentiam<br />
fatos públicos notoríssimos, e isso<br />
confirmava os cristãos na Fé. Estes<br />
estavam tão certos de que aqueles fatos<br />
eram verdadeiros que, como Marciana,<br />
deixavam-se estrangular, eram<br />
as testemunhas vivas da veracidade<br />
da narração do Evangelho.<br />
Isso levou um escritor não católico,<br />
Pascal, a dizer uma coisa muito<br />
verdadeira: “Eu creio no que contam<br />
testemunhas que se deixam estrangular.”<br />
E é verdade. Essas testemunhas,<br />
para provarem que a Religião<br />
Católica é verdadeira, se deixavam<br />
estrangular. Nenhuma prova<br />
melhor da veracidade da coisa do<br />
que a estrangulação.<br />
O testemunho dos mártires<br />
prova a veracidade<br />
do Evangelho<br />
Então, durante muitos séculos e<br />
até hoje, uma das melhores provas de<br />
que a Religião Católica é verdadeira<br />
e de que os fatos narrados no Evangelho<br />
são verdadeiros, é o testemunho<br />
dos mártires por toda a extensão<br />
do Império Romano. Assim, se compreende<br />
que a Providência dava a esses<br />
homens o apelo para uma forma<br />
de heroísmo que correspondia aos<br />
desígnios d’Ela naquele tempo e que<br />
não era liquidar e vencer, mas aguentar<br />
e morrer. Se eles tivessem vencido,<br />
dir-se-ia: uma seita venceu. E não<br />
se teria um argumento inteiramente<br />
seguro. Dessa forma, ficou a prova:<br />
milhões e milhões tiveram tanta<br />
certeza que eles se deixavam matar.<br />
Quer dizer, a prova do sangue foi dada<br />
exuberantemente e todas as gerações<br />
vindouras creram por causa deles.<br />
E é por causa disso que a Providência<br />
não os convidou a uma cruzada<br />
contra os pagãos, mas, pelo contrário,<br />
a essa forma de reação cujo<br />
Martírio de Santa Marciana<br />
sentido profundo hoje se percebe, e<br />
naquele tempo não se percebia.<br />
Fica, então, patente o milagre<br />
da Providência. Se Ela deu a Santa<br />
Marciana a força para derrubar<br />
o ídolo, não lhe concederia energias<br />
para ir até a tribuna do representante<br />
do imperador, do procônsul, para<br />
esbofeteá-lo, jogá-lo no chão, apunhalá-lo,<br />
liquidá-lo? É evidente que<br />
sim. Para Deus nada é impossível.<br />
Mas que prova seria para nós a vida<br />
de Marciana, se ela tivesse ficado<br />
proconsulesa depois? Que prova seria<br />
para os séculos futuros? Nenhuma.<br />
Era preciso que houvesse dois<br />
milagres: primeiro, da resistência<br />
contra todos os obstáculos; e depois,<br />
em determinado momento, um obstáculo<br />
que vem e a respeito do qual<br />
Deus não dá mais resistência.<br />
Então, volto a dizer, existem três<br />
operações sobre a opinião pública:<br />
ela vai e quebra o ídolo; há a prova<br />
do milagre e a prova do martírio. Essas<br />
provas são tão boas que duram<br />
até nossos dias. <br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
18/2/1972)<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
30
Luzes da Civilização Cristã<br />
Alain Patrick<br />
Vista da cidade de<br />
Florença, Itália<br />
Florença e a perfeição<br />
das formas<br />
A arte florentina se caracteriza pela perfeição das formas e seu<br />
estilo despojado. Embora alguns monumentos de Florença<br />
causem respeito e admiração por seu grande valor artístico,<br />
a mania do despojado — hoje tão difundida — parece uma<br />
censura a Deus que não fez um universo sem ornatos.<br />
Em certo sentido, podem-se considerar como sendo<br />
três as metrópoles de irradiação do espírito<br />
renascentista a partir da Itália: Florença, Veneza<br />
e Roma. Cada uma delas teve um papel determinado<br />
na difusão desse espírito.<br />
Palácio da Senhoria: exemplar<br />
típico do espírito florentino<br />
Do ponto de vista artístico, enquanto Florença prima<br />
pela busca na perfeição das formas, Veneza procura<br />
realçar a supremacia das cores sobre o desenho. Roma,<br />
por sua vez, é a síntese dos vários aspectos da Renascença,<br />
onde os Papas procuraram recolher obras-primas de<br />
todas as fontes e formas de beleza.<br />
O espírito florentino é muito raciocinante e amigo de<br />
ver nas coisas principalmente o aspecto resultante do silogismo.<br />
Essa é uma posição quase ascética dos renascentistas,<br />
que recusa à imaginação muitas invenções, e<br />
ao sentimento um papel muito grande na elaboração do<br />
conjunto do pensamento humano. Pelo contrário, vive de<br />
cálculos, proporções, perspectivas realmente bem elabo-<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Alain Patrick<br />
do pelo qual essa torre se ergue altaneira no monumento<br />
é formidável.<br />
Mas não se pode negar que ele nos leva a perguntar<br />
se não poderia ser um pouco mais coerente em alguns<br />
de seus aspectos. Por exemplo, não vejo o objetivo funcional<br />
daquelas quatro janelinhas numa primeira fileira;<br />
depois uma embaixo da quarta, colocada ali, onde tudo<br />
levaria a crer serem necessárias pelo menos algumas<br />
das janelas do estilo das três que estão mais ou menos<br />
na mesma linha, continuando para a direita. Por que isso<br />
é assim? Não se entende.<br />
Por outro lado, um aspecto que exprime, no meu modo<br />
de entender, a secura do estilo é a repetição dessa disposição<br />
de janelas em baixo. Depois, surgem de repente<br />
duas ou três janelinhas muito mais curtas, sem arcos em<br />
cima, colocadas ali não se sabe por quê. Por fim, no andar<br />
térreo, duas portinhas.<br />
Dir-se-ia que são elementos de feiúra. Entretanto, o<br />
conjunto agrada enormemente. Por quê? Porque a boa<br />
ordem da fachada — indiscutivelmente<br />
há uma<br />
bela boa ordem aí — faz<br />
esquecer os defeitos dessas<br />
janelinhas. Ou, pelo<br />
contrário, essas janelinhas<br />
entram meio subconscientemente<br />
no espírito<br />
como elementos<br />
dessa boa ordem. Sou<br />
mais propenso à segunda<br />
ideia.<br />
De uma dessas janelas<br />
parte um balcão.<br />
Não se diria que um palácio<br />
monumental comportaria<br />
um balcão<br />
mais bonito, mais elegante?<br />
Entretanto, é esticadinho<br />
e sequinho.<br />
Não obstante, o palácio<br />
é de uma beleza mundialmente<br />
elogiada. No<br />
mundo inteiro encontram-se<br />
estampas, postais,<br />
álbuns apresentando<br />
esse edifício deste<br />
ângulo.<br />
Se o comparamos<br />
com certos palácios de<br />
Veneza, que parecem<br />
descidos de um céu empíreo,<br />
das nuvens, notarados.<br />
Tendência da qual, a meu ver, nasceria o racionalismo.<br />
É o que principalmente notaremos nos edifícios florentinos<br />
que analisaremos a seguir.<br />
O palácio dito da Senhoria de Florença foi durante muito<br />
tempo a sede do governo de um pequeno Estado, que<br />
ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar<br />
enorme, constituindo uma grande potência do pensamento.<br />
O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar<br />
típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio?<br />
Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto<br />
agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita<br />
com um relógio que lembra o de Siena 1 . Notam-se em algumas<br />
das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém,<br />
constituem meros furos realizados na parede sem<br />
sentido de beleza especial nenhum.<br />
A torre não está no meio do edifício. Na ótica moderna,<br />
a torre deveria estar bem no centro, segundo um princípio<br />
elementar do traçado artístico razoável, desejável. Mas<br />
neste palácio a torre fica empurrada um pouco para o lado,<br />
e o relógio posto na raiz da torre, quando normalmente<br />
o colocaríamos na parte de cima daquelas ameias, para<br />
ser visto pelo maior número possível de pessoas.<br />
Há embaixo, nos dois ângulos do edifício, dois ornatos<br />
extrínsecos ao palácio, mas que ajudam a ter uma ideia da<br />
harmonia total dele. São duas estátuas monumentais, de<br />
estatura maior do que a de um homem. Não lembro bem o<br />
que as estátuas representam. Elas são de um mármore bem<br />
alvo, e contrastam bastante, portanto, com a cor do prédio.<br />
Edifício sério, altivo, lógico<br />
Nesta página e na seguinte,<br />
aspectos do Palácio da<br />
Senhoria - Florença, Itália<br />
No meu modo de entender, esse edifício é lindo, extraordinário<br />
enquanto sério, altivo, lógico em tudo. O mo-<br />
JoJan (CC3.0)<br />
32
mos uma diferença colossal de psicologias. Esta é a psicologia<br />
florentina.<br />
Vê-se ali o emblema de Florença: a flor de lis vermelha<br />
que caracteriza, na heráldica, a cidade.<br />
Uma palavra sobre a arcada. São três arcos só, entretanto,<br />
pela suavidade deles — eu quase diria pela doçura<br />
séria, hierática, agradável dos arcos — a arcada completa<br />
e atenua um pouco o que o palácio tem de seco. São<br />
três arcos famosos, que constituem uma parte do décor<br />
da Praça do Palácio da Senhoria.<br />
Duas atitudes de alma face<br />
ao Palácio da Senhoria<br />
sonofgroucho (CC3.0)<br />
Antes de passar adiante, eu queria apenas apanhar<br />
uma impressão que me vem de um prédio localizado ao<br />
fundo, em um dos lados da arcada. É um edifício comum,<br />
provavelmente construído no século XIX. Mas imaginem<br />
uma pessoa que tenha um escritório naquele prédio,<br />
onde ela exerce uma<br />
função muito absorvente.<br />
Vamos dizer que, por<br />
exemplo, no primeiro<br />
andar desse edifício, esteja<br />
instalada uma grande<br />
agência internacional<br />
de notícias, na qual<br />
informações chegam a<br />
toda hora e que precisam<br />
ser difundidas a cada<br />
instante. É necessária<br />
uma vigilância muito<br />
grande, para distinguir<br />
as notícias verdadeiras<br />
das falsas, da boataria,<br />
para condensar e enviá-<br />
-las para o maior número<br />
de pessoas possível,<br />
responder às perguntas<br />
que vêm, etc.; é um contato<br />
com o mundo inteiro<br />
que se dá ali.<br />
Quando chega a hora<br />
de encerrar o expediente,<br />
a agência de notícias<br />
fecha e o indivíduo,<br />
que esteve ali o dia<br />
inteiro em contato com o<br />
que há de mais moderno<br />
no acontecer do mundo<br />
contemporâneo, sai. Ele<br />
deixou um automovelzinho<br />
qualquer encostado ao Palácio da Senhoria. Chove,<br />
ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho,<br />
cansado, chega até lá e toma seu automóvel.<br />
Ele está com o pensamento, com o temperamento e<br />
todo o modo de ser dele completamente voltado para o<br />
mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa<br />
loggia e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem<br />
nenhuma providência a tomar a respeito disso.<br />
Podemos imaginar esse homem com dois modos de<br />
ser distintos: um é o indivíduo atolado no mundo moderno<br />
do qual gosta, e que passa perto disso como uma coisa<br />
importuna. Se ele olhar para ela, tira o espírito dele<br />
dos gonzos do seu ganha-pão para considerações com as<br />
quais ele não tem nada o que fazer. Então, o Palácio da<br />
Senhoria, para ele, é uma coisa com a qual ou sem a qual<br />
o mundo vai tal e qual.<br />
Se, pelo contrário, ele tem um grande espírito, distancia-se<br />
um pouco e, apesar da chuva, pensa: “Deixe-me<br />
descansar um pouco, olhando essa beleza. Vou tomar<br />
um “banho” de alma pensando nisso, contemplando um<br />
pouco isso.” Entra no automovelzinho, dá um giro, recua<br />
o veículo e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, ele<br />
fica olhando pela enésima vez em sua vida o Palácio da<br />
Senhoria. Aquilo entranha na alma dele, a qual fica rica<br />
de um depósito de arte que é uma coisa incomparável.<br />
Homens como este último são incomparavelmente<br />
mais raros do que os do primeiro tipo.<br />
A Ponte Vecchio<br />
Gostaria de chamar a atenção para a cor desse rio.<br />
Tem-se a impressão de um cristal colorido, de um verde<br />
um pouco dado a certo tipo de musgo, que se tornou<br />
líquido e está correndo lentamente. Trata-se do famoso<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
Vitor Toniolo<br />
Vistas da Ponte<br />
Vecchio - Florença, Itália<br />
Targeman (CC3.0)<br />
Alain Patrick<br />
Rio Arno de Florença, de águas lindas, e em cujas margens<br />
se sucederam fatos históricos extraordinários.<br />
Sobre ele passa a conhecidíssima Ponte Vecchio. Para<br />
compreender a constituição dessa ponte, precisamos nos<br />
reportar às condições militares da cidade de Florença na<br />
Idade Média, com muralhas de todos os lados para se<br />
defender contra as agressões de fora. Naturalmente, havia<br />
uma grande vantagem para os florentinos em morarem<br />
dentro do espaço protegido pelas muralhas, porque<br />
quando havia cercos, a família, com seus pertences, estava<br />
a salvo do incêndio e do saque dos adversários que,<br />
muitas vezes, a primeira coisa que fazem quando investem<br />
sobre uma cidade é arrasar as construções localizadas<br />
do lado de fora e tocar fogo, para as muralhas ficarem<br />
atingíveis de alto a baixo.<br />
Acontece que, sendo muito caro aumentar as muralhas,<br />
os habitantes se espremiam dentro da cidade. Assim,<br />
por falta de lugar onde colocar as pessoas, certas<br />
casas foram construídas em cima da ponte. E algumas<br />
até suspensas, meio com base na ponte, e meio no ar,<br />
com uma suspensão muito sólida, sem qualquer perigo<br />
de ruir. Compreendo que isso deixasse apreensivo a algum<br />
de nossos contemporâneos. Eu, entretanto, dormiria<br />
ali completamente despreocupado.<br />
Vemos, assim, de um lado e de outro, ao longo da ponte,<br />
prédios suspensos por meio de apoios fixados na própria<br />
ponte, o que indica uma falta de espaço tremenda!<br />
No andar térreo funciona algum comércio e, em cima,<br />
habitações.<br />
34
O Lungarno degli Archibusieri<br />
Lembro-me de que, em uma das vezes que estive em<br />
Florença, jantei em um restaurante instalado sobre um<br />
tablado posto sobre estacas no Rio Arno. E exatamente<br />
no lugar onde eu estava havia uma espécie de fresta na<br />
madeira — pedacinhos de madeira tinham caído no rio<br />
—, e pela fresta se via passar o Arno. Este é tão bonito,<br />
que para mim a atração do jantar foi ficar o tempo todo<br />
olhando pela fresta.<br />
Eu me recordo de que nos hospedamos em um hotel<br />
que era uma antiga torre talvez medieval, adaptada inteiramente<br />
para hotel, e dando para uma avenida ao longo<br />
do Arno, que se chamava Lungarno degli Archibusieri.<br />
O arcabuz é uma arma de fogo do período inicial desse<br />
tipo de armas ainda na Renascença. O arcabuzeiro era<br />
o soldado que portava essa arma. Lungarno quer dizer<br />
“ao longo do Arno”, e as várias partes ao longo do Arno<br />
chamavam-se Lungarno disso, Lungarno daquilo; o local<br />
onde eu estava era Lungarno degli Archibusieri, uma<br />
verdadeira beleza. O nome é lindo e, estando deitado na<br />
torre, tem-se a impressão de ouvir a marcha cadenciada<br />
dos arcabuzeiros que caminhavam para alguma guerra<br />
de conquista de um terreninho com quatro ou cinco galinheiros,<br />
que iam arrancar da cidade vizinha.<br />
O comércio existente no andar térreo dos prédios dessa<br />
ponte é riquíssimo, magnífico. Creio já ter contado que,<br />
numa das vezes em que estive aí, eu procurava uma lembrança<br />
para <strong>Dr</strong>. João Paulo e Da. Lucilia e entrei numa<br />
loja de antiguidades, no andar térreo. Entrei um pouco<br />
para ver a loja e, entre os objetos expostos, observei um<br />
par de castiçais para se colocar em criado-mudo. Precisamente<br />
faltava arranjar uma peça bonita desse gênero para<br />
o quarto deles. Perguntei quanto custava. Era um preço<br />
fabuloso. Aí prestei mais atenção; os castiçais tinham<br />
me encantado, mas eu não tinha feito o raciocínio muito<br />
simples de que tudo que encanta é caro e, portanto, eu deveria<br />
desconfiar do preço. Mas era um cristal com tais e<br />
quais qualidades, cujo preço eu não podia pagar. Os castiçais,<br />
em vez de irem para a Rua Alagoas, 350, onde eu residia<br />
com meus pais, ficaram na Ponte Vecchio não sei por<br />
quanto tempo. Talvez ainda estejam lá... <br />
1) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 219, p. 32.<br />
v<br />
(Continua no próximo número)<br />
(Extraído de conferência de 23/11/1988)<br />
Giovanni Dall’Orto (CC3.0)<br />
Lungarno degli Archibusieri - Florença, Itália<br />
35
Nossa Senhora da Luz Profética<br />
Aluz profética é um discernimento por onde vemos, e como que apalpamos, as graças que<br />
Nossa Senhora nos concede, e cuja característica é fazer com que passem as inseguranças,<br />
os egoísmos, os subjetivismos, os langores. Enquanto essa luz brilha, tudo isso acaba.<br />
É como o Sol: quando ele se põe, as aves noturnas, os bichos feios, os animais agressivos começam<br />
a se mover dentro da floresta. Quando o Sol se levanta, eles procuram suas tocas, seus ninhos,<br />
buracos e somem. Esse sol é a luz profética.<br />
Nossa Senhora da Luz Profética é Maria Santíssima enquanto resplandecente dessa luz, de um<br />
modo inenarrável! Ela, de vez em quando, obtém para nós raios dessa luz para nos fazer completamente<br />
outros.<br />
Nada no mundo vale tanto quanto esta luz. Com ela tudo se resolve; sem ela, tudo fica difícil.<br />
Nossa Senhora nos dá a entender o seguinte: “Meus filhos, essa é uma luz que vem do Céu, é a<br />
luz do meu Reino. Peçam-na, acreditem nela e deixem-se transformar por ela.”<br />
(Extraído de conferência de 16/9/1974)