Por-que-representatividade-negra-importa-tanto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
POR QUE<br />
REPRESENTATIVIDADE<br />
NEGRA IMPORTA<br />
TANTO?<br />
Emanuely Barbosa<br />
A priori, antes de iniciar a discussão<br />
acerca da <strong>representatividade</strong>,<br />
cabe conhecer o seu significado.<br />
De acordo com o Dicionário Aurélio<br />
online, “<strong>representatividade</strong> é a<br />
qualidade de alguém, de um<br />
grupo, um sindicato, cujo<br />
embasamento na população faz<br />
com <strong>que</strong> ele possa exprimir-se<br />
verdadeiramente em seu nome”<br />
(AURÉLIO, 2017). Ou seja,<br />
<strong>representatividade</strong> é representar<br />
politicamente os interesses de dado<br />
grupo, classe social ou povo. Tendo<br />
em vista a definição da<br />
<strong>representatividade</strong>, cabe indagar<br />
qual a sua importância para a<br />
população <strong>negra</strong>, utilizando para<br />
isto a minha própria vivência como<br />
mulher <strong>negra</strong>.<br />
Desde crianças, a grande maioria<br />
de nós negros, principalmente<br />
meninas <strong>negra</strong>s, brincávamos<br />
sempre com bonecas brancas, pois<br />
havia uma certa dificuldade em<br />
encontrar bonecas <strong>negra</strong>s nas<br />
lojas. Para além disto, as bonecas<br />
de cor escura sempre foram vistas<br />
com olhares tortos, principalmente<br />
as poucas meninas <strong>que</strong> escolhiam<br />
brincar com bonecas deste tipo,<br />
sendo assim, devido à este<br />
constrangimento, muitas meninas<br />
optavam pela boneca de pele<br />
clara para não ter <strong>que</strong> lidar com<br />
comentários como: “Que boneca<br />
feia! Vai brincar com ela?”, “Credo,<br />
<strong>que</strong>m te deu esta boneca?”.<br />
As bonecas <strong>negra</strong>s eram vistas<br />
como algo de outro mundo, pois as<br />
grandes indústrias de brin<strong>que</strong>do,<br />
como a Mattel e Estrela, por<br />
exemplo, nunca lançavam<br />
bonecas <strong>negra</strong>s e criavam<br />
“mágicas” propagandas, assim<br />
como criavam para as bonecas
ancas. Muitas vezes até existia a<br />
versão <strong>negra</strong> da boneca branca<br />
em lançamento, mas esta não<br />
aparecia na propaganda, pois seu<br />
lugar era ficar escondida nas<br />
prateleiras, atrás da boneca<br />
branca. Isto posto, a boneca <strong>negra</strong><br />
nunca fora vista como um<br />
“brin<strong>que</strong>do ideal”, “bonito”, logo<br />
“ Quantas pessoas<br />
<strong>negra</strong>s você<br />
conhece <strong>que</strong> já<br />
odiaram a cor de<br />
sua pele? Quantas<br />
mulheres <strong>negra</strong>s<br />
você conhece<br />
<strong>que</strong> negaram o<br />
cabelo, os traços<br />
físicos?”<br />
não seria aceitável comprar algo<br />
“esquisito” para se dar de presente<br />
à uma criança.<br />
As poucas meninas <strong>que</strong> optavam,<br />
na minha infância, por comprar a<br />
boneca <strong>negra</strong>, eram criticadas ao<br />
máximo na escola, sendo muitas<br />
vezes até ignorada nas<br />
brincadeiras. Isto fazia com <strong>que</strong> a<br />
menina passasse a ver a boneca<br />
<strong>negra</strong> como algo ruim, e para se<br />
encaixar no grupo novamente, esta<br />
abria mão de algo <strong>que</strong> gostava, e<br />
passava a brincar com algo <strong>que</strong> a<br />
permitisse ficar na<strong>que</strong>le grupo. É<br />
<strong>importa</strong>nte ressaltar, <strong>que</strong> as<br />
crianças não nascem odiando<br />
umas as outras, não nascem<br />
sabendo <strong>que</strong> a boneca <strong>negra</strong> é<br />
feia por ter a cor de pele escura,<br />
diferente da boneca branca de<br />
olhos azúis, o gosto é algo<br />
construído socialmente, sendo elas<br />
ensinadas a criticar e distinguir<br />
boneca <strong>negra</strong> da branca. Nossa<br />
sociedade fora construída sob base<br />
racista e machista, sendo estas<br />
opressões reconfiguradas a cada<br />
passo em <strong>que</strong> se desenvolve a<br />
sociedade. O racismo se encontra<br />
na estrutura da sociedade<br />
brasileira, e cabe às instituições de<br />
longa duração - escola, igreja,<br />
família- desconstruir estes préconceitos<br />
e ensinar <strong>que</strong> a diferença<br />
não é sinônimo de inferioridade.
O caso supracitado acima,<br />
referente às bonecas é só o início<br />
de uma história opressora em <strong>que</strong> o<br />
negro vive na sociedade brasileira.<br />
Ao passo em <strong>que</strong> a adolescência,<br />
a vida adulta chega, novos<br />
desafios, ou melhor dizendo, novas<br />
barreiras são colocadas no<br />
caminho destas pessoas. Quantas<br />
pessoas <strong>negra</strong>s você conhece <strong>que</strong><br />
já odiaram a cor de sua pele?<br />
Quantas mulheres <strong>negra</strong>s você<br />
conhece <strong>que</strong> negaram o cabelo,<br />
os traços físicos?<br />
“[...] se somos tão<br />
iguais assim, por<br />
<strong>que</strong> não nos<br />
vemos nas novelas,<br />
como<br />
protagonistas? <strong>Por</strong><br />
<strong>que</strong> não nos<br />
vemos em espaços<br />
de poder? <strong>Por</strong> <strong>que</strong><br />
não ganhamos<br />
salários iguais aos<br />
das mulheres não<strong>negra</strong>s?”<br />
<strong>que</strong> pouquíssimos de nós são<br />
professores? <strong>Por</strong> <strong>que</strong> somos<br />
Princesa Tiana, do filme “A<br />
Princesa e o sapo”, Disney,<br />
2009.<br />
Representatividade<br />
<strong>importa</strong>,<br />
por<strong>que</strong> somos cidadãos de um país<br />
em <strong>que</strong> diz <strong>que</strong> somos iguais em<br />
direitos e deveres. Logo, se somos<br />
tão iguais assim, por <strong>que</strong> não nos<br />
vemos nas novelas, como<br />
protagonistas? <strong>Por</strong> <strong>que</strong> não nos<br />
vemos em espaços de poder? <strong>Por</strong><br />
<strong>que</strong> não ganhamos salários iguais<br />
aos das mulheres não-<strong>negra</strong>s? <strong>Por</strong><br />
invisíveis? É <strong>importa</strong>nte <strong>que</strong> esta<br />
discussão seja feita também pela<br />
população não-<strong>negra</strong>, pois<br />
precisamos parar de aceitar <strong>que</strong><br />
somente a história do outro seja<br />
contada. O Brasil é um país<br />
multiculturalista, todavia lida com a<br />
sociedade de forma única,<br />
invisibilizan do outros grupos.<br />
Precisamos nos ver em diversos<br />
espaços da sociedade e saber<br />
<strong>que</strong>, sim, podemos ser o <strong>que</strong><br />
quisermos!