STORYTELLER MFIlustra Saber parar Um verda<strong>de</strong>iro diretor <strong>de</strong> criação é aquele que sabe a hora <strong>de</strong> parar o brainstorm LuLa Vieira Luiz Fernando Veríssimo escreve no Estadão e no Globo sobre Michael Jackson e comenta que o cantor não soube a hora <strong>de</strong> parar <strong>de</strong> refazer a própria cara. Veríssimo conta alguns casos <strong>de</strong> pessoas, como alguns corruptos <strong>de</strong> Brasília, que per<strong>de</strong>ram a chance <strong>de</strong> se contentar com os milhões amealhados e seguiram adiante, quando po<strong>de</strong>riam ter simplesmente dito: “Agora chega, nem um centavo a mais!” Em vez <strong>de</strong> encerrar a carreira muito ricos, ultrapassaram a barreira do obsceno e foram adiante, até mesmo assustando os próprios colegas, acostumados a todo tipo <strong>de</strong> falcatruas. No aeroporto <strong>de</strong> Brasília, outro dia, um <strong>de</strong>putado fe<strong>de</strong>ral me confi<strong>de</strong>nciou: “fulano exagerou”. Tratava-se <strong>de</strong> um prefeito cujo <strong>de</strong>feito <strong>maio</strong>r, na opinião do <strong>de</strong>putado, foi <strong>de</strong> não perceber a hora <strong>de</strong> parar. Lembrou-me um cartum publicado há anos mostrando dois jogadores na porta do cassino, um completamente nu, enrolado no pano ver<strong>de</strong> da mesa <strong>de</strong> bacará, dizendo para o outro, <strong>de</strong> cuecas: “tenho inveja da sua força <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>: você sabe quando parar”. Acho que foi o Amarildo que uma vez afirmou que pretendia jogar futebol até o ridículo. Pendurar as chuteiras no momento certo é um privilégio. Muitos ídolos se tornaram imortais porque morreram no auge <strong>de</strong> suas carreiras: Chico Alves, Carlos Gar<strong>de</strong>l e Ayrton Senna são alguns exemplos <strong>de</strong> ídolos que não conheceram o ocaso, não ficaram gagás. Escaparam do risco <strong>de</strong>, como Sartre, encontrarem uma Simone pela frente que espalhou ao mundo que o velho filósofo fazia cocô nas calças. Uma vida inteira <strong>de</strong> pensamentos originais não resistiu a uma cueca geriátrica. Nem Deus, na sua infinita sabedoria, escapou da tentação <strong>de</strong> dar mais uma caprichadinha na sua obra. Em vez <strong>de</strong> se contentar em criar o paraíso e ir <strong>de</strong>scansar, fez Adão, <strong>de</strong>pois Eva e <strong>de</strong>pois a cobra. Deu no que <strong>de</strong>u. Qual foi a intenção <strong>de</strong> botar uma macieira no enredo, proibir os dois humanos a comer <strong>de</strong> seu fruto e ainda mandar uma cobra fofoqueira botar caraminholas na cabeça dos nossos ancestrais? Tivesse o Pai nosso parado na criação do Adão e da Eva, estaríamos todos vivendo numa espécie <strong>de</strong> Alphaville global, sem guerras, conflitos e ódios. Alguém po<strong>de</strong>ria argumentar que provavelmente não teríamos o sexo que temos, pois a tal maçã representaria nossa capacida<strong>de</strong> em inventar putarias. Confesso que eu teria preferido viver num mundo <strong>de</strong> sexo menos criativo, mas que, em compensação, não tivesse flanelinhas. Sempre achei que a principal função <strong>de</strong> um diretor <strong>de</strong> criação não é o <strong>de</strong> ser o mais inventivo, o melhor administrador e o gran<strong>de</strong> lí<strong>de</strong>r. Um verda<strong>de</strong>iro diretor <strong>de</strong> criação é aquele que sabe a hora <strong>de</strong> parar o brainstorm. A tendência das reuniões é <strong>de</strong> os seus participantes não conseguirem colocar um ponto final, assim como Fi<strong>de</strong>l Castro nunca conseguiu dar seus discursos por findos. Tem uma hora que as coisas começam a dar voltas e é preciso alguém com força moral para encerrar a discussão. O Edmilson Cardial, diretor-geral da Editora Duetto, implantou um método infalível para tornar todo mundo mais objetivo, sintético e conclusivo: tirou as ca<strong>de</strong>iras da sala <strong>de</strong> reunião. O <strong>de</strong>sconforto faz as pessoas não enrolarem <strong>de</strong>mais e, sobretudo, <strong>de</strong>sencoraja os polemistas. Existe sempre o risco da precipitação, infinitamente menor do que o assembleísmo normal em todas as organizações. E antes que eu mesmo não saiba como terminar esta crônica, concluo que disse mais ou menos tudo que pretendia dizer e, antes <strong>de</strong> me esten<strong>de</strong>r <strong>de</strong>mais, coloco um ponto final. Lula Vieira é publicitário, diretor da Mesa Consultoria <strong>de</strong> Comunicação, radialista, escritor, editor e professor lulavieira@grupomesa.com.br 28 <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark
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