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52 anos com 52 novelas<br />
Histórias provocam revoluções<br />
<strong>de</strong> costumes e comportamento<br />
Inspirada pela própria socieda<strong>de</strong> e, em contrapartida, também capaz<br />
<strong>de</strong> influenciar, a dramaturgia forma o caldo cultural e sociológico do país<br />
Claudia Penteado<br />
São 66 anos <strong>de</strong> novelas <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />
a primogênita, Sua vida me<br />
pertence, exibida na TV Tupi <strong>de</strong><br />
São Paulo. De lá para cá, os folhetins<br />
fazem parte do dia a dia<br />
dos brasileiros, numa história<br />
única que se construiu somente<br />
no Brasil, com a magnitu<strong>de</strong><br />
e a potência a que chegou como<br />
produto <strong>de</strong> dramaturgia diária.<br />
Inspiradas pela própria socieda<strong>de</strong><br />
brasileira e, em contrapartida,<br />
também capazes <strong>de</strong> inspirar<br />
e influenciar comportamentos,<br />
as novelas formam o caldo cultural<br />
e sociológico que permeia<br />
o cotidiano da gran<strong>de</strong> <strong>maio</strong>ria.<br />
Um interminável jogo <strong>de</strong> espelhos.<br />
“As novelas provocaram e<br />
retrataram a <strong>maio</strong>r parte das revoluções<br />
<strong>de</strong> costumes que aconteceram<br />
no Brasil nos últimos 66<br />
anos. São gran<strong>de</strong>s fenômenos<br />
culturais e continuam importantes<br />
como sempre”, diz Washington<br />
Olivetto, CEO da WMc-<br />
Cann, que se inspirou no tímido<br />
professor Josué, interpretado<br />
por Marco Nanini em Gabriela,<br />
em 1975, para compor o Garoto<br />
Bombril, em 1978.<br />
A via <strong>de</strong> mão dupla entre realida<strong>de</strong><br />
e ficção é <strong>de</strong> fato potente,<br />
transforma a realida<strong>de</strong> e há inúmeros<br />
exemplos disso ao longo<br />
do tempo. Mulheres Apaixonadas,<br />
que abordou <strong>de</strong> maneira impactante<br />
o tema <strong>de</strong> maus-tratos<br />
a idosos, contribuiu para a aprovação<br />
do Estatuto do Idoso aqui<br />
fora, na vida. Indo mais longe no<br />
tempo, vale lembrar a contribuição<br />
<strong>de</strong> Escalada para a discussão<br />
sobre o divórcio (na época<br />
ainda não legalizado). Novelas<br />
são longevas – continuam sendo<br />
revistas interminavelmente em<br />
programas como Vale a pena ver<br />
<strong>de</strong> novo e canais como o Viva, da<br />
Globosat. No atual horário nobre,<br />
se entrelaçam as histórias <strong>de</strong><br />
uma personagem travesti e outra<br />
que planeja fazer a transição <strong>de</strong><br />
gênero, em A Força do Querer.<br />
“A telenovela, com sua gran-<br />
Cena <strong>de</strong> a Força do Querer, atual novela no horário nobre da Globo, que entrelaça histórias da diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> gênero<br />
<strong>de</strong> propagação em diversos<br />
setores da socieda<strong>de</strong> e por distintas<br />
mídias, tem como uma <strong>de</strong><br />
suas características a apropriação<br />
da realida<strong>de</strong> como matéria-<br />
-prima. Nela, realida<strong>de</strong> e ficção<br />
tomam formas cada vez mais<br />
parecidas, uma acaba inspirando<br />
a outra”, analisa Mauro<br />
Alencar, estudioso <strong>de</strong> novelas,<br />
doutor em teledramaturgia<br />
brasileira e latino-americana<br />
pela USP e autor <strong>de</strong> diversos livros<br />
sobre as novelas, como A<br />
Hollywood Brasileira – Panorama<br />
da Telenovela no Brasil.<br />
Alencar <strong>de</strong>screve a telenovela<br />
como um gênero catalisador <strong>de</strong><br />
outras linguagens – literatura, teatro,<br />
cinema. Técnicas são criadas<br />
e renovadas constantemente,<br />
temáticas do cotidiano são<br />
inseridas na ficção, utilizando<br />
como argamassa <strong>de</strong> construção a<br />
história do Brasil, além <strong>de</strong> ciências<br />
como a psicologia, a sociologia<br />
e a antropologia. Telenovelas<br />
impulsionaram a economia – por<br />
exemplo, com as vendas da televisão<br />
em cores a partir <strong>de</strong> 1973 –<br />
e amplificaram a “economia do<br />
entretenimento”. Mas seu <strong>maio</strong>r<br />
valor, na opinião do especialista,<br />
é e foi a formação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
nacional para o Brasil.<br />
“A novela contribui para diminuir<br />
as diferenças entre os<br />
diversos aspectos do complexo<br />
comportamento humano, pois<br />
com a riqueza <strong>de</strong> nossa telenovela,<br />
a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> nossa individualida<strong>de</strong>,<br />
po<strong>de</strong>mos compreen<strong>de</strong>r<br />
que somos parte <strong>de</strong> um todo”,<br />
comenta.<br />
Marcelo Silva, vice-presi<strong>de</strong>nte<br />
artístico da Record TV – que<br />
emplacou um novo gênero <strong>de</strong><br />
novelas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> sucesso, contando<br />
histórias bíblicas, afirma<br />
que o público apren<strong>de</strong>u a se reconhecer<br />
na tela da TV – o que<br />
não ocorre, por exemplo, ao<br />
assistir filmes estrangeiros. “As<br />
novelas conseguiram explorar<br />
diferentes aspectos da vida do<br />
povo e acabam tão presentes<br />
João Miguel Júnior/Divulgação<br />
que pautam as conversas, e até o<br />
noticiário do dia”.<br />
Silvana Gontijo, presi<strong>de</strong>nte da<br />
PlanetapontoCom, especializada<br />
em inovação em educação, critica<br />
a visão carregada <strong>de</strong> preconceitos<br />
que rotulava as novelas<br />
como alienadoras e “o ópio do<br />
povo”, em especial as campeãs<br />
<strong>de</strong> audiência. “Como qualquer<br />
obra autoral, uma novela, uma<br />
peça <strong>de</strong> teatro, uma exposição<br />
<strong>de</strong> arte ou um livro po<strong>de</strong> ser boa<br />
ou ruim, aplaudida ou rejeitada,<br />
inovadora ou conservadora.<br />
Acho que as novelas, se prestam<br />
ou prestaram um <strong>de</strong>sserviço, foi<br />
talvez o <strong>de</strong> nos mostrar o que não<br />
queremos ver e muito menos<br />
reconhecer como feio, em nós<br />
mesmos. Tem mais, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />
que fomos alienados por elas me<br />
parece uma visão extremamente<br />
<strong>de</strong>squalificante <strong>de</strong> nós mesmos.<br />
Como se seus críticos duvidassem<br />
da nossa inteligência e capacida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> avaliar criticamente o<br />
que recebemos”, afirma.<br />
1<strong>22</strong> <strong>22</strong> <strong>de</strong> <strong>maio</strong> <strong>de</strong> <strong>2017</strong> - jornal propmark