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Revista Dr. Plinio 207

Junho de 2015

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Publicação Mensal Ano XVIII - Nº <strong>207</strong> Junho de 2015<br />

Conversa no Céu


Fruto da<br />

santidade da Igreja<br />

N<br />

a história da Inglaterra, vemos<br />

os grandes processos de atonia, de<br />

tibieza, de indiferentismo que preparam<br />

depois toda a massa católica para as maiores<br />

defecções que deram no protestantismo.<br />

Mas, ao lado disso, nos deparamos com<br />

uma coisa bonita: a permanência da nota da<br />

santidade da Igreja. Porque, apesar de todas<br />

essas tristezas, é na Igreja que se vão encontrar<br />

os mártires, os homens de um caráter<br />

admirável, que preferem tudo a ceder diante<br />

do adversário, e que expõem tudo quanto<br />

têm, e até a própria vida, para se manterem<br />

fiéis à verdadeira tradição e à continuidade<br />

eclesiástica.<br />

Quer dizer, mesmo quando a putrefação<br />

invade os meios católicos, a santidade da<br />

Igreja produz frutos excepcionais e tão<br />

maravilhosos como fora da Igreja não se<br />

encontram.<br />

Assim, ao mesmo tempo em que a Igreja é<br />

traída, renegada, vemo-la deitar uns lampejos<br />

memoráveis que provam a divindade dela. Nisto<br />

está uma espécie de afirmação contínua da<br />

assistência do Divino Espírito Santo na Igreja.<br />

Esta me parece ser a reflexão mais oportuna<br />

que podemos fazer sobre o martírio de São<br />

João Fisher.<br />

(Extraído de conferência de 22/6/1965)<br />

São João Fisher<br />

Igreja de Santa Maria,<br />

Oxfordshire, Inglaterra<br />

Dario Iallorenzi<br />

2


Sumário<br />

Publicação Mensal Ano XVIII - Nº <strong>207</strong> Junho de 2015<br />

Ano XVIII - Nº <strong>207</strong> Junho de 2015<br />

Conversa no Céu<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

durante uma conversa<br />

em sua residência.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Gilberto de Oliveira<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Santo Egídio, 418<br />

02461-010 S. Paulo - SP<br />

Tel: (11) 2236-1027<br />

E-mail: editora_retornarei@yahoo.com.br<br />

Impressão e acabamento:<br />

Pigma Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Major Carlo Del Prete, 1708/1710<br />

09530-001 São Caetano do Sul - SP<br />

Tel: (11) 4222-2680<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum .............. R$ 130,00<br />

Colaborador .......... R$ 180,00<br />

Propulsor ............. R$ 415,00<br />

Grande Propulsor ...... R$ 655,00<br />

Exemplar avulso ....... R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

Tel./Fax: (11) 2236-1027<br />

Editorial<br />

4 A arte de conversar e o<br />

cântico dos Bem-aventurados<br />

Dona Lucilia<br />

6 Dor e seriedade<br />

Sagrado Coração de Jesus<br />

8 O Divino Interlocutor<br />

A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

16 A organicidade do Brasil<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

22 A conversa e a cruz<br />

O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

26 O tesouro da vida<br />

Calendário dos Santos<br />

30 Santos de Junho<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Roma sparita<br />

Última página<br />

36 Superexcelente misericórdia<br />

3


Editorial<br />

A arte de conversar<br />

e o cântico dos<br />

Bem-aventurados<br />

Como será a vida no Céu? Que fazem eternamente os Anjos e os Bem-aventurados? Existirá<br />

entre eles alguma forma de relacionamento, ou a visão de Deus os absorve por completo? São<br />

essas algumas perguntas que costumam surgir quando se medita sobre as maravilhas do Paraíso<br />

Celeste.<br />

A este respeito, ensina-nos a Doutrina Católica que cada um dos Santos e dos espíritos angélicos,<br />

enquanto vê a Deus face a face, comunica aos demais aquele aspecto do Altíssimo que lhe é dado<br />

contemplar. Esta comunicação mútua constitui um como que cântico das excelências divinas, um sublime<br />

ato de louvor e adoração.<br />

Para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> este cântico celestial bem poderia ser comparado, nesta Terra, à boa conversa, na<br />

qual os homens não só se relacionam, mas trocam ideias, comentários, percepções, pontos de vista e<br />

assim, enriquecem o espírito. Por isso, a conversa tem grande importância para o bem viver.<br />

Entretanto, cada vez mais nota-se na humanidade a extinção da arte de conversar. Hoje ninguém<br />

se assombra ao encontrar uma família cujos membros não convivem entre si. Caso se reúnam, para<br />

uma festa de Natal, por exemplo, não raro é que as pessoas prefiram estar à frente da televisão, apenas<br />

trocando uma palavra de vez em quando. Os mais jovens, hipnotizados pelo mundo virtual, nem<br />

sequer piscam os olhos diante do computador ou dos cada vez mais multifuncionais aparelhos de celular...<br />

E o patriarca, o avô, que deveria atrair para si a atenção de todos, contando interessantes histórias<br />

de seu passado, egoisticamente mergulha no jornal, pouco se importando com o que se passa<br />

ao seu redor. Analisando essa situação, tão diferente do ambiente de sua infância, comentava certa<br />

vez <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>:<br />

“Houve um hiato, uma queda, um vácuo entre a geração dos meus avós e a minha. Aquela ainda<br />

conversava, a dos meus pais se achava numa transição e a dos seus filhos já não sabia fazê-lo. Com<br />

muito pesar eu notava essa decadência, pois a conversa estimula a vontade de pensar e comunicar.<br />

Ela é um intercâmbio mental respirado, tonificante e verdadeiramente humano, um meio insubstituível<br />

para viver, pensar.” 1<br />

A conversa “não é apenas uma troca de informações nem de impressões, mas também de cognições<br />

mútuas dos interlocutores, cujas personalidades se manifestam pelo olhar, tom de voz, gestos,<br />

etc., [...] é um intercâmbio de duas personalidades que falam sobre matéria atraente e que interessa<br />

a ambas. Será ainda mais autêntica se o meu interlocutor puser certa nota pessoal em suas palavras,<br />

fazendo com que eu goste de ouvi-lo. Isso é um elemento fundamental da conversa.” 2 Numa conver-<br />

4


sa as mentalidades se visitam, e entram em harmoniosa consonância, evoluindo pouco a pouco, como<br />

uma melodia.<br />

Daí a analogia que pode ter uma conversa nesta Terra com o cântico dos Bem-aventurados no<br />

Reino dos Céus.<br />

A arte de conversar, muito mais do que um ato social ou uma necessidade da natureza humana,<br />

exige também certo discernimento dos espíritos e uma aguda percepção do ambiente e do interlocutor,<br />

a fim de tornar-se agradável àquele com quem se fala. “Na procura desse objetivo, é preciso ter<br />

em vista que a arte de conversar supõe uma primeira disposição de espírito, sem a qual ela não existe:<br />

devemos nos interessar pelos outros para saber conversar.” 3<br />

“Observando essa atitude cumpriremos na conversa a síntese de todos os Mandamentos: amar a Deus<br />

sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, por amor a Deus” 4 , deixando o campo meramente<br />

terreno e ingressando no celestial. Por isso, para <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> a conversa tem seu ponto de convergência no<br />

Sagrado Coração de Jesus, e as mais frutuosas conversas são aquelas em que o Divino Interlocutor faz-se<br />

presente 5 . “A boa e verdadeira conversa deve brotar de pensamentos elevados, daquilo que se meditou,<br />

analisou; quem não cogita em assuntos elevados é incapaz de manter uma conversa.” 6<br />

“Quando conversamos animados pelo amor de Deus e do próximo, o convívio é agradável. Do<br />

contrário, o trato será detestável, sem afabilidade, marcado por um cunho revolucionário. Pois imaginemos<br />

uma conversa com determinada pessoa em estado habitual de violar, ao mesmo tempo, todos<br />

os Mandamentos. Ela mata, rouba, calunia, etc. O estar com essa pessoa se torna insuportável,<br />

um pesadelo. Não há o que conversar com ela. Por outro lado, suponhamos um colóquio entre duas<br />

pessoas que se esforçam por cumprir de modo exímio os dez Mandamentos. É um Céu. Sublime<br />

exemplo foi o célebre diálogo de Santo Agostinho com Santa Mônica, na hospedaria de Óstia. Em<br />

suma, a ótima conversa é aquela iluminada pelo Divino Espírito Santo, realizada aos pés da Santíssima<br />

Virgem, em cujo Coração vive Nosso Senhor Jesus Cristo. O resto, no fundo, é fraude, vaidade<br />

e aflição de espírito...” 7<br />

Participando desse estado de espírito, as coisas mais comezinhas, os fatos mais simples do dia a<br />

dia, podem se tornar uma prece nos lábios daqueles que conversam, e que não deixam faltar em sua<br />

conversação o transcendente, o maravilhoso e a presença divina. Mesmo quando estes elementos<br />

estejam presentes de modo implícito — e é o que se passa na maior parte das vezes —, a conversa<br />

dá-nos uma pálida ideia do cântico dos Bem-aventurados no Paraíso.<br />

1) Conferência de 5/5/1979.<br />

2) Idem.<br />

3) Conferência de 14/2/1987.<br />

4) Conferência de 5/5/1979.<br />

5) Ver páginas 13 a 15 neste número.<br />

6) <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 82, p. 25.<br />

7) Conferência de 5/5/1979.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

5


Dona Lucilia<br />

Dor e seriedade<br />

A seriedade causa dor, mas o pior sofrimento é o produzido<br />

pela falta de seriedade, a qual faz com que a pessoa se sinta<br />

vazia, sem ideias, sem ideais, sem vontade.<br />

Osofrimento era algo tão ligado à vida de Dona<br />

Lucilia e a todo o ser dela, que eu em pequeno<br />

às vezes notava que ela estava sofrendo, porém<br />

não sabia por quê. Ficava olhando para ela e contemplando<br />

o sofrimento, mas sem compreender o que a fazia<br />

sofrer.<br />

Pequenos sofrimentos que originavam<br />

um sofrimento global<br />

Mais tarde, quando me tornei um pouco mais velho, fui<br />

compreendendo uma ou outra razão de um ou outro sofrimento.<br />

Depois, compreendi que os sofrimentos dela formavam<br />

um como que edifício. Era um conjunto de razões<br />

que a faziam sofrer e que constituíam um grande sofrimento<br />

global, o qual era o sofrimento geral da vida dela. Então<br />

comecei a ter uma ideia global do que era o sofrimento.<br />

Quando pequeno, eu notava, sobretudo, que mamãe<br />

tinha restos de enfermidade devido àquela operação da<br />

vesícula, que ela fez na Alemanha em 1912, e percebia<br />

que tinha muita dificuldade em caminhar.<br />

Eu notava que, às vezes, meu pai voltava cedo do escritório,<br />

passava por casa, pegava-a e saíam os dois a fazerem<br />

uma volta a pé. Ele, tendo terminado seu serviço durante<br />

o dia, contente com a tarefa, com saúde e vida, um homem<br />

muito feliz. Ela, uma pessoa na qual cada passo era uma<br />

dor, ao mesmo tempo entendia que não poderia irradiar<br />

seu sofrimento sobre o esposo, ser uma causa contínua de<br />

dores para ele. Ela deveria fingir que não estava sofrendo,<br />

ou contar sorrindo: “Hoje, como estão me doendo os<br />

pés!”, e continuar a andar, todos os dias, a extensão recomendada<br />

pelos médicos. Nunca terminar antes porque lhe<br />

estavam doendo muito, porque essa extensão era necessária<br />

para habituar os pés ao esforço adequado.<br />

O sofrimento produz a seriedade<br />

Então, eu percebia que mamãe tinha uma compreensão<br />

muito profunda dessa situação. Ela sentia esse sofrimento,<br />

e sentia na alma a dor que tem esta quando o corpo<br />

sofre dor física. Não é uma dor superficial, mas uma<br />

dor profunda. O corpo padece e a alma com isso sofre.<br />

Quando voltava para casa, ela descansava, e nesse momento<br />

eu entendia tudo quanto sofrera durante o passeio,<br />

porque, sorrindo, mamãe se deitava numa espécie<br />

de divã e ficava com os pés imobilizados até que a dor<br />

passasse. Ela às vezes gemia sorrindo; então se formava<br />

uma roda de pessoas conversando coisas do dia, e por<br />

amabilidade perguntavam-lhe:<br />

— Você está melhor, Lucilia?<br />

— Sim, sim, estou melhorando.<br />

Eu estava vendo que era todo o dia a mesma coisa,<br />

não acabava mais. E compreendia bem que aquilo trazia<br />

para seu espírito um reflexo, que era a seriedade, porque<br />

o sofrimento produz a seriedade.<br />

A pior dor que o homem pode ter não é a causada pela<br />

seriedade, é a produzida pela falta de seriedade. Sentir-se<br />

não sério, vazio, sem ideias, sem ideais, sem querer<br />

nada, sem dizer algo que valha qualquer coisa, isto causa<br />

um sofrimento pior do que o pior dos sofrimentos.<br />

Um dos melhores dons que Deus pode dar a uma<br />

criança é o sofrimento. Não nos queixemos, portanto,<br />

dos sofrimentos que tenhamos tido. Pelo contrário, agradeçamos<br />

a Nossa Senhora e compreendamos que Ela,<br />

assim, nos destinou para a seriedade.<br />

Atitudes das pessoas perante a<br />

Primeira Guerra Mundial<br />

Pouco tempo depois desses primeiros fatos da minha<br />

infância terem se passado, arrebentou a Guerra Mundial.<br />

Entendi mais ou menos o que era essa guerra, mas<br />

tinha a noção da distância enorme que havia entre o<br />

Brasil e a Europa. Portanto, era impossível que a guerra<br />

chegasse até aqui; enquanto a Europa passava por todo<br />

aquele sofrimento, no Brasil havia a boa vida tranquila<br />

e folgada; o Brasil não entraria em guerra, e por isso as<br />

pessoas aqui gostavam de celebrar a tranquilidade bra-<br />

6


sileira. Não só apreciavam isso os brasileiros,<br />

mas os estrangeiros oriundos de países<br />

que estavam na conflagração, mas<br />

que tinham vindo para o Brasil antes<br />

da guerra. Eles tinham pais, irmãos,<br />

filhos, netos, metidos na conflagração.<br />

Isso lhes interessava, mas, sobretudo,<br />

o que eles possuíam era<br />

um bem-estar de pessoalmente<br />

não participar da guerra.<br />

Quando chegava a tardinha,<br />

era frequente verem-se nas ruas<br />

da São Paulinho rodas formadas<br />

na calçada por famílias de imigrantes.<br />

As donas de casa faziam pratos<br />

do tempo em que viviam em seus países<br />

de origem, os homens conversavam,<br />

davam risadas, as crianças brincavam,<br />

todos se preparando para comer e<br />

depois comendo valorosamente, comentando<br />

como era bom eles não estarem na guerra.<br />

Comecei a observar isso e percebi que havia duas atitudes<br />

perante a conflagração: uma, a daqueles a quem<br />

era, sobretudo, agradável estar longe dela; a outra, a dos<br />

que admiravam a guerra, compreendiam sua beleza. Estes<br />

últimos não podiam ir à guerra porque tinham compromissos<br />

aqui no Brasil para manter a família; se eles<br />

fossem poderiam morrer, e a família ficava abandonada.<br />

Mas acompanhavam os jornais com o espírito de lutadores:<br />

seu país avançou ou recuou, os aliados deles avançaram<br />

ou recuaram, os meios de destruição se acentuaram.<br />

Aparece o aeroplano, então o grande perigo são os voos.<br />

Depois surgem os gases asfixiantes, os bombardeios em<br />

massa das grandes cidades. E no fim, coisa talvez pior do<br />

que tudo, as epidemias que contagiavam às vezes um país<br />

inteiro e que constituíam uma tristeza, uma coisa horrível.<br />

Atrozes ferimentos causados<br />

pela conflagração<br />

Eu tive uma governanta austríaca que era solteira e<br />

ofereceu-se para, durante o dia, trabalhar num hospital<br />

de feridos de guerra.<br />

Ela disse que os ferimentos eram atrozes. Por exemplo,<br />

um jovem que tinha ido para combater e voltou<br />

com um ferimento que de si não era mortal, mas ele não<br />

podia falar porque um projétil lhe arrancara o queixo.<br />

Quando ele precisava de alguma coisa, tocava uma sineta<br />

e escrevia, com letra trêmula de alguém que está gravemente<br />

doente, aquilo de que precisava. Às vezes não<br />

conseguia escrever por inteiro, deixava cair sobre a cama<br />

a caneta e o papel, e ficava esperando um<br />

momento em que um pouquinho mais de<br />

força lhe permitisse fazer o pedido.<br />

Minha governanta contava que,<br />

pelo regulamento do hospital, as<br />

enfermeiras tinham horários determinados<br />

para descansar, porque<br />

se elas ficassem doentes também,<br />

o hospital tornava-se inoperante.<br />

As enfermeiras precisavam<br />

ter uma defesa contra a epidemia,<br />

então o hospital mandava-as<br />

repousar. Mas quando minha<br />

governanta estava descansando<br />

e se lembrava de que talvez o<br />

homem sem queixo precisasse de alguma<br />

coisa, ela se levantava às escondidas<br />

e ia verificar se ele queria algo.<br />

Quem censuraria uma atitude como essa?<br />

Só poderia aplaudir. Mas que condições de<br />

vida, que horrores, que monstruosidades!<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Reflexão sobre o magnífico tema da dor<br />

Tudo isso representava o sofrimento, e eu notava que<br />

Dona Lucilia tinha em face desses fatos uma atitude<br />

muito mais pensativa e mais séria do que as outras pessoas.<br />

Estas comentavam, como ela, as notícias que os jornais<br />

publicavam, por vezes com sensacionalismo que impressionava<br />

muito o público, é natural.<br />

Por exemplo, acabava o almoço de domingo, todos se<br />

espalhavam pela sala de jantar e começavam a conversar<br />

sobre esses assuntos. Lembro-me até hoje de que quando<br />

um velho relógio de parede, com um bonito som,<br />

marcava duas horas da tarde, havia sempre um espírito<br />

mais leviano e superficial que dizia com uma voz que dominava<br />

a todos: “Meus caros, agora chegou a vez de nos<br />

divertirmos. Você vai para onde? E você? Vamos fazer os<br />

nossos programas.” Então, uns iam passear nos arredores<br />

da cidade, outros faziam visitas, enfim, essa vida leve<br />

dos domingos.<br />

Eu percebia que Dona Lucilia acompanhava, mas que<br />

o espírito dela ia para a compaixão por aqueles que tinham<br />

sofrido, fazia oração por eles para Nossa Senhora<br />

aliviar ou até para evitar esse sofrimento. Mas, sobretudo,<br />

fazia a reflexão sobre o grande, o nobre, o magnífico<br />

tema da dor. E dentro deste tema, outro ainda mais bonito:<br />

o heroísmo, a coragem.<br />

Isto ia formando a alma de um menino...<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 26/7/1995)<br />

7


Sagrado Coração de Jesus<br />

O Divino Interlocutor<br />

Em sua concepção sacral da existência, no processo de seu<br />

pensamento e até na elaboração de uma arte de conversar,<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> tinha como fonte de inspiração e ponto de<br />

convergência o Sagrado Coração de Jesus.<br />

Um tema que daria para um estudo muito interessante<br />

é a exposição analítica de todos os<br />

modos pelos quais as coisas na Criação crescem.<br />

Elas têm modos diferentes de crescer e de evoluir<br />

para chegar até a morte; e nesta há também um processo,<br />

que não é sempre análogo. Então há o crescimento,<br />

depois uma fase de expansão e o deperecimento.<br />

Início, expansão e morte<br />

E isso é tão diferente nas várias espécies de vegetais, e<br />

em cada planta em particular! É diverso nos bichos e nas<br />

velocidades materiais. E também em todo o processo de<br />

pensamento e de desenvolvimento<br />

do homem.<br />

Nesse crescer, expandir-se e<br />

morrer, Deus Nosso Senhor fez um<br />

verdadeiro jogo de maravilhas, que<br />

evidentemente as pessoas que cultuam<br />

a natureza não se dão o trabalho<br />

de apreciar. Porque isso supõe<br />

um mínimo de pensamento, de<br />

contemplação e de meditação. E esse<br />

tipo de meditação, em geral, elas<br />

não querem fazer.<br />

Tudo isso — nas plantas, nos animais<br />

e nas velocidades materiais —<br />

é simbólico, de um modo ou de outro,<br />

do processo do homem; é simbólico<br />

da vida terrena de Nosso Senhor<br />

e da trajetória da História, do<br />

curso dos acontecimentos.<br />

Até mesmo certas coisas que<br />

são feitas para matar e não para viver<br />

— por exemplo, uma batalha —<br />

têm seu começo, seu crescimento,<br />

Rui Ornelas (CC 3.0)<br />

depois seu murchamento, e caem. Um dos aspectos bonitos<br />

desse estudo é a questão dos recrudescimentos: quais<br />

são suas origens, que forças têm, como se faz um recrudescimento.<br />

Só o tema dos recrudescimentos daria para<br />

uma doutrina interessantíssima da Contra-Revolução.<br />

Até os fogos de artifício podem ter uma trajetória<br />

muito bonita nesse sentido.<br />

Um universo de belezas<br />

Uma das coisas que eu gosto de apreciar no mar é exatamente<br />

o nascimento da onda, depois o sistema de ondas,<br />

quando elas arrebentam ou expiram na praia.<br />

8


Também, a ilusória perpetuidade da calmaria… Como,<br />

dentro da calmaria, o primeiro elementozinho indica<br />

uma mudança completa das coisas que vão se acumulando.<br />

É um processo muito bonito!<br />

Isto tudo é uma verdadeira maravilha que depois tem<br />

sua transposição para os processos políticos, para a história<br />

das instituições, das correntes de espiritualidade, etc.<br />

Há um universo de belezas aí, que ao homem foi dado<br />

contemplar com olho rápido, furtivo e atento, porque<br />

não tem tempo para pensar nisso. Mas que é uma coisa<br />

lindíssima!<br />

Por exemplo, há mortes que são como um Amazonas<br />

desembocando na eternidade; quase que empurra a eternidade<br />

um pouco para fora. Mas existem outras mortes<br />

como um riozinho pequenininho, humildezinho, que vai<br />

dar diretamente no mar e se perde, envergonhadinho,<br />

com um sussurro que o mar incorpora a si…<br />

Há uma porção de coisas bonitas, interessantes, para<br />

ver dentro disso. E isso se aplica muito à história de um<br />

homem.<br />

Por temperamento, sou muito estável e gosto das coisas<br />

estáveis, que duram na calmaria.<br />

Não concebo o Céu num perpétuo movimento, mas<br />

com diferentes modos de ser da estabilidade. Não é a instabilidade;<br />

é a mutação dentro da estabilidade.<br />

Processo de pensamento de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Todas as doutrinas e temas — portanto, também o<br />

conceito de sacralidade — têm um modo de se desenvolver<br />

peculiar de cada indivíduo. Em mim, essa peculiaridade<br />

é assim:<br />

Primeiro, um nascimento cheio de intuições, de graças,<br />

ultra-alcandorado, em que entra de um modo especial<br />

uma visão confusa do ultramaravilhoso e do ponto<br />

terminal bom, do ponto supremo, do auge; e o encantamento<br />

por esse auge.<br />

Depois do auge bem visto, e de dar a ele tudo quanto<br />

naquele estágio da vida espiritual ele merece que se dê,<br />

então vem um período de aparente estabilidade; mas de<br />

fato é um período em que se vai “cozinhando” lentamente<br />

a explicitação.<br />

Ao mesmo tempo — é como se dá concretamente comigo<br />

— um período de luta, em que a explicitação é ajudada<br />

possantemente pela contestação. Porque aquele<br />

conhecimento confuso, primeiro, vem acompanhado de<br />

uma implícita rejeição do que não é aquilo. E quando alguém<br />

afirma o contrário, vem a repulsa.<br />

Na repulsa implicitamente fica mais conhecido aquilo<br />

que foi negado. E, ao mesmo tempo em que se prepara a<br />

apologética, elabora-se a explicitação. A apologética e a<br />

explicitação são fenômenos reversíveis um no outro. De<br />

maneira que eu me torno conhecedor das coisas por dois<br />

dados: por uma espécie de conaturalidade, e por uma espécie<br />

de repulsa daquilo que é contrário.<br />

Num determinado momento, tudo o que se podia conhecer<br />

a respeito daquilo está conhecido, com os próprios<br />

recursos e com a observação concreta da vida. Aí<br />

chega a hora da leitura. Não antes.<br />

Podem percorrer todos os livros de minha biblioteca,<br />

e encontrarão sinais disso. A leitura veio exatamente depois<br />

para ajudar esse processo, dando mais informações,<br />

fazendo com que a pessoa se situe ante o que diz o escritor<br />

e, portanto, julgue: é “sim”, é “não”, é “talvez”, é<br />

“conforme”, etc.<br />

Depois de tudo isso feito, há mais uma vez uma nova<br />

aparente estagnação, em que todos esses elementos recolhidos<br />

são objetos de uma nova síntese. E vem uma visão<br />

final que depois cresce pouco, na aparência, mas que<br />

de fato tem muita intensidade. E prepara o ato de amor<br />

terminal.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

9


Sagrado Coração de Jesus<br />

Jean-Pierre Lavoie (CC 3.0)`<br />

Carcassone, França<br />

Eu não sei se isso será assim em outros. Desconfio<br />

muito que não, e que varia muito de acordo com o caminho<br />

de Deus para cada pessoa.<br />

A inocência é o princípio da sabedoria<br />

Graças a Nossa Senhora, há nesse processo muita inocência.<br />

Porque não é só conhecendo a coisa em si, mas é<br />

conferindo os dados externos com a inocência. A inocência,<br />

nesse sentido, é um começar de sabedoria. Ela constitui<br />

uma espécie de ortodoxia.<br />

O que eu disse agora, há um ano eu não teria tão claro<br />

a ponto de explicitar; neste momento estou explicitando<br />

com facilidade.<br />

Na aparência, isso em mim se encontrava parado;<br />

mas, de fato, estava sendo preparada esta explicitação.<br />

O que indica que havia uma ação profunda —<br />

muito silenciosa, tranquila, discreta, mas não pouco<br />

ativa — para passar do último estágio de um conhecimento<br />

confuso para o conhecimento inteiramente<br />

definido.<br />

Seria um crescimento contínuo sob a forma de estabilidade,<br />

mas na realidade trata-se de uma ação em profundidade.<br />

Mais ou menos como o desenvolvimento da<br />

árvore já crescida, que não cresce mais, mas suga da terra<br />

coisas que dão ao processo vital da árvore o meio de ir<br />

vivendo. Examinando bem, a árvore pode, durante muito<br />

tempo ainda, crescer em força e em volume por esse<br />

processo.<br />

Então, o conhecimento da transcendência de Deus,<br />

por exemplo, depois de chegar a certo estágio, entra nessa<br />

fase de elaboração profunda, pouco perceptiva, que<br />

de repente dá um fruto muito mais sutil e melhor, que<br />

é fazer as correlações entre os conjuntos que se têm na<br />

mente, e daí nasce um determinado unum.<br />

E esse é o píncaro do processo intelectual e moral.<br />

Porque esse píncaro já é a primeira nota, é a antífona do<br />

cântico que nós devemos entoar no Céu.<br />

Procura do mundo dos possíveis<br />

Esse é o processo de conhecimento das coisas que poderiam<br />

ou deveriam existir, algumas das quais existem.<br />

Por exemplo, quando vejo um belo castelo. Ele corresponde<br />

a ideias que todos tivemos na mente sobre um castelo<br />

inexistente. Então, minha primeira reflexão é: “Aqui<br />

está o inexistente que eu procurava!”<br />

Muita coisa, que parece estar no mero mundo dos<br />

possíveis, existe. É questão de saber procurar. Em última<br />

análise, se fosse bem ordenado, o turismo perfeito seria<br />

uma procura pelo mundo dos possíveis que a pessoa<br />

não conheceu.<br />

Essa procura é um pouco o que vai dando ânimo e<br />

movimentação à vida. O contrário é o tipo de velho que,<br />

no domingo, às três horas da tarde, junto com sua esposa,<br />

acabou de almoçar; ele está bem satisfeito e ela está<br />

aliviada porque o marido almoçou bem e gostou da refeição.<br />

Ele se senta numa cadeira e fica ruminando, com<br />

desapontamento, porque ele acha que não há mais possíveis.<br />

Propriamente, a substância dessa velhice mal concebida<br />

é crer pouco nos meramente possíveis do Céu, e achar<br />

que na Terra não adianta conhecê-los, porque já se viu<br />

que todas essas coisas fanam. Então o velho fica sentado<br />

na cadeira, ruminando sua bronquite. Essa é a substância<br />

desse conceito de velhice.<br />

Antigamente, como a senhora — de modo habitual,<br />

não necessariamente — era melhor do que o homem, ela<br />

ficava pensando um pouquinho no Céu e nas saudades<br />

do tempo que se foi.<br />

O homem, pouco sujeito a saudades, não pensava no<br />

Céu, mas de vez em quando o relâmpago do Inferno lhe<br />

aparecia pela mente. E isso o levava a fazer a sua Confissão<br />

e Comunhão pascais. Assim era a velhice.<br />

Havia uma casa — creio que não existe mais — na esquina<br />

da Rua Imaculada Conceição com a Rua Martim<br />

Francisco 1 . Eu percebia, pela conformação do prédio,<br />

10


que existiam muitos quartos de dormir vazios; donde se<br />

deduz terem morado filhos ali, que depois tinham se mudado,<br />

e o casal residia sozinho.<br />

Eu, então, imaginava o velho e a velha possível no nível<br />

daquela residência, que era uma casa mediana. Esse<br />

velho e essa velha eu os construía de vários velhos e velhas<br />

que tinha conhecido.<br />

Como a ideia da Contra-Revolução foi<br />

elaborada no espírito de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Estou explicitando agora. Mas a explicitação é fruto<br />

de um trabalho lento, que a mim me dá a impressão de<br />

que não estou trabalhando, mas simplesmente vivendo.<br />

Eu diria que parei. Mas, de repente, saio com uma enxurrada<br />

de coisas que, assim, nunca pensei. É o lento trabalho<br />

terminal que deve aprontar na mente.<br />

A Contra-Revolução, considerada no seu conjunto,<br />

teve exatamente esse papel no meu espírito.<br />

Primeiro formei impressões, observei fatos, tomei<br />

conhecimento pela leitura de alguns tantos acontecimentos<br />

históricos, e também conheci muito pelas narrações,<br />

mais ou menos à Alexandre Dumas, que circulavam<br />

no ambiente familiar, a respeito desse ou daquele<br />

caso.<br />

Por exemplo, Maria Antonieta. Na minha geração, o<br />

preconceito contra Maria Antonieta era uma coisa atroz:<br />

“Mulher dura, má, traidora, favorecia os austríacos! De<br />

uma beleza esplendorosa — era vista assim — que fazia<br />

com que todas as mulheres feias ficassem complexadas,<br />

pensando nela!”<br />

Mas contavam que o povo faminto chegou a Versailles,<br />

e ela estava tão alheia às verdadeiras necessidades do povo<br />

que disse: “Então, se vocês não têm pão, comam brioche.”<br />

E ela nem sabia bem que brioche era mais caro que<br />

o pão; porque problema de dinheiro não existia para ela.<br />

Então deu um conselho que provava — assim diziam —<br />

como ela vivia alheia ao sofrimento do povo.<br />

Eu me lembro de, ainda pequeno, perguntando para<br />

Dona Lucilia:<br />

— Mas, mamãe, o que é brioche?<br />

— Uns bolinhos excelentes.<br />

Não cheguei a me perguntar por que ela não fazia<br />

brioche para eu comer. Até lá a gula não chegou… Mas<br />

vejam a provação para uma criança que ainda não sabe o<br />

que é brioche:<br />

“Então as pessoas bonitas, alinhadas, estiladas, superiores<br />

não têm coração porque seguem demais regras e<br />

se endurecem com essas regras? Por que seguir a regra<br />

endurece e cega para a compaixão com os que não conseguiram<br />

seguir a regra? Então, seguir as regras é mau?”<br />

Minha resposta interior:<br />

“Não pode ser. Porque entre bem e bem não pode haver<br />

incompatibilidade.”<br />

A doutrina não é o ponto de<br />

partida, mas o de chegada<br />

A importância que dou ao raciocínio faz com que eu<br />

não considere nada por acabado se não foi raciocinado.<br />

Porque todo esse processo de intuição tem que chegar a<br />

raciocínios que provem ou não provem aquilo que foi antes<br />

intuído, apalpado, pressentido.<br />

Podem, então, imaginar o meu encantamento lendo o<br />

“Tratado de Direito Natural”, de Taparelli d’Azeglio, o<br />

“Tratado de Sociologia Católica”, de Albéric Belliot, um<br />

franciscano; enfim, uma flotilha de coisas que eu li e me<br />

provaram, por exemplo, a legitimidade do direito de propriedade,<br />

que era uma coisa instintiva, mas cuja legitimidade<br />

eu apanhei aí.<br />

Quando vi que o direito de propriedade, a instituição<br />

da família, a indissolubilidade do vínculo matrimonial, a<br />

autoridade paterna — cuja liceidade era intuída por mim<br />

— se baseavam num raciocínio claro, límpido, perfeito,<br />

tive um entusiasmo enorme!<br />

Ostensório da Igreja de Santa<br />

Maria - Cracóvia, Polônia<br />

Gustavo Kralj<br />

11


Sagrado Coração de Jesus<br />

Isso deu ao meu pensamento uma estrutura que veio<br />

depois de mil apalpações.<br />

Essa é uma característica do meu espírito: não começar<br />

por ler a doutrina, mas por pegar a realidade. Depois<br />

de ter intuído na realidade, ir ver a doutrina. E aí ter um<br />

contentamento, um gáudio enorme.<br />

Estou longe de ser daqueles que julgam dever prescindir<br />

da doutrina, mas a questão é que para muitos a doutrina<br />

é o ponto de partida, e na conformação do<br />

meu espírito é o ponto de chegada.<br />

Todas essas coisas com o tempo acabam formando<br />

um depósito primeiro de impressões<br />

maturadas, para raciocinar. E enquanto já<br />

vou raciocinando algumas de minhas impressões,<br />

continuo a maturar ou explicitar<br />

outras. Então, nós poderíamos dizer<br />

que esse processo é:<br />

Primeiro: observar, captando e classificando<br />

subconscientemente.<br />

Segundo: estabelecendo oposições, e começando<br />

por aí a explicitação.<br />

Terceiro: fazer os primeiros raciocínios<br />

que constituem pontas de trilho para<br />

que, daí para diante, em contato com<br />

qualquer coisa nova o processo inteiro<br />

vai se movendo.<br />

Concepção sacral da vida<br />

Isso forma inclusive o progresso<br />

na vida espiritual.<br />

Por exemplo, a noção<br />

de sacralidade, no começo,<br />

é muito mais vívida em relação<br />

à Igreja. Depois menos<br />

em referência à autoridade<br />

paterna dentro<br />

da família como entidade<br />

toda ela sacral, num<br />

certo sentido especial<br />

da palavra “sacral”. E<br />

também em relação ao mito<br />

monárquico dentro do Estado,<br />

que pode ser sacral se o indivíduo quiser<br />

vê-lo assim, oferecê-lo à Igreja e pedir<br />

as bênçãos dela a fim de sacralizá-lo.<br />

Isso acaba dando lugar a uma noção de<br />

sacralidade adequada às coisas temporais,<br />

que é um desdobramento da noção do sacral<br />

— própria das coisas estritamente espirituais<br />

e sobrenaturais — e formando no espírito<br />

vários degraus e modos de ser da sacralidade,<br />

Gustavo Kralj<br />

cujo auge sempre me pareceu como sendo a Consagração<br />

durante a Missa, mais do que a minha Comunhão.<br />

Agora, uma coisa que é pessoal: sou mais sensível à<br />

sacralidade do ato da Consagração, enquanto considerado<br />

na Consagração do vinho e a apresentação do cálice<br />

para o povo adorar, do que na Consagração do pão e<br />

a apresentação para ser adorado.<br />

Eu tinha a impressão — que soube, depois, não corresponder<br />

à realidade — de que a transubstanciação<br />

se dava no momento da elevação. E<br />

daí aquele respeito e aquela veneração!<br />

Porque nos fiéis há um redobrar de respeito<br />

e veneração, quando o Santíssimo<br />

é elevado. Compreende-se, porque<br />

é exposto para eles adorarem, então<br />

fazerem um ato interior que corresponde<br />

a essa exposição. Mas eu achava<br />

que era porque a transubstanciação estava<br />

se dando naquele momento.<br />

A forma material do cálice é tão evocativa<br />

do que é o oferecimento da sacralidade!<br />

Uma alma que se oferece, ou<br />

oferece alguma coisa de dentro de<br />

si, é tão bem representada por um<br />

cálice que se abre e que dá tudo<br />

o que tem! Por outro lado, o vinho<br />

é tão mais parecido com<br />

o sangue, do que o pão o é<br />

com o corpo, que tudo<br />

isso me dava mais sensação<br />

— puramente física<br />

e analógica — de<br />

sacralidade.<br />

A simples presença<br />

do Santíssimo Sacramento<br />

exposto me<br />

dava uma sensação<br />

de sacralidade colossal.<br />

Muito mais do que<br />

o Santíssimo guardado<br />

na capela-mor. Poder<br />

chegar perto d’Ele,<br />

adorá-Lo, produz em<br />

mim impressões de sacralidade<br />

que eu acho que<br />

possuem qualquer coisa de<br />

místico, muito maiores do<br />

que as que se têm em contato<br />

com a sociedade temporal.<br />

Sagrado Coração de<br />

Jesus - Igreja Imaculada<br />

Conceição, Goa, Índia<br />

12


Mas por esse progresso de alma de que estou falando,<br />

a pessoa vai compreendendo que em formas, termos<br />

e modos diferentes, a sociedade temporal inteira acaba<br />

tendo qualquer coisa de sacral. E, então, uma concepção<br />

toda ela sacral da vida vai se maturando lentamente,<br />

ao longo das décadas, para depois fazer uma conferição<br />

com os autores especializados.<br />

Porque a palavra definitiva é deles. Eles representam<br />

a Igreja, que é infalível e, portanto, vamos ouvir o que a<br />

Santa Mãe Igreja ensina a esse respeito. E ensina, na força<br />

da palavra “ensinar”: quer dizer, ela é a Mestra infalível,<br />

eu sou o aluno bobo que posso ter feito um engano, e<br />

apresento a ela aquilo que pensei.<br />

No princípio não estava<br />

o livro, mas o pensamento<br />

É um processo que, em certo momento, entra numa aparente<br />

estagnação, e continua a elaboração em profundidade.<br />

De maneira que quem me conhece há muito tempo, é possível<br />

que tenha tido ideia de que em algumas coisas eu estou<br />

me repetindo indefinidamente. Mas se forem examinar<br />

de perto notarão que tem sempre alguma coisinha nova, que<br />

corresponde em profundidade a esse processo lento.<br />

Mas isso levanta um problema: Esse não é — em suas<br />

linhas gerais, não nos seus pormenores — o próprio método<br />

de pensar legítimo do espírito humano?<br />

Vamos formular a coisa assim: O primeiro livro foi escrito<br />

por um homem que não teve livros. Então, a cultura nasceu<br />

de um pensamento anterior ao livro. Logo, no processo intelectual,<br />

no princípio não estava o livro, mas o pensamento.<br />

Então, eu volto ao ponto de partida.<br />

O unum é o Sagrado Coração de Jesus, de uma majestade<br />

infinita, doçura infinita, sabedoria infinita, de um<br />

poder infinito e de uma bondade infinita; para dizer só<br />

alguns atributos. Tudo isso é uma síntese para chegar até<br />

Ele, compreendê-Lo.<br />

A teoria geral das várias formas de crescimento, de desenvolvimento,<br />

que apresentei no começo da reunião, parece não<br />

ter relação alguma com Ele. Mas, no fundo, é a Ele que visamos.<br />

Ele é o alfa e o ômega; o unum é Ele! Ele é o começo e o<br />

fim de tudo. E se de algum modo todas essas reflexões não visassem<br />

o melhor conhecimento d’Ele, não teriam valor.<br />

Numa conversa os espíritos vão evoluindo<br />

juntos, como num dueto musical<br />

Em toda essa teoria, a conversa tem um papel enorme,<br />

porque ela, no fundo, requer certo discernimento<br />

dos espíritos e uma percepção do que convém ou não ser<br />

dito. Quando não convém, deve-se ter o suficiente desapego<br />

para não tratar.<br />

Muita gente conversa sobre aquilo que tem vontade<br />

de conversar. Isso é a morte da conversação. A conversa<br />

boa nem é sobre aquilo que tenho, ou meu interlocutor<br />

tem, vontade de conversar; mas sim tratar daquilo em<br />

que nós dois podemos igualmente gostar de conversar. O<br />

resto é a morte da conversação.<br />

À medida que uma conversa está bem travada, os espíritos<br />

vão evoluindo juntos, como num dueto musical. E<br />

quando se entendem bem, vão mudando de tema igualmente,<br />

muito mais por apetências do que por nexos lógicos.<br />

Entra em algo o nexo lógico, mas são nexos psicológicos,<br />

mudanças de temas vizinhos, que vão fazendo com<br />

que as duas pessoas gostem das mesmas coisas. Então a<br />

conversa aí se torna deliciosa.<br />

É mais ou menos como, por exemplo, duas pessoas<br />

que passeiam juntas no centro de Roma, a caminho das<br />

catacumbas. Passam por uma loja qualquer que tem gravatas<br />

bonitas; os dois estão precisando comprar gravatas;<br />

param, olham, gostam, conversam. Depois transitam em<br />

frente a uma confeitaria, e comem algum doce. E assim<br />

chegam à catacumba.<br />

A conversa só pega mesmo — ao menos é a impressão<br />

que eu tenho — quando na pontinha do que está sendo conversado<br />

há qualquer coisa que é uma graça de Deus, sobre<br />

alguma coisa de transcendente, maravilhoso, que, por uma<br />

pontinha de consolação sensível, ambos estão sentindo.<br />

Pode ser o unum ou não. Pode ser uma consolação,<br />

que todos têm juntos, sobre um ponto que Nossa Senhora<br />

quer glorificar. Então, a conversa em geral tem um<br />

fundinho comum de supremo. E quanto mais esse fundinho<br />

é sentido por todos, mais a conversa é animada.<br />

Donde se tira uma conclusão linda: o principal interlocutor<br />

é o Interlocutor Divino, presente em nossa conversa,<br />

falando dentro das nossas almas e elogiando-se a<br />

Si próprio por nossos lábios.<br />

A conversa, em sua natureza,<br />

tem algo de uma prece<br />

Isso dá uma elevação ao conceito de conversa, em que<br />

Deus está sempre presente; não só — e já é muito! — através<br />

da Fé, mas também, no fundo, por alguma coisa comunicada<br />

diretamente pela graça, que se torna sensível e causa<br />

alegria. Esse é o sal da conversa, e que a Providência dá<br />

quando quer. É certa forma de sensível. Não é uma mera<br />

troca de ideias teórica, mas algo que vai mais alto.<br />

Eu volto a dizer: pasma, mas é fato, o Divino Interlocutor<br />

é propriamente Aquele que fala. Ele fala pela boca<br />

de um, responde pela boca de outro e Se alegra pelo coração<br />

de todos. É uma coisa muito bonita!<br />

Pode-se dar um fato parecido com esse, na ordem meramente<br />

natural. O exemplo mais característico disso é<br />

13


Sagrado Coração de Jesus<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

este: quando se está muito longe do país em que se nasceu,<br />

e vários conacionais se encontram inesperadamente<br />

em algum lugar, sai uma conversa animada.<br />

O que há no gáudio de, por exemplo, vários brasileiros<br />

se encontrarem na Tailândia, inesperadamente, formarem<br />

uma conversa animada e serem capazes até de ir<br />

almoçar juntos?<br />

Há um fato natural meio parecido com o sobrenatural<br />

— porque há muita analogia entre certos fenômenos naturais<br />

e outros sobrenaturais —, que é um ponto comum<br />

da alma do brasileiro e do ambiente do Brasil; o brasileiro,<br />

que se sente muito isolado quando está na Tailândia sem ter<br />

com quem conversar, quando encontra outros com o mesmo<br />

ponto comum, aquilo aflora com uma veemência extraordinária,<br />

e faz na conversação o papel natural, semelhante<br />

ao que a graça opera no tipo de conversa de que falávamos.<br />

Outra coisa se dá quando alguns dos interlocutores,<br />

por serem bons católicos, são objetos de uma graça<br />

por onde os demais podem ficar deslumbrados. Isso pode<br />

ocorrer até no relacionamento entre um jovenzinho e<br />

seus colegas.<br />

O que se passou nesse caso? É algo de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, ou de Nossa Senhora enquanto canal necessário<br />

do Redentor, porque foi dita alguma coisa da Doutrina<br />

Católica, ou qualquer outra matéria por onde eles<br />

percebem, por um discernimento de espíritos que lhes<br />

foi dado no momento alguma coisa de maravilhoso e de<br />

celeste.<br />

E isso pode determinar dois rumos diferentes: a conversão<br />

dos que estão ouvindo ou a perversão de quem está<br />

falando. Porque este fica sujeito ao seguinte raciocínio:<br />

“Aqui me compreendem mais do que nos meios católicos<br />

que frequento. Portanto, vou frequentar mais este<br />

ambiente porque aqui faço apostolado…” Mas, de fato,<br />

ele vai se atolando naquele ambiente mundano.<br />

A conversa, em sua natureza, tem algo de uma prece.<br />

Quando está presente esse lado sobrenatural, é uma oração,<br />

uma coletiva elevação da mente a Deus.<br />

Porém naqueles salões do período do Ancien Régime 2<br />

— era uma coisa medonha! — havia uma graça propriamente<br />

sobrenatural, católica, de caridade fraterna, que<br />

dava na douceur de vivre 3 , manifestamente presente lá,<br />

misturada com a frivolidade mais escandalosa e com a irreligião<br />

categórica.<br />

Desde que o Divino Interlocutor<br />

esteja presente, a conversa é o<br />

verdadeiro prazer da vida<br />

Uma pessoa frívola costumava dizer, na minha presença,<br />

que o verdadeiro prazer da vida era uma boa conversa.<br />

Também acho que conversar, desde que o Divino<br />

Interlocutor esteja presente, é o gosto da vida. E nenhuma<br />

outra coisa tem o valor da conversa.<br />

E daí entra outro tema que quase justificaria uma conversa:<br />

não é compreensível a felicidade do Céu se não se<br />

admite o que estamos dizendo. Aquele colouvor no Céu<br />

é uma conversa sumamente bem-aventurada, porque o<br />

Divino Interlocutor está presente, dando uma animação<br />

incomparável ao que dizem a respeito d’Ele, de si próprios,<br />

da História e do universo — sempre com vistas a<br />

Ele — todos os que estão ali participando.<br />

Mesmo assim, é preciso tomar em consideração que o<br />

modo de ser apresentado o Céu por certas escolas espirituais<br />

deturpa-o e torna-o menos apetecível. Tenho a impressão<br />

— que é quase uma certeza, mas se a Igreja ensinar<br />

o contrário, no mesmo instante mudo de opinião —<br />

de que no Paraíso cada bem-aventurado conserva todas<br />

as características legítimas que teve na Terra.<br />

E, no Céu, é interessante o fato de almas com personalidades<br />

tão diferentes estarem todas unidas na conversa,<br />

na interlocução a mais agradável, a mais amável, a<br />

mais nobre, a mais gentil, a mais elevada, a mais distinta,<br />

a mais recolhida e ao mesmo tempo a mais pseudodissipada<br />

que se possa imaginar.<br />

De maneira que cada um ama muito que o outro seja<br />

de outro modo, e todos sentem as respectivas harmonias.<br />

E a presença de Deus se tornando continuamente<br />

sensível, conhecida e apreciável a todos, e sendo Ele, no<br />

fundo, o Divino Interlocutor dentro da alma de todos,<br />

há um tipo de conversa que é do gênero das conversações<br />

abençoadas aqui na Terra, mas com qualquer<br />

coisa que vai infinitamente além.<br />

14


Reprodução<br />

“Apoteose de São Tomás de Aquino” (por Zurbarán)<br />

Museu de Belas Artes de Sevilha, Espanha<br />

A conversa no Céu será como<br />

uma contínua oração<br />

E aí compreendemos todo o gáudio que o Céu pode<br />

trazer, a partir do primado da conversa sobre todos os<br />

outros prazeres.<br />

É uma coisa que nos é dada de vez em quando na Terra,<br />

um pouquinho, e que nos deixa fora de nós de contentamento.<br />

E no Céu nos é concedida contínua e plenamente,<br />

e com uma intensidade inimaginável. Donde a felicidade<br />

celeste.<br />

Considerem as almas que certos estilos artísticos pintam<br />

como estando no Céu, todas elas têm a mesma personalidade,<br />

as mesmas características, e o colouvor perde<br />

o sabor. Fica meio inimaginável um Céu saboroso.<br />

Porém, imaginar que no Paraíso se está conversando,<br />

por exemplo, com um grande historiador e vemos São<br />

Tomás de Aquino que está passando, e lhe perguntamos:<br />

— São Tomás, o que dizeis sobre este assunto?<br />

Ele para extasiado, fica contente e responde<br />

com aquela simplicidade que lhe é<br />

característica:<br />

— Olhe aqui, isso é assim...<br />

Grande alegria! Ele passa, e ainda durante<br />

algum “tempo” — para usar nossa linguagem<br />

aqui da Terra — aqueles a quem ele ensinou<br />

ficam contentes por causa disso.<br />

No “fim” do “dia” vão levar de presente<br />

para ele uma pedra linda que encontraram<br />

no Céu empíreo. Ele pega-a, fica encantado,<br />

e faz uma reflexão ultrassubstanciosa<br />

sobre aquilo…<br />

É a vida do Céu, vista com base na conversa<br />

tida como uma oração.<br />

A conversa é uma coisa continuamente<br />

móvel. E como as perfeições de Deus são<br />

infinitas — Deus é insondável! — Ele é para<br />

nós, no fim de milhões, de trilhões de<br />

anos, tão novo como no primeiro instante.<br />

Além disso, há o Céu empíreo, onde suponho<br />

que é dado ao homem fazer obras de<br />

arte, construir, organizar, arranjar, etc., e<br />

assim ter o gosto de realizar. Eu não acredito<br />

que um contemplativo tenha um verdadeiro<br />

gosto de contemplação se não tiver<br />

também o gosto da contemplação transformada<br />

em obra e deixada para outros.<br />

Nesse sentido, por exemplo, quando li<br />

pela primeira vez aquelas palavras de São<br />

Paulo: “Combati o bom combate, etc.” 4 ,<br />

que ele pronunciou próximo da hora de morrer, aquilo<br />

me pareceu a morte por excelência, magnífica: “Eu pensei,<br />

eu fiz, eu deixei!” Quer dizer: “Aqui está!” E o ter feito<br />

é uma grande coisa.<br />

Carlos Magno morrendo com a consciência de que ele<br />

fez um império, que coisa magnífica!<br />

Bem, tivemos uma ótima conversa. Assim foi, porque<br />

o Interlocutor Divino estava presente.<br />

v<br />

(Extraído de conferência<br />

de 19/4/1989)<br />

1) Em São Paulo, bairro Santa Cecília.<br />

2) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político<br />

aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e<br />

XVIII.<br />

3) Do francês: doçura de viver.<br />

4) Cf. 2Tm 4, 7.<br />

15


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

A organicidade do Brasil<br />

GabrielFontes (CC 3.0)<br />

Parque Estadual do Caracol<br />

Rio Grande do Sul, Brasil<br />

As diferenças de psicologias existentes entre as várias<br />

regiões do Brasil não causam fricções devido ao bom<br />

gênio brasileiro. A expansão populacional do país deu-se<br />

por um processo natural, mas sobretudo providencial<br />

em que Deus foi pondo em ordem todas as coisas.<br />

P<br />

ara exemplificar as teorias sobre organicidade<br />

que vimos desenvolvendo, tomemos o Brasil como<br />

ele é constituído hoje em dia.<br />

Interpenetração por osmose<br />

Um bom observador notará haver mais diferenças de<br />

psicologias entre os Estados brasileiros do que parece à<br />

16


primeira vista. E que se essas diferenças não se transformam<br />

em fricções, ou, quando ocorrem, constituem atritos<br />

mínimos, é por causa do bom gênio brasileiro.<br />

No que resultam essas diferenças? Há, por exemplo,<br />

um Rio Grande do Sul que difunde sua própria influência<br />

sobre os dois outros Estados vizinhos, que são, em ordem<br />

geográfica, Santa Catarina e Paraná. Esses três Estados,<br />

no seu conjunto, têm uma espécie de mentalidade<br />

e modo de ser que vão se tornando menos parecidos com<br />

o Rio Grande e mais parecidos com São Paulo, à medida<br />

que se aproximam deste último Estado. Mas, até o momento<br />

de entrarem 100 ou 150 quilômetros em São Paulo,<br />

ainda se sente certo “cheiro” de Rio Grande do Sul.<br />

Depois, avança-se em São Paulo e toca-se nos Estados<br />

do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Mato Grosso. Nota-se<br />

que Rio de Janeiro e Minas Gerais têm, em alguns<br />

pontos, uma interinfluência muito grande. Por exemplo,<br />

entre o campista e o mineiro existe uma interinfluência<br />

enorme, que eu poderia mostrar no que consiste, mas<br />

não o faço por brevidade.<br />

Nos limites entre Minas e Espírito Santo notaremos<br />

haver sempre um fenômeno semelhante ao existente, por<br />

exemplo, nos limites da Alemanha com a França: cidades<br />

da Alemanha que falam francês, cidades da França<br />

que falam alemão; nomes franceses na Alemanha, nomes<br />

alemães na França. É uma espécie de interpenetração,<br />

por osmose, ao longo de toda a fronteira, mas depois,<br />

em certo momento, começa propriamente a Alemanha<br />

e a França. Isso se dá mais ou menos com todos os<br />

Estados brasileiros.<br />

Mentalidade una<br />

O que determinou essas circunstâncias diferenciadoras?<br />

Poderíamos alinhar mil fatores, e quando se alinham<br />

mil, quer dizer que nada é decisivo. Mas há uma<br />

resultante daí chamada Brasil. Esta resultante constitui<br />

um unum, há uma mentalidade una, e um todo que seria<br />

simplificador chamar de síntese, pela seguinte razão:<br />

Vemos se abrirem novos Estados no Brasil, lá na zona<br />

da Amazônia. O Acre, por exemplo, foi antigamente<br />

um território dependente do Governo Federal, hoje é<br />

Selva amazônica, Brasil<br />

Todo o jogo planetário tem a sua<br />

vida natural, mas existem Anjos<br />

que o regem, sem que deixe de ser<br />

um fenômeno natural, porém com<br />

intercorrências e apoios sobrenaturais<br />

que entram para completar isso.<br />

CIAT (CC 3.0)<br />

Pedra Furada<br />

Santa Catarina, Brasil<br />

Marcos Bonfim (CC 3.0)<br />

17


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

junionpetjua (CC 3.0)<br />

Olinda - Pernambuco, Brasil<br />

Thuresson (CC 3.0)<br />

um Estado. Há outras regiões assim, que ficam pelo Norte<br />

do país, onde se nota uma coisa curiosa: são povoados<br />

por adventícios de outros lugares, mas que chegam nessas<br />

regiões e formam um conjunto capaz de “esticar” psicologicamente<br />

o Brasil até lá, e é o mesmo Brasil com<br />

outra mentalidade; é um fenômeno muito parecido, em<br />

ponto republicano, com o processo de fundação que se<br />

deu, em ponto feudal e monárquico, com os vários reinos<br />

que constituíram a Espanha. Muito mais parecido ainda<br />

Coroação de Luís VIII e Branca de Castela<br />

Biblioteca Nacional, França, Paris<br />

com as várias regiões de Portugal: cada região forma um<br />

paisinho, e assim se compõe Portugal.<br />

Como cada coisa dessas se constitui e como o todo<br />

se forma? Creio que é um processo natural, mas especialmente<br />

providencial, que a Providência teve em vista<br />

quando ordenou as coisas de maneira que as causas segundas<br />

rolassem nesse sentido, e que há nisso uma espécie<br />

de superior sabedoria como a que põe em ordem, por<br />

exemplo, o reino vegetal, o reino animal, etc., uma manifestação<br />

do poder de Deus que excede a inteligência<br />

humana e onde entra um plano muito<br />

superior.<br />

A meu ver, quando a unidade das nações<br />

regionalizadas é feita sem apego e nas proporções<br />

devidas, é tocada por forças e instintos<br />

naturais dos homens, que convém descrever<br />

e explicar em alguma medida, mas não<br />

até ao fim, porque há uma ordem superior<br />

dentro disso.<br />

O processo natural unido<br />

ao sobrenatural<br />

Há nos vegetais uma força pela qual a<br />

planta puxa os nutrientes da terra que chegam,<br />

por diversas transformações, até as capilaridades<br />

do vegetal.<br />

Assim também na formação das elites há<br />

uma pressão para cima que faz com que o nobre<br />

vá aparecendo e, depois do convívio dos<br />

nobres, vai surgindo no mais alto grau o rei.<br />

Para usar outra metáfora, as nações produzem<br />

seu rei como as abelhas, o mel.<br />

Contudo, como na sociedade orgânica<br />

os fenômenos se passam com homens e não<br />

com bichos nem com plantas, entra também,<br />

na ponta do processo natural — não é sem-<br />

18


pre, mas com alguma frequência —, algo que é uma interferência<br />

de Deus, com uma gota de sobrenatural em<br />

que há uma instauração de Deus. Daí a necessidade da<br />

intervenção da Igreja.<br />

Porque para agir conforme a natureza, portanto de<br />

acordo com a vontade de Deus, o homem concebido no<br />

pecado original tem cem tendências contra; e se a graça<br />

não está continuamente amparando-o, bem sabemos que<br />

besteiras ele faz.<br />

Então, para esse próprio processo natural correr segundo<br />

a natureza, o Anjo da Guarda, o sobrenatural, a<br />

graça estão juntos, mais ou menos como há Anjos regendo<br />

cada corpo celeste. Todo o jogo planetário tem a sua<br />

vida natural, mas existem Anjos que o regem, sem que<br />

deixe de ser um fenômeno natural, porém com intercorrências<br />

e apoios sobrenaturais que entram para completar<br />

isso.<br />

Assim, quando desce uma bênção sobre uma dinastia,<br />

por exemplo, a tendência geral de todos para o bem produz<br />

um movimento subconsciente, que destila uma família<br />

que a ordem natural indicou. Mas por detrás da ordem<br />

natural está a Providência.<br />

Quando desce uma<br />

bênção sobre uma dinastia, a<br />

tendência geral<br />

de todos para o bem produz<br />

um movimento subconsciente,<br />

que destila uma família que<br />

a ordem natural indicou.<br />

Mas por detrás<br />

da ordem natural está<br />

a Providência.<br />

Chin tin (CC 3.0)<br />

Humildade e flexibilidade<br />

A dinastia é, no alto de um país, mais ou menos como<br />

as duas torres de Notre-Dame, tendo ao fundo aquela<br />

espécie de flecha. Elas ordenam e explicam a catedral,<br />

e a levam à sua mais alta expressão, mas não são propriamente<br />

o edifício. Também não são estranhas a ele; elas<br />

são uma magnífica protuberância do edifício.<br />

Assim também, o rei é uma magnífica protuberância<br />

da nação.<br />

Vou dizer uma coisa um tanto ousada, mas que parece<br />

deduzir-se do até aqui exposto. A situação do rei é, de-<br />

Benh (CC 3.0)<br />

Aspectos da Catedral Notre-Dame - Paris, França<br />

19


A sociedade analisada por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Thesupermat (CC 3.0)<br />

baixo de vários pontos de vista,<br />

parecida com a do religioso:<br />

ou ele tende continuamente<br />

para a perfeição, ou é um demolidor<br />

da ordem da qual ele<br />

é, ao mesmo tempo, o princípio<br />

ordenador e explicador perfeito,<br />

e o símbolo máximo. De onde,<br />

então, a necessidade de haver<br />

muitos reis santos para que<br />

todo esse prédio não caia no<br />

chão.<br />

Dou um exemplo que pode<br />

ajudar-nos a compreender a<br />

humildade e a flexibilidade exigidas<br />

de um monarca.<br />

Um professor pode ser tão<br />

plenamente um mestre, que ele<br />

estimule todas as energias intelectuais<br />

dos discípulos a produzirem tudo quanto podiam<br />

e até mais. O problema seria encontrar um professor<br />

que tivesse este talento, mas seria também de conseguir<br />

que o professor não incentivasse no aluno uma ambição<br />

maior do que a capacidade dele. De maneira que<br />

em nenhum momento da formação quisesse que o menino<br />

fosse um mocinho, que o moço fosse um homem<br />

maduro, etc., mas respeitasse os limites naturais de cada<br />

etapa. Do contrário, esgotaria o sujeito e o transformaria<br />

em fogo de artifício gasto, não valendo mais nada.<br />

Briséis~commonswiki (CC 3.0)<br />

Luís XV, Luís XVI<br />

são fenômenos<br />

de cansaço desse<br />

arquiprofessor<br />

que foi Luís XIV<br />

Acima, Marcha do Rei<br />

com seus guardas<br />

Biblioteca Nacional,<br />

Haia, Holanda.<br />

Ao lado, estátua equestre<br />

de Luís XIV - Palácio de<br />

Versailles, França<br />

Quando um homem que lidera uma nação consegue<br />

levá-la a dar tudo, mas não procura fazê-la dar demais,<br />

deixa “gasolina” para os séculos futuros. Mas quando o<br />

líder a faz andar demais, ela decai durante o governo dos<br />

sucessores dele.<br />

A meu ver, um dos grandes erros de Luís XIV foi que<br />

ele quis fazer a França progredir demasiadamente rápido.<br />

Versailles deveria ter sido construído cem ou duzentos<br />

anos mais tarde. Ele procurou esticar a França e, como<br />

resultado, veio o cansaço. Luís XV, Luís XVI são fe-<br />

20


nômenos de cansaço desse arquiprofessor que<br />

foi Luís XIV.<br />

O “vovosão” Dom Pedro II<br />

No Brasil deu-se um fenômeno diverso. A família<br />

imperial brasileira estava colocada numa<br />

posição muito singular, porque tomava um país<br />

muito atrasado que se encontrava sob a direção<br />

de uma nação decadente, e com a influência<br />

da luta contra uma selva habitada por índios<br />

e dotada de uma natureza tão pujante que<br />

o homem, em certos momentos, fica semidesnorteado,<br />

sentindo-se meio pequenino. Tanto<br />

mais que se a pujança fosse sempre a do belo,<br />

seria uma coisa; mas muitas vezes é a pujança<br />

do grotesco.<br />

Então, parece-me que sob esse ponto de vista,<br />

D. Pedro II e Dona Teresa Cristina foram<br />

de um ajuste muito profundo e acertado, não<br />

intencional, porque o intencional nunca acerta<br />

tanto. Creio que D. Pedro II conseguiu ser o<br />

que o Brasil queria: o “vovosão” do país; e Dona<br />

Teresa Cristina a avó bem-amada do Brasil,<br />

querida e respeitada por todos. Havia uma espécie<br />

de ligação que, numa monarquia europeia,<br />

pessoas da mesma dinastia não teriam.<br />

Por exemplo, a cena que Dona Lucilia contava:<br />

D. Pedro II, visitando o interior, parou em<br />

Pirassununga, desceu do trem e foi para a casa<br />

de meu avô, onde estava preparada a recepção<br />

municipal. O Imperador sentou-se no sofá<br />

e minha mãe, muito menina ainda, foi-lhe apresentada<br />

por meu avô como sua filha mais velha.<br />

D. Pedro II olhou-a e disse-lhe: “Vem cá.”<br />

Ela foi, e ele colocou-a junto de si. Ela ficou muito<br />

agradada por estar sendo assim tratada pelo Imperador.<br />

Mas a mãe dela tinha-lhe feito um penteado ultracuidadoso,<br />

daqueles que, segundo o estilo do século XIX,<br />

se faziam para meninas, com cachos, fita e toda espécie<br />

de coisas. E enquanto conversava com senhores que estavam<br />

ali, todos de pé, o Imperador, distraidamente, começou<br />

a passar a mão nos cabelos da pequena Lucilia.<br />

Meu avô percebeu imediatamente qual seria a reação<br />

de menina: “Estão estragando meu penteado!” Ela<br />

olhou para ele como pedindo socorro. E ele fitou-a, como<br />

quem diz: “Não se mova...” Várias vezes saiu esse<br />

S.O.S. de parte a parte.<br />

No fim, quando o Imperador terminou a visita, o penteado<br />

estava uma ruína. Mas ela nunca mais se esqueceu<br />

desse episódio, que ela gostava de contar.<br />

D. Pedro II na abertura da Assembleia Geral<br />

Museu Imperial, Petrópolis, Brasil<br />

Notem a familiaridade do Imperador alisando assim a<br />

cabeça de uma menina. Isso não aconteceria em outros<br />

países. Mas ele sentia que ali era preciso, e deve ter feito<br />

isso em vários outros lugares. É o Brasil!<br />

Vamos dizer que tivesse entrado ali Luís XIV, sublime<br />

e irrepreensível: “Monsieurs et Dames, le roi va s’asseoir” 1<br />

O rei se senta… Poderia ocasionar uma frieza geral, é<br />

outra questão. Todos sabem quanto admiro a etiqueta<br />

francesa, a um grau paroxístico. Pois bem, mas tem o seu<br />

lugar, não é para cá. Por quê? Porque precisaria levar<br />

muito tempo até ela ser possível aqui, e teria de ser à maneira<br />

do Brasil. <br />

v<br />

(Extraído de conferência de 12/11/1991)<br />

1) Do francês: Senhores e Senhoras, o rei vai se sentar.<br />

Centpacrr (CC 3.0)<br />

21


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

A conversa e a cruz<br />

Mestre na arte da conversa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> explica como ela pode<br />

nascer do sofrimento.<br />

P<br />

ediram-me para falar a respeito da relação existente<br />

entre a conversa e a cruz. Vamos, então,<br />

conversar um pouquinho sobre isso.<br />

Antes de conversar, falar consigo mesmo<br />

A pessoa recolhida fala consigo mesma e só então começa<br />

a conversar. Porque só tem uma boa prosa quem<br />

antes falou consigo mesmo. Não é o doido que fala sozinho,<br />

evidentemente, mas é aquele que pensa e, nas reações<br />

de sua própria alma, encontra o preâmbulo necessário<br />

para conversar. Quem não é assim, é uma caixa de<br />

repetição das sensações, das impressões dos outros, um<br />

papagaio que recompõe colchas de retalhos daquilo que<br />

ouviu. Não é um homem capaz de pensar e, portanto, de<br />

conversar.<br />

Dou um exemplo concreto. Imaginem que alguns dos<br />

senhores vão, por exemplo, deste auditório às sedes onde<br />

residem, guardando o silêncio dentro dos respectivos veículos.<br />

Não havendo conversa, prestam atenção nas coisas<br />

mais díspares pelas quais vão passando pelo caminho<br />

e que vão, assim, sendo captadas pelo intelecto.<br />

Chegando à sede, passam pela capela e vão quietos<br />

para os quartos de dormir. Ao se recostarem, aquilo que<br />

viram vem à memória. Não como se fosse uma fita de cinema,<br />

mas, sem os senhores perceberem, voltam à cabeça<br />

— um pouco mais acentuadas, trabalhadas e analisadas<br />

— aquelas coisas que lhes chamaram mais a atenção.<br />

Se os senhores percorrerem aquele trajeto, em silêncio,<br />

várias vezes numa semana, terão feito de cada viagem,<br />

sem se darem conta, um livro cujas páginas estão<br />

cheias de vida e realidade, não de tipografia.<br />

Em determinado momento, alguém comenta: “Viram,<br />

em tal casa, tal coisa assim?” Vários intervêm: “Não, não é<br />

isso, é de outro modo, etc.” Sem perceber, formaram uma<br />

ideia inteiramente pessoal sobre a qual ninguém conversou.<br />

Assim, quando forem trocar aquelas impressões, permutam<br />

algo que vale a pena tratar, porque cada um dá<br />

àquela imagem uma característica que é a projeção de sua<br />

personalidade naquilo. Nasce, então, uma conversa suculenta,<br />

pois cada um ajuda o outro a ver melhor as coisas.<br />

A conversa e a espuma da champagne<br />

Ficaria uma coisa artificial se todos se sentassem juntos<br />

e decidissem: “Vamos conversar a respeito do trajeto?”<br />

O agradável está em não ser uma combinação, surgir<br />

no improviso e, de repente, a conversa começar a ferver,<br />

porque todos sentem que cada um está pondo o seu<br />

contributo.<br />

A melhor comparação é com a efervescência da espuma<br />

da champagne.<br />

Ao dar este exemplo, algo do que estou expondo se<br />

passou. Todos nós vimos a espuma da champagne e participamos<br />

de conversas. Certamente alguns dos presentes<br />

não se terão lembrado de comparar uma com outra.<br />

Entretanto, depois que um fez essa analogia, tirada de<br />

uma observação pessoal e corriqueira da vida contemporânea,<br />

é possível que, a primeira vez em que tomem<br />

champagne, se lembrem de uma conversa; ou a primeira<br />

vez em que saia uma boa conversa, se lembrem da espuma<br />

da champagne.<br />

Quer dizer, o contributo de um ajudou vários a notarem<br />

na conversa e na espuma de champagne uma relação<br />

que todos tinham visto, mas não tinham explicitado. A<br />

conversa foi boa porque trouxe uma explicitação.<br />

A torcida impede a boa conversa<br />

Imaginem, pelo contrário, que vão conversando durante<br />

o percurso. Começa a conversa durante a qual a pessoa<br />

precisa ter uma virtude — que raramente alguém aos<br />

vinte e poucos anos tem — bastante grande para não ser<br />

imediatamente tomado por uma espécie de “bolsa de valores”<br />

do amor-próprio: quem disse a coisa mais engraçada,<br />

a mais interessante, se prestaram ou não atenção…<br />

Depois, fica uma feira de torcida: alguém diz algo para<br />

provocar excitação, e os demais torcem para degustar<br />

22


aquela sensação. Porém, a torcida é uma coisa inteiramente<br />

diferente da impressão. Ela é uma espécie de torção<br />

que provocamos em nós para tomar um determinado<br />

gosto do que foi observado, mas não é o sabor normal da<br />

impressão que aquilo causaria.<br />

Lembro-me de que havia, quando eu era menino, crianças<br />

que faziam brincadeira com os próprios olhos, apertando<br />

ligeiramente o globo ocular para verem mais fundo,<br />

menos fundo, etc. Eu nunca quis saber dessa brincadeira<br />

comigo, mas admito que pudesse ser engraçada. Entretanto,<br />

é uma coisa muito singular, porque não dá a visão da<br />

realidade que dá o globo ocular na sua posição normal.<br />

A torcida é uma pressão que fazemos em nós para tirar<br />

uma emoção que a coisa, de si, não daria, vendo-a<br />

meio disformemente para gozá-la. Não é a visão séria,<br />

que dá a verdade, mas é uma visão mentirosa.<br />

Essa torcida é um modo de esporear os próprios nervos,<br />

com uma vontade de querer algo nervosamente, pela<br />

ideia de que calmamente não se tira o sabor daquilo.<br />

Alguém talvez já tenha passado por isso: durante os<br />

cinco ou dez primeiros minutos de uma reunião, não<br />

conseguir prestar atenção no assunto tratado, porque estava<br />

torcendo, por exemplo, para conseguir um bom lugar.<br />

Depois, quando vai tentar pegar o tema, a reunião já<br />

embalou e não se acompanha bem o curso.<br />

Resultado: a observação da realidade foi-se embora.<br />

A pessoa para viver aquilo, torceu, deformou seus nervos<br />

e não tomou o sabor exato das coisas. Fez como aquele<br />

que brinca com os olhos.<br />

Na hora de conversar sobre aquilo, como a pessoa<br />

sente que tem um comentário vazio a fazer, fala de modo<br />

excitado para ver se chama a atenção. Sai daí uma conversa<br />

excitada, rasa, onde há risco de se dizer bobagens.<br />

Os benefícios da solidão<br />

Agora, prestem atenção na fisionomia de alguém<br />

quando está sozinho. O isolamento põe o indivíduo nos<br />

eixos. Ele não tem para quem fazer graça, com quem se<br />

excitar. Ele cai nos seus próprios gonzos e começa a ver<br />

as coisas na normalidade de seu ser.<br />

Como me alegra notar, naqueles que vivem um tanto<br />

isolados, olhares que refletem a pessoa na sua autenticidade!<br />

Quando se está sozinho, fica-se sério; e, vivendo numa<br />

tranquilidade séria, o indivíduo vai se formando, abrindo<br />

os olhos para as verdades. É, aliás, uma das razões pelas<br />

quais se tem tanto medo de ficar sozinho: é porque se torna<br />

sério; e as pessoas têm pavor da seriedade, pois ela diz<br />

coisas que nossa frivolidade não quer ouvir.<br />

Ficando sério, o homem começa a ouvir a voz das profundidades<br />

de sua alma, que ele percebe corresponder às<br />

altitudes da ordem do ser. O espírito solitário, ao cabo de<br />

algum tempo, começa a ficar profundo. Porque do fundo<br />

dele nascem os problemas, as questões, o interesse, as<br />

indagações, as leituras… O que ele tem de melhor vai se<br />

definindo e adquirindo vida e curiosidade.<br />

Mas também, o que ele tem de mais sério leva-o a discriminar,<br />

classificar, julgar, e ele vai tomando uma relação<br />

pessoal com aquilo que leu. Ao cabo de algum tempo,<br />

está em condições de florescer num comentário. Mas<br />

este vem dessa espécie de profundidade que a solidão dá.<br />

O pensamento nasce da dor como<br />

o som de um instrumento<br />

Alguém poderia objetar: “<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, o senhor está<br />

desviando o tema da exposição. Nós pedimos para o senhor<br />

falar sobre a conversa e a cruz, e o senhor está tratando<br />

da conversa e da seriedade!”<br />

É que há uma identidade profunda entre o amor à seriedade<br />

e o amor à cruz, e eu não fiz senão preparar o<br />

terreno para falar do amor à cruz, e da conversa nascida<br />

da cruz.<br />

Assim como num instrumento de cordas o som nasce<br />

porque se passa o arco pelas cordas, ferem-se as cordas<br />

para que elas cantem; assim como um instrumento<br />

de percussão ressoa porque se bate naquela membrana,<br />

também é pela pressão que o homem reage. Quando algo<br />

o faz sofrer, ele pensa como nunca. O homem que sofre,<br />

este sim, pensa verdadeiramente e elabora um pensamento<br />

particularmente excelente.<br />

As dores do corpo...<br />

Há situações tremendas de sofrimento, como as amputações<br />

que se faziam antigamente, quando não havia<br />

anestésicos. Por exemplo, na Idade Média, em que para<br />

serrar uma perna, amarrava-se o paciente de cabeça para<br />

baixo para diminuir a hemorragia, e passava-se o serrote<br />

na perna dele. Havia casos de guerreiros que tinham suas<br />

duas pernas amputadas.<br />

Às pessoas de nosso século é difícil imaginar como alguém<br />

suportava uma dor como essa. Não estou muito<br />

longe de achar que um homem contemporâneo, a quem<br />

se tivesse que amputar uma perna, assim em cru, depois<br />

não ficasse meio louco o resto da vida.<br />

Depois, cauterizavam a ferida encostando brasas sobre<br />

a carne cortada para, queimando e secando, evitar a infecção.<br />

Quer dizer, depois de tudo cortado, ainda vinha isto!<br />

Podemos imaginar a dor do pós-operatório em um homem<br />

nessas condições. Durante quantos dias aquilo doeria?<br />

No ciclo normal da dor, primeiro dói muito; depois<br />

melhora um pouco e dói somente quando se movimenta;<br />

passa-se o tempo e melhora um pouquinho mais, doendo<br />

23


<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />

apenas quando se fazem alguns movimentos desajeitados;<br />

afinal, em certo momento, cicatriza e não dói mais.<br />

Aparecem, então, outros problemas: Como se deslocar?<br />

Como entrar em contato com os outros? Quem vai<br />

procurar um indivíduo nessas condições? Quem quererá<br />

conversar com ele? Começa a solidão, o abandono. Os<br />

cumprimentos amáveis, mas de longe, e acabou.<br />

O coitado serve-se de pequenas habilidades para<br />

atrair a si este ou aquele, para ter uma pequena conversa,<br />

mas não consegue. Então, arranja um livro para ler,<br />

e o livro distrai pouco, porque ele é muito extrovertido<br />

e só se alegra conversando. E lá vai toda aquela série de<br />

problemas...<br />

É ou não é verdade que nessas horas o indivíduo começa<br />

a pensar? “Como está tremendo este sofrimento!<br />

E agora, como será minha vida? Ainda sou moço, tenho<br />

muito tempo pela frente, como vai ser até o fim? Para o<br />

que eu nasci? Como se explica que eu esteja sofrendo isto?<br />

Ai, meu Deus!”<br />

...e as dores da alma<br />

Serrar as pernas é uma coisa bárbara, mas a alma sofre<br />

mais do que o corpo. Quantas coisas acontecem na<br />

alma e fazem sofrer mais do que uma amputação! A vida<br />

traz situações tremendas: a pessoa caluniada, que não<br />

encontra um meio de se reabilitar, por exemplo. E daí<br />

para fora, quantas situações a vida apresenta!<br />

Lembro-me de que um padre jesuíta, com quem tive<br />

muito contato, contava uma coisa tremenda que se deu<br />

em Berlim:<br />

Uma senhora, de pequena burguesia, morava num prédio<br />

de apartamentos e houve um incêndio. Ela saiu deixando<br />

em casa sua filhinha, e quando voltou, encontrou<br />

tudo em chamas. O único jeito de salvar a criança era enfrentar<br />

as labaredas, mas com o risco de morrer queimada<br />

ou ficar completamente desfigurada. Essa senhora enfrentou<br />

tudo, por amor à filhinha, e levou-a para fora.<br />

Porém, ficou a vida inteira com o rosto tão horrendo<br />

que ela não o mostrava para ninguém. Usava, até dentro<br />

de casa, um chapéu do qual pendia um véu leve que lhe<br />

cobria a face, cuja pele ficara medonha.<br />

Essa menina ficou mocinha e começou a frequentar<br />

maus lugares. A mãe, muito religiosa, se afligia naturalmente<br />

com isso. E quando ela sabia que a filha estava em<br />

algum lugar ruim, ia até lá e mandava chamá-la.<br />

Certa noite, ela soube que a mocinha estava num mau<br />

ambiente e mandou-a chamar, mas a filha não foi. A mãe<br />

ficou muito aflita, com medo de um desastre moral com<br />

a menina, e entrou para pegá-la.<br />

Ao falar com sua filha, que estava acompanhada, esta<br />

deu uma risada e disse:<br />

— Quem é você? Não a conheço!<br />

A mãe respondeu, levantando o véu que cobria seu<br />

rosto:<br />

— Não me conhece? Minha filha, olhe quem eu sou!<br />

A filha deu uma gargalhada e disse:<br />

— Monstro, não te conheço!<br />

A pobre senhora voltou sozinha para casa.<br />

Não era melhor ter levado um tiro? Não tem palavras!<br />

Pensar na maldade da filha que, vendo a mãe se afastar<br />

sozinha e triste, continuou no rega-bofe e na perdição!<br />

Qual foi a dor dessa mãe que, com certeza, a noite inteira<br />

não dormiu? Terá dormido nas noites seguintes?<br />

Pode haver ingratidão pior do que esta?<br />

Do sofrimento brota a reflexão<br />

São as dores da alma. Mas como elas fazem pensar,<br />

refletir!<br />

Talvez essa senhora tenha pensado: “Essa menina andou<br />

mal… que ingratidão! Eu me imolei por ela, e ela caçoa<br />

da hediondez que tomei por amor a ela! Minha filha<br />

esbofeteia, a bem dizer, o meu coração que lhe estendi, e<br />

pisa sobre o meu afeto do modo mais ignóbil… Lembro-<br />

-me dela quando era boazinha, quando me queria bem,<br />

quando me abraçou e me beijou… E quando eu contei<br />

para ela o que aconteceu, como ela ficou agradada e<br />

agradecida! Foi ao jardim, colheu uma flor, pôs num vaso,<br />

e eu pensei: ‘Estou paga!’ Agora, vejo o pagamento…<br />

Do que me adiantou ter feito isso? Mas sei que fiz bem.<br />

Entretanto, como se explica que eu tenha feito bem, se<br />

era para receber este pagamento?”<br />

E do fundo da alma vem a resposta:<br />

“É porque tu serviste a Deus!”<br />

Uma coisa é ter chegado a esta conclusão na dor, outra<br />

coisa é ler num tratado a teoria: o homem nasceu para<br />

amar, servir e dar glória a Deus, etc. Isto, na teoria, está<br />

muito bom, e é magnífico! Mas quem passou pela coisa,<br />

tomou o sabor amargo e o sabor deleitável do princípio,<br />

dirá:<br />

“Nunca mais um sofrimento vai me abater. Eu já vivi, a<br />

minha vida está para trás… — uma senhora assim é uma<br />

morta-viva — a minha vida está para trás. Seja qual for<br />

o sofrimento que eu receba, tudo isto acabou para mim.<br />

Eu agora vivo para Deus. Porque se eu vier a ter outra filha,<br />

olharei para essa criança no berço e me perguntarei:<br />

ela não repetirá o que fez a irmã? O que vale o afeto humano?<br />

O afeto de uma filha à sua mãe, coisa tão apreciável,<br />

do que vale, quando o homem é capaz de ingratidões<br />

como esta? Só um vale, porque Ele é eterno, perfeito, e<br />

me ama infinitamente; porque o Filho d’Ele Se encarnou<br />

e morreu na Cruz por amor a mim. Está tocando o sino<br />

da igreja, é hora da Via Sacra… Vou fazer minha Via Sa-<br />

24


cra e contemplar a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, e<br />

aprender assim a carregar o peso da vida.”<br />

A dor católica perfuma a<br />

conversa como o incenso<br />

Considerem almas que tenham passado por situações<br />

dessas e que conversam entre si. Só isso não bastaria para<br />

perfumar um convívio durante uma tarde inteira?<br />

Quando se teve uma vida muito cheia de dores sofridas<br />

com paz e resignação, é agradável tomar<br />

as feridas cicatrizadas, as amputações<br />

espirituais pelas quais se passou — o<br />

que queria e não teve, ou desejava e<br />

perdeu, ou conquistou a duras penas<br />

e despencou sobre si — e pensar,<br />

pensar… Fica aquela doçura<br />

daquela paciência, da entrega a<br />

Deus e a Nossa Senhora. “Eles<br />

quiseram, Eles permitiram, sejam<br />

Eles benditos! Fizeram comigo<br />

o que se faz com o incenso:<br />

rasga-se a árvore e a resina<br />

sai para o fabrico do incenso.<br />

Assim também, o dedo dos fatos<br />

me rasgou, e de mim brotou a<br />

resina do bom sofrimento. Agora<br />

eu me lembro disso, e sobre isso eu<br />

filosofo e converso.”<br />

Ninguém pergunta a um gozador<br />

da vida qual foi o passado dele. Para<br />

quê? Não interessa. Quem abordaria um<br />

homem na saída de um clube para lhe<br />

dizer: “Conte-me quais foram as piadas<br />

que você ouviu e as distrações que você<br />

teve. Você ganhou no jogo?”<br />

Onde vamos procurar o perfume do<br />

passado? Onde esteve a dor católica.<br />

Não é uma dor qualquer, porque há dores das quais também<br />

não se tem vontade de ouvir contar: “Eu amanheci<br />

com uma dor aqui no joelho, mas depois me deu uma<br />

tossezinha…” Por que não se tem vontade de ouvir contar<br />

isso? Porque não estava ali a dor das dores: a dor de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Havia um tipo de relógio, que conheci em menino,<br />

com um mostrador onde vinha indicado o que aconteceu<br />

a cada hora da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />

Imaginemos um doente que, tendo diante de si esse<br />

relógio e sofrendo uma dor de cabeça muito forte, exatamente<br />

na hora em que Jesus foi apresentado ao povo<br />

por Pilatos, se lembrasse da divina fronte coroada de espinhos<br />

e pensasse: “Quanto a fronte d’Ele sofreu mais<br />

do que a minha! Ele sofreu isso por mim, e eu não oferecerei<br />

por Ele?”<br />

A esse doente sim, teríamos interesse de ouvir contar<br />

seus padecimentos, pois entra a resignação, a aceitação,<br />

e com elas uma qualidade na alma que é uma participação<br />

do sofrimento do Redentor. Isso faz com que, na hora<br />

de falar, a pessoa diga palavras cheias de néctar.<br />

É uma vantagem sabermos tirar proveito do bom convívio<br />

e da boa conversa dos que sofrem em união com<br />

Jesus Cristo na Cruz, porque a alma batida pelo sofrimento<br />

é como a árvore que começa a dar a<br />

resina ideal, a qual pode ser transformada<br />

em incenso.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Jesus coroado de espinhos<br />

Paróquia Nossa Senhora da<br />

Ajuda, Ilha Bela, Brasil<br />

Dor da qual floresce<br />

uma alegria prateada<br />

Esse é o padecimento que eleva<br />

a alma. Não é como o bicho<br />

por cima do qual passou um automóvel,<br />

e que fica ganindo<br />

na rua até expirar, mas é a dor<br />

do católico que se une à dor de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, às lágrimas<br />

de Nossa Senhora e aceita:<br />

“Eu vos ofereço isso. Adoramus<br />

te Christe et benedicimus tibi,<br />

quia per sanctam Crucem tuam redimisti<br />

mundum — Nós vos adoramos,<br />

ó Cristo, e vos bendizemos, porque pela<br />

vossa santa Cruz redimistes o mundo.<br />

Mater dolorosa, ora pro nobis 1 .”<br />

Essas almas assim, porque são resignadas,<br />

têm até momentos em que a<br />

alegria floresce nelas. Mas não é a alegria<br />

do gozador da vida; é a alegria pura,<br />

feita de prata, do inocente. Alegria<br />

casta do homem desprendido e que sabe<br />

conversar por amor desinteressado aos outros, contando-lhes<br />

coisas, falando para fazer-lhes bem, e com o<br />

desejo de ser bom para eles. E sentindo gáudio em ver<br />

que eles ficam alegres. A conversa chega ao seu apogeu!<br />

Com isso, fica explicado como as alegrias, as curiosidades,<br />

as bondades, as gentilezas da alma que aprendeu<br />

a sofrer tornam atraente o convívio e, consequentemente,<br />

encantadora a conversa. <br />

v<br />

1) Do latim: Mãe dolorosa, rogai por nós.<br />

(Extraído de conferência<br />

de 27/10/1984)<br />

25


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

O tesouro da vida<br />

A Revolução, instigando a desordem nas almas, procurou destruir o<br />

verdadeiro vínculo entre os homens. A virtude da temperança cria<br />

o clima em que esse vínculo se afirma; onde há apegos surgem as<br />

fricções e inimizades.<br />

Apropósito da doutrina sobre a sustentação dos<br />

seres 1 , pediram-me que estabelecesse uma distinção<br />

entre os conceitos de causa, participação,<br />

sustentação e semelhança.<br />

Seres materiais e seres espirituais<br />

Tomando em seu sentido corrente — e não na acepção<br />

dos quatro tipos de causas classificados por Aristóteles —,<br />

a causa é aquilo em virtude de cuja ação algo existe.<br />

Poder-se-ia perguntar se a ação causadora não supõe<br />

certa sustentação, ou seja, se tal ação, ao produzir algo,<br />

não o faz de tal maneira que continua a sustentá-lo necessariamente.<br />

Em relação a Deus e os seres por Ele criados isso se<br />

pode dizer. Sendo perfeitíssimo, em princípio, ao criar<br />

os seres mais elevados, Ele os causa para sempre. Evidentemente,<br />

há muitas criaturas que Deus causa e, posteriormente,<br />

faz cessar ou deixa de sustentar. Na ordem<br />

da matéria há incontáveis exemplos. Toda matéria viva<br />

está nessa linha. Portanto, essa sustentação não se aplica<br />

necessariamente para todas as criaturas, mas está na<br />

ordem dos seres espirituais. Estes, sim, uma vez que Ele<br />

os criou, não poderia deixar de causar. Esta ação de causar<br />

reiteradamente se chama sustentação. Vista por este<br />

lado, a sustentação seria uma causação ininterrupta e<br />

eterna.<br />

A sustentação, entretanto, não é só um efeito da causa.<br />

Tomemos como exemplo uma cabra. A causa imediata<br />

dela foi o casal caprino que a gerou. Mas este morreu,<br />

desapareceu. Contudo, essa causação continua, a<br />

seu modo, por meio de uma sustentação da parte das outras<br />

cabras.<br />

Aqui já não se pode dizer que é a causa, senão num<br />

sentido mais remoto pelo qual aquilo que chamaríamos<br />

de “capricidade” — ou seja, um atributo exclusivo desta<br />

espécie — corresponde a um modelo ideal em Deus,<br />

criado para refleti-Lo e que Ele quer que se mantenha<br />

por uma espécie de ação a qual, enquanto produzida reciprocamente<br />

pelos vários seres, não é causada por Deus,<br />

mas que Ele deseja que os seres exerçam uns sobre os<br />

outros.<br />

Causa e sustentação colateral;<br />

semelhança e participação<br />

Nessa ação se dá o que nós poderíamos chamar de<br />

sustentação num sentido mais familiar, que é o por onde<br />

seres que não são causas uns dos outros, entretanto, pela<br />

participação numa mesma natureza, sustentam-se mutuamente.<br />

Naturalmente, há uma analogia entre causa e sustentação<br />

colateral, uma vez que a vida cessaria se tal sustentação<br />

desaparecesse. Contudo, enquanto a causa propriamente<br />

dita é prévia ao ser, a sustentação colateral é<br />

concomitante com ele, e nisto se distingue da causa.<br />

Aqui se vê bem um conceito acessível de participação,<br />

pois dessa “capricidade” todos participam. O que quer<br />

dizer aí participar? Evidentemente, é ter parte. Mas o<br />

que isso significa neste exemplo concreto?<br />

A “capricidade” pode ser concebida, de modo abstrato,<br />

distintamente de todos os seres, como um possível em<br />

Deus. Mas ela, criada, vive e se realiza nas cabras e nunca<br />

fora das cabras, em qualquer outro ser. O fato de o ser<br />

de todas elas ter em comum um mesmo princípio se chama<br />

“participação”.<br />

Essa participação torna os seres análogos e, ao mesmo<br />

tempo, a analogia ajuda a participação.<br />

Portanto, analogia não se confunde com participação,<br />

são conceitos distintos. A analogia, ou seja, a seme-<br />

26


Carlos Magno, de fato,<br />

no mais fundo de sua alma<br />

queria o que desabrochou.<br />

No consciente, ele queria o<br />

romano; no subconsciente<br />

ele tendia, germinativamente,<br />

para o feudal, e nisso<br />

ele foi original.<br />

Amalário de Metz (CC 3.0)<br />

lhança, é meio causa e<br />

meio efeito da participação.<br />

Como as cabras têm<br />

a mesma “capricidade”,<br />

tornam-se análogas. Então<br />

a analogia aparece como<br />

fruto da “capricidade”<br />

participada. Mas, enquanto<br />

auxiliar da participação,<br />

é meio causa desta.<br />

Entrelaçamento<br />

de almas<br />

Michail (CC3.0)<br />

Ao lado, coroação de Carlos Magno<br />

Museus Vaticanos.<br />

Abaixo, símbolo do Sacro Império<br />

Romano-Alemão com seus principados<br />

Para aplicar esta doutrina ao âmbito humano, consideremos<br />

a instituição do Sacro Império. Houve várias<br />

épocas em que ele esteve reduzido a um símbolo, porque<br />

tal era o tumulto entre aquelas nações que o constituíam,<br />

e, dentro dessas nações, entre os feudos e seus respectivos<br />

senhores feudais, que a autoridade imperial ficou<br />

um mero símbolo.<br />

Mas, assim que as circunstâncias o propiciavam, a autoridade<br />

imperial tomava novamente sua densidade para<br />

tender a ser aquilo que naturalmente todos sabiam,<br />

em tese, que ela deveria ser e que nunca se tentou abolir.<br />

Quem extinguiu o Sacro Império foi Napoleão, mas antes<br />

disso jamais se procurou aboli-lo, embora muitas vezes<br />

se tenha atentado, concretamente,<br />

contra a autoridade<br />

dos imperadores.<br />

Como se explica que esse<br />

símbolo tenha sobrenadado,<br />

quase sem razões explicáveis<br />

de sobrevivência, senão<br />

por esse entrelaçamento<br />

de almas que fazia com<br />

que todos compreendessem<br />

que esse símbolo representava<br />

uma união de<br />

fundo mais ou menos inefável,<br />

e que era necessário<br />

haver, pairando no ar,<br />

uma representação simbólica<br />

como uma esperança<br />

de dias melhores?<br />

Entretanto, isso só é possível por meio de vínculo<br />

de homem a homem que a Revolução, com suas desordens,<br />

procurou destruir, pois esse vínculo só existe onde<br />

há certa dose de temperança. Ele não é mero fruto<br />

da temperança, mas este é o clima no qual ele se afirma.<br />

Porque desde que comecem os apegos, surgem as fricções<br />

e inimizades.<br />

Na elaboração de um ideal de império cristão deu-se<br />

uma coisa muito curiosa: desde o tempo das catacumbas,<br />

os católicos começaram a ver o Império Romano — que<br />

tinha apenas uns traços de semelhança com essa representação<br />

simbólica — com o olhar imbuído de espírito<br />

católico. E a lembrança desse império foi sendo enriquecida<br />

pelos católicos com dados que ele não tinha.<br />

27


O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Foi sendo composta, dessa forma, uma suprema ordem<br />

em que a graça, o sangue católico, por assim dizer,<br />

foram tecendo essa relação humana, de maneira que<br />

quando o Império do Ocidente caiu, o melhor dele estava<br />

de pé, que era o ideal de uma ordem perfeita de relacionamento<br />

entre os homens. E isto foi o que alimentou<br />

a esperança dos católicos e a sofreguidão com que o Papa<br />

São Leão III coroou Carlos Magno.<br />

Carlos Magno quis fazer o Império Romano e saiu o<br />

feudal, porque não distinguia bem uma coisa da outra.<br />

Ele, de fato, no mais fundo de sua alma queria o que desabrochou.<br />

No consciente, ele queria o romano; no subconsciente<br />

ele tendia, germinativamente, para o feudal, e<br />

nisso ele foi original.<br />

O pariato<br />

Encontram-se na Idade Média umas manifestações<br />

dessa vinculação de alma particularmente nobres, densas,<br />

como, por exemplo, a ideia do pariato. A noção de par<br />

tem alguma coisa disso. É uma determinada vinculação,<br />

um determinado comércio de almas que faz com que o<br />

par, sendo semelhante a outro, se deleita nessa semelhança,<br />

sem ter vontade de aproveitar-se do outro para subir,<br />

porque ele se deleita nessa semelhança e nessa paridade, e<br />

dela se nutre mais do que se ele fosse superior.<br />

Um político tipo César Borgia, do século XVI, já é um<br />

que quer subir, que não compreende o pariato a não ser<br />

como os cavalos numa corrida que estão todos juntos:<br />

abre aquela cancela e saem para a corrida. Tais políticos<br />

entendem o pariato como uma coisa destrutiva de si própria.<br />

E o pariato não é isto. É o deleite de ter comércio<br />

com seu igual, de sustentá-lo e sustentar-se na recíproca<br />

contemplação, sem ambição de destruição. E na subordinação<br />

a um superior, que era o suserano, que preenchia<br />

o vácuo e tornava a ambição da emulação impossível.<br />

Havia tal noção da força desse pariato, que, quando<br />

um dos pares fazia algo que superava os outros, todos<br />

se sentiam honrados e eram levados a empurrar para a<br />

frente a honra coletiva, dando outra contribuição e mantendo<br />

essa semelhança nutritiva.<br />

Isso foi destruído pela Revolução, e hoje não se compreende<br />

mais.<br />

Essa relação de pariato — estável, digna, uma flor do<br />

convívio humano — é o mútuo respeito entre iguais. É<br />

uma coisa que me deleita: ver iguais que se encontram<br />

e fazem reverência um para o outro. Em certo sentido, a<br />

mera reverência do inferior ao superior não tem a beleza<br />

da reverência entre iguais.<br />

Eu ainda peguei algo disso nas maneiras antigas, no<br />

trato entre amigos de uma geração que ficava entre a de<br />

meus pais e de meus avós. Encontravam-se na rua, por<br />

exemplo, cumprimentavam-se com certa solenidade.<br />

Exatamente tinha algo daquele mútuo apreço carregado<br />

de respeito, em que entrava uma das coisas mais nobres<br />

da alma do homem, que é o respeito por si mesmo, e<br />

que não é a visão vaidosa, não tem nada de comum com<br />

a vanglória. É o respeito de si por ser quem é. Dois iguais<br />

se encontram, se deleitam, se respeitam:<br />

é o festim da sustentação<br />

mútua.<br />

A compagnonnage<br />

Rick Morais (CC 3.0)<br />

Henrique de Borgonha recebe a investidura do Condado Portucalense, em<br />

1096, das mãos de Afonso VI de Leão e Castela - Palácio de Versailles, França<br />

Como eu dizia há pouco, não desejando<br />

romper isso para ser mais<br />

do que o outro — o que é fruto da<br />

Revolução —, mas querendo manter-se<br />

iguais; e um, elevando-se,<br />

procurar elevar o outro consigo.<br />

Quando alguém da categoria se<br />

sobressaía, todos se sentiam convidados<br />

a se elevar também. Assim<br />

se passava na classe nobre do pariato,<br />

mas que tinha na classe plebeia<br />

uma expressão muito bonita,<br />

que era a compagnonnage, que se<br />

traduz hoje inadequadamente por<br />

companheirismo, camaradagem.<br />

O termo, em português, se deteriorou<br />

ao máximo, mas a com-<br />

28


Reprodução<br />

Tomada de Beirute pelos Cruzados, em 1197 - Palácio de Versailles, França<br />

pagnonnage se verificava entre dois cujo gáudio mútuo<br />

era o de serem companheiros, iguais, e de se considerarem,<br />

embora sem tanta nobreza, com muita autenticidade,<br />

com muita amizade, com verdadeira fraternidade, e<br />

se apoiarem.<br />

Eis a grande virtude católica que se exprime no gáudio<br />

do pariato, no encontro cheio de respeito de dois que são<br />

iguais, na noção de que quando, numa classe de iguais,<br />

alguém sobe, tende a levar consigo toda a classe, não a<br />

usurpar a chefia dentro da classe porque subiu, e que se<br />

exprimia na nobreza pela lealdade feudal.<br />

Antecâmera do Céu<br />

Neste aspecto da vida da Igreja ou da Civilização Cristã<br />

vê-se uma fulguração: a santidade, a bondade, a verdade,<br />

a ordenação daquilo refulge com uma beleza extraordinária!<br />

Por exemplo, as Cruzadas de um modo geral, sobretudo<br />

no que elas têm mais de mítico do que de real, de histórico,<br />

quer dizer, como os cruzados imaginaram a Cruzada,<br />

como o medieval imaginou o cavaleiro, são ideais<br />

que têm um relampaguear próprio, uma beleza peculiar<br />

e fulgurante, e que faz a pessoa ver com muita clareza,<br />

em primeiro lugar, até que ponto a natureza humana se<br />

realiza inteiramente ali e é elevada acima de si mesma. É<br />

qualquer coisa que supera o homem.<br />

Isto produz um respeito, uma emoção e uma vontade<br />

de se colocar dentro daquele fluxo, daquele nexo, ser daquilo<br />

que a pessoa tem certa noção, sobretudo se alguém<br />

toma iniciativa de dizer, de fazer ver que resulta da Fé<br />

católica, do fato de ser católico e que é um influxo do espírito<br />

da Igreja, ou seja, do Espírito Santo naquela instituição.<br />

E a pessoa, vendo aquela instituição, compreende que<br />

é por uma carência explicável dela que ela não vê a Igreja<br />

inteira assim, mas que se ela se aplicar perceberá lampejos<br />

destes em tudo quanto é verdadeiramente da Igreja<br />

e da Civilização Cristã.<br />

Mas também fica habilitada a ver isso nas almas com<br />

que convive. E, de repente, vê numa alma ou noutra certo<br />

lampejo que produz um fenômeno de vinculação, e<br />

que às vezes até pode dar-se em relação a uma coisa não<br />

católica, mas que é da natureza, que ruma, aponta para a<br />

Religião católica.<br />

Esta forma de união que teríamos com um cruzado ideal<br />

que conhecêssemos, esse afeto cheio de veneração que temos<br />

por Godofredo de Bouillon, por Santa Joana d’Arc,<br />

são aperçus 2 desta vinculação de almas — então no terreno<br />

experimental, psicológico — que se entendêssemos bem validamente<br />

o que isso representa, compreenderíamos que é<br />

uma antecâmara do Céu e o tesouro da vida. v<br />

1) Ver <strong>Revista</strong> <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, n. 206, p. 22-25.<br />

2) Do francês: visões de conjunto.<br />

(Extraído de conferência de 18/7/1984)<br />

29


C<br />

alendário<br />

dos Santos – ––––––<br />

1. São Justino,mártir (†c. 165).<br />

São Simeão de Siracusa, eremita (†1035). Nasceu em<br />

Siracusa, Itália, de pai grego. Depois de levar vida eremítica<br />

em Belém e no Monte Sinai, terminou seus dias recluso<br />

na torre da Porta Negra de Tréveris, Alemanha.<br />

7. X Domingo do Tempo Comum.<br />

Beata Maria Teresa de Soubiran La Louvière, virgem<br />

(†1889). Fundadora das Irmãs de Maria Auxiliadora, em<br />

Toulouse, França. Foi injustamente expulsa de sua obra e<br />

passou o resto de sua vida em profunda humildade.<br />

2. Santos Marcelino e Pedro, mártires (†304).<br />

Beato Sadoc, presbítero, e companheiros, mártires<br />

(†1250). Religioso dominicano de Sandomierz, Polônia, foi<br />

vítima dos tártaros, junto com mais 48 religiosos, enquanto<br />

cantavam a Salve Rainha.<br />

3. São Carlos Lwanga e companheiros, mártires (†1886).<br />

São Cono, monge (†séc. XIII). Monge do Convento de<br />

Santa Maria de Cadossa, na Lucânia, Itália, morto muito<br />

jovem.<br />

4. Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo.<br />

São Francisco Caracciolo, presbítero (†1608). Fundador<br />

da Ordem de Clérigos Regulares Menores, morreu aos<br />

44 anos, em Agnone, Itália.<br />

5. São Bonifácio, bispo e mártir (†754).<br />

São Doroteu de Tiro, bispo e mártir (†séc. IV). Ainda<br />

presbítero, sofreu muitas perseguições no tempo de<br />

Diocleciano, mas conseguiu sobreviver até os 107 anos,<br />

quando foi martirizado em Tiro, Líbano, no tempo de<br />

Juliano.<br />

6. São Norberto, bispo (†1134).<br />

Beato Inocêncio Guz, presbítero e mártir (†1940). Sacerdote<br />

franciscano polonês, martirizado no campo de<br />

concentração de Sachsenhausen, Alemanha.<br />

8. Santo Efrém, diácono e Doutor da Igreja (†373).<br />

Beato Nicolau de Gestúri, religioso (†1958). Sacerdote<br />

capuchinho, do convento de Cagliari, Itália. Com muita<br />

humildade, dedicou-se aos enfermos e feridos durante a II<br />

Guerra Mundial.<br />

9. São José de Anchieta, presbítero (†1597).<br />

Beata Ana Maria Taigi, mãe de família (†1837). Suportou<br />

com paciência o caráter violento de seu marido e dedicou-se<br />

à educação de seus sete filhos. Favorecida pelo<br />

dom da profecia, tornou-se conselheira de Santos e ilustres<br />

eclesiásticos, em Roma.<br />

10. Beato Henrique de Bolzano, leigo (†1315). Carpinteiro,<br />

dava tudo aos pobres; reduzido à mendicância no final<br />

da vida, partilhava com outros mendigos a esmola que<br />

conseguia, em Treviso, Itália.<br />

11. São Barnabé, Apóstolo.<br />

Santa Rosa Francisca Maria das Dores, virgem<br />

(†1876). Transformou uma associação de mulheres piedosas<br />

na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Consolação,<br />

em Tortosa, Espanha.<br />

12. Solenidade do Sagrado Coração de Jesus.<br />

São Gaspar Bertoni, presbítero (†1843). Fundador da<br />

Congregação das Santas Chagas de Cristo, em Verona, Itália.<br />

13. Imaculado Coração de Maria.<br />

Santo Antônio de Pádua, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1231).<br />

São Fândila, presbítero e monge (†853).<br />

No tempo do rei Mohamed I, foi decapitado<br />

em Córdova, Espanha, por defender a Fé<br />

Católica.<br />

Beata Ana Maria Taigi<br />

14. XI Domingo do Tempo Comum.<br />

São Metódio, bispo (†847). Antes de ser<br />

eleito Patriarca de Constantinopla, foi monge<br />

na ilha de Quios, Grécia, e recorreu a<br />

Roma para defender o culto das sagradas<br />

imagens.<br />

30


–––––––––––––––––– * Junho * ––––<br />

15. Beata Albertina Berkenbrock, <br />

virgem e mártir (†1931). Assassinada<br />

aos 12 anos em São Luís, Santa Catarina<br />

Brasil, por defender heroicamente<br />

a sua castidade.<br />

16. Santo Aureliano, bispo (†551).<br />

Bispo de Arles e Vigário do Papa<br />

Virgílio para a Gália, fundou um<br />

mosteiro masculino e outro feminino<br />

na sua diocese, dando-lhes uma<br />

regra por ele redigida.<br />

reconciliar com Deus os condenados<br />

à morte, em Turim, Itália.<br />

24. Natividade de São João Batista.<br />

São Teodgaro, presbítero (†c. 1065).<br />

Missionário que evangelizou e construiu<br />

em Vestervig, Dinamarca, a<br />

primeira igreja de madeira.<br />

25. São Guilherme de Vercelli, <br />

abade (†1142).<br />

17. São Pedro Da, mártir (†1862).<br />

Carpinteiro e sacristão morto na fogueira<br />

em Qua-Linh, Vietnã, no<br />

tempo do imperador Tu Duc.<br />

18. Santa Isabel, virgem (†1164).<br />

Abadessa do mosteiro beneditino<br />

de Schönau, Alemanha. Foi modelo<br />

de observância da regra de seu convento.<br />

19. São Romualdo, abade (†1027).<br />

Santa Juliana Falconieri, virgem<br />

(†c. 1341). Fundou em Florença, Itália,<br />

o instituto das Irmãs da Ordem<br />

dos Servos de Maria, denominadas<br />

“Mantelatas” por causa de seu hábito religioso.<br />

20. Beata Margarida Ebner, virgem (†1351). Religiosa<br />

dominicana, que sofrendo muitas enfermidades, destacou-se<br />

na prática de mortificações, em Mödingen, Alemanha.<br />

21. XII Domingo do Tempo Comum.<br />

São Luís Gonzaga, religioso (†1591).<br />

São José Isabel Flores, presbítero e mártir (†1927). Capelão<br />

de Matalán, México, degolado durante as pregações<br />

religiosas, em Zapotlanejo.<br />

22. São Paulino de Nola, bispo (†431).<br />

São João Fisher, bispo, e São Tomás Moro, mártires<br />

(†1535). Ver página 2.<br />

23. São José Cafasso, presbítero (†1860). Dedicou-se<br />

à formação espiritual e cultural dos futuros clérigos e a<br />

São Norberto<br />

26. São Josemaría Escrivá de Balaguer,<br />

presbítero (†1975).<br />

Beato Tiago Ghazir Haddad, presbítero<br />

(†1954). Sacerdote capuchinho,<br />

fundador da Congregação das<br />

Irmãs Franciscanas da Cruz, em<br />

Beirute, Líbano.<br />

27. São Cirilo de Alexandria, bispo<br />

e Doutor da Igreja (†444).<br />

São Sansão, presbítero (†560).<br />

De origem romana, viveu desde jovem<br />

em Constantinopla, onde foi ordenado<br />

e fundou um hospital. Usava<br />

os seus conhecimentos médicos em<br />

benefício dos pobres.<br />

28. Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos.<br />

Santo Irineu, bispo e mártir (†c. 202).<br />

Santa Vicência Gerosa, virgem (†1847). Juntamente com<br />

Santa Bartolomea Capitanio, fundou o Instituto das Irmãs<br />

da Caridade (ou das Irmãs de Maria Menina), em Lovera,<br />

Itália.<br />

29. Beato Raimundo Lúlio, religioso e mártir<br />

(†1316). Terciário franciscano. Homem de grande cultura<br />

e eminente doutrina, empenhou-se no diálogo com<br />

os sarracenos e viajou ao norte da África com essa finalidade.<br />

Foi morto quando retornava para Maiorca,<br />

Espanha.<br />

30. Santos Protomártires da Igreja de Roma (†64).<br />

Beato Zenão Kovalyk, presbítero e mártir (†1941). Sacerdote<br />

redentorista, que durante um regime hostil a Deus, foi<br />

martirizado em Lviv, Ucrânia.<br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Roma sparita<br />

A Roma dos Papas não tinha a monotonia das<br />

grandes cidades modernas, mas possuía muita<br />

fisionomia, porque as pessoas, ao fazerem suas<br />

residências, comunicavam-lhes seu caráter, seu<br />

modo de ser, com o pitoresco que causa o sorriso.<br />

V<br />

ou expor o que era a Roma papal, para termos<br />

um pouco a ideia de que tipo de cidade se tratava,<br />

e depois iremos considerar algumas fotografias<br />

selecionadas de um álbum chamado “Roma sparita”,<br />

ou seja, “Roma desaparecida”. Quer dizer, a Roma<br />

papal que foi demolida pelas reformas nela introduzidas<br />

pela Casa de Sabóia, a qual unificou a Península Italiana<br />

e se tornou a única dominadora da Cidade de Roma, onde<br />

estabeleceu a sua capital, transformando-a, de cidade<br />

antiga que era, numa grande cidade do tipo moderno.<br />

Cidade não planejada, com muita fisionomia<br />

O que vem a ser a Roma do tempo dos Papas? É, ao<br />

mesmo tempo, uma Roma medieval com todas as características<br />

da vida medieval, um tanto reformada no tempo<br />

do período do Ancien Régime 1 , e uma cidade eminentemente<br />

eclesiástica.<br />

Quando falo de uma cidade medieval, o que eu quero<br />

indicar? Era uma cidade raras vezes planejada de antemão.<br />

Por exemplo, se tomarmos, em São Paulo, o bairro<br />

Higienópolis, perceberemos que o traçado das ruas não<br />

foi espontâneo: as casas não foram se acrescentando umas<br />

às outras normalmente, mas houve uma empresa que planejou<br />

e fez o loteamento do bairro, devido ao qual todas<br />

as ruas são em linha reta e se cortam em ângulo reto, fazendo<br />

do bairro uma espécie de tabuleiro de xadrez. O<br />

mesmo se poderia dizer do bairro do Pacaembu, que foi<br />

urbanizado por uma grande empresa norte-americana.<br />

Na época em que o Pacaembu foi urbanizado, o urbanismo<br />

tipo Higienópolis estava fora de moda. Tinha-se<br />

considerado que as avenidas retilíneas, cortando-se em<br />

ângulo reto e formando quarteirões quadrados, eram monótonas.<br />

Então fizeram zigue-zagues e curvas no Pacaembu,<br />

que existem também em outros bairros de São Paulo:<br />

Pinheiros, Jardim América, Jardim Europa, em que não<br />

se usa mais a linha reta, mas as grandes curvas macias.<br />

Porém o que nos interessa no momento é o fato de<br />

que as ruas não foram feitas por cada morador, que colocou<br />

sua casa onde queria, portanto, um pouco mais recuada<br />

da rua, ou um pouco mais para a frente, e dando<br />

à via pública um gráfico todo casual, fortuito; aquilo foi<br />

planejado de antemão.<br />

Também as construções eram menos planejadas do<br />

que se tornaram depois. Uma família construía uma casa;<br />

nascia um filho, mandava construir um quarto no teto<br />

da residência; nascia outro filho, colocava dois quartos.<br />

De repente um velho, que morava num quarto<br />

da casa, começava a ter reumatismo: abria-<br />

-se uma janela no lugar onde devia entrar sol<br />

para o ancião se aquecer. Não se incomodavam<br />

em saber se a casa ficava simétrica ou assimétrica,<br />

bonita ou feia. Era uma necessidade<br />

do velho para não ficar reumático. O idoso<br />

ficava muito pouco consolado com a ideia de<br />

sentir seu reumatismo, para evitar que quem<br />

passasse fora achasse feia a janela que ele ia<br />

abrir. Ele queria o sol sobre a perna ou o braço<br />

doente. Quer dizer, circunstâncias imprevistas<br />

foram formando essas cidades.<br />

Por causa disso, elas não tiveram a monotonia<br />

das grandes cidades modernas e possuíam<br />

muita fisionomia: porque<br />

as pessoas que iam fazendo<br />

essas construções imprevistas<br />

comunicavam seu<br />

caráter, seu modo de ser,<br />

sua fisionomia às casas que<br />

estavam sendo construídas.<br />

De onde Roma, como todas<br />

as cidades desse tipo,<br />

era uma cidade com fisionomia.<br />

A esse dote de ter fisionomia,<br />

nós poderíamos cha-<br />

32


mar, em certo sentido, de pitoresco. O pitoresco é a fisionomia<br />

quando, pelo imprevisto, ela faz sorrir um pouco.<br />

O Panteon e o túmulo de Adriano<br />

Há outra coisa que se acrescentava à Roma: ela era<br />

uma cidade velhíssima, nascida mitologicamente de Rômulo<br />

e Remo. Portanto, uns sete, oito séculos antes de Jesus<br />

Cristo. E com aquele senso de conservação existente<br />

na Europa, do qual nós, brasileiros, não temos uma ideia.<br />

Até hoje certos prédios do tempo dos remotos romanos<br />

são utilizados para uso comum. O Panteon de Roma era o<br />

templo onde adoravam todos os deuses gentílicos antigos.<br />

E, para a Roma de antigamente, era uma igreja bem grande.<br />

O Panteon esteve franqueado ao culto pagão até o momento<br />

em que Constantino mandou fechá-lo. Quando o<br />

Imperador deu a ordem de fechar, não pensem que, à moderna,<br />

derrubaram o Panteon; ele mandou instalar uma<br />

igreja católica ali. E o Panteon é hoje uma paróquia. As<br />

pessoas se casam, são batizadas, confessam-se lá, e a igreja<br />

funciona como qualquer outra. Ali, há séculos, Júpiter era<br />

adorado, e agora é adorado Nosso Senhor Jesus Cristo. E<br />

o prédio ainda se conserva.<br />

A sepultura do Imperador Adriano foi aproveitada: é<br />

uma torre cilíndrica de pouca altura e imenso diâmetro.<br />

Foi utilizada, durante a Idade Média, para fortaleza. Depois,<br />

uma parte dessa fortaleza foi aproveitada para palácio.<br />

O túmulo de Adriano não existe mais. Mas podem-<br />

-se visitar as muralhas da fortaleza e o palácio, que agora<br />

é museu. De maneira que houve a seguinte mutação:<br />

de sepultura de Adriano para fortaleza, de fortaleza para<br />

palácio, de palácio a museu.<br />

Em Roma havia mais de 400 igrejas<br />

Vejamos, agora, as fotografias.<br />

Eis um pórtico, um arco numa rua no gueto de Roma.<br />

A rua existe para uma casa que está em cima.<br />

Ali, uma rua popular, com a roupa lavada, estendida<br />

e gotejando em cima de quem passa; duas velhas comentam<br />

qualquer coisa. É a pequena vida caseira que sai<br />

da casa e se espraia pela rua afora. Reconheçamos que é<br />

bem diferente da Avenida Paulista 2 .<br />

Observem um recanto da velha Roma. Uma casa,<br />

o alinhamento caprichoso da rua, uma bonita torre no<br />

meio de casarões velhos, que eu quase chamaria leprosos.<br />

Um dossel sobre a imagem talvez de Nossa Senhora<br />

com o Menino Jesus. Nichos com imagens de Santos assim<br />

eram frequentes na Roma daquele tempo.<br />

Vejam a escadaria que perfura uma casa a qual já<br />

foi construída assim. A rua é uma escadaria que passa<br />

no meio da velha casa, sem eira nem beira, tem um bonito<br />

balcão de alguma família nobre ou rica que mora<br />

aqui. E isso é uma coisa muito comum até hoje na Itália.<br />

Metade da casa é cortiço, a outra metade é um palácio<br />

de nobres.<br />

Duas irmãs da Caridade de São Vicente de Paulo, com<br />

seus lindos chapéus bretões, andando numa espécie de<br />

praça de terra, sem calçamento, da velha Roma, com uma<br />

magnífica palmeira se espraiando suavemente no clima<br />

romano. Uma nobre torre antiga e mais adiante outra torre.<br />

Roma era uma cidade com mais de 400 igrejas.<br />

Cidade das fontes<br />

Fotos: Reprodução<br />

Esse terreno foi rebaixado para a construção das casas.<br />

Mas aqui, por qualquer razão, o dono não quis que<br />

rebaixasse e ficou alto. E permaneceu a árvore que se<br />

eleva de modo pitoresco aqui. Um muro, uma água parada<br />

e uma bela igreja ao fundo.<br />

Pormenor da vida do tempo: um cachorro, que procura<br />

comida pela rua. É um cão sem dono, na infeliz situação<br />

dos cachorros sem dono.<br />

Uma senhora conduzindo o filho para passear. A<br />

criança está vendo o cachorro, mas ela está tocando uma<br />

espécie de corneta para ver o que o cão faz. Manifestação<br />

musical do gênero italiano. O cachorro é utilitário e<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

está se preocupando exclusivamente com a comida. Não<br />

liga para nada.<br />

Aqui o reboco da casa caiu, mas ela pode durar mais<br />

mil anos. Não pensem que a escada é para escorar a casa;<br />

está encostada do lado de fora para qualquer coisa.<br />

Um cavalo bem lustroso e bonito, uma porta com um nobre<br />

arco, um pátio cimentado de pedras, mas sem qualquer<br />

regularidade.<br />

Outra viela romana. Nas cidades medievais as ruas<br />

eram muito estreitas para caber tudo dentro das muralhas.<br />

A iluminação pública já havia começado. Aqui há<br />

um poste com iluminação a gás, que era o grande progresso<br />

do momento. Também significava progresso a placa<br />

com o nome da rua.<br />

Está chovendo, duas senhoras passam abrigadas num<br />

guarda-chuva insuficiente, e aqui há uma comerciante<br />

oferecendo algum produto. Notem a desigualdade<br />

do solo, como é tudo feito mais ou menos ao acaso.<br />

Isso não se vê de jeito nenhum em rua moderna:<br />

um arco comunicando uma casa com a outra. Eu não<br />

sei por que se condena isso, que é uma coisa que pode<br />

prestar muito serviço.<br />

Uma bela torre. Está mal cuidada e velha, mas é<br />

nobre como uma velha marquesa que conserva sua<br />

nobreza, apesar de todas as devastações do tempo e<br />

do dinheiro.<br />

Numa praça pública, um homem dança, e outro<br />

não presta atenção na dança. Esse aqui parece um<br />

aleijado apoiado num bordão, e vai andando com<br />

uma sacola e uma caixa de música. Essas cidades<br />

eram todas muito musicais. Cantava-se, tocava-se<br />

violino, dançava-se mais ou menos em todos os lugares<br />

e ouvia-se música sair de todas as janelas, com a<br />

voz bonita e o senso melódico tão frequente na Itália.<br />

Cena pitoresca mais uma vez. O burrico puxado<br />

pelo homem, carregado, que vai devagarzinho pela cidade.<br />

Provavelmente um vendedor ambulante.<br />

Aqui, uma como que pequena coluna, e dali brota<br />

água. Roma é a cidade das fontes, em geral com água<br />

muito límpida, muito boa.<br />

Significado da palavra ”pitoresco”<br />

Uma torre que foi fortaleza durante a Idade Média.<br />

Tudo caiu, mas ao lado foi construído um pitoresco jardim<br />

suspenso. Um dos pitorescos em Roma são os terraços<br />

como esse, onde se colocam guarda-sóis grandes e<br />

há restaurantes no local. Um homem toca violino para os<br />

que comem e bebem, e ficam olhando o movimento da<br />

rua, onde se vê um monge dominicano atravessando-a. A<br />

cidade dos Papas era a cidade dos frades.<br />

34


Esse menino tem um lado pitoresco. É um menino<br />

de rua que não teve nenhuma educação e, portanto, está<br />

deitado na carroça como estaria em sua casa. Se ele<br />

estivesse de bruços na cama, tentando pegar um rato no<br />

quarto dele, sua atitude não seria diferente. Apesar disso,<br />

o gesto todo dele não deixa de ter certa harmonia e<br />

muita naturalidade. Não é um gesto feio. Tem certa harmonia<br />

de posição e de atitude, e a naturalidade de uma<br />

pessoa que se sente completamente à vontade na cidade.<br />

É a cidade dele, feita para ele, na qual ele está em casa<br />

como em sua residência particular.<br />

Esse inteiro laissez faire 3 faz parte do pitoresco da atitude<br />

do menino. Alguém diria que isso não deveria ser<br />

assim, e que ele não é um menino educado. Não é verdade.<br />

A educação tem vários graus. Ele possui essa forma<br />

principal e mínima de educação, que é a virtude. Ele<br />

está composto, direito, porque é um menino que teve<br />

uma educação pura. A pureza é o principal da educação,<br />

e não as maneiras. Maneiras ele não tem, mas possui a<br />

compostura do menino direito. É o essencial.<br />

A ideia que eu tenho de pitoresco é imaginar morando<br />

ali gente que são os pais e tios desse menino e desse<br />

outro que está atrás. Talvez esse casal e esses dois homens<br />

sejam moradores aqui. E gente do povinho, inteligente<br />

como é habitualmente o italiano, gente que mora<br />

nos casebres, mas que se pôs numa situação muito pitoresca:<br />

tendo sempre diante dos olhos esse templo, a torre<br />

e o Tibre milenários, e que presencia tudo isso como de<br />

um terraço. O cenário é magnífico: encostado num templo<br />

pagão, uma torre do fim da Idade Média, olhando o<br />

rio romano passar como quem vê a vida fluir com toda a<br />

navegação do Tibre.<br />

Isso é pitoresco porque forma quadros. A palavra “pitoresco”<br />

vem de pintura: pictus, pintado. O pitoresco está no<br />

homem do povinho, com sua inteligência, sua vivacidade,<br />

inalando tudo isso sem saber bem o que é, e vivendo aqui à<br />

romana. Quer dizer, à noite, fazendo um jantar entre o parapeito<br />

e a casa, comendo uma polenta, bebendo vinho<br />

quente e tocando num instrumento de corda que talvez tenha<br />

uma corda ou duas a menos, e cantando a plena voz numa<br />

noite enluarada de Roma. Isso é pitoresco. v<br />

(Continua no próximo número)<br />

(Extraído de conferência de 29/1/1977)<br />

Fotos: Reprodução<br />

1) Do francês: Antigo Regime. Sistema social e político aristocrático<br />

em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.<br />

2) Extensa via pública localizada entre as zonas centro-sul,<br />

central e oeste da cidade de São Paulo.<br />

3) Do francês: deixai fazer. Aqui tem o sentido de distender-se.<br />

35


Superexcelente<br />

misericórdia<br />

N<br />

ossa Senhora, sendo Mãe, seu Coração<br />

Imaculado não é mais misericordioso do que<br />

o Sagrado Coração de Jesus — seria um absurdo<br />

imaginar isso —, porém seu Imaculado Coração faz<br />

ver mais a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus<br />

do que Ele próprio.<br />

Seria mais ou menos como quando os raios do<br />

Sol se concentram através de uma lente e põem<br />

fogo numa folha seca. A lente é tão pouco em<br />

comparação com o Sol, mas sem ela esse fogo<br />

não pegaria.<br />

Portanto, o Imaculado Coração de Maria<br />

seria, por assim dizer, uma lente do Sagrado<br />

Coração de Jesus, uma como que concentração<br />

da misericórdia do Sagrado Coração de Jesus.<br />

Então, Ela, debaixo desse aspecto, tem uma<br />

superexcelente misericórdia.<br />

Ademais, Maria Santíssima é especialmente<br />

nossa advogada, pois sendo mera criatura é<br />

mais plenamente conatural conosco do que o seu<br />

Divino Filho que, enquanto Homem-Deus, é juiz.<br />

Por essas razões, dir-se-ia que o Imaculado<br />

Coração de Maria representa, num largo e glorioso<br />

sentido, muito especialmente a bondade e a<br />

misericórdia do Sagrado Coração de Jesus.<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

(Extraído de conferência de 26/10/1980)<br />

Sagrados Corações de Jesus e Maria<br />

Catedral de Florença, Itália

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