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Revista Dr. Plinio 220

Julho de 2016

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Esperança profética


David Ayusso<br />

Gustavo Kralj<br />

Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo, Juiz - Basílica<br />

de São Pedro, Vaticano<br />

Vingou a honra da<br />

Santa Igreja<br />

São Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta<br />

daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana<br />

traição”.<br />

Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que<br />

de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o<br />

Concílio tomou uma atitude de condenação.<br />

Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da<br />

Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas<br />

sobretudo no interior da Igreja Católica, que é por excelência a montanha<br />

sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro<br />

dela toma a defesa do erro e do mal.<br />

A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece<br />

que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que<br />

afirma que o bem é o mal e o mal é o bem, e que luta, dentro da Igreja,<br />

para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.<br />

(Extraído de conferência de 3/7/1965)<br />

São Leão II<br />

Artaud de Montor (CC3.0)<br />

2


Sumário<br />

Ano XIX - Nº <strong>220</strong> Julho de 2016<br />

Esperança profética<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> na<br />

década de 1990.<br />

Foto: Sérgio Miyasaki<br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Gilberto de Oliveira<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Antônio Pereira de Sousa, 194 - Sala 27<br />

02404-060 S. Paulo - SP<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Gráfica Print Indústria e Editora Ltda.<br />

Av. João Eugênio Gonçalves Pinheiro, 350<br />

78010-308 - Cuiabá - MT<br />

Tel: (65) 3617-7600<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 130,00<br />

Colaborador........... R$ 180,00<br />

Propulsor.............. R$ 415,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 655,00<br />

Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Editorial<br />

4 Prelúdio de grandes acontecimentos<br />

Piedade pliniana<br />

5 Súplica a Nossa Senhora do Amparo<br />

Dona Lucilia<br />

6 Seriedade florida<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

8 Reino de Maria e patriarcalidade<br />

De Maria nunquam satis<br />

14 Fátima e Nossa Senhora do Carmo<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

17 Certeza da vitória<br />

Calendário dos Santos<br />

22 Santos de Julho<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

24 A procura de um superior<br />

Hagiografia<br />

26 Santa Marciana e o testemunho dos mártires<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

31 Florença e a perfeição das formas<br />

Última página<br />

36 Nossa Senhora da Luz Profética<br />

3


Editorial<br />

Prelúdio de grandes<br />

acontecimentos<br />

Os grandes acontecimentos da História, aqueles que envolvem uma manifestação da misericórdia<br />

ou da justiça divinas, sempre são precedidos de uma longa espera para os que creem na promessa<br />

feita por Deus.<br />

Ouçamos <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> 1 :<br />

Deus pede às pessoas a quem Ele quer conceder a honra de realizar os planos d’Ele um ato de<br />

confiança de esperar contra todas as aparências, confiar contra toda verossimilhança, de serem aparentemente<br />

abandonados pelo próprio Deus para que, depois, Ele confirme sua aliança com eles. A<br />

aparência de um abandono divino, esse é o modo pelo qual Deus manifesta a sua dileção.<br />

As grandes esperas são exatamente o prelúdio dos grandes dons de Deus; e o profetismo envolve<br />

muitas vezes a espera.<br />

A espera profética é constituída de vários elementos. Em primeiro lugar, da certeza plena da profunda<br />

desordem das coisas como elas estão. Em segundo lugar, uma intuição de como tudo deveria<br />

estar se estivesse em ordem. Em terceiro lugar, no jogo de luz e trevas, uma participação enorme de<br />

todo ser nisso e uma certeza incutida pelo sobrenatural, uma espera de que virá um dia em que a luz<br />

esmagará as trevas e as vencerá.<br />

Esta espera profética traz consigo uma rejeição completa da Revolução, uma separação, uma alteridade<br />

em relação a ela, um não poder viver dentro dela, de onde um desejo ardente do dia em que<br />

ela acabe, do dia da punição, do dia da ira, do dia do castigo.<br />

Há uma frase muito bonita da Escritura: “Ó sentinela, dize-me, como vai correndo a noite?” (Is<br />

21,11). “Lentamente eu percebo no horizonte uma luz que vai se tornando mais intensa”— a resposta<br />

é sempre a mesma... “Mas responde-me outra coisa, sentinela: Quanto tempo levará esta luz para<br />

iluminar o horizonte inteiro?” E a resposta é: “‘Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco…’<br />

Rezemos para que Nossa Senhora intervenha, porque de repente a luz começa a brilhar mais.”<br />

Esse é o drama da espera profética, é o sangue, a incógnita, o peso e a beleza de nossa vida, porque<br />

é a cruz de nossa vida!<br />

Tenho a impressão de que os católicos nas catacumbas sabiam também que um dia a Igreja sairia<br />

dos subterrâneos. Entretanto, havia as perseguições. Depois de dias de intervalo e de quietude: “Será<br />

a hora?” Sai-se das catacumbas, está reinando Calígula... Voltam para dentro, nova perseguição!<br />

Um belo dia, está reinando Constantino...<br />

A saída da Igreja de dentro das catacumbas tem todas as glórias da Ressurreição de Cristo. Os fiéis<br />

levando seus objetos de culto de dentro das catacumbas, relíquias de mártires, etc., e começando<br />

a se instalar à luz do dia; imaginem o aspecto pascal deste fato, a beleza disto!<br />

Também de nós Deus quer que estejamos certos de que o dia d’Ele virá em nossos dias, mas virá<br />

muito inopinadamente.<br />

1) Excertos de conferências de 25/7/1968, 18/9/1972 e 22/7/1973.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

Francisco Lecaros<br />

Nossa Senhora do Amparo - Igreja de<br />

Santo Estêvão, Plasencia, Espanha<br />

Súplica a Nossa<br />

Senhora do Amparo<br />

ÓSanta Senhora do Amparo, ponde em minha alma, totalmente carecedora de méritos<br />

e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente<br />

durante a vida inteira. Uma graça que faça desta confiança cega o caminho pelo<br />

qual ele realize sua vocação, e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.<br />

Vós bem sabeis que incontáveis vezes este escravo Vos será infiel. Ponde, porém, na alma de<br />

vosso escravo a convicção de que, de antemão, lhe perdoastes tudo, já perdoastes até o inimaginável,<br />

e de que depois de cada miséria Vós abrireis para este escravo as portas de uma misericórdia<br />

nova, mais suave, mais rica e mais insondável do que a anterior. Assim seja.<br />

(Composta em 4/9/1970)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Seriedade florida<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Dona Lucilia foi a pessoa mais séria que<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> conheceu em sua vida. Espírito<br />

muito profundo que ligava habitualmente<br />

todas as coisas às mais altas considerações.<br />

Ao mesmo tempo, ela possuía uma amenidade,<br />

uma doçura e uma sadia alegria de existir,<br />

mesmo nas ocasiões mais dramáticas.<br />

M<br />

inha formação contrarrevolucionária<br />

eu devo<br />

fundamentalmente ao<br />

convívio com mamãe.<br />

Mais ao convívio com ela do que<br />

a princípios abstratos ensinados<br />

por ela. Dona Lucilia não era uma<br />

doutora em Filosofia, mas uma dona<br />

de casa, e sabia o que comumente<br />

uma dona de casa sabe. Não possuía<br />

esses conhecimentos abstratos;<br />

e nem eu gostaria muito que tivesse.<br />

Eu venero esses princípios abstratos,<br />

faço deles o ar de minha alma,<br />

mas convêm mais ao varão do<br />

que à dama.<br />

Aprendi com ela uma coisa diferente<br />

e que eu não sei ensinar; ela<br />

soube e eu não sei. É a seriedade<br />

florida. Ela foi a pessoa mais séria<br />

que conheci em minha vida. Espírito<br />

muito profundo que habitualmen-<br />

6


te ligava todas as coisas às mais altas<br />

considerações.<br />

E por causa disso com uma integridade<br />

de julgamento moral muito<br />

grande e, portanto, recusando o que<br />

deve ser recusado. Mas com isso,<br />

uma amenidade, uma doçura, e via-<br />

-se que a seriedade colocava dentro<br />

dela um ambiente tão agradável, tão<br />

perfumado, tão cheio de uma sadia<br />

alegria de existir, mesmo nas ocasiões<br />

mais terríveis, mais dramáticas<br />

em que eu a vi. Observando sua alegria<br />

sadia de existir, compreendi nela<br />

experimentalmente que a seriedade<br />

é a única fonte da verdadeira felicidade.<br />

Por aí veio o resto.<br />

No Quadrinho 1 , isso se vê. Poder-<br />

-se-ia escrever embaixo: “Seriedade<br />

florida!”<br />

Aos 92 anos, quando mais nada<br />

floresce e tudo fala da sepultura, havia<br />

qualquer coisa nela de ameno, de<br />

deleitável, que não deixou de me encantar<br />

até o último instante de sua<br />

vida.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

27/8/1983)<br />

1) Quadro a óleo, que muito agradou a<br />

<strong>Dr</strong> . <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />

discípulos, com base nas últimas fotografias<br />

de Dona Lucilia . Ver <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n . 119, p . 6-9 .<br />

7


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Gustavo Kralj<br />

Reino de Maria e<br />

patriarcalidade<br />

Ao longo de toda sua vida, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> desejou<br />

ardentemente o Reino de Maria, e tudo<br />

que ele fazia tinha como fim último sua<br />

implantação. Nesta conferência, afirma<br />

ele que as instituições do Reino de Maria<br />

deverão guardar o espírito, a mentalidade dos<br />

que deram o impulso inicial, porque sem isso<br />

não se chegará à perfeição suprema.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Pediram-me para falar a respeito<br />

do Reino de Maria e<br />

da patriarcalidade nele. Como<br />

nascerá o Reino de Maria? O<br />

que tem que ver com isso a patriarcalidade?<br />

As melhores coisas o<br />

homem, muitas vezes,<br />

faz sem planejar<br />

Quando eu era jovem, uma vez ou<br />

outra, tentei traçar para mim mesmo<br />

o quadro do Reino de Maria. Eu<br />

não achava compreensível o seguinte:<br />

como há uma coisa a qual eu deseje<br />

tanto e que não seja capaz de retraçar,<br />

de definir. Se quero, sei definir.<br />

Se não sei definir é porque não<br />

sei o que estou querendo; então, sou<br />

um bobo. Parece um raciocínio muito<br />

cogente, que aperta bem.<br />

Entretanto, o raciocínio apertante<br />

é uma coisa, e o raciocínio quadrado<br />

é outra; este não aperta. O raciocínio<br />

verdadeiramente bem feito pode<br />

agarrar um homem, mas sem deixar<br />

nele nada de contundido. Pelo<br />

contrário, o raciocínio, como esse<br />

que fiz há pouco, deixa o interlocutor<br />

sem ter o que dizer; mas é apenas<br />

porque ele é jovem, inexperiente,<br />

por qualquer outro motivo; se ele<br />

pensasse bem, veria que o raciocínio<br />

procede de um lado errado. E, procedendo<br />

de um aspecto errado, ele<br />

todo sai trocado. E nada pior do que<br />

apertar na base do trocado, do errado.<br />

Seria mais ou menos como usar<br />

um sapato torto. Andar com isso é<br />

um tormento, não se anda.<br />

Vendo como começou a nascer a<br />

Idade Média, não tardei em perceber<br />

que ela não teve planejadores.<br />

8<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em outubro de 1988.<br />

Acima, Sainte-Chapelle - Paris, França


Antonio Lutiane<br />

Pórtico da Catedral de<br />

Colônia, Alemanha<br />

E a sociedade patriarcal ninguém a<br />

planejou, ela se fez, simplesmente. O<br />

que quer dizer que as melhores coisas<br />

o homem, muitas vezes, tem feito<br />

sem plano.<br />

Seria porque é um tonto incapaz<br />

de planejar? Não. É que a ação dele<br />

vem de uma ordem mais profunda<br />

do que a mera ordem do pensamento.<br />

É uma ordem das tendências virtuosas,<br />

em que a boa disposição do<br />

senso do ser, do senso católico, a conaturalidade<br />

com a virtude, vão fazendo<br />

com que do homem emanem<br />

hábitos, gestos, costumes; pouco depois,<br />

sistemas de arte, estilos de vida,<br />

instituições políticas, sociais, etc., as<br />

quais florescem a partir do chão sem<br />

que seja necessário planejar.<br />

A razão deve controlar o que vai<br />

nascendo para evitar as coisas tortas<br />

tão frequentes na natureza. Controlar,<br />

sim; planejar, não. Deixa-se ir fazendo<br />

e vai-se controlando e interpretando<br />

aquele impulso inicial que<br />

vai saindo, para onde ele tende, como<br />

ele é; explicá-lo aos nossos próprios<br />

olhos e saber com isto desenvolver<br />

aquilo. Assim é que verdadeiramente<br />

se fazem as coisas que tomam<br />

sentido.<br />

Consequências da<br />

civilização mecânica<br />

Se isto está claro, ponho o princípio:<br />

o Reino de Maria será assim!<br />

Quer dizer, quando eu, na exposição<br />

anterior, falava do patriarca, que<br />

levantava antes de todo mundo, via<br />

as tendas armadas no campo e o dia<br />

que começava a amanhecer, e o patriarca<br />

de longa túnica branca com<br />

um bastão na mão e uma espécie de<br />

olifante, que ele soava com o seu toque;<br />

aos poucos as tendas se movimentavam,<br />

a gente ia saindo, etc., a<br />

vida vinha emergindo do sono e se<br />

mostrando à luz do dia. O patriarca<br />

nunca pensou: “Farei tais tendas<br />

e vou arranjar uma corneta com um<br />

chifre furado, pois ficará bonito de<br />

manhã, e tomarei uma atitude bonita,<br />

vou pegar um bastão grande e<br />

levantá-lo para o horizonte…” Não.<br />

Se ele fizer assim, sai errado…<br />

Quando as inteligências estão bem<br />

ordenadas e os instintos, as tendências,<br />

pulsam de acordo com a virtude,<br />

as coisas vão saindo maravilhosas<br />

naturalmente. De maneira que, para<br />

nós termos uma ideia de como será<br />

o Reino de Maria, deveríamos indagar<br />

como será a virtude, como serão<br />

as inteligências no Reino de Maria,<br />

para nos perguntarmos, vagamente, o<br />

9


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

que dali poderia nascer. Nessas condições,<br />

poderemos ter uma ideia do<br />

que o Reino de Maria será.<br />

O homem contemporâneo está<br />

habituado a uma civilização mecânica<br />

que trepida com toda a vibração<br />

da máquina e tem velocidades muito<br />

superiores à do ser humano; e sente,<br />

desde pequeno, todos seus instintos<br />

ajustados a isso. A consequência<br />

é que o desejo da velocidade, do movimento,<br />

do inopinado, do barulho,<br />

cresce muito mais do que normalmente<br />

cresceria numa época de tranquilidade<br />

e de reflexão.<br />

Qual é, por sua vez, o resultado<br />

disso? É uma espécie de hipertrofia<br />

de exagero, de excesso, que se dá até<br />

na fantasia. A fantasia, quando começa<br />

a imaginar as coisas, representa-as<br />

passando depressa e quer que<br />

os quadros passem rápido. O espírito<br />

vive correndo e, quando deseja fazer<br />

uma coisa devagar, não se ajusta.<br />

Por quê? Porque está habituado ao<br />

corre-corre.<br />

É preciso acrescentar que é fora<br />

de dúvida que essa efervescência assim<br />

é latina.<br />

Posso falar bem à vontade porque<br />

sou latino. É uma efervescência latina<br />

a cem por cento, e não se sabe em<br />

qual dos dois veios americanos da<br />

raça latina é maior: se no veio hispano<br />

ou no luso. No veio hispano, essa<br />

efervescência se dá em movimento:<br />

é preciso gritar, falar, etc. No veio<br />

brasileiro, luso, se dá com algo disso,<br />

mas é necessário, sobretudo, cutucar,<br />

dizer uma coisa… O belisca-belisca,<br />

o cutuca-cutuca, um diz para o<br />

outro, outro diz para um terceiro, o<br />

fala-fala, o mexe-mexe um com o outro<br />

são incessantes.<br />

Compreendo muito bem que isto<br />

cause surpresa aos não latinos, porque<br />

não é só a raça — acho que o fator raça<br />

não tem muita importância no caso<br />

—, mas o ritmo da vitalidade, a tradição,<br />

os hábitos nos povos anglo-saxões<br />

e germânicos são completamente diferentes<br />

e a demarragem é outra.<br />

O brasileiro e o latino em geral<br />

demarram num pulo. O alemão ou<br />

o anglo-saxão precisa passar por várias<br />

velocidades antes de demarrar.<br />

Tudo isso é a vivacidade própria<br />

à raça, à tradição, aos costumes, etc.<br />

Mas não há alguma coisa da velocidade<br />

da máquina dentro disso? Algo<br />

de excitação da civilização mecânica<br />

com tudo quanto ela apresenta<br />

de alucinante, de corre-corre, etc.?<br />

No fundo, há apenas um hábito, ou<br />

também um vício? É uma pergunta<br />

que se pode fazer.<br />

Grand Retour: graça<br />

que descerá e mudará<br />

completamente os homens<br />

Com o Grand Retour 1 as mentalidades<br />

devem ser reformadas até o<br />

fundo, pela graça do Divino Espírito<br />

Santo. E sem que as nações percam<br />

as suas boas características, elas, em<br />

alguma medida pelo menos, devem<br />

ser libertadas dos seus maus hábitos<br />

e de suas más tendências. Alguma<br />

coisa fica, porque o homem tem que<br />

lutar contra seus maus hábitos e más<br />

tendências. A vida é uma luta.<br />

E não vai ser feita uma vida<br />

fácil no Reino de Maria. Se fosse<br />

fácil, não valeria nada. Não tenham<br />

ilusão de que o Reino de<br />

Maria vai ser um pirão. Isso não<br />

valeria dois caracóis. O Reino de<br />

Maria deve ser da vida dura, mas<br />

com a alma forte para levar a<br />

vida adiante! Com sacrifício, é<br />

evidente. Porém com um amor<br />

ao sacrifício, uma compreensão<br />

da ascese, do reto, do calmo,<br />

do tranquilo, e uma seriedade<br />

que não é a de um campo<br />

de concentração.<br />

Não é uma seriedade<br />

parecida com nada do<br />

século XX; é aquela superior<br />

seriedade que se<br />

sentia tomando contato<br />

com Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo: transcendente.<br />

Ele, de Quem o Evangelho não conta<br />

uma só vez que fosse visto rindo.<br />

E no Reino de Maria se rirá. Não vai<br />

ser uma era sem riso, mas ficará indicado<br />

que esse riso nunca romperá<br />

a seriedade. E será estabelecido um<br />

equilíbrio de alma que, sem eliminar<br />

o que tem de bom e de necessário na<br />

alegria, saberá distinguir palhaçada e<br />

comicidade de um lado, e alegria e riso<br />

da alegria de outro lado, como coisas<br />

fundamentalmente diversas.<br />

Analisando o Novo Testamento,<br />

encontramos todas as fragilidades dos<br />

Apóstolos. Nosso Senhor ressuscitou<br />

e apareceu para eles, mas as fragilidades<br />

não desapareceram. Pelo contrário,<br />

continuaram a dar mostras até o<br />

momento em que, estando no Cená-<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

10<br />

Cristo Rei


Sergio Hollmann<br />

Pentecostes - Catedral de Valência, Espanha<br />

culo em oração com Nossa Senhora —<br />

Ianua Cœli, Ela é Porta do Céu —, a<br />

porta se abriu e passou o Espírito Santo:<br />

uma língua de fogo rica, opulenta,<br />

desceu sobre a Virgem Santíssima e<br />

depois se espalhou por todos os Apóstolos.<br />

E pela ação do Espírito Santo ficaram<br />

outros homens.<br />

E eles que eram tímidos, inibidos,<br />

sofriam de uma espécie de sensação<br />

de inferioridade diante da civilização<br />

judaica, da civilização greco-latina,<br />

etc., que se encontravam em Jerusalém<br />

e tinham todos os defeitos que<br />

se conhecem, eles saíram outros. Foram<br />

para a praça e começaram imediatamente<br />

a pregar, com tanto calor<br />

e com tanta eficácia, que as conversões<br />

se faziam aos montes.<br />

E os Apóstolos pregando coisas<br />

lucidíssimas e admiráveis, entretanto<br />

alguns diziam que eles estavam<br />

ébrios, porque falavam em todas<br />

as línguas. E cada um entendia<br />

na própria língua. Quer dizer, o seu<br />

horizonte mental se abriu e tudo foi<br />

outra coisa. A ação da graça entrou<br />

até o fundo de suas almas e os alterou.<br />

Daí começou a nascer, sem planejamento<br />

— Nosso Senhor deu os<br />

princípios fundamentais e os traços<br />

essenciais da estrutura —, a Santa<br />

Igreja Católica Apostólica Romana,<br />

que deu nesta maravilha a qual a<br />

tristeza dos dias de hoje não conseguiu<br />

destruir.<br />

O Grand Retour naturalmente<br />

não será um fenômeno com a densidade<br />

da vinda do Espírito Santo sobre<br />

os Apóstolos, mas um fenômeno<br />

nesse gênero: alguma graça que<br />

descerá e mudará completamente os<br />

homens. A partir daí um mundo começará<br />

a nascer.<br />

E, por causa disso, as nossas almas<br />

melhor se preparam para o Reino<br />

de Maria, vendo o que há de ruim<br />

atualmente, do que prevendo o que<br />

vem de bom, porque por aí nós nos<br />

preparamos para conhecer e admirar<br />

o que virá.<br />

Do impulso inicial à<br />

perfeição suprema<br />

Por isso, nós poderíamos tomar a<br />

ponta do que falei a respeito do Patriarcado<br />

e nos perguntar o seguinte:<br />

se o Patriarcado é apenas algo pastoril,<br />

aquela situação primitiva de pastores<br />

que vão se transformando num<br />

Estado, num país, numa nação, mas<br />

não são Estado, nem nação, nem sequer<br />

ainda cidade — este foi o quadro<br />

que eu tracei —, se o Patriarcado<br />

é somente isso, qual é a aplicabilidade<br />

dele num país inteiramente<br />

constituído, que tenha chefe de Estado,<br />

organização, ordem, civilização,<br />

progresso?<br />

Era preciso tomar a noção de Patriarcado<br />

no que ela tem de mais<br />

profundo. Em outra conferência, falei<br />

do bulbo ou do elemento inicial<br />

do cedro do Líbano, ou de qualquer<br />

outro vegetal, que contém em si toda<br />

a planta e tem isto de augusto: é algo<br />

no qual a coisa enorme já está contida<br />

e que, no cedro do Líbano, por<br />

exemplo, dorme uma árvore dentro<br />

daquela bolota, em geral feia; não há<br />

raiz bonita.<br />

Lembro-me de que usei esta metáfora:<br />

se o cedro fosse capaz de<br />

uma intelecção, e pegássemos do<br />

fundo da terra o bulbo que está no<br />

cedro, mas do qual ele não vive mais<br />

11


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Guillermo Asurmendi<br />

Santa Maria dos Anjos (a Porciúncula) - Assis, Itália<br />

sa capelinha, em certo sentido, está<br />

nas nascentes da Ordem Franciscana,<br />

que depois deitou raízes e galhos pelo<br />

mundo esplendidamente: torrentes de<br />

santos, obras de piedade, de apostolado<br />

e de tudo, de todo tamanho e de todo<br />

jeito, através dos séculos.<br />

O que fizeram os franciscanos?<br />

Construíram uma basílica enorme naquele<br />

lugar, mas não destruíram a capelinha,<br />

que ficou guardada, protegida<br />

na sua velhice pela força da basílica<br />

nova. Ela existe inteirinha, com telhado<br />

e tudo, dentro da própria basílica.<br />

É claro que as pessoas, quando querem<br />

rezar em condições de receber a<br />

graça mais preciosa do franciscanismo,<br />

procuram orar na capelinha. A capelinha<br />

é o bulbo. Ali a Ordem Franciscana<br />

tem seu cedro, o qual protege,<br />

com sua massa, o bulbo precioso.<br />

Seria ridículo que os franciscanos<br />

pensassem: “Nossa Ordem é tão<br />

porque deitou raízes opulentas e vive<br />

de si, e o puséssemos numa mesinha,<br />

perto do cedro, este, que não se<br />

curva diante de nada, nem das tempestades,<br />

diante do bulbo se curvaria:<br />

“Tu és minha causa, por isso há<br />

em ti uma ciência, uma sabedoria da<br />

qual eu nasci, uma forma qualquer<br />

de conhecimento, que levarei dezenas<br />

de anos ou séculos para adquirir.<br />

Aconselha-me, eu te reverencio!”<br />

A civilização patriarcal leva-nos a<br />

não só ver esse nexo na vida de família,<br />

mas também a ter um grande respeito<br />

e um grande senso de continuidade<br />

de tudo em relação às suas próprias<br />

nascentes. E este é um ponto<br />

muito importante, de maneira tal que,<br />

por exemplo, em Assis, há uma igrejinha<br />

— acho que é de Nossa Senhora<br />

dos Anjos da Porciúncula — que é<br />

uma capelinha na qual, antes de tudo,<br />

São Francisco de Assis esteve. Esgrande,<br />

fica feio que tenha nascido<br />

de uma capelinha tão pequena e tão<br />

simples…” Seria mau espírito, uma<br />

coisa tão horrível que não vale a pena<br />

imaginar. Pelo contrário, devem<br />

dizer: “Olha, ela é tão pequenina,<br />

mas continha, como no seu bulbo,<br />

tudo quanto está aí pelo mundo.”<br />

Isto deveria levar todas as instituições<br />

a proteger todo o seu passado,<br />

e, portanto, a preservar com respeito<br />

e com veneração tudo aquilo de que<br />

provêm. Não só fisicamente tal objeto,<br />

tal monumento ou tal coisa, mas<br />

a guardar o espírito, a mentalidade<br />

dos primeiros que deram o primeiro<br />

impulso, porque sem essa inspiração<br />

do impulso inicial é difícil chegar-se<br />

ao fim último, à perfeição suprema.<br />

Malefícios da falta do<br />

senso de patriarcalidade<br />

Então, dou um exemplo lamentável.<br />

A cidade de São Paulo — não a<br />

São Paulinho de meu tempo de menino,<br />

mas a São Paulinho microscópica,<br />

da época de Anchieta — formou-se<br />

no centro, no chamado Pátio<br />

do Colégio. E ali Anchieta construiu<br />

com taipa — é o material de construção<br />

mais modesto que há e muito<br />

adequado ao nosso clima, porque ele<br />

guarda o calor nos dias frios e o frio<br />

nos dias quentes — uma capelinha<br />

minúscula, primitiva, onde os jesuítas<br />

foram pondo as suas primeiras imagens,<br />

etc., e na qual os índios iam rezar,<br />

dirigidos pelos padres dos quais<br />

alguns, dentro de mais algum tempo,<br />

iam ser mártires, portanto estar em<br />

condições de ser canonizados.<br />

Um dos governos do Estado de<br />

São Paulo mandou arrasar essa capelinha,<br />

derrubando todas essas tradições.<br />

Razão, superficial, mas inaceitável,<br />

é que a capelinha era muito<br />

feinha, feita de taipa e não representava<br />

o progresso que São Paulo moderno<br />

devia representar.<br />

Primeiro derrubaram com o consentimento<br />

da maioria; passado o<br />

12


frenesi, veio a reflexão e com esta<br />

uma sensação da besteira feita, do<br />

crime cometido: não deveria ter sido<br />

destruída.<br />

Isso maturou, maturou e pouco<br />

antes do IV centenário, ou algo assim,<br />

todo mundo em São Paulo pediu<br />

para se construir ali o fac simile<br />

completo da capela. Está construído,<br />

mas já não é o original.<br />

Quer dizer, essas reconstruções<br />

servem como ato de reparação, são<br />

úteis didaticamente para que as gerações<br />

novas tenham uma ideia de<br />

como foi, mas a coisa está destruída,<br />

e não se recompõe. É evidente.<br />

Isto é falta, neste sentido da palavra,<br />

do senso de patriarcalidade, por<br />

onde a cidade de São Paulo se prendia<br />

às suas raízes e adquiria daí, no<br />

plano sobrenatural — uma vez que<br />

se tratava de uma igreja católica —,<br />

mas também no plano cultural, no<br />

natural, elementos psicológicos para<br />

chegar ao termo de sua formação, de<br />

seu desenvolvimento; isto desaparecia.<br />

E com este desaparecimento, a<br />

cidade levava um golpe.<br />

Ora, se consideramos as cidades<br />

modernas, sobretudo aqui na América,<br />

notamos serem feitas, em geral,<br />

na base de destruição de coisas dessas,<br />

e de construção de coisas novas,<br />

com ruptura da tradição patriarcal.<br />

Algo que se dá frequentemente,<br />

por exemplo, nas grandes cidades da<br />

América Latina — no Sul dos Estados<br />

Unidos, que é mais tradicional,<br />

talvez seja mais raro, no Norte talvez<br />

seja mais frequente, não tenho ideia;<br />

no Canadá também não sei dizer —<br />

é o seguinte.<br />

Constrói-se um bairro que representa<br />

o apogeu de uma determinada<br />

classe, de uma mentalidade, de um<br />

determinado modo de ser, com base<br />

numa situação socioeconômica. Por<br />

exemplo, em São Paulo, o bairro dos<br />

Campos Elíseos, depois o de Higienópolis,<br />

construídos na época da riqueza<br />

do café, etc., em que o café era a coluna<br />

da grandeza econômica do Brasil.<br />

Em determinado momento, cria-<br />

-se um bairro novo, por exemplo,<br />

nos Jardins. Então, as residências<br />

antigas são abandonadas sem razão,<br />

pelo frenesi de construir uma casa<br />

no estilo novo. E o bairro antigo,<br />

com suas mansões, sua dignidade,<br />

ou é destruído para dar lugar a casas<br />

modernas de quinta categoria, ou<br />

naquelas mansões vai viver a degradação:<br />

ficam transformadas em cortiços,<br />

quando não em casas de prostituição.<br />

Falta de patriarcalidade.<br />

A velha Faculdade de Direito de<br />

São Paulo era o convento antigo dos<br />

franciscanos, todo ele cheio de tradi-<br />

ção do tempo dos franciscanos e do<br />

tempo posterior; tradição que muitas<br />

vezes não era de nenhum modo a<br />

nossa. Essa faculdade foi arrasada em<br />

determinado momento, e foi construído<br />

aquilo que está lá. Não tem tradição<br />

nenhuma. Perdeu-se a continuidade.<br />

Mas perdendo-se certas continuidades,<br />

algo do espírito se perde.<br />

Há no mundo moderno mil contrapatriarcalidades<br />

dessas, que são o<br />

contrário da continuação tradicional<br />

do Reino de Maria.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

4/1/1986)<br />

1) Do francês: Grande retorno. No início<br />

da década de 1940, houve na<br />

França extraordinário incremento do<br />

espírito religioso, quando das peregrinações<br />

de quatro imagens de Nossa<br />

Senhora de Boulogne. Tal movimento<br />

espiritual foi denominado de “grand<br />

retour”, para indicar o imenso retorno<br />

daquele país a seu antigo e autêntico<br />

fervor, então esmaecido. Ao tomar<br />

conhecimento desses fatos, <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> começou a empregar a expressão<br />

“grand retour” no sentido não<br />

só de “grande retorno”, mas de uma<br />

torrente avassaladora de graças que,<br />

através da Virgem Santíssima, Deus<br />

concederá ao mundo para a implantação<br />

do Reino de Maria.<br />

The Photographer (CC3.0)<br />

Pátio do Colégio, São Paulo, Brasil<br />

13


De Maria nunquam satis<br />

Fátima e Nossa<br />

Senhora do Carmo<br />

Timothy Ring<br />

Em Fátima, a Virgem Maria também<br />

apareceu com as características de Nossa<br />

Senhora do Carmo. Que relação existe<br />

entre a mensagem de Fátima e a Ordem do<br />

Carmo? Essa questão é abordada por <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong>, com base no texto de uma revelação<br />

recebida por Santa Teresa de Ávila.<br />

Gostaria de apresentar alguns<br />

traços da revelação de Fátima<br />

que a diferenciam de<br />

outras revelações anteriores.<br />

Castigo por causa<br />

da imoralidade e da<br />

irreligião dos povos<br />

Eis um traço muito curioso: é a<br />

única revelação que conheço, de tal<br />

maneira admitida, aceita e acatada<br />

em meios católicos e até pela hierarquia<br />

eclesiástica, a qual trata não só<br />

de um tema moral — porque isso é<br />

frequente em várias revelações —,<br />

mas tira derivações desse tema moral<br />

para o campo político, numa ilação<br />

que tem muito de comum com a<br />

doutrina que posteriormente tentamos<br />

expor no livro Revolução e Contra-Revolução.<br />

O plano de ideias que Nossa Senhora<br />

apresenta para os homens é<br />

que há uma crise moral prodigiosa,<br />

a qual é, no fundo, uma crise religiosa;<br />

e essa crise religiosa e moral vai<br />

desembocar numa catástrofe política.<br />

Essa catástrofe política que Ela<br />

profetiza qual vai ser? A Rússia espalhará<br />

seus erros por toda a Terra.<br />

É um castigo por causa da imoralida-<br />

14<br />

Divulgação (CC3.0)


Francisco Lecaros<br />

de e da irreligião dos povos. Quer dizer,<br />

há um nítido conteúdo político.<br />

Outro aspecto curioso que não<br />

encontrei ainda em nenhuma outra<br />

revelação — não digo que não houve,<br />

pois não pretendo ter conhecido<br />

todas —: Nossa Senhora Se mostra<br />

em três invocações sucessivas: com<br />

as características de Nossa Senhora<br />

de Fátima, mas também como o<br />

Imaculado Coração de Maria e como<br />

Nossa Senhora do Carmo.<br />

Por que essas invocações? Encontramos<br />

fundamento para isso na própria<br />

revelação. Ela declara o seguinte:<br />

“Por fim, o meu Imaculado Coração<br />

triunfará.” O que quer dizer<br />

que Ela quer ter um triunfo que vai<br />

ser uma enorme efusão de graças,<br />

porque o coração aí significa a bondade<br />

e a vontade, e o triunfo d’Ela<br />

vai se realizar depois de um castigo<br />

tremendo, por uma efusão de graças<br />

enorme. É o Reino do Coração<br />

d’Ela que Maria Santíssima anuncia.<br />

Por causa disso, Ela como que referenda<br />

a devoção ao Imaculado Coração<br />

de Maria, apresentando-Se<br />

com essas características numa de<br />

suas visões. É para se compreender,<br />

para dar um estímulo à devoção ao<br />

Imaculado Coração de Maria.<br />

Isto é muito menos claro. Que<br />

relação tem a invocação do Carmo<br />

com os tempos vindouros, em que<br />

seu Coração vai triunfar? Há alguma<br />

tarefa, alguma missão do Carmo<br />

dentro disso?<br />

Essa pergunta nos interessa muito,<br />

tomando em consideração que quase<br />

todos nós somos terceiros carmelitas<br />

1 . Há revelações muito<br />

impressionantes feitas<br />

a Santa Teresa de<br />

Timothy Ring<br />

Uma Ordem religiosa<br />

nos últimos tempos<br />

Mas por que Ela Se apresenta como<br />

Nossa Senhora do Carmo numa<br />

das aparições?<br />

Cenas da revolução<br />

comunista na Rússia<br />

15


De Maria nunquam satis<br />

Francisco Lecaros<br />

Jesus, que se encontram nas boas biografias<br />

desta Santa carmelita, e que<br />

dizem algo a esse respeito. São os parágrafos<br />

12, 13, 14 e 15 das obras de<br />

Santa Teresa de Jesus, tomo I, Livro<br />

da Vida, capítulo 40. É algo oficial e<br />

documentado.<br />

Parágrafo 12:<br />

Fazendo uma vez oração com muito<br />

recolhimento, suavidade e paz, parecia-me<br />

estar rodeada de Anjos e muito<br />

perto de Deus. Comecei a suplicar a<br />

Sua Majestade pela Igreja. Foi-me, então,<br />

dado a entender o grande proveito<br />

que havia de fazer uma Ordem nos últimos<br />

tempos, e com que fortaleza seus<br />

filhos haviam de sustentar a Fé.<br />

Uma Ordem que, como veremos,<br />

parece ser a própria Ordem do Carmo,<br />

à qual Santa Teresa pertencia<br />

e que por prudência e modéstia ela<br />

não queria mencionar. Haveria um<br />

tempo em que a Ordem do Carmo<br />

teria filhos que lutariam pela ortodoxia<br />

com muito denodo.<br />

Parágrafo 13:<br />

Quando certa ocasião rezava junto<br />

ao Santíssimo Sacramento, apareceu-<br />

-me um Santo cuja Ordem esteve um<br />

tanto decaída.<br />

Ela era exatamente a reformadora<br />

da Ordem do Carmo, que estivera<br />

muito decaída.<br />

Tinha nas mãos um grande livro.<br />

Abriu-o e deu-me a ler as seguintes<br />

palavras escritas em letras grandes e<br />

muito inteligíveis: Nos tempos vindouros,<br />

florescerá essa Ordem, haverá<br />

muitos mártires.<br />

Então, é um incremento de luta<br />

pela ortodoxia, martírio e florescimento<br />

dessa Ordem.<br />

Religiosos com<br />

espadas nas mãos<br />

Parágrafo 14:<br />

Outra vez, durante Matinas, no<br />

Coro, vi diante de meus olhos<br />

seis ou sete religiosos dessa<br />

Ordem, com espadas<br />

nas mãos.<br />

Notem que<br />

se tratam de<br />

espadas, símbolo<br />

da luta.<br />

Significava isso, penso,<br />

que hão de defender<br />

a Fé, porque mais tarde,<br />

estando em oração, fui arrebatada<br />

em espírito e pareceu-me<br />

estar num vasto<br />

campo onde lutavam<br />

muitos combatentes e<br />

os desta Ordem pelejavam<br />

com grande<br />

fervor; tinham os rostos formosos e<br />

muito incendidos. Venciam deitando<br />

por terra numerosos inimigos e matando<br />

outros. Tive a impressão de que a<br />

batalha era contra hereges.<br />

Parágrafo 15:<br />

Ao glorioso Santo de que falei acima,<br />

tenho visto várias vezes. Tem me<br />

dito diversas coisas, agradecendo a<br />

oração que faço por sua Ordem e prometendo<br />

encomendar-me ao Senhor.<br />

Não assinalo a Ordem para que não<br />

se desagradem as demais. O Senhor<br />

declarará os nomes, se for servido que<br />

se saibam. Cada Ordem, ou cada um<br />

de seus membros deveria esforçar-se<br />

para que, por seu meio, fizesse o Senhor<br />

tão ditosa sua religião que em<br />

tão grande necessidade, como agora<br />

tem a Igreja, pudesse servir. Felizes as<br />

vidas que se sacrificarem por tão nobres<br />

causas.<br />

Vemos aqui mencionar uma Ordem,<br />

provavelmente a do Carmo,<br />

que terá uma grande batalha pela<br />

Fé nos tempos futuros. Ora, até esse<br />

momento, não chegou essa batalha;<br />

a Ordem do Carmo não fez isto<br />

até agora.<br />

E Nossa Senhora nos fala, precisamente,<br />

de grandes perseguições,<br />

de grandes lutas, de grandes martírios<br />

na revelação de Fátima.<br />

E ali a Santíssima Virgem Se mostra<br />

com as características de Nossa<br />

Senhora do Carmo. Parece haver entre<br />

tudo isso uma relação para a qual<br />

eu chamo a atenção a fim de prezarmos<br />

cada vez mais nossa condição de<br />

irmãos da Ordem Terceira do Carmo,<br />

e compreendermos o que há de<br />

providencial nessa pertencença à família<br />

carmelitana.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

13/5/1965)<br />

1) <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> e os mais antigos membros<br />

do Movimento por ele fundado pertenciam<br />

ao Sodalício Flos Carmeli, da<br />

Basílica Nossa Senhora do Carmo,<br />

em São Paulo.<br />

16<br />

Santa Teresa de Jesus - Museu de<br />

São João da Cruz, Úbeda, Espanha


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Certeza da vitória<br />

Géder Abrahão (CC3.0)<br />

Diante da infestação diabólica espalhada pelo mundo<br />

inteiro, sussurrando aos homens que se dobrem diante de<br />

todo tipo de mal, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> proclama a certeza da vitória<br />

de Nossa Senhora e da Santa Igreja Católica.<br />

Francisco Lecaros<br />

N<br />

esta sessão 1 acabamos de<br />

ouvir o nosso coro, por<br />

meio de harmonias, exaltar<br />

a alegria dos participantes com o<br />

cântico Alle Psalite, invocar o auxílio<br />

de Nossa Senhora com a Ave Maria,<br />

lembrar páginas das mais sombrias<br />

da Escritura, entoando uma das lamentações<br />

do Profeta Jeremias que<br />

diz respeito ao abandono do Salvador<br />

pelo povo que Ele veio remir, e<br />

queria conduzir ao auge do esplendor,<br />

da glória e da santidade; e fazer<br />

uma evocação ainda mais lúgubre do<br />

filho das trevas por excelência, do<br />

mercador péssimo que por trinta dinheiros<br />

traiu o seu Mestre.<br />

Propósito inquebrantável<br />

de não recuar<br />

Judas devolve as 30 moedas - Mosteiro de<br />

San Millan de la Cogolla, La Rioja, Espanha<br />

Esta consonância ou dissonância<br />

— como preferirem — de notas<br />

gloriosas e jubilosas, lúgubres e tristes,<br />

marca bem a tônica do momento<br />

em que tenho o prazer de vos dirigir<br />

a palavra.<br />

Momento em que, de um lado, reluz<br />

dentro da sala, com uma alegria<br />

que não hesito em chamar de sobrenatural;<br />

e de outro lado, se abríssemos<br />

as janelas e olhássemos para fora,<br />

veríamos estar o horizonte carregado<br />

de todas as nuvens que toldam<br />

o mundo contemporâneo. Nuvens<br />

que parecem ainda atrair mais e<br />

mais nuvens, até o momento supremo<br />

daquela catástrofe das catástrofes<br />

prenunciada por Nossa Senhora<br />

em Fátima, e que parece baixar sobre<br />

nós.<br />

Na hora precisa em que também<br />

sobre nós parecem baixar as nuvens<br />

cada vez mais escuras, cada vez mais<br />

densas e prontas em desatar-se em<br />

tempestade, nota-se um grande paradoxo<br />

— talvez o maior deste dia 16<br />

de julho, consagrado a Nossa Senhora<br />

do Carmo — que faz estremecer<br />

os corações retos:<br />

É a debilidade dos que deveriam<br />

combater, o recuo daqueles a quem<br />

competia avançar, e o temor dos<br />

bons diante deste estado de espírito<br />

de entrega, de defecção, que como<br />

uma infestação diabólica parece<br />

percorrer de ponta a ponta o mundo<br />

contemporâneo, sussurrando aos<br />

ouvidos prognósticos derrotistas,<br />

pondo-lhes diante dos olhos quadros<br />

17


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

nos numerosos são aqueles que defendem<br />

a boa causa, e quanto mais<br />

convictos estão do apoio de Nossa<br />

Senhora, mais eles estão próximos<br />

do momento de sua grande vitória.<br />

Porque, como disse um pensador<br />

do século XIX, quando Deus quer intervir<br />

nos acontecimentos humanos,<br />

Ele deixa todas as coisas tomarem o<br />

rumo como se tudo estivesse perdido<br />

e, num canto do tabuleiro, Ele põe<br />

alguns homens, alguns instrumentos<br />

débeis e fracos, mas necessários, para<br />

a realização de seu plano.<br />

Esses instrumentos Ele os move,<br />

faz caminhar, lhes dá força, os atira<br />

à luta, os conduz à vitória para que<br />

fique certo de que Deus respeita<br />

sempre os seus próprios métodos de<br />

ação. Mas Deus deixa claro que a vitória<br />

é d’Ele.<br />

Os métodos de ação de Deus<br />

consistem em que haja — como dizia<br />

Santo Agostinho —, nas coisas<br />

da Fé, bastante luz para que um<br />

homem reto, querendo crer, creia,<br />

e para que um homem ímpio, não<br />

querendo crer, possa não crer.<br />

Deus reserva assim a sua ação de<br />

tal maneira que o ímpio encontre<br />

meios de negá-Lo, e que o homem<br />

piedoso ache meios de aderir a Ele.<br />

E mesmo nas grandes crises da<br />

História, Deus não deixa de agir<br />

dessa maneira. O Altíssimo procede<br />

de forma que sua interferência seja<br />

clara, mas ao mesmo tempo não é<br />

evidente. É por isso que Ele escolhe<br />

instrumentos humanos.<br />

Deus os escolhe para que na<br />

aparência tenham feito alguma<br />

coisa, e Ele quer que esses homens<br />

realizem tudo quanto está<br />

em seu poder fazer. Mas ao mesmo<br />

tempo Ele os coloca diante de tais<br />

obstáculos que, tendo eles feito tudo<br />

quanto é humanamente possível,<br />

sem conseguir nada, Deus os move.<br />

Esses homens retos têm o instinto<br />

profético de que eles são instrumentos<br />

na mão de Deus. Sabem que<br />

diante deles as muralhas vão se abade<br />

uma derrota que não existe, para<br />

levá-los a uma entrega que será devida<br />

não à força do adversário, mas à<br />

própria fraqueza deles.<br />

No momento em que de tal maneira<br />

se enuncia a fraqueza dos fortes,<br />

Nossa Senhora determina que se<br />

anuncie a força dos fracos.<br />

Temos aqui jovens que, unidos no<br />

mesmo espírito, na mesma meta, nos<br />

mesmos métodos, na fidelidade ao<br />

mesmo estandarte, afirmam o seu propósito<br />

inquebrantável de não recuar<br />

diante de nada e de, aos pés de Nossa<br />

Senhora, prometerem ir até o último<br />

hausto de sua vida para defender esta<br />

Causa que tantos abandonam.<br />

Nesta sala, em que este propósito<br />

solene se exprime, não há tristeza,<br />

nem apreensão, mas um entusiasmo,<br />

um frêmito de certeza de antecipada<br />

vitória.<br />

Quanto mais o mal<br />

esteja vitorioso, mais<br />

ele se aproxima de sua<br />

própria derrota<br />

Qual é a razão do entusiasmo que<br />

aqui reina, e que nos faz ter a certeza<br />

de que venceremos? Qual é o fundamento<br />

deste pressentimento de que<br />

Maria Santíssima, que nos tem levado<br />

de vitória em vitória, de inverossímil<br />

em inverossímil, nos conduzirá à<br />

vitória final?<br />

No fundo, a certeza é dupla. Ela<br />

se baseia no mesmo princípio filosófico,<br />

que é o princípio axiológico<br />

2 . Esse princípio nos diz que Deus<br />

sendo bom, a ordem das coisas existentes<br />

é fundamentalmente boa e,<br />

portanto, no fundo, o mal não pode<br />

prevalecer, e o bem triunfará. E<br />

que quanto mais o mal está vitorioso,<br />

mais ele se aproxima de sua própria<br />

derrota.<br />

Quanto mais o mal parece esmagar<br />

aqueles que defendem o bem,<br />

tanto mais ele se precipita no abismo<br />

em que vai ser tragado. Quanto meter,<br />

os potentados vão cair, os ídolos<br />

vão ruir e que afinal de contas o plano<br />

de Deus se realizará.<br />

E é esta a alegria que nos anima<br />

aqui nesta noite. É esta certeza, que<br />

eu não hesitaria em chamar uma<br />

certeza profética, de que esta Causa,<br />

a qual, contra todas as vicissitudes,<br />

as perseguições, todos os ostracismos,<br />

conseguiu, pelo favor de Nossa<br />

Senhora, estender-se tanto será vitoriosa.<br />

Deus castiga as infidelidades<br />

Sergio Hollmann<br />

Lendo o livro impressionante<br />

que contém as cartas da Venerável<br />

Maria de Ágreda<br />

ao Rei Felipe IV da<br />

18<br />

Venerável Maria de Jesus<br />

de Ágreda - Diputación<br />

Provincial de Soria, Espanha


Espanha, vemos o zelo extraordinário<br />

com que a Providência assistia a<br />

nação espanhola. Ela recebia revelações<br />

de Deus e as comunicava ao<br />

Rei de Espanha ponto por ponto, a<br />

respeito do modo de dirigir a monarquia<br />

católica para a glória da causa<br />

da Igreja.<br />

Mas, ao mesmo tempo em que se<br />

leem as cartas e se veem os desígnios<br />

amorosos de Deus, percebemos<br />

que nas mãos do débil Felipe IV estava<br />

uma nação que, como sua irmã<br />

Portugal, se encontrava carregada de<br />

glórias, porém ao mesmo tempo caminhava<br />

para um declínio. Nessas<br />

cartas, ela conta que Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo lamenta o declínio da<br />

nação católica, da nação fidelíssima.<br />

Essas nações não seguiram à risca<br />

aquilo que Deus lhes mandou, e com<br />

isto — enquanto o mundo inteiro subia,<br />

e as outras nações da Europa se<br />

tornavam cada vez mais ricas e mais<br />

poderosas — foi possível armar a trama<br />

oculta que a política internacional<br />

organizou como uma verdadeira perseguição<br />

à Espanha e Portugal.<br />

De maneira que a Europa ficava<br />

cada vez mais poderosa, mas o Império<br />

espanhol e o Império luso se<br />

foram desagregando pouco a pouco,<br />

e se pode dizer que num mundo estimulado<br />

pelo mecanicismo, pelo capitalismo,<br />

muitas vezes pelo materialismo,<br />

que caminhava ao seu zênite,<br />

à margem dele, como uma zona<br />

de sombras, ficavam as nações de fala<br />

portuguesa e de fala hispânica.<br />

Espanha e Portugal não foram nações<br />

tão ricas quanto as outras da<br />

Europa, nos séculos XIX e XX. Muitos<br />

sorriram de Portugal e da Espanha,<br />

considerando que em última<br />

análise eram nações inferiores que<br />

não sabiam se afirmar.<br />

Esta inferioridade resultava em<br />

boa parte de infidelidade. Deus castiga,<br />

sobretudo nesta Terra, as infidelidades<br />

daqueles a quem Ele ama<br />

mais, porque deseja pelo castigo regenerar.<br />

Nações que foram punidas,<br />

mas podem se regenerar<br />

Quando eu vejo um pecador que<br />

sofre, tenho esperanças por ele.<br />

Quando observo um pecador feliz,<br />

rico, saudável, prestigiado eu estremeço<br />

por ele, porque está recebendo<br />

ao longo de sua vida uma paga<br />

por algum bem que tenha praticado.<br />

Mas ai dele quando chegar o dia do<br />

ajuste de contas!<br />

E como o ajuste de contas das nações<br />

é nesta Terra, quando eu vejo<br />

nações ímpias em ascensão, no fastígio<br />

de seu poder, estremeço por elas.<br />

Porque elas pagam, de repente, em<br />

alguns dias, em alguns meses, talvez<br />

em alguns anos de declínio, todos os<br />

pecados que cometeram.<br />

Enquanto as nações que foram<br />

punidas têm possibilidades de se regenerar<br />

e, se perseveram, são conduzidas<br />

depois por Deus ao ponto central<br />

da História.<br />

É esta, a meu ver, a Teologia da<br />

História do mundo ibérico, hispano-<br />

-português, nos séculos XIX e XX.<br />

Não se construiu em nossas terras a<br />

civilização esplendorosa desses séculos.<br />

Em compensação, nossos recursos<br />

ficaram intactos. Antes de tudo<br />

nossos recursos de alma porque,<br />

com estes ou aqueles desgastes, estas<br />

ou aquelas perdas, é bem verdade<br />

que o espírito católico entre nós<br />

todos continua a crepitar como em<br />

nenhum outro país da Terra.<br />

Conservamos os recursos enormes<br />

de nossa unidade. Espanha e as<br />

nações que dela nasceram, Portugal<br />

e o Brasil e os povos que de Portugal<br />

surgiram na África formam imensas<br />

famílias de almas que, mais do que<br />

isso, são conglomerados de cultura,<br />

de língua, unidos pela Religião, que<br />

formam enormes blocos.<br />

E em plena crise nós nos apresentamos<br />

com Fé, com recursos para o<br />

dia de amanhã no esplendor de nossa<br />

unidade.<br />

É neste todo que a Providência<br />

nos chama a reafirmar os princípios<br />

dos quais resultou a grandeza desse<br />

todo, e cujo abandono, pelo menos<br />

parcial, determinou seu declínio,<br />

mas cuja reaceitação levará esse todo<br />

ao seu esplendor e à sua verdadeira<br />

glória.<br />

Quais são esses princípios? São<br />

evidentemente os princípios basilares<br />

da Civilização Cristã, os quais em<br />

última análise resultam do Decálogo,<br />

pois que a Fé nos ensina — e nós<br />

não poderíamos negar sem deixar de<br />

ser católicos — que o Decálogo é a<br />

base da Civilização Cristã.<br />

Código de conduta perfeita<br />

Se analisarmos o que diz São Tomás<br />

de Aquino a respeito do Decálogo,<br />

vemos que os Dez Mandamentos<br />

da Lei de Deus contêm, de um<br />

modo verdadeiramente admirável,<br />

os princípios da ordem natural nas<br />

relações entre Deus e os homens, e<br />

dos homens entre si.<br />

Os três primeiros Mandamentos<br />

dizem respeito ao amor de Deus; são<br />

como deveriam ser, dado que Deus<br />

é Deus e nós somos nós. Estas são<br />

as obrigações que nascem da ordem<br />

real. Deus sendo Quem é, o homem<br />

sendo o que é, o homem deve a Deus<br />

o tributo do cumprimento dos três<br />

primeiros Mandamentos. Os outros<br />

se referem ao amor do próximo.<br />

Sendo Deus Pai de todos os homens<br />

e sendo os homens o que são,<br />

a própria natureza das coisas exige<br />

que as relações entre nós homens sejam<br />

a dos sete Mandamentos seguintes.<br />

Um homem que pratique para<br />

com os outros homens os sete Mandamentos<br />

terá esgotado o preceito<br />

do amor do próximo, porque se<br />

ama o próximo praticando-se aqueles<br />

Mandamentos.<br />

Ama-se quer dizer o quê? Não é<br />

apenas um sentimento de ternura fugaz,<br />

um acesso de amizade. A afetividade<br />

do homem é transitória, descon-<br />

19


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

tínua. Diz uma canção italiana que la<br />

donna è mobile qual piuma al vento…<br />

— “a mulher é volúvel como uma<br />

pluma ao vento” —, ela muda de tendência,<br />

de afetos e de pensamentos.<br />

É fácil atribuir ao sexo feminino<br />

uma instabilidade que está em todos<br />

nós, e faz parte da condição humana<br />

maculada e deteriorada pelo pecado<br />

original.<br />

Todo afeto humano é volúvel, e<br />

aquilo que não se baseia em princípios<br />

não vale nada. Todo amor ao<br />

próximo não é nada quando não se<br />

baseia em regras de conduta objetivas,<br />

claras, sábias, baseadas na ordem<br />

natural das coisas. E a ordem<br />

natural das coisas faz com que o homem<br />

não mate o outro, não o roube,<br />

não minta, não peque contra a castidade,<br />

etc.<br />

De maneira tal que Santo Agostinho<br />

pôde dizer muito bem: a prova<br />

de que o código perfeito do procedimento<br />

vem a ser os Dez Mandamentos<br />

da Lei de Deus está simplesmente<br />

num cálculo da razão.<br />

Imaginem um país onde os que<br />

governam e os que são governados,<br />

os que ensinam e os que aprendem,<br />

os pais e os filhos, os esposos e as esposas,<br />

os empregados e os patrões,<br />

os militares de categoria inferior e os<br />

oficiais, todo o mundo praticasse os<br />

Dez Mandamentos da Lei de Deus;<br />

este país não subiria imediatamente<br />

ao apogeu daquilo que ele pode ser,<br />

dado os recursos naturais que tem<br />

em mãos?<br />

Então, assim fica provado que este<br />

é o código de conduta perfeita, e<br />

que o fundamento perfeito da Civilização<br />

Cristã são os Dez Mandamentos<br />

da Lei de Deus.<br />

Necessidade da graça divina<br />

Diz bem São Tomás de Aquino<br />

que esses Dez Mandamentos pesam<br />

ao homem. Não há mesmo para<br />

o homem um fardo mais terrível do<br />

que o do cumprimento deles. Porque<br />

nossa natureza, maculada pelo pecado<br />

original, está a todo momento<br />

nos convidando a uma ação contrária<br />

a esses Mandamentos.<br />

E por isso afirma ele que, embora<br />

os homens pela razão vejam que<br />

esses Mandamentos são verdadeiros,<br />

se Deus não os tivesse revelado<br />

os homens não os descobririam. Porque<br />

é tão penoso levar o raciocínio<br />

até o último ponto, e concluir contra<br />

as apetências de sua própria carne,<br />

que os homens não conheceriam esses<br />

Mandamentos por sua maldade.<br />

Mais ainda. Se Deus não desse<br />

uma graça especial aos homens, estes<br />

não seriam capazes de cumprir<br />

longamente, na sua totalidade, os<br />

Mandamentos da Lei de Deus. Os<br />

homens precisam para isso da graça,<br />

por sua natureza eles não os podem<br />

cumprir.<br />

Se a ordem humana só é verdadeiramente<br />

ordem se os homens<br />

cumprirem os Mandamentos da Lei<br />

de Deus, mas os seres humanos são<br />

incapazes de cumpri-los, logo a ordem<br />

humana é impossível se nos ativermos<br />

apenas aos homens. Temos<br />

de considerar a graça.<br />

A Civilização Cristã é, portanto,<br />

um produto da graça, um milagre, é<br />

o maior milagre de Deus; depois do<br />

homem católico, da família católica,<br />

o maior milagre de Deus é a Civilização<br />

Cristã, obra-prima da graça, que<br />

eleva o homem acima de si mesmo<br />

e lhe faz viver na Terra as condições<br />

de vida que seriam mais próprias aos<br />

Anjos no Céu.<br />

Esses dados considerados, vemos<br />

bem que caminhamos para o extremo<br />

oposto. Nós nos damos conta facilmente<br />

de que estamos nos aproximando<br />

da negação completa de todos<br />

os Mandamentos, e da animalização<br />

total do homem.<br />

Mas se o Criador deu aos homens<br />

e aos povos a sua Lei, o mundo não<br />

poderá terminar sem que em certa<br />

época da História os povos de fato<br />

tenham cumprido essa Lei, sem que<br />

o mundo de fato tenha sido Católico<br />

Apostólico Romano.<br />

De maneira que, apesar de todas<br />

as trevas contemporâneas, de todas<br />

as apreensões de hoje, recuem os outros<br />

se quiserem, dobrem-se diante<br />

de Belial, do demônio, haverá sempre<br />

um punhado de católicos que dirá:<br />

“Nós somos inconformados! Nós<br />

não cedemos! Nós continuamos a esperar!<br />

Nós lutaremos até o fim! E<br />

nós teremos a vitória!”<br />

Não são fáceis as horas que tereis<br />

diante de vós. Elas são luminosas,<br />

brilhantes, difíceis. No momento<br />

em que se aproxima a nossa despedida,<br />

não é sem apreensão que vos vejo<br />

dispersados.<br />

Com efeito, penso nas inúmeras<br />

dificuldades que vos aguardam, na<br />

pressão do ambiente, na força do<br />

mimetismo que leva cada homem a<br />

se conformar com o que pensam e<br />

dizem os outros homens, na sedução<br />

enorme dessa civilização anticristã<br />

que se avulta diante de nós,<br />

no efeito desmoralizador que sobre<br />

os melhores produzem tantas capitulações<br />

e, por que não dizer, tantas<br />

traições…<br />

A Arca da Aliança que trará<br />

a vitória para o mundo<br />

Mas não posso deixar de me lembrar<br />

de que houve um exemplo augusto<br />

de Alguém que, em circunstâncias<br />

que não hesito em qualificar<br />

de infinitamente piores, permaneceu<br />

fiel, não se entregou, não fraquejou,<br />

não traiu, não recuou. E, mesmo na<br />

hora mais trágica que houve e haverá<br />

na existência da humanidade,<br />

continuou de pé como uma tocha de<br />

oração, de esperança.<br />

Sabemos que houve um momento<br />

trágico em que o Sol se toldou em<br />

pleno dia, a Terra tremeu, as sepulturas<br />

dos justos se abriram na Cidade<br />

Santa, e os cadáveres dos homens<br />

que tinham morrido na Antiga Lei<br />

em união com Deus se levantaram.<br />

20


E no meio das trevas, nos estertores<br />

da Terra que tremia, no ruído dos prédios<br />

que caíam, nos gemidos dos feridos<br />

e das pessoas que choravam, no silêncio<br />

da natureza animal aterrorizada,<br />

eles passeavam com os olhos fechados,<br />

com os corpos envoltos por<br />

aquelas tiras estreitas que enfaixavam<br />

antigamente os mortos, exprobando<br />

de boca fechada aos que tinham crucificado<br />

o Salvador.<br />

Era, como disse Bossuet, o Padre<br />

Eterno fazendo as pompas fúnebres<br />

de seu Divino Filho. O Templo estremeceu<br />

e seu véu se rasgou. Dele saíram<br />

os Anjos, ali entraram os demônios.<br />

Aquilo tudo, até então objeto<br />

da benevolência de Deus, foi execrado<br />

e atirado para o lado.<br />

Ao pé da Cruz o horror, quase<br />

ninguém era fiel. Nosso Senhor tinha<br />

num dilúvio de dores exclamado<br />

o seu consummatum est. Ele estava<br />

exangue; não tinha mais nada a oferecer<br />

do seu sacrifício.<br />

Nesta hora o bom ladrão se preparava<br />

para deixar a Terra, o centurião<br />

que ferira Nosso Senhor pouco<br />

depois de morto se golpeava no peito.<br />

Algumas pessoas recolhidas ao<br />

pé da Cruz choravam. A alegria, entretanto,<br />

não desertara de uma alma.<br />

A alma mais inconforme com tudo<br />

aquilo, que mais execrava tudo<br />

aquilo, que mais odiava tudo quanto<br />

se passava, que mais amava o Salvador<br />

morto, que mais esperava, mais<br />

certeza tinha: a certeza de todas as<br />

certezas! Uma Fé que continha toda<br />

a Fé que deveria haver no mundo<br />

até o fim dos tempos!<br />

E esta era a alma celestialmente<br />

inconformada de Nossa Senhora:<br />

Stabat Mater dolorosa iuxta crucem,<br />

lacrimosa. Em latim, stabat quer dizer<br />

estava em pé.<br />

Portanto, Ela estava em pé em toda<br />

a força de seu corpo e de sua alma,<br />

com os olhos inundados de lágrimas,<br />

mas com a alma inundada de luz! Maria<br />

Santíssima tinha a certeza que, depois<br />

das grandes tragédias, do abando-<br />

Calvário - Museu de Belas Artes, Dijon, França<br />

no geral, viria a aurora da Ressurreição,<br />

da Santa Igreja Católica Apostólica<br />

Romana, nimbada de glória a partir<br />

de Pentecostes. E de cruzes em luzes,<br />

de luzes em cruzes o mundo chegaria<br />

até aquele momento que em Fátima<br />

Ela prenunciou: “Por fim, o meu<br />

Imaculado Coração triunfará!”<br />

Meus olhos e minha alma se voltam<br />

para Vós, Senhora do Carmo,<br />

cuja festa hoje se celebra.<br />

Vós que fostes a Fundadora do<br />

grande veio de profetas que começou<br />

com o Profeta Elias, e irá até o fim do<br />

mundo com o carisma de profecia na<br />

Santa Igreja Católica Apostólica; Vós<br />

que ensinastes antes mesmo de existir,<br />

que fostes o modelo daqueles que<br />

creram no Redentor que viria, o apogeu<br />

da esperança desses varões de<br />

Deus, pois que Vós fostes a nuvem da<br />

qual choveu o Salvador, Vós sois hoje<br />

a Arca da Aliança da qual virá a vitória<br />

para o mundo!<br />

Enchei, ó minha Mãe, desta certeza,<br />

desta inconformidade, desta coragem<br />

de estar de pé na derrota e na<br />

adversidade, esperando o dia de glória,<br />

os vossos filhos aqui reunidos. É<br />

o que Vos peço nesta oração final.v<br />

(Extraído de conferência de<br />

16/7/1971)<br />

1) Trata-se do encerramento de um Congresso<br />

de jovens, realizado em São<br />

Paulo.<br />

2) Termo derivado de “Axiologia”: ramo<br />

da Filosofia que estuda os “valores”,<br />

isto é, os motivos e as aspirações superiores<br />

e universais do homem, as<br />

condições e razões que dão rumo à<br />

sua existência, para os quais ele tende<br />

por insuprimível impulso da sua natureza.<br />

Francisco Lecaros<br />

21


Francisco Lecaros<br />

C<br />

alendário<br />

1. Santo Aarão. Sacerdote do Antigo<br />

Testamento, da tribo de Levi, irmão<br />

de Moisés.<br />

2. São Swithun, bispo (†862). Bispo<br />

de Winchester, Inglaterra, foi, segundo<br />

a tradição, capelão do rei Egberto<br />

de Wessex e tutor de seu filho, o<br />

príncipe Ethelwulf.<br />

3. Solenidade de São Pedro e São<br />

Paulo, Apóstolos. (Transferida do dia<br />

29 de junho).<br />

São Tomé, Apóstolo.<br />

São Leão II, Papa (†683). Ver página<br />

2.<br />

4. Santa Isabel de Portugal, rainha<br />

(†1336).<br />

Beato José Kowalski, presbítero e<br />

mártir (†1942). Sacerdote salesiano,<br />

morto no campo de concentração de<br />

dos Santos – ––––––<br />

Auschwitz, Polônia, depois de passar<br />

por atrozes tormentos.<br />

5. Santo Antônio Maria Zaccaria,<br />

presbítero (†1539).<br />

Santo Atanásio de Jerusalém, diácono<br />

e mártir (†451). Diácono da<br />

Igreja da Ressurreição, assassinado<br />

pelo monge herege Teodósio, cuja impiedade<br />

tinha recriminado durante o<br />

Concílio de Calcedônia.<br />

6. Santa Maria Goretti, virgem e<br />

mártir (†1902).<br />

Beata Maria Teresa Ledóchowska,<br />

virgem (†1922). Nobre austríaca, fundadora<br />

do Instituto de Missionárias<br />

do Sodalício de São Pedro Claver, em<br />

Roma, dedicado a auxiliar as missões<br />

na África.<br />

7. Beato Bento XI, Papa (†1304).<br />

Frade da Ordem de Pregadores, promoveu<br />

durante seu curto pontificado<br />

a concórdia, a renovação da disciplina<br />

e o crescimento da religião.<br />

8. Santos Áquila e Priscila (†séc.<br />

I). Colaboradores de São Paulo, estes<br />

santos esposos o acolhiam em sua casa<br />

e arriscaram suas vidas para defendê-lo.<br />

9. Santa Paulina do Coração Agonizante<br />

de Jesus, virgem (†1942).<br />

São Joaquim He Kaizhi, mártir<br />

(†1839). Catequista estrangulado em<br />

Guiyang, China, por sua Fé cristã.<br />

11. São Bento, abade (†547).<br />

Santa Marciana, virgem (†c. 303).<br />

Ver página 26.<br />

12. São Pedro Khanh, presbítero<br />

e mártir (†1842). Reconhecido como<br />

sacerdote enquanto passava por uma<br />

alfândega, foi preso, torturado e decapitado<br />

em Nghê An, Vietnã.<br />

13. Santo Henrique, Imperador<br />

(†1024).<br />

São Silas (†séc. I). Enviado pelos<br />

Apóstolos para pregar aos gentios,<br />

juntamente com São Paulo e São Barnabé.<br />

14. São Camilo de Lélis, presbítero<br />

(†1614).<br />

Beato Gaspar de Bono, presbítero<br />

(†1604). Abandonou a carreira das<br />

armas para se dedicar a Deus na Ordem<br />

dos Mínimos. Morreu em Valência,<br />

Espanha, sendo Provincial.<br />

15. São Boaventura, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†1274).<br />

Beata Ana Maria Javouhey, virgem<br />

(†1851). Fundadora da Congregação<br />

das Irmãs de São José de<br />

Cluny, em Paris.<br />

16. Nossa Senhora do Carmo.<br />

Beata Hermengarda, abadessa<br />

(†866). Bisneta de Carlos Magno, entregou-se<br />

ao serviço de Deus no mosteiro<br />

de Chiemsee, Alemanha, do<br />

qual foi abadessa.<br />

Santa Brígida<br />

10. XV Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Agostinho Zhao Rong, presbítero,<br />

e companheiros, mártires<br />

(†1648-1930).<br />

São Pedro Vincioli, presbítero e<br />

abade (†1007). Reconstruiu a Igreja<br />

de São Pedro, em Perúgia, Itália, e<br />

construiu junto a ela um mosteiro sob<br />

a regra cluniacense.<br />

17. XVI Domingo do Tempo Comum.<br />

Bem-aventurado Inácio de Azevedo,<br />

presbítero, e companheiros, mártires<br />

(†1570).<br />

Beato Paulo Gojdich, bispo e mártir<br />

(†1960). Sendo ordinário da Eparquia<br />

de Presov, na Eslováquia, foi jogado<br />

na prisão onde com uma corajosa<br />

confissão passou para a vida eterna.<br />

22


–––––––––––––––––– * Julho * ––––<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

23. Santa Brígida, religiosa (†1373).<br />

São João Cassiano, presbítero<br />

(†c. 435). Após ter sido monge na Palestina<br />

e eremita no Egito, fundou em<br />

Marselha, França, a abadia de São Vitor,<br />

composta de duas comunidades:<br />

uma masculina e outra feminina. Escreveu<br />

as Instituições Monásticas e as<br />

Conferências.<br />

finlandês que ele mesmo havia libertado<br />

da escravidão.<br />

29. Santa Marta, irmã de Lázaro e<br />

Maria.<br />

Santo Olavo, rei e mártir (†1030).<br />

Difundiu a Fé e combateu a idolatria<br />

no Reino da Noruega. Morreu atravessado<br />

pela espada dos seus inimigos.<br />

São Silas<br />

18. São Simeão de Lipnica, presbítero<br />

(†1482). Pregador franciscano, devoto<br />

do Nome de Jesus, morreu em Cracóvia,<br />

Polônia, contagiado pelas vítimas<br />

de uma epidemia, das quais cuidava.<br />

19. Santa Macrina, virgem (†379).<br />

Irmã dos santos Basílio Magno, Gregório<br />

de Nisa e Pedro de Sebaste. Versada<br />

nas Sagradas Escrituras, retirou-se para<br />

levar uma vida solitária no mosteiro de<br />

Annesi, no norte da Turquia.<br />

20. Santo Apolinário, bispo e mártir<br />

(†c. séc. II).<br />

São José María Díaz Sanjurjo,<br />

bispo e mártir (†1857). Dominicano<br />

espanhol, eleito Bispo do Tonkín<br />

Oriental, Vietnã. Morreu decapitado<br />

durante a perseguição ordenada pelo<br />

imperador Tu Ðúc.<br />

21. São Lourenço de Bríndisi,<br />

presbítero e Doutor da Igreja<br />

(†1619).<br />

Santa Praxedes, virgem (†a. 491).<br />

Consta ter sido filha do senador romano<br />

Pudente, convertido por São<br />

Pedro. Deu nome à Basílica de Santa<br />

Praxedes, no Esquilino.<br />

22. Santa Maria Madalena.<br />

Beato Agostinho de Biella Fangi,<br />

presbítero (†1493). Sacerdote dominicano,<br />

oriundo da nobre estirpe dos<br />

Fangi, que dispensou numerosos benefícios<br />

em Soncino, Vigevano e Veneza.<br />

24. XVII Domingo do Tempo Comum.<br />

São Charbel Makhluf, presbítero<br />

(†1898).<br />

Beata Cristina, religiosa, chamada<br />

“a Admirável” porque nela Deus operou<br />

coisas realmente admiráveis, tanto<br />

em seu corpo, pois teve que sofrer<br />

muito, como em sua alma, enriquecida<br />

com fenômenos místicos. Faleceu<br />

no convento de Saint-Trond, em Brabante,<br />

Bélgica (c. 1224).<br />

25. São Tiago Maior, Apóstolo.<br />

Santa Maria do Carmo Sallés y<br />

Barangueras, virgem (†1911). Fundadora<br />

da Congregação das Irmãs da<br />

Imaculada Conceição, em Madri.<br />

26. São Joaquim e Sant’Ana, pais<br />

de Maria Santíssima.<br />

Santa Bartolomeia Capitanio, virgem<br />

(†1833). Junto com Santa Vicenta<br />

Gerosa, fundou a Congregação das<br />

Irmãs da Caridade de Maria Menina.<br />

Morreu tuberculosa aos 26 anos.<br />

27. Beata Maria Madalena Martinengo,<br />

abadessa (†1737). De família<br />

nobre, entrou como religiosa no convento<br />

capuchinho de Bréscia. Foi favorecida<br />

com fenômenos místicos e<br />

deixou escritos que revelam sua incomum<br />

espiritualidade.<br />

28. São Botvido, mártir (†1100).<br />

Sueco de nascimento e batizado na<br />

Inglaterra, trabalhou na evangelização<br />

de sua pátria. Foi morto por um<br />

30. São Pedro Crisólogo, bispo e<br />

Doutor da Igreja (†c. 450).<br />

Beata Maria Vicenta de Santa<br />

Doroteia Chávez Orozco, virgem<br />

(†1949). Fundou em Guadalajara, México,<br />

o Instituto das Servas dos Pobres.<br />

31. XVIII Domingo do Tempo Comum.<br />

Santo Inácio de Loyola, presbítero<br />

(†1556).<br />

São Justino de Jacobis, bispo<br />

(†1860). Religioso lazarista enviado<br />

como missionário à Etiópia, onde sofreu<br />

fome, sede, tribulações e prisão.<br />

Santo Aarão<br />

Gustavo Kralj<br />

23


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

A procura de<br />

um superior<br />

Francisco Lecaros<br />

Todo homem deseja e procura seu superior, a qualquer título.<br />

A existência de superiores é uma condição natural para a<br />

inteira prática da virtude da religião. O maior crime que se pode<br />

cometer contra uma civilização é a supressão dos superiores, de<br />

maneira que as almas fiquem numa terrível orfandade.<br />

Do ponto de vista natural,<br />

prescindindo, portanto,<br />

da graça para efeitos de<br />

estudo, o que vem a ser a força da<br />

presença de Deus e no que isto sustenta<br />

o homem?<br />

Um jovem que deseja ser<br />

cavaleiro e vê passar ao<br />

longe Carlos Magno<br />

Tenho a impressão de que, assim<br />

como dos elementos somados<br />

de uma paisagem resulta o panorama<br />

— o qual é muito mais do que o<br />

elenco de seus elementos constitutivos<br />

—, assim também, de várias influências<br />

conjugadas resulta o fato<br />

de que o verdadeiro superior dá para<br />

o inferior uma impressão de alguém<br />

que é uma resposta a uma pergunta,<br />

que é a pergunta da vida dele e<br />

o preenchimento de algo de que sua<br />

alma está vazia.<br />

Nesse sentido, todo homem deseja<br />

e procura seu superior, a qualquer<br />

título.<br />

E o maior crime que se pode cometer<br />

contra uma civilização é a supressão<br />

dos superiores, de maneira<br />

que as almas fiquem nessa orfandade,<br />

terrivelmente péssima, de não<br />

sentir que o superior aparece e que<br />

preenche o horizonte da vida.<br />

Esse anseio por um superior corresponde<br />

a algo por onde a pessoa,<br />

melhor do que nunca, nota o conjunto<br />

todo da Criação reunido num<br />

ponto panoramático, a partir do qual<br />

ela capta melhor aquele panorama<br />

que explica a sua alma até o fundo,<br />

dando respostas às perguntas sem as<br />

quais o viver dela não tem sentido.<br />

A título de exemplo, poderíamos<br />

imaginar um rapaz do tempo de Carlos<br />

Magno que tem o desejo de ser<br />

cavaleiro, mas nem tem noção clara<br />

de cavalaria. Está cavalgando pelos<br />

Pirineus, e numa volta de caminho<br />

vê passar ao longe Carlos Magno<br />

e seus cavaleiros. Ele fica encantado,<br />

vai correndo, presta ao soberano<br />

uma homenagem e pede licença<br />

para entrar naquela coorte.<br />

Esse é um momento sagrado, pois<br />

o que há de mais semelhante, mais<br />

adequado a ele, por onde ele explica<br />

a vida e encontra o caminho para<br />

Deus, aparece de repente diante dele,<br />

e é como que um encontro com o<br />

Criador.<br />

Distâncias majestosas,<br />

intimidades paternas<br />

O que está dentro do homem bramindo,<br />

gemendo, sob a forma de aspirações<br />

implícitas que a realidade<br />

contingente não satisfaz; o que há de<br />

nobre em certos desejos, que o homem<br />

não conhece, mas que gemem<br />

dentro dele à procura de uma explicitação,<br />

de uma realização, de uma<br />

conexão para se tornarem mais elevados;<br />

tudo quanto é o próprio impulso<br />

na vida do homem; tudo quanto<br />

há de nobre na alma enquanto alma;<br />

tudo isso nesse momento se coloca<br />

em posição porque encontrou<br />

seu superior que lhe explica tudo.<br />

Nisso o homem vê Deus que Se explica<br />

a ele por uma espécie de semelhança,<br />

que passará a orientar e a interpretar<br />

sua vida até o fundo. E estabelece-se<br />

um comércio entre Deus<br />

e o que a alma tem de mais delicado,<br />

e ao mesmo tempo de mais forte. De<br />

24


Carlos Magno - Parc d’Avroy. Liège,<br />

Bélgica. Ao fundo, Pirineus franceses<br />

maneira que todas as ternuras e<br />

também todos os vigores se instalam<br />

naturalmente nesse comércio.<br />

Um cavaleiro assim seria capaz<br />

de confessar os seus pecados para<br />

um homem desses, embora sabendo<br />

que não se trata de uma absolvição.<br />

Ato de suma intimidade e ao mesmo<br />

tempo de ternura. Sentir-se-ia, ademais,<br />

cheio de alegria ao contemplar<br />

esse homem num trono, ainda que<br />

ele se mantivesse afastado do trono<br />

a uma distância enorme. E ao presenciar<br />

uma ação solene diante deste<br />

homem, por exemplo, coroando-<br />

-o, o cavaleiro sentiria todas as distâncias<br />

majestosas e todas as intimidades<br />

paternas em relação ao superior,<br />

fundidas num todo só, o que representaria<br />

para ele algo que é a figura<br />

de Deus.<br />

Jacques Renier (CC3.0)<br />

É como nós veremos, no Céu, a<br />

Deus Nosso Senhor. Infinitamente<br />

transcendente a nós, mas na realidade<br />

o centro de nossa própria vida.<br />

Entre superior e inferior há, pois,<br />

uma relação pela qual o superior está<br />

continuamente dando ao inferior<br />

toda essa corrente de “deiformidades”,<br />

que penetram nele e o vão modelando.<br />

Às vezes, quando o pai é<br />

bom, é um mero precursor,<br />

porque o chefe<br />

o indivíduo vai encontrar<br />

em outras<br />

circunstâncias da<br />

vida.<br />

Abstraindo de<br />

superiores, não<br />

podem existir verdadeiramente<br />

as condições<br />

naturais próprias para<br />

uma inteira prática da virtude<br />

da religião. Porque é<br />

só em função disso bem<br />

constituído que a virtude<br />

da religião se estabelece<br />

de um modo completamente<br />

adequado.<br />

Quando esse fenômeno<br />

é irrigado pela graça<br />

— creio que normalmente<br />

o é —, então entra qualquer<br />

coisa que toma a graça do Batismo e<br />

dá a ela um fluxo especial.<br />

Má influência exercida sobre<br />

a criança em muitos colégios<br />

Algumas crianças têm certa noção<br />

da nobreza de sua própria alma<br />

— eu excluo aqui, completamente,<br />

a ideia de aristocracia terrena —,<br />

por onde elas, olhando no fundo de<br />

si mesmas, percebem a existência de<br />

algo muito elevado e nobre, que já<br />

habita ali. E acrescento, sem vacilação:<br />

percebem algo de muito santo.<br />

Quer dizer, muito conforme também<br />

à ordem sobrenatural, em que<br />

uma criança discerne em si mesma<br />

a própria graça de Deus que pousa<br />

sobre ela, mas especialmente sobre<br />

aquilo por onde é especialmente ela<br />

mesma e difere de todo mundo.<br />

Isso dá à criança uma experiência<br />

interna de ser participante da natureza<br />

divina, chegando até a notar,<br />

em termos católicos, algo de divino<br />

em si mesma.<br />

Quando a criança é fiel a isso, ela<br />

está ordenada, muito mais facilmente<br />

do que outras, a desenvolver tudo<br />

aquilo por onde tem em si radicalmente<br />

a semelhança de Deus. E,<br />

por isso, procurar com mais empenho,<br />

analisar com mais finura e encontrar<br />

com maior certeza o superior<br />

de sua vida.<br />

Lamentavelmente, a maior parte<br />

das crianças perde isso no colégio, se<br />

não antes. Na vida da escola aparece,<br />

com o agarra-agarra e o empurra-empurra,<br />

o problema da comparação:<br />

esse veio com um automóvel<br />

mais bonito, o outro com não sei o<br />

quê… E isso no meio daquela folia<br />

e da zoeira do colégio, que se prolonga<br />

cabeça adentro até quando a<br />

criança dorme.<br />

A criança é violentamente arrancada<br />

dessa ordem de cogitações e<br />

lançada no desenrolar da vida. Ela<br />

deixa de se perguntar quem ela é<br />

— interrogação através da qual encontra<br />

o seu superior — e passa a se<br />

perguntar como sobrepujar este ou<br />

aquele; surgem apegos, amizades e<br />

inimizades…<br />

Aí entram as paixões desordenadas<br />

que calcinam a alma, na qual o ambiente<br />

procura incutir a ideia de que<br />

aqueles sentimentos interiores imbecilizam<br />

o homem, e são fatores negativos<br />

quando ele se põe na luta pela vida<br />

dentro do colégio: tornam-no menos<br />

capaz de berrar e de correr.<br />

Ou seja, a criança era um Jacó em<br />

meio aos Esaús. E, para se redimir<br />

daquela situação, ela se joga naquela<br />

“esausada” e perde esse senso inicial<br />

incomparável.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

20/7/1984)<br />

25


Hagiografia<br />

Santa Marciana e o<br />

testemunho dos mártires<br />

Nos primeiros séculos da História da Igreja, milhões de<br />

mártires deram sua vida por Nosso Senhor. Por que não<br />

reagiram contra os tiranos? A Providência chamou-os para<br />

uma forma de heroísmo que correspondia aos desígnios d’Ela<br />

naquele tempo e que não era liquidar e vencer, mas aguentar<br />

e morrer. O testemunho dos mártires é uma das grandes<br />

provas da veracidade dos fatos narrados no Evangelho.<br />

T<br />

ecerei comentários sobre Santa<br />

Marciana, virgem e mártir,<br />

cujos dados biográficos foram<br />

tirados da obra do Abbé Ferrier: La<br />

grande fleur de la vie des Saintes.<br />

“Ó meu Divino Mestre,<br />

vou feliz para Vós!”<br />

Em Rouzucourt, pequena cidade da<br />

Mauritânia, Argélia de hoje, vivia em<br />

fins do século III uma jovem chamada<br />

Marciana, tão piedosa quanto bela,<br />

que consagrou muito cedo sua virgindade<br />

a Deus e deixou tudo para viver<br />

numa cela perto da cidade romana.<br />

Ora, um dia a virgem, inspirada<br />

sem dúvida pela voz do Senhor, saiu<br />

de sua cela e veio se misturar à multidão<br />

que circulava na cidade, agitada<br />

por uma emoção porque corriam os<br />

dias sangrentos da perseguição desencadeada<br />

no mundo inteiro pelo ímpio<br />

Diocleciano.<br />

Marciana, chegando pela porta Tipásia,<br />

viu colocada numa praça uma<br />

estátua de mármore da deusa Diana.<br />

Aos pés da deusa corriam águas límpidas<br />

num tanque também de mármore.<br />

A intrépida virgem não pôde suportar<br />

a visão do ídolo impuro e fez o ídolo<br />

em mil pedaços. Uma multidão furiosa<br />

se lançou sobre ela e a maltratou<br />

horrivelmente. Depois a arrastaram<br />

ao pretório, perante o juiz imperial.<br />

A altiva cristã riu-se dos deuses de<br />

pedra e de madeira e gloriou-se de<br />

adorar o Deus vivo, e O exaltou no<br />

templo, com voz eloquente.<br />

O juiz pagão irritou-se e entregou-<br />

-a aos gladiadores para que servisse<br />

de joguete a infames ultrajes. A virgem<br />

permaneceu serena e sem medo.<br />

Durante três horas, com efeito, Deus<br />

a defendeu no meio desses brutos, atacados<br />

de terror e imobilidade. Pela<br />

oração da angélica mártir um deles se<br />

converteu a Jesus Cristo.<br />

patotenere (CC3.0)<br />

Paisagem da Argélia,<br />

correspondente à<br />

Mauritânia romana<br />

26


Jebulon (CC3.0)<br />

Diocleciano<br />

O tirano, confuso, redobrou seu<br />

ódio ímpio e, não podendo desonrar a<br />

virgem cristã, condenou-a a ser estraçalhada<br />

por animais ferozes.<br />

Marciana, quando chegou a hora,<br />

caminhou para a arena como para<br />

uma alegre festa, bendizendo a Jesus<br />

Cristo. Amarraram-na ao local do suplício<br />

e contra ela foi lançado um leão<br />

furioso, que logo se atirou sobre a vítima,<br />

ficou em pé e colocou suas garras<br />

sobre seu peito. Depois se afastou<br />

bruscamente e não a tocou mais.<br />

O povo, tomado de admiração, gritou<br />

que libertassem a jovem mártir,<br />

mas um grupo misturado à multidão<br />

e sempre sedento de sangue cristão pediu<br />

que lançassem agora contra Marciana<br />

um touro selvagem. A fera aproximou-se<br />

dela e com seus chifres furiosos<br />

lhe fez no peito uma horrível ferida.<br />

O sangue jorrou e a virgem caiu<br />

agonizante na arena.<br />

Tiraram-na de lá por um momento,<br />

estancaram-lhe o sangue e, como<br />

ainda lhe restasse um pouco de vida,<br />

o bárbaro tirano a fez amarrar ainda<br />

uma terceira vez.<br />

Marciana ergueu seus olhos ao céu,<br />

um sorriso iluminou seu rosto marcado<br />

pelo sofrimento. “Ó Cristo! — gritou<br />

— eu Vos adoro e Vos amo. Vós<br />

estivestes comigo na prisão, Vós me<br />

guardastes pura, e agora Vós me chamais.<br />

Ó meu Divino Mestre, vou feliz<br />

para Vós! Recebei a minha alma!”<br />

Neste momento o tirano lançou-<br />

-lhe um leopardo monstruoso que,<br />

com suas garras horríveis, despedaçou<br />

os membros da heroica virgem e<br />

lhe abriu o glorioso caminho do Céu.<br />

Desafio à idolatria numa<br />

atitude carregada do<br />

mais belo espírito épico<br />

Diana, deusa da<br />

mitologia romana<br />

Esta ficha belíssima merece alguns<br />

comentários debaixo de um<br />

ponto de vista que não será, talvez, o<br />

que ocorre logo de início.<br />

À primeira vista temos o espetáculo<br />

de um heroísmo extraordinário,<br />

que nos deixa desconcertados. Para<br />

dizer tudo numa palavra só, um heroísmo<br />

milagroso.<br />

Trata-se de uma santa que é uma<br />

eremita no sentido próprio da palavra,<br />

quer dizer, ela vive inteiramente<br />

isolada, nas proximidades de uma<br />

pequena cidade da África, no<br />

tempo do Império Romano,<br />

época na qual o Norte da<br />

África era todo constituído<br />

de colônias romanas e<br />

estava tão latinizado quanto<br />

a Europa latina. Depois, a<br />

invasão dos vândalos derrubou o domínio<br />

romano e eliminou de lá a raça<br />

latina. Mas naquele tempo se tratava<br />

de uma região inteiramente latinizada.<br />

Ela era, provavelmente,<br />

uma latina; seu nome indica isso.<br />

E como uma eremita, ela não se<br />

misturava com nada nem com ninguém.<br />

Um dia, tocada pela graça e<br />

sem saber ela mesma por que,<br />

Marciana vai para a cidade e encontra,<br />

então, a cena típica das épocas<br />

de perseguição: uma praça pública<br />

para onde tinham transportado<br />

o ídolo de Diana, a deusa da caça.<br />

Foi colocada junto a uma fonte,<br />

cujas águas estavam represadas<br />

por um recipiente de mármore.<br />

E o povo era obrigado a ir adorar esse<br />

ídolo. Quem não o adorasse, seria<br />

morto.<br />

Ela, tomada de um justo ódio<br />

contra esse ídolo que era a afirmação<br />

de uma religião oposta à de Nosso<br />

Senhor Jesus Cristo, revestida de<br />

uma força que não se sabe bem de<br />

onde lhe vinha — porque a imagem<br />

que dela nos dá a ficha é de uma jovem<br />

bela, graciosa, portanto frágil<br />

—, empurra o ídolo para o chão, a<br />

cabeça se separa do corpo e ele fica<br />

em pedaços.<br />

O crime de si, debaixo do ponto de<br />

vista romano, era muito grande, principalmente<br />

se tomamos em consideração<br />

que essas estátuas não eram<br />

para eles o que são as imagens para<br />

nós. Uma imagem de Nossa Senhora,<br />

por exemplo, quem a quebra comete<br />

um sacrilégio porque rompe algo<br />

que é a figura de Nossa Senhora,<br />

Eric Gaba (CC3.0)<br />

27


Hagiografia<br />

Yuntero (CC3.0)<br />

Robek (CC3.0)<br />

“Gladiador” (afresco) - Museu<br />

Nacional de Arte Romano,<br />

Badajoz, Espanha<br />

mas não é Nossa Senhora em pessoa.<br />

Sabemos que essa estátua não faz senão<br />

representar a Santíssima Virgem,<br />

que está realmente no Céu em corpo<br />

e alma. Mas para os idólatras pagãos<br />

a estátua era o próprio deus. Este<br />

era um dos aspectos da<br />

idolatria deles, que acreditavam<br />

ser aquela estátua a<br />

deusa Diana. Havia várias<br />

Dianas, em diversas cidades,<br />

aquela era a deusa Diana<br />

daquela cidade.<br />

Com uma coragem muito<br />

grande, numa atitude carregada<br />

do mais belo espírito<br />

épico, ela joga o ídolo<br />

no chão — e já entro na<br />

análise do épico do acontecimento.<br />

Vemos, então, uma<br />

virgem frágil, débil, uma eremita<br />

solitária, recolhida, reclusa,<br />

que sai do seu êremo<br />

e faz aquilo que os homens<br />

de vida ativa não<br />

realizariam, que os católicos<br />

da região, com certeza,<br />

não tinham coragem<br />

de fazer: ela vai ao<br />

ídolo, o derruba e o espatifa.<br />

Quer dizer, ela desafia<br />

a idolatria no que essa<br />

tem de mais central, de modo<br />

ostensivo. Ela não derruba apenas<br />

a imagem, mas esta se quebra<br />

em vários pedaços.<br />

Atacada por gladiadores<br />

e animais ferozes<br />

Marciana se encontra ali de pé,<br />

afrontando o tirano que, em nome do<br />

Imperador Diocleciano, está condenando<br />

à morte a todos os católicos.<br />

E ela enfrenta, então, a morte, com<br />

uma coragem e serenidade absolutas.<br />

Por que ela não parte para matar<br />

o tirano? Entre outras razões<br />

porque é uma jovem e não tem forças<br />

para isso. Deus não lhe deu essa<br />

missão. Ela não é uma Santa Joana<br />

d’Arc. De momento, a sua missão<br />

é diferente. Ela deve desafiar, mostrar<br />

a força de Deus de um modo diverso.<br />

Como Marciana mostra a força<br />

de Deus? Ela é exposta a vários tormentos<br />

e a epopeia continua. É sujeita<br />

aos ataques de um grupo de<br />

gladiadores, quer dizer, de homens<br />

da ralé, extremamente sensuais, que<br />

têm ordem de pular em cima da jovem,<br />

abusar dela como entenderem,<br />

e depois matá-la.<br />

Então se dá este fato incrível: ela<br />

se encontra ali tranquila, e o que ela<br />

mais ama na Terra, sua virgindade,<br />

sua fidelidade a Deus, está exposta<br />

ao risco iminente, ou seja, que<br />

os gladiadores podem pular em cima<br />

dela de um momento para outro.<br />

Durante três horas esses homens estão<br />

ali imobilizados e não conseguem<br />

se aproximar dela. Uma força<br />

misteriosa vence os gladiadores.<br />

Temos aí a primeira manifestação<br />

dos traços característicos da Idade<br />

Média: é o domínio do Direito sobre<br />

a força, do espírito sobre a matéria,<br />

da virgindade sobre a concupiscência.<br />

Na ordem natural das coisas,<br />

ela representa tudo aquilo<br />

que na Civilização Cristã é<br />

frágil. Mas<br />

ela desafia.<br />

E por<br />

uma força<br />

sobrenatural<br />

mostra que<br />

soou outra era<br />

da História: tudo<br />

quanto é frágil, reto,<br />

digno vai começar<br />

a dominar tudo<br />

quanto é turbulento<br />

e representa a força<br />

material, tudo quanto<br />

é bestial, tudo quanto,<br />

segundo a ordem natural das coisas<br />

depois do pecado original, costuma<br />

dominar, avassalar a Terra.<br />

Ela reza tranquila, e ninguém se comove.<br />

Era normal que várias pessoas<br />

se comovessem, que o tirano se abalasse.<br />

Um gladiador se converte; os<br />

outros, não. O gladiador que se converte<br />

é ele mesmo uma prova do caráter<br />

sobrenatural do que se passava.<br />

E mandam logo vir outro animal<br />

para saltar em cima dela: é um leão.<br />

28


Sergio Hollmann<br />

Mais uma vez se repete o contraste<br />

maravilhoso; é épico: a virgem que<br />

está de pé e o leão que avança sobre<br />

ela e, para trucidá-la, deita a pata nela.<br />

Podem imaginar o que representa<br />

uma patada de um leão numa donzela!<br />

De repente a fera para e sai. O<br />

povo todo se entusiasma, começa a<br />

aplaudir e pede clemência para ela.<br />

Cria-se, então, uma agitação e começam<br />

a pedir que vá um touro por<br />

cima de Marciana. Soltam o touro<br />

que avança, lhe dá uma chifrada e ela<br />

cai. E então se vê o sangue purpúreo,<br />

o sangue virginal daquela donzela,<br />

daquela mártir, que sai generosamente<br />

da horrível ferida. Mas os perseguidores<br />

não se contentam<br />

com isso. Querem de<br />

fato matá-la e soltam então um leopardo<br />

que pula em cima dela e a estraçalha.<br />

Marciana morre docemente,<br />

chamando a Deus Nosso Senhor e<br />

confessando que ela vai para o Céu.<br />

Conversão dos povos da<br />

bacia do Mediterrâneo<br />

Alguém dirá: que sentido tem esse<br />

acontecimento? Ele é apenas manifestação<br />

de uma epopeia? Toda<br />

epopeia tem uma finalidade. Qual é<br />

a finalidade dessa? Era apenas mostrar<br />

que ela não queria ceder ante o<br />

paganismo? Ou somente desejava<br />

impressionar a opinião pública por<br />

meio de seu martírio?<br />

Vê-se que foi tudo miraculoso,<br />

desde o princípio ao fim. Esse foi um<br />

dos milagres que deveriam atestar,<br />

junto ao povo ainda pagão, a veracidade<br />

da Religião Católica e com isso<br />

contribuir para a conversão da Bacia<br />

do Mediterrâneo.<br />

A grande obra da Igreja Católica,<br />

nos séculos da antiguidade, foi a conversão<br />

dos povos da Bacia do Mediterrâneo,<br />

os quais converteram, por sua<br />

vez, os povos bárbaros que vinham do<br />

Norte. E foi porque estes se converteram<br />

também que nasceu a Europa católica,<br />

a Idade Média, a Civilização católica.<br />

As missões de todos os outros<br />

Apóstolos que partiram para outras<br />

terras — como São Tomé, na Índia,<br />

na Etiópia, etc. — foram mais ou menos,<br />

ou inteiramente, rejeitadas. No<br />

Mediterrâneo, por desígnio da Providência,<br />

a quantidade enorme de mártires<br />

e de milagres converteu os povos.<br />

E daí veio, por sua vez, toda a epopeia<br />

da Civilização católica.<br />

Para abrir os olhos desses povos,<br />

era preciso um grande número de<br />

milagres e que, ao mesmo tempo, esses<br />

não fossem puros fatos materiais:<br />

o leão saltou em cima da virgem e<br />

não conseguiu devorá-la; os gladiadores<br />

tiveram missão de estraçalhá-<br />

-la e não conseguiram avançar contra<br />

ela. Era necessário que nesses<br />

milagres se visse a beleza da Doutrina<br />

Católica, da Civilização Católica<br />

que ia jorrar daí. Era a civilização<br />

da virgindade, da castidade; a civilização<br />

dos fracos que recebem forças<br />

sobrenaturais e enfrentam todas<br />

as forças materiais; a civilização daqueles<br />

que sabem que para a alma<br />

que tem Fé nada é impossível, e que<br />

enfrentam todos os obstáculos, pouco<br />

ligando para estes, porque, Deus<br />

estando com eles, conseguem tudo.<br />

Aqui está verdadeiramente o senso<br />

de epopeia afirmado.<br />

Argumento apologético<br />

para os séculos vindouros<br />

Alguém dirá: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, então<br />

o senhor assinala dois pontos: milagres<br />

para converter os povos do Mediterrâneo,<br />

o perfume da Doutrina<br />

Católica e a beleza simbólica desses<br />

acontecimentos para atrair as almas<br />

a essa Doutrina. Mas por que<br />

essa santa, em vez de morrer dilacerada<br />

por um touro, não foi protegida<br />

por Deus até o fim? E o Criador<br />

não deu ordens para o touro liquidar<br />

com o governador romano? Não teria<br />

sido uma coisa muito mais bonita<br />

ver o touro, o leão, o leopardo de repente<br />

pularem, como um cavalo alado,<br />

por cima da tribuna do governador<br />

romano, matá-lo e depois fazer<br />

uma chacina e implantar ali o domínio<br />

dos católicos? Não seria então,<br />

muito antes de Constantino, uma espécie<br />

de revanche católica que nos<br />

daria as glórias da vitória? Para que<br />

tanta gente que morre praticamente<br />

sem resistir, tantos milagres que não<br />

dão numa vitória que só Constantino<br />

veio alcançar?”<br />

Uma pessoa, com muito fundamento,<br />

muita razão, muito bom senso,<br />

dias atrás me fez essa pergunta.<br />

Eu estava apressado, não dei a resposta,<br />

mas a dou agora: Uma das provas<br />

de que Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

existiu e de que os fatos narrados<br />

pelo Evangelho são verdadeiros —<br />

provas válidas para os homens de ho-<br />

Derek Ramsey (CC3.0)<br />

29


Hagiografia<br />

je, de quinhentos anos atrás, para os<br />

homens até o fim do mundo —, está<br />

precisamente no testemunho dos<br />

mártires. Não se tratava apenas de<br />

vencer, mas de dar um argumento<br />

apologético para os séculos vindouros.<br />

Qual era esse argumento apologético?<br />

Os fatos narrados no Evangelho<br />

se deram na presença de muitíssima<br />

gente. Por sua vez, as testemunhas<br />

desses fatos, ou os filhos delas,<br />

foram dispersas por todo o Império<br />

Romano, pela pressão de Tito à nação<br />

judaica. Os inimigos acérrimos<br />

dos católicos poderiam alegar que os<br />

fatos narrados pelo Evangelho eram<br />

falsos, dizendo: fale com esse, com<br />

aquele, com aquele outro; eles dirão<br />

que isso não existiu, que esses fatos<br />

não são verdadeiros.<br />

Havia judeus por todo o Império<br />

Romano. De mais a mais, muitos deles<br />

que ali viviam já não eram propriamente<br />

procedentes da Judeia, mas<br />

chamados da diáspora, que se tinham<br />

dispersado antes de Jesus Cristo. Esses<br />

judeus viajavam frequentemente<br />

a Jerusalém, o ponto de atração de interesse<br />

máximo para eles, e se inteiravam<br />

das coisas que lá aconteciam.<br />

Todos eles poderiam ter desmentido<br />

o Evangelho, o que deveria criar<br />

nas pessoas que ouvissem os Apóstolos,<br />

ou seus seguidores, uma dúvida.<br />

Entretanto, os judeus não desmentiam<br />

fatos públicos notoríssimos, e isso<br />

confirmava os cristãos na Fé. Estes<br />

estavam tão certos de que aqueles fatos<br />

eram verdadeiros que, como Marciana,<br />

deixavam-se estrangular, eram<br />

as testemunhas vivas da veracidade<br />

da narração do Evangelho.<br />

Isso levou um escritor não católico,<br />

Pascal, a dizer uma coisa muito<br />

verdadeira: “Eu creio no que contam<br />

testemunhas que se deixam estrangular.”<br />

E é verdade. Essas testemunhas,<br />

para provarem que a Religião<br />

Católica é verdadeira, se deixavam<br />

estrangular. Nenhuma prova<br />

melhor da veracidade da coisa do<br />

que a estrangulação.<br />

O testemunho dos mártires<br />

prova a veracidade<br />

do Evangelho<br />

Então, durante muitos séculos e<br />

até hoje, uma das melhores provas de<br />

que a Religião Católica é verdadeira<br />

e de que os fatos narrados no Evangelho<br />

são verdadeiros, é o testemunho<br />

dos mártires por toda a extensão<br />

do Império Romano. Assim, se compreende<br />

que a Providência dava a esses<br />

homens o apelo para uma forma<br />

de heroísmo que correspondia aos<br />

desígnios d’Ela naquele tempo e que<br />

não era liquidar e vencer, mas aguentar<br />

e morrer. Se eles tivessem vencido,<br />

dir-se-ia: uma seita venceu. E não<br />

se teria um argumento inteiramente<br />

seguro. Dessa forma, ficou a prova:<br />

milhões e milhões tiveram tanta<br />

certeza que eles se deixavam matar.<br />

Quer dizer, a prova do sangue foi dada<br />

exuberantemente e todas as gerações<br />

vindouras creram por causa deles.<br />

E é por causa disso que a Providência<br />

não os convidou a uma cruzada<br />

contra os pagãos, mas, pelo contrário,<br />

a essa forma de reação cujo<br />

Martírio de Santa Marciana<br />

sentido profundo hoje se percebe, e<br />

naquele tempo não se percebia.<br />

Fica, então, patente o milagre<br />

da Providência. Se Ela deu a Santa<br />

Marciana a força para derrubar<br />

o ídolo, não lhe concederia energias<br />

para ir até a tribuna do representante<br />

do imperador, do procônsul, para<br />

esbofeteá-lo, jogá-lo no chão, apunhalá-lo,<br />

liquidá-lo? É evidente que<br />

sim. Para Deus nada é impossível.<br />

Mas que prova seria para nós a vida<br />

de Marciana, se ela tivesse ficado<br />

proconsulesa depois? Que prova seria<br />

para os séculos futuros? Nenhuma.<br />

Era preciso que houvesse dois<br />

milagres: primeiro, da resistência<br />

contra todos os obstáculos; e depois,<br />

em determinado momento, um obstáculo<br />

que vem e a respeito do qual<br />

Deus não dá mais resistência.<br />

Então, volto a dizer, existem três<br />

operações sobre a opinião pública:<br />

ela vai e quebra o ídolo; há a prova<br />

do milagre e a prova do martírio. Essas<br />

provas são tão boas que duram<br />

até nossos dias. <br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

18/2/1972)<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

30


Luzes da Civilização Cristã<br />

Alain Patrick<br />

Vista da cidade de<br />

Florença, Itália<br />

Florença e a perfeição<br />

das formas<br />

A arte florentina se caracteriza pela perfeição das formas e seu<br />

estilo despojado. Embora alguns monumentos de Florença<br />

causem respeito e admiração por seu grande valor artístico,<br />

a mania do despojado — hoje tão difundida — parece uma<br />

censura a Deus que não fez um universo sem ornatos.<br />

Em certo sentido, podem-se considerar como sendo<br />

três as metrópoles de irradiação do espírito<br />

renascentista a partir da Itália: Florença, Veneza<br />

e Roma. Cada uma delas teve um papel determinado<br />

na difusão desse espírito.<br />

Palácio da Senhoria: exemplar<br />

típico do espírito florentino<br />

Do ponto de vista artístico, enquanto Florença prima<br />

pela busca na perfeição das formas, Veneza procura<br />

realçar a supremacia das cores sobre o desenho. Roma,<br />

por sua vez, é a síntese dos vários aspectos da Renascença,<br />

onde os Papas procuraram recolher obras-primas de<br />

todas as fontes e formas de beleza.<br />

O espírito florentino é muito raciocinante e amigo de<br />

ver nas coisas principalmente o aspecto resultante do silogismo.<br />

Essa é uma posição quase ascética dos renascentistas,<br />

que recusa à imaginação muitas invenções, e<br />

ao sentimento um papel muito grande na elaboração do<br />

conjunto do pensamento humano. Pelo contrário, vive de<br />

cálculos, proporções, perspectivas realmente bem elabo-<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Alain Patrick<br />

do pelo qual essa torre se ergue altaneira no monumento<br />

é formidável.<br />

Mas não se pode negar que ele nos leva a perguntar<br />

se não poderia ser um pouco mais coerente em alguns<br />

de seus aspectos. Por exemplo, não vejo o objetivo funcional<br />

daquelas quatro janelinhas numa primeira fileira;<br />

depois uma embaixo da quarta, colocada ali, onde tudo<br />

levaria a crer serem necessárias pelo menos algumas<br />

das janelas do estilo das três que estão mais ou menos<br />

na mesma linha, continuando para a direita. Por que isso<br />

é assim? Não se entende.<br />

Por outro lado, um aspecto que exprime, no meu modo<br />

de entender, a secura do estilo é a repetição dessa disposição<br />

de janelas em baixo. Depois, surgem de repente<br />

duas ou três janelinhas muito mais curtas, sem arcos em<br />

cima, colocadas ali não se sabe por quê. Por fim, no andar<br />

térreo, duas portinhas.<br />

Dir-se-ia que são elementos de feiúra. Entretanto, o<br />

conjunto agrada enormemente. Por quê? Porque a boa<br />

ordem da fachada — indiscutivelmente<br />

há uma<br />

bela boa ordem aí — faz<br />

esquecer os defeitos dessas<br />

janelinhas. Ou, pelo<br />

contrário, essas janelinhas<br />

entram meio subconscientemente<br />

no espírito<br />

como elementos<br />

dessa boa ordem. Sou<br />

mais propenso à segunda<br />

ideia.<br />

De uma dessas janelas<br />

parte um balcão.<br />

Não se diria que um palácio<br />

monumental comportaria<br />

um balcão<br />

mais bonito, mais elegante?<br />

Entretanto, é esticadinho<br />

e sequinho.<br />

Não obstante, o palácio<br />

é de uma beleza mundialmente<br />

elogiada. No<br />

mundo inteiro encontram-se<br />

estampas, postais,<br />

álbuns apresentando<br />

esse edifício deste<br />

ângulo.<br />

Se o comparamos<br />

com certos palácios de<br />

Veneza, que parecem<br />

descidos de um céu empíreo,<br />

das nuvens, notarados.<br />

Tendência da qual, a meu ver, nasceria o racionalismo.<br />

É o que principalmente notaremos nos edifícios florentinos<br />

que analisaremos a seguir.<br />

O palácio dito da Senhoria de Florença foi durante muito<br />

tempo a sede do governo de um pequeno Estado, que<br />

ocupou na cultura e no pensamento humano um lugar<br />

enorme, constituindo uma grande potência do pensamento.<br />

O Palácio da Senhoria de Florença é um exemplar<br />

típico do espírito florentino. O que há de cor neste palácio?<br />

Do lado de fora, nada. Um tijolo de um aspecto<br />

agradável, mas nada mais do que isso. Uma torre bonita<br />

com um relógio que lembra o de Siena 1 . Notam-se em algumas<br />

das janelas ainda certo sentido ogival; outras, porém,<br />

constituem meros furos realizados na parede sem<br />

sentido de beleza especial nenhum.<br />

A torre não está no meio do edifício. Na ótica moderna,<br />

a torre deveria estar bem no centro, segundo um princípio<br />

elementar do traçado artístico razoável, desejável. Mas<br />

neste palácio a torre fica empurrada um pouco para o lado,<br />

e o relógio posto na raiz da torre, quando normalmente<br />

o colocaríamos na parte de cima daquelas ameias, para<br />

ser visto pelo maior número possível de pessoas.<br />

Há embaixo, nos dois ângulos do edifício, dois ornatos<br />

extrínsecos ao palácio, mas que ajudam a ter uma ideia da<br />

harmonia total dele. São duas estátuas monumentais, de<br />

estatura maior do que a de um homem. Não lembro bem o<br />

que as estátuas representam. Elas são de um mármore bem<br />

alvo, e contrastam bastante, portanto, com a cor do prédio.<br />

Edifício sério, altivo, lógico<br />

Nesta página e na seguinte,<br />

aspectos do Palácio da<br />

Senhoria - Florença, Itália<br />

No meu modo de entender, esse edifício é lindo, extraordinário<br />

enquanto sério, altivo, lógico em tudo. O mo-<br />

JoJan (CC3.0)<br />

32


mos uma diferença colossal de psicologias. Esta é a psicologia<br />

florentina.<br />

Vê-se ali o emblema de Florença: a flor de lis vermelha<br />

que caracteriza, na heráldica, a cidade.<br />

Uma palavra sobre a arcada. São três arcos só, entretanto,<br />

pela suavidade deles — eu quase diria pela doçura<br />

séria, hierática, agradável dos arcos — a arcada completa<br />

e atenua um pouco o que o palácio tem de seco. São<br />

três arcos famosos, que constituem uma parte do décor<br />

da Praça do Palácio da Senhoria.<br />

Duas atitudes de alma face<br />

ao Palácio da Senhoria<br />

sonofgroucho (CC3.0)<br />

Antes de passar adiante, eu queria apenas apanhar<br />

uma impressão que me vem de um prédio localizado ao<br />

fundo, em um dos lados da arcada. É um edifício comum,<br />

provavelmente construído no século XIX. Mas imaginem<br />

uma pessoa que tenha um escritório naquele prédio,<br />

onde ela exerce uma<br />

função muito absorvente.<br />

Vamos dizer que, por<br />

exemplo, no primeiro<br />

andar desse edifício, esteja<br />

instalada uma grande<br />

agência internacional<br />

de notícias, na qual<br />

informações chegam a<br />

toda hora e que precisam<br />

ser difundidas a cada<br />

instante. É necessária<br />

uma vigilância muito<br />

grande, para distinguir<br />

as notícias verdadeiras<br />

das falsas, da boataria,<br />

para condensar e enviá-<br />

-las para o maior número<br />

de pessoas possível,<br />

responder às perguntas<br />

que vêm, etc.; é um contato<br />

com o mundo inteiro<br />

que se dá ali.<br />

Quando chega a hora<br />

de encerrar o expediente,<br />

a agência de notícias<br />

fecha e o indivíduo,<br />

que esteve ali o dia<br />

inteiro em contato com o<br />

que há de mais moderno<br />

no acontecer do mundo<br />

contemporâneo, sai. Ele<br />

deixou um automovelzinho<br />

qualquer encostado ao Palácio da Senhoria. Chove,<br />

ele sai com uma capa de chuva, fumando um cigarrinho,<br />

cansado, chega até lá e toma seu automóvel.<br />

Ele está com o pensamento, com o temperamento e<br />

todo o modo de ser dele completamente voltado para o<br />

mundo contemporâneo. O Palácio da Senhoria, com essa<br />

loggia e esses três arcos, ele vê todos os dias e não tem<br />

nenhuma providência a tomar a respeito disso.<br />

Podemos imaginar esse homem com dois modos de<br />

ser distintos: um é o indivíduo atolado no mundo moderno<br />

do qual gosta, e que passa perto disso como uma coisa<br />

importuna. Se ele olhar para ela, tira o espírito dele<br />

dos gonzos do seu ganha-pão para considerações com as<br />

quais ele não tem nada o que fazer. Então, o Palácio da<br />

Senhoria, para ele, é uma coisa com a qual ou sem a qual<br />

o mundo vai tal e qual.<br />

Se, pelo contrário, ele tem um grande espírito, distancia-se<br />

um pouco e, apesar da chuva, pensa: “Deixe-me<br />

descansar um pouco, olhando essa beleza. Vou tomar<br />

um “banho” de alma pensando nisso, contemplando um<br />

pouco isso.” Entra no automovelzinho, dá um giro, recua<br />

o veículo e, enquanto acaba de fumar o seu cigarro, ele<br />

fica olhando pela enésima vez em sua vida o Palácio da<br />

Senhoria. Aquilo entranha na alma dele, a qual fica rica<br />

de um depósito de arte que é uma coisa incomparável.<br />

Homens como este último são incomparavelmente<br />

mais raros do que os do primeiro tipo.<br />

A Ponte Vecchio<br />

Gostaria de chamar a atenção para a cor desse rio.<br />

Tem-se a impressão de um cristal colorido, de um verde<br />

um pouco dado a certo tipo de musgo, que se tornou<br />

líquido e está correndo lentamente. Trata-se do famoso<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Vitor Toniolo<br />

Vistas da Ponte<br />

Vecchio - Florença, Itália<br />

Targeman (CC3.0)<br />

Alain Patrick<br />

Rio Arno de Florença, de águas lindas, e em cujas margens<br />

se sucederam fatos históricos extraordinários.<br />

Sobre ele passa a conhecidíssima Ponte Vecchio. Para<br />

compreender a constituição dessa ponte, precisamos nos<br />

reportar às condições militares da cidade de Florença na<br />

Idade Média, com muralhas de todos os lados para se<br />

defender contra as agressões de fora. Naturalmente, havia<br />

uma grande vantagem para os florentinos em morarem<br />

dentro do espaço protegido pelas muralhas, porque<br />

quando havia cercos, a família, com seus pertences, estava<br />

a salvo do incêndio e do saque dos adversários que,<br />

muitas vezes, a primeira coisa que fazem quando investem<br />

sobre uma cidade é arrasar as construções localizadas<br />

do lado de fora e tocar fogo, para as muralhas ficarem<br />

atingíveis de alto a baixo.<br />

Acontece que, sendo muito caro aumentar as muralhas,<br />

os habitantes se espremiam dentro da cidade. Assim,<br />

por falta de lugar onde colocar as pessoas, certas<br />

casas foram construídas em cima da ponte. E algumas<br />

até suspensas, meio com base na ponte, e meio no ar,<br />

com uma suspensão muito sólida, sem qualquer perigo<br />

de ruir. Compreendo que isso deixasse apreensivo a algum<br />

de nossos contemporâneos. Eu, entretanto, dormiria<br />

ali completamente despreocupado.<br />

Vemos, assim, de um lado e de outro, ao longo da ponte,<br />

prédios suspensos por meio de apoios fixados na própria<br />

ponte, o que indica uma falta de espaço tremenda!<br />

No andar térreo funciona algum comércio e, em cima,<br />

habitações.<br />

34


O Lungarno degli Archibusieri<br />

Lembro-me de que, em uma das vezes que estive em<br />

Florença, jantei em um restaurante instalado sobre um<br />

tablado posto sobre estacas no Rio Arno. E exatamente<br />

no lugar onde eu estava havia uma espécie de fresta na<br />

madeira — pedacinhos de madeira tinham caído no rio<br />

—, e pela fresta se via passar o Arno. Este é tão bonito,<br />

que para mim a atração do jantar foi ficar o tempo todo<br />

olhando pela fresta.<br />

Eu me recordo de que nos hospedamos em um hotel<br />

que era uma antiga torre talvez medieval, adaptada inteiramente<br />

para hotel, e dando para uma avenida ao longo<br />

do Arno, que se chamava Lungarno degli Archibusieri.<br />

O arcabuz é uma arma de fogo do período inicial desse<br />

tipo de armas ainda na Renascença. O arcabuzeiro era<br />

o soldado que portava essa arma. Lungarno quer dizer<br />

“ao longo do Arno”, e as várias partes ao longo do Arno<br />

chamavam-se Lungarno disso, Lungarno daquilo; o local<br />

onde eu estava era Lungarno degli Archibusieri, uma<br />

verdadeira beleza. O nome é lindo e, estando deitado na<br />

torre, tem-se a impressão de ouvir a marcha cadenciada<br />

dos arcabuzeiros que caminhavam para alguma guerra<br />

de conquista de um terreninho com quatro ou cinco galinheiros,<br />

que iam arrancar da cidade vizinha.<br />

O comércio existente no andar térreo dos prédios dessa<br />

ponte é riquíssimo, magnífico. Creio já ter contado que,<br />

numa das vezes em que estive aí, eu procurava uma lembrança<br />

para <strong>Dr</strong>. João Paulo e Da. Lucilia e entrei numa<br />

loja de antiguidades, no andar térreo. Entrei um pouco<br />

para ver a loja e, entre os objetos expostos, observei um<br />

par de castiçais para se colocar em criado-mudo. Precisamente<br />

faltava arranjar uma peça bonita desse gênero para<br />

o quarto deles. Perguntei quanto custava. Era um preço<br />

fabuloso. Aí prestei mais atenção; os castiçais tinham<br />

me encantado, mas eu não tinha feito o raciocínio muito<br />

simples de que tudo que encanta é caro e, portanto, eu deveria<br />

desconfiar do preço. Mas era um cristal com tais e<br />

quais qualidades, cujo preço eu não podia pagar. Os castiçais,<br />

em vez de irem para a Rua Alagoas, 350, onde eu residia<br />

com meus pais, ficaram na Ponte Vecchio não sei por<br />

quanto tempo. Talvez ainda estejam lá... <br />

1) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> n. 219, p. 32.<br />

v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 23/11/1988)<br />

Giovanni Dall’Orto (CC3.0)<br />

Lungarno degli Archibusieri - Florença, Itália<br />

35


Nossa Senhora da Luz Profética<br />

Aluz profética é um discernimento por onde vemos, e como que apalpamos, as graças que<br />

Nossa Senhora nos concede, e cuja característica é fazer com que passem as inseguranças,<br />

os egoísmos, os subjetivismos, os langores. Enquanto essa luz brilha, tudo isso acaba.<br />

É como o Sol: quando ele se põe, as aves noturnas, os bichos feios, os animais agressivos começam<br />

a se mover dentro da floresta. Quando o Sol se levanta, eles procuram suas tocas, seus ninhos,<br />

buracos e somem. Esse sol é a luz profética.<br />

Nossa Senhora da Luz Profética é Maria Santíssima enquanto resplandecente dessa luz, de um<br />

modo inenarrável! Ela, de vez em quando, obtém para nós raios dessa luz para nos fazer completamente<br />

outros.<br />

Nada no mundo vale tanto quanto esta luz. Com ela tudo se resolve; sem ela, tudo fica difícil.<br />

Nossa Senhora nos dá a entender o seguinte: “Meus filhos, essa é uma luz que vem do Céu, é a<br />

luz do meu Reino. Peçam-na, acreditem nela e deixem-se transformar por ela.”<br />

(Extraído de conferência de 16/9/1974)

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