Revista Dr. Plinio 231
Junho de 2017
Junho de 2017
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Publicação Mensal Ano XX - Nº <strong>231</strong> Junho de 2017<br />
Devoção eucarística,<br />
inocência e combatividade
Gabriel K.<br />
“Sede perfeitos como<br />
o Pai Celeste”<br />
São Cirilo de Alexandria viveu no século V<br />
e combateu a heresia de Nestório. Naquela<br />
ocasião, estabeleceu-se a clássica distinção<br />
entre os ortodoxos, que professavam a divindade<br />
da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo e a<br />
consequente Maternidade Divina de Maria,<br />
e os heterodoxos, que afirmavam haver<br />
em Cristo duas pessoas, sendo Nossa<br />
Senhora mãe apenas da pessoa<br />
humana. Como sói acontecer,<br />
entre essas duas correntes havia<br />
os tais pseudo-equilibrados,<br />
que julgavam ser melhor não discutir,<br />
pois irritaria o adversário, tornando<br />
mais difícil a possibilidade de<br />
conversão. Esses se voltavam contra São<br />
Cirilo porque ele combatia os hereges.<br />
Essa raça de almas corresponde ao dito na<br />
Escritura: “Se fosses frio ou quente Eu te aceitaria,<br />
mas como és morno, estou para vomitar-te<br />
de minha boca” (Ap 3, 16). São os que mais atrapalham<br />
a causa católica, pois o melhor dispositivo<br />
de proteção do erro não está entre aqueles que o<br />
professam, mas sim entre os que dizem professar a<br />
verdade, mas nas suas táticas protegem o erro.<br />
Essa posição intermediária atrai mais a cólera<br />
divina do que a definida posição contrária.<br />
Se devemos ser perfeitos como nosso Pai celeste<br />
é perfeito (cf. Mt 5, 48) e se é legítima a jaculatória<br />
“Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração<br />
semelhante ao vosso”, então devemos também<br />
ter náusea e horror daqueles de quem o Pai Celeste<br />
e o Coração de Jesus têm náusea e horror.<br />
2<br />
São Cirilo de Alexandria<br />
Igreja de São Pedro e São<br />
Paulo, Cracóvia, Polônia<br />
(Extraído de conferência de 8/2/1966)
Sumário<br />
Ano XX - Nº <strong>231</strong> Junho de 2017<br />
Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> durante<br />
uma conferência em 1993.<br />
As matérias extraídas<br />
de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
— designadas por “conferências” —<br />
são adaptadas para a linguagem<br />
escrita, sem revisão do autor<br />
Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />
propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />
CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />
INSC. - 115.227.674.110<br />
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Impressão e acabamento:<br />
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02911-000 - São Paulo - SP<br />
Tel: (11) 3932-1955<br />
Editorial<br />
4 Em defesa da inocência<br />
Piedade pliniana<br />
5 Preparação para receber a Eucaristia<br />
Dona Lucilia<br />
6 Ímpeto de Dona Lucilia ao<br />
increpar o mal<br />
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
8 Grande lição de combatividade<br />
Sagrado Coração de Jesus<br />
13 Adoração da personalidade<br />
de Nosso Senhor<br />
Ardoroso apóstolo da Eucaristia<br />
16 O Pão dos fortes<br />
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
18 Inocência e perspicácia<br />
Calendário dos Santos<br />
22 Santos de Junho<br />
Preços da<br />
assinatura anual<br />
Comum............... R$ 130,00<br />
Colaborador........... R$ 180,00<br />
Propulsor.............. R$ 415,00<br />
Grande Propulsor....... R$ 655,00<br />
Exemplar avulso........ R$ 18,00<br />
Serviço de Atendimento<br />
ao Assinante<br />
editora_retornarei@yahoo.com.br<br />
Hagiografia<br />
24 Santo Eliseu, os meninos e os ursos<br />
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
27 As duas fases do processo da<br />
Revolução Industrial<br />
Luzes da Civilização Cristã<br />
32 Nobreza, distinção, boas maneiras:<br />
frutos do preciosíssimo Sangue de Cristo<br />
Última página<br />
36 Coração Sapiencial e Imaculado de Maria<br />
3
Editorial<br />
Em defesa<br />
da inocência<br />
Como afirma <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> no trecho transcrito abaixo * , na origem de sua vocação contrarrevolucionária<br />
encontram-se a luta para manter a inocência, o amor ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa<br />
Senhora, à Santa Igreja e à Sagrada Eucaristia.<br />
A ideia de minha vocação começou a se formar a partir de alguns pontos aos poucos reunidos. O<br />
primeiro foi a sensação de minha inocência e minha candura, bem como da graça que habitava em<br />
mim sem eu o saber. Eu sentia muita graça, muita elevação, muita tendência para realidades extraordinárias<br />
e absolutamente superiores. Não era a vaidade de fazer carreira, mas o desejo de outra ordem<br />
de coisas metafísica, celeste.<br />
O segundo ponto foi a noção de que todas essas sensações iam se definindo em torno do conceito<br />
de Igreja Católica Apostólica Romana, de Nosso Senhor enquanto Homem-Deus, do Sagrado Coração<br />
de Jesus e, depois, de Nossa Senhora e da Eucaristia.<br />
Eu entrava na igreja e sentia a presença de Deus. Sentia a virtude, a Santa Igreja Católica, no fundo,<br />
o Espírito Santo, alma da Igreja, presente ali. Rezando diante das imagens, experimentava certa<br />
comunicação com os Santos por elas representados. Sobretudo rezando ao Santíssimo Sacramento!<br />
Eu sentia a presença de Jesus Eucarístico, enormemente! Esse sentir fazia-me ter consolações de<br />
caráter específica e nitidamente religioso, por causa das quais eu gostava muito de ir à igreja e me fazia<br />
grande bem.<br />
Mais ou menos concomitantemente formei o conceito de combate à impureza. Quando alguns<br />
companheiros de infância me revelaram como se dava a perpetuação da espécie humana, suas gargalhadas<br />
e atitudes levaram-me a compreender o mal da impureza discernida em seus espíritos. Nasceu<br />
então em mim um irredutível ódio ao espírito de impureza, considerando-o como sendo o contrário<br />
do que se deve ser. A partir desse ódio surgiu a luta que se explicitava na seguinte ideia: “Tempo houve<br />
em que o mundo foi como eu. Porém, agora sou um resíduo. Os amigos da impureza são outra coisa.<br />
Não quero deixar de ser como sou, custe o que custar. Por outro lado, quero que eles também sejam<br />
como eu. Ora, como eles querem me forçar a ser diferente, mas resisto, e quero forçá-los a ser<br />
como eu, e eles resistem; o resultado é uma batalha!”<br />
Combatividade, inocência, Eucaristia e Sagrado Coração de Jesus, temas que na presente edição <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> demonstra estarem intimamente relacionados entre si, e cuja inter-relação é indispensável para<br />
constituir o perfil moral do verdadeiro católico.<br />
* Conferência de 9/7/1988.<br />
Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />
de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />
na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />
outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />
4
Piedade pliniana<br />
Preparação<br />
Gabriel K.<br />
para receber<br />
a Eucaristia<br />
Minha Mãe e Senhora do Santíssimo<br />
Sacramento, preparai-me<br />
Vós mesma para receber Nosso<br />
Senhor, dando-me todos os bons movimentos<br />
de alma, os bons impulsos para<br />
que eu tenha presente o que vai acontecer<br />
de extraordinário, a honra imensa que<br />
vou ter porque rezastes por mim e, por isso,<br />
vosso Divino Filho vem a mim.<br />
Quando comungáveis, Vós compreendíeis<br />
inteiramente a grandeza desse ato.<br />
Peço-Vos, pois, que adoreis a Deus em<br />
meu lugar, porque não sou suficientemente<br />
grande para O adorar. Vinde espiritualmente<br />
à minha alma e cuidai de vosso Divino<br />
Filho como O tratáveis na Terra, porque<br />
não sou capaz de fazê-lo devidamente.<br />
(Extraído de conferências de 5/1/1974 e<br />
6/2/1981)<br />
Nossa Senhora do Santíssimo Sacramento - Igreja<br />
Notre-Dame du Saint-Sacrement, Montreal, Canadá<br />
5
Dona Lucilia<br />
Ímpeto de Dona Lucilia<br />
ao increpar o mal<br />
Quando se tratava de algo péssimo em vias de realizar-se, e cujo<br />
curso ela podia tolher, Dona Lucilia levantava o corpo todo,<br />
punha o pescoço alto, seus olhos se tornavam fogosos e ela<br />
falava olhando de cima, começando num tom de voz fino que ia<br />
se tornando mais caloroso. Suas palavras nunca eram insultos<br />
pessoais, mas uma crítica à atitude moral de quem andava mal.<br />
Dir-se-ia que, por causa da<br />
grande mansidão, condescendência,<br />
compaixão<br />
que transbordavam de Dona Lucilia,<br />
ela ficaria horripilada com a hipótese<br />
de serem desencadeados castigos<br />
como os previstos em Fátima e em<br />
tantas outras revelações privadas.<br />
Sentimentos opostos,<br />
mas harmônicos<br />
Entretanto, eu a vi uma ou outra<br />
vez exprimir sentimentos opostos, inteiramente<br />
harmônicos com a personalidade<br />
dela. Não propriamente<br />
quando ela falava de castigos de povos<br />
ou de civilizações – tema que ela<br />
conhecia, mas entrava pouco em suas<br />
cogitações cotidianas –, mas quando<br />
tratava de determinadas punições,<br />
degradações ou deteriorações individuais,<br />
com o resultado que isso trazia.<br />
Assim, ao referir-se a alguma pessoa<br />
que moralmente decaíra muito,<br />
se degradara, quando a degradação<br />
era horripilante, mamãe tinha um<br />
modo de exprimir-se por onde aparecia,<br />
em relação aos aspectos morais<br />
daquela pessoa, um asco que indicava,<br />
ao mesmo tempo, uma espécie<br />
de dobre de finados.<br />
Era como quem dava a entender<br />
o seguinte: aquilo está de tal maneira<br />
deteriorado que tem o desagradável<br />
do putrefato, e a própria sanidade<br />
da pessoa exige que o apodrecido seja<br />
enviado ao lixo, destruído. A destruição<br />
do putrefato é um sinal de saúde,<br />
e o horror ao putrefato é um indício<br />
de integridade. A aversão dela a degradações<br />
morais muito grandes era<br />
idêntica à repulsa à putrefação.<br />
Não era, portanto, o sentimento<br />
de justiça considerado meramente<br />
em abstrato – praticou tal ato altamente<br />
censurável, logo precisa ser<br />
punido –, mas uma classificação de<br />
um determinado estado de alma como<br />
execrável e purulento. E, no purulento,<br />
a repulsa cheia de desdém e<br />
a necessidade do extermínio. Entretanto,<br />
esse extermínio apresentava-<br />
-se sob a forma de um respeito a si<br />
mesma e à ordem superior posta por<br />
Deus, violada por alguém a um ponto<br />
inimaginável.<br />
Nesse caso, não vi que coubesse<br />
uma referência à misericórdia a não<br />
ser do seguinte lado: “O coitado do<br />
Fulano, a coitada da Fulana”. Porém<br />
eram coitados porque tinham caído<br />
naquele estado de putrefação e, portanto,<br />
mereciam a repulsa, a rejeição.<br />
Não era uma atitude assim: “Não vamos<br />
repelir porque ele é um coitado...”;<br />
mas o contrário: “Coitado, ele<br />
precisa ser repelido...” Nisso entrava<br />
a boa ordenação do espírito dela.<br />
Admiração pela<br />
combatividade<br />
Essa posição se transpunha também<br />
para uma grande admiração à<br />
valentia. Não que Dona Lucilia admirasse<br />
a valentia enquanto valentia,<br />
em qualquer circunstância onde uma<br />
pessoa fosse corajosa, mas a valentia<br />
aplicada contra certas situações concretas,<br />
putrefatas e altamente dete-<br />
6
ioradas, parecia a ela uma espécie<br />
de afirmação de força, de integridade<br />
de alma que compensava o que<br />
do outro lado havia de degradante.<br />
Por exemplo, diante de uma garrafa<br />
de um desinfetante como a creolina,<br />
uma pessoa talvez não tenha nenhuma<br />
atração. Contudo, ao descrever a ação<br />
destruidora e bactericida do desinfetante,<br />
ela poderá falar com entusiasmo.<br />
Embora a creolina não seja, de<br />
modo algum, um perfume e, portanto,<br />
de si não cause encanto, uma pessoa<br />
poderia dizer: “Ótimo! Vamos pôr<br />
creolina ali que ela limpa esse negócio<br />
direito!” Nesse caso a ação bactericida<br />
da creolina será, então, um título<br />
de louvor. Assim Dona Lucilia aludia<br />
à ação repressiva do mal.<br />
Mas era só isso? De imediato,<br />
sim, mas no mais fundo, não.<br />
Mamãe tinha muita admiração pela<br />
combatividade, pelo fato de alguém<br />
expor-se ao risco por uma finalidade<br />
superior. E o melhor da admiração<br />
dela rumava para o seguinte: aquele é<br />
um espírito superior, capaz de conhecer<br />
e amar algo de muito mais alto –<br />
Deus Nosso Senhor – e, por causa disso,<br />
tem capacidade também de se expor<br />
a um risco insigne com um domínio<br />
sobre si mesmo e por amor àquilo.<br />
Isso forma o varão de Deus. Então,<br />
um grande entusiasmo!<br />
Mas era preciso ter certa finura de<br />
discernimento para perceber que isso<br />
estava no espírito dela, pois o que<br />
aparecia mais evidentemente era a<br />
destruição do mal, que não tem o direito<br />
de existir e deve ser repelido.<br />
Havia também uma outra forma<br />
de combatividade em Dona Lucilia.<br />
Ela não era uma pessoa nem um<br />
pouco discutidora, mas apreciava<br />
muito quando alguém dava uma resposta<br />
de achatar uma causa má. E é<br />
curioso: ela que era uma pessoa bem<br />
loquaz, nada concisa no que dizia –<br />
não inutilmente prolixa, mas bastante<br />
expansiva –, entretanto, apreciava<br />
muito as réplicas concisas. E às vezes<br />
guardava, desta ou daquela situação<br />
que ela tinha visto, réplicas concisas,<br />
lembrava-se, contava, apreciando<br />
uma operação de horizonte claro, de<br />
raio límpido que atingisse o objetivo.<br />
Movimentos de indignação<br />
Nunca a vi dar uma indireta, fazer<br />
uma insinuação contra ninguém.<br />
Isso não era nem um pouco do estilo<br />
dela. Em seu convívio suave havia,<br />
portanto, muito pouca probabilidade<br />
de ela dizer alguma coisa desagradável.<br />
Mas mamãe tinha, embora<br />
raras vezes, movimentos de indignação<br />
que procediam, em geral,<br />
da conjugação de uma certa surpresa<br />
diante de alguma coisa péssima mais<br />
o péssimo existente naquilo.<br />
Quando se tratava de um péssimo<br />
em marcha, em vias de realizar-se, e<br />
cujo curso ela podia tolher, mamãe<br />
chegava a levantar o corpo todo, punha<br />
o pescoço alto, seus olhos se tornavam<br />
fogosos, ela falava olhando<br />
de cima, começando num tom de voz<br />
fino que ia se tornando mais caloroso.<br />
Dizia três ou quatro coisas que<br />
nunca eram insultos pessoais, mas<br />
uma crítica à atitude moral péssima.<br />
Portanto, nunca dizia algo que<br />
criticasse a falta de inteligência, de<br />
educação, de cultura, algo que diminuísse<br />
alguém enquanto pessoa, mas<br />
increpava o mau procedimento. E aí<br />
era difícil resistir ao ímpeto dela.<br />
Por outro lado, uma vez feita a increpação,<br />
nunca a vi gabar-se disso,<br />
nem repetir o episódio, nem contar.<br />
Tinha feito o que devia, aquilo morria,<br />
ela continuava a viver. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
12/7/1982)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
7
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
Grande lição de<br />
Samuel Holanda<br />
combatividade<br />
Tendo fraquejado a coragem de<br />
proclamar os dogmas, houve<br />
uma diminuição da Fé em<br />
incontáveis pessoas que se<br />
dizem católicas. A Solenidade<br />
de Corpus Christi nos ensina a<br />
ser cada vez mais combativos<br />
por amor a Nossa Senhora e por<br />
adoração à Sagrada Eucaristia.<br />
Jesus Eucarístico<br />
Catedral de Dijon, França<br />
Deverei falar alguma coisa a<br />
respeito de Corpus Christi.<br />
Os aspectos da instituição<br />
do Santíssimo Sacramento e da presença<br />
da Eucaristia na Igreja já têm<br />
de tal maneira sido estudados por nós,<br />
que se fica um pouco embaraçado em<br />
dizer algo de novo. Mas uma vez que<br />
não estamos propriamente na festa da<br />
instituição do Santíssimo Sacramento,<br />
que é na Quinta-feira Santa, mas na<br />
solenidade de Corpus Christi, eu gostaria<br />
de dizer algo sobre a razão pela<br />
qual ela foi instituída.<br />
Um dos maiores escândalos<br />
na Igreja, no século XVI<br />
Todos sabem que os protestantes,<br />
hereges, negaram e negam a presença<br />
real de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />
no Santíssimo Sacramento. E esse<br />
foi um dos maiores escândalos sentidos<br />
ou realizados na Igreja, no século<br />
XVI, no qual houve tantos escândalos.<br />
Os medievais tinham uma profunda<br />
Fé no Santíssimo Sacramento, na<br />
presença real e, portanto, uma devoção<br />
enorme à Santa Missa, à adoração<br />
do Santíssimo Sacramento. E<br />
a negação brutal da presença real,<br />
feita pelos protestantes, foi um dos<br />
pontos de fratura entre eles e os católicos,<br />
tendo sido recebida por estes<br />
como um dos piores ultrajes que<br />
jamais se tenham cometido contra<br />
Nosso Senhor.<br />
Qual foi então a política – porque<br />
se pode aqui falar em política, no<br />
8
sentido elevado do termo –, quer dizer,<br />
a tática pastoral usada pela Igreja<br />
em face desse fato?<br />
A Igreja tinha dois caminhos. Um<br />
seria o de dizer: “Nossos irmãos separados<br />
protestantes estão negando<br />
a presença real. Se formos afirmar<br />
de modo protuberante essa presença,<br />
nós sustentamos a separação.<br />
Como eles não querem saber de nenhum<br />
modo desse dogma, na medida<br />
em que nós o afirmamos, eles se<br />
afastam. Vale a pena, então, repensarmos<br />
o dogma da presença real.<br />
E tomando em consideração que os<br />
tempos mudaram – porque o ano<br />
de 1500 estava afinal de contas bem<br />
longe do ano I da era Cristã –, era<br />
muito natural que nós agora exprimíssemos<br />
a presença real num vocabulário<br />
diferente, que agradasse aos<br />
protestantes.”<br />
“Não seria uma negação da presença<br />
real, pois é um dogma definido<br />
por Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Mas em vez de afirmar de forma tão<br />
acentuada que Ele está realmente<br />
presente, debaixo das aparências eucarísticas,<br />
com seu Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade, nós poderíamos<br />
dizer que há a presença de Cristo<br />
no pão aqui consagrado. O que essa<br />
presença significa? Deus está presente<br />
por toda parte, e os bons amigos<br />
protestantes podem entender<br />
que Ele se encontra ali como está,<br />
por exemplo, numa flor ou num pão<br />
qualquer. Nós compreendemos que<br />
não é isso, mas sim que Ele está realmente<br />
presente com Corpo, Sangue,<br />
Alma e Divindade. Porém, não vamos<br />
declarar isso para não criar uma<br />
cisão. Vamos usar um termo confuso,<br />
equívoco e assim eles ficam unidos<br />
conosco. Depois, vamos começar<br />
o diálogo, no qual dizemos para<br />
eles: ‘Que tal seria se nós reestudássemos<br />
os fundamentos do dogma da<br />
presença real, para verificarmos em<br />
conjunto até que ponto ele tem ou<br />
não seu fundamento da Sagrada Escritura?’”<br />
O protestante diria: “A sua dúvida<br />
é irmã da minha. E tenho vontade<br />
de repesquisar o assunto, como<br />
você tem também.” Eu não lhe iria<br />
afirmar que duvido, porque destruiria<br />
a Fé. Então eu lhe falaria: “Se você<br />
tem dúvidas, era bom estudar.”<br />
Ele fica com uma certa impressão<br />
de que eu tenho dúvidas, mas eu não<br />
disse que tenho dúvidas.<br />
Se satanás fizesse<br />
uso da palavra...<br />
Então, começa uma conversa a<br />
respeito do Santíssimo Sacramento<br />
em que digo: “Seria mais interessante,<br />
em vez de eu tomar uma posição<br />
endurecida e você também, nós<br />
estudarmos qual é o modo pelo qual<br />
poderíamos chegar a um acordo. De<br />
maneira tal que, da tese ‘Jesus Cristo<br />
não está presente realmente na Eucaristia’,<br />
nós conseguíssemos deduzir<br />
uma terceira posição que não seria<br />
inteiramente uma coisa nem outra.<br />
Você cede um pouco e eu também.<br />
E nós afirmaremos juntos que<br />
Jesus Cristo está presente de fato na<br />
Eucaristia. Porém, se ele está presente<br />
apenas enquanto Deus, ou enquanto<br />
Homem-Deus, é um porme-<br />
Bênção do Santíssimo Sacramento - Museu de Jaén, Espanha<br />
Flávio Lourenço<br />
9
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
ja, o ensino exige como pressuposto a<br />
clareza. Um homem pode ser sábio e<br />
não ser claro. Mas não pode ser professor<br />
e não ser claro. Seria mais ou<br />
menos como um fabricante de binóculos<br />
que os faz com um cristal excelente,<br />
com uma montagem muito<br />
boa, mas os cristais que ele usa são<br />
um pouco embaçados: é uma porcaria.<br />
Porque o binóculo foi feito para<br />
se ver à distância com clareza. Se não<br />
dá para ver com clareza, é uma porcaria,<br />
o resto não interessa.<br />
Portanto, a primeira exigência do<br />
ensino é de ser claro. Se aquele que<br />
ensina não o faz com clareza intencionalmente,<br />
ele é pior do que um incompetente:<br />
é um desonesto. Porque é<br />
uma desonestidade, uma fraude, aprenor<br />
a respeito do qual cada um de<br />
nós reserva sua liberdade de posição.<br />
Então, teremos chegado finalmente<br />
a uma síntese.”<br />
Por essa forma poder-se-ia evitar<br />
uma ruptura entre protestantes e católicos,<br />
e o mundo cristão seria hoje<br />
unanimemente católico. Essa unidade<br />
teria dado à Religião Católica<br />
um vigor, uma magnitude muito diferente<br />
da tristeza dessa bipartição<br />
que está aí.<br />
“Vocês católicos – argumentaria<br />
um protestante – quando veem, do alto<br />
e de dentro de sua unidade, as seitas<br />
protestantes pulverizadas, riem<br />
dessa pulverização, imaginam bem de<br />
que desgraça, de que infortúnio estão<br />
escarnecendo? Vocês têm uma ideia<br />
de quanto isso representou para o rebaixamento<br />
moral desse mundo protestante<br />
assim dividido? Quanto significou<br />
de lutas, de divisões, de dores,<br />
de sofrimentos? A primeira cisão<br />
partiu de vocês, quando rejeitaram a<br />
nossa novidade. Depois, as outras cisões<br />
vieram em cadeia, por causa exatamente<br />
da rejeição que vocês praticaram.<br />
Vocês são os autores dos males<br />
dos quais se queixam.”<br />
Se satanás tivesse que fazer uso<br />
da palavra, diria – com mais inteligência<br />
e mais charme – mais ou menos<br />
a mesma coisa.<br />
Flávio Lourenço<br />
Ora, os Santos, os teólogos, os papas<br />
daquele tempo seguiram uma política<br />
inteiramente diversa. Eles pensaram<br />
o seguinte: a Igreja Católica foi<br />
instituída por Jesus Cristo para ensinar<br />
a verdade. E ela não tem o direito<br />
de dar um ensinamento confuso<br />
porque não é um ensinamento digno<br />
desse nome. É indigno o ensinamento<br />
confuso, mesmo de um professor<br />
que, involuntariamente, por incompetência,<br />
deixe a confusão reinar<br />
sobre o conteúdo do que ele está ensinando.<br />
Porque a clareza é a primeira<br />
das qualidades do professor, ou sesentar-se<br />
alguém a um outro com a segunda<br />
intenção de não lhe transmitir<br />
a verdade inteira, quando este supõe<br />
que a verdade inteira lhe será dada.<br />
Em termos mais definidos: há<br />
uma questão a respeito de saber se<br />
os portugueses já conheciam ou não<br />
o caminho do Brasil, quando aqui<br />
chegou Pedro Álvares Cabral, e se<br />
o descobrimento do Brasil foi, portanto,<br />
realmente um descobrimento<br />
ou uma expedição mandada pelo<br />
Rei de Portugal para oficialmente<br />
descobrir o Brasil. Os portugueses<br />
julgaram que era o momento de revelar<br />
ao mundo a posse desta terra<br />
que eles já conheciam, mas não queriam<br />
que fosse habitada ainda, porque<br />
não sentiam ainda a nação por-<br />
O ensino deve ter clareza<br />
Procissão do Santíssimo Sacramento<br />
Museu do Romantismo, Madri, Espanha<br />
10
tuguesa bastante pujante para iniciar<br />
o povoamento deste mundo que estava<br />
diante deles.<br />
Há uma discussão sobre esse assunto<br />
na História do Brasil. Um professor<br />
tem o direito de sustentar uma<br />
dessas duas teses, que se apoiam em<br />
argumentos prováveis; tem o direito<br />
de dizer que não aceita nenhuma delas<br />
como demonstradas ainda, porque<br />
não as acha suficientemente elucidadas.<br />
O que ele não tem é o direito<br />
de, numa aula de História tratando<br />
da questão, tirar o corpo da solução<br />
e não dar a posição dele. Se, por<br />
uma razão política qualquer, ele evita<br />
tomar posição, não é honesto porque<br />
tem a obrigação de dizer a verdade<br />
a respeito das coisas.<br />
Pode-se até compreender – não<br />
chego a dizer que se possa escusar –<br />
que um ou outro faça silêncio a respeito<br />
de um determinado ponto de História.<br />
Contudo, segundo pensaram<br />
aqueles grandes teólogos e doutores,<br />
se a Igreja fizesse o silêncio a respeito<br />
da Eucaristia, ela estaria fraudando<br />
os fiéis que receberiam dela um ensinamento<br />
confuso sobre uma verdade<br />
indispensável à salvação. E ela, assim,<br />
faltaria com a sua missão.<br />
Necessidade de levar<br />
os princípios até suas<br />
últimas consequências<br />
Ademais, se a Igreja silenciasse<br />
a respeito da Eucaristia faria com<br />
que os fiéis comungassem mal, porque<br />
eles, não tendo o ensinamento<br />
claro sobre o que estão recebendo,<br />
não podiam recebê-lo bem. Como<br />
fazer um ato de adoração ao Santíssimo<br />
Sacramento se não se tem certeza<br />
que ali está Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo? Não é possível. Quer dizer,<br />
para manter uma unidade pútrida, a<br />
Igreja sacrificaria a vida espiritual de<br />
seus fiéis.<br />
Por fim, viria um princípio que,<br />
embora não seja o mais forte, é o<br />
menos realçado, e por isso desejo<br />
salientá-lo: A força de toda instituição<br />
consiste em levar às últimas consequências<br />
seus próprios princípios.<br />
A partir do momento no qual ela julga<br />
que, para sobreviver, deve adoçar<br />
os seus princípios, reconhece que já<br />
morreu.<br />
Tomem, por exemplo, o estado<br />
militar. As forças armadas constituem<br />
uma instituição do país. O próprio<br />
delas, na sua pujança, é deduzir<br />
da condição militar o estilo de vida<br />
militar levado tão longe quanto possível.<br />
A partir do momento em que,<br />
por exemplo, um ministro da guerra<br />
dissesse que o Brasil é um país<br />
ao qual repugna tanto o estado militar<br />
que, ou o militar toma ares de civil,<br />
ou não haverá mais militares, as<br />
forças armadas morreram no Brasil.<br />
Porque se a coerência do estado militar<br />
é inaceitável pelo país, afugenta<br />
as vocações; então é preciso reconhecer<br />
que o estado militar morreu.<br />
Vocações clericais: um padre deve<br />
ser, pensar, vestir-se e viver como<br />
padre. Se alguém diz que em determinado<br />
país é preciso trajar os padres<br />
de macacão para atrair vocações,<br />
então esse país não quer ter<br />
mais padres, ficou pagão.<br />
Aplico o mesmo princípio à instituição<br />
da família. Alguém dirá: “<strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong>, se não for aprovado o divórcio,<br />
muita gente começa a não se casar<br />
mais e a viver no amor livre.” A<br />
resposta é: “Então diga que morreu<br />
a instituição da família. Não va-<br />
11
Eco fidelíssimo da Igreja<br />
le a pena fazer uma familiazinha moribunda,<br />
caricatura abastardada daquilo<br />
que deve ser.”<br />
Vamos, então, tomar a questão de<br />
frente e dizer logo: tal país morreu.<br />
Porque uma nação onde não há compreensão<br />
para o estado militar, para<br />
o estado eclesiástico e nem apreço<br />
pela família é uma nação morta.<br />
Política de enfrentar, lutar,<br />
afirmar, proclamar<br />
Os padres do Concílio de Trento<br />
entenderam ser preciso fazer o contrário.<br />
E em oposição ao protestantismo,<br />
acentuar o culto ao Santíssimo<br />
Sacramento. Então, o Concílio<br />
fortaleceu o decreto da instituição<br />
da festa de Corpus Christi, prescrevendo<br />
ao clero a realização de uma<br />
procissão na qual o Santíssimo Sacramento<br />
saísse à rua, para se ver<br />
que as multidões O adoram de joelhos<br />
postos em terra, reconhecendo<br />
que debaixo das aparências eucarísticas<br />
está Nosso Senhor Jesus Cristo.<br />
Desde então, impulsionou-se o culto<br />
ao Santíssimo Sacramento de todos<br />
os modos, chegando a essa plenitude<br />
que era a adoração perpétua do Santíssimo<br />
Sacramento, instituída por<br />
São Pedro Julião Eymard.<br />
Era a política de enfrentar, não<br />
conceder, lutar, afirmar, proclamar.<br />
A política da honestidade, da lealdade,<br />
da integridade, da coerência, de<br />
onde veio para a Igreja uma torrente<br />
de graças, exatamente as graças<br />
da Contra-Reforma, que representaram<br />
uma das maiores chuvas de bênçãos<br />
que a Igreja tem recebido.<br />
Acentuar o culto ao Santíssimo<br />
Sacramento, a Nossa Senhora e a<br />
devoção ao Papa foi a resposta da<br />
Igreja ao protestantismo. Uma longa<br />
resposta de trezentos anos. No século<br />
XIX ainda, a proclamação da infalibilidade<br />
papal, do dogma da Imaculada<br />
Conceição; no século XX, o<br />
dogma da Assunção. Enfim, tivemos<br />
uma série de afirmações e institui-<br />
ções desdobrando e afirmando aquilo<br />
que o protestantismo negava. De<br />
maneira que quanto mais eles persistam<br />
no seu erro, tanto mais nós íamos<br />
proclamando alto a nossa verdade.<br />
Quanto mais eles se esfarelavam,<br />
tanto mais a nossa unidade se<br />
afirmava. Quanto mais eles morriam,<br />
tanto mais a nossa vitalidade<br />
se multiplicava.<br />
Até que outros ventos sopraram...<br />
Vejamos a verdade de frente: há incontáveis<br />
católicos que não têm mais<br />
a coerência de sua Fé. Não possuem<br />
mais a pugnacidade, aquela integridade<br />
que caracteriza uma instituição<br />
quando está viva. A Igreja nunca diminui<br />
de vitalidade porque é imortal,<br />
sobrenatural, divina, mas a correspondência<br />
de seus filhos a ela pode<br />
diminuir e, portanto, a densidade<br />
de Fé minguar também no espírito<br />
de muitos deles.<br />
Como, em nossos dias, a coragem<br />
de proclamar os dogmas diminuiu,<br />
há, portanto, uma diminuição da Fé<br />
em incontáveis daqueles que se dizem<br />
católicos!<br />
A solenidade de Corpus Christi é a<br />
festa do Santíssimo Sacramento, mas<br />
também uma grande lição de combatividade.<br />
Aprendamos essa lição e<br />
procuremos ser cada vez mais combativos<br />
por amor a Nossa Senhora e<br />
por adoração à Eucaristia. v<br />
Procissão de Corpus Christi - Basílica de Nossa<br />
Senhora do Carmo, Campinas, Brasil<br />
(Extraído de conferência de<br />
28/5/1970)<br />
Angelis David Ferreira<br />
12
Sagrado Coração de Jesus<br />
Adoração da<br />
personalidade<br />
de Nosso<br />
Senhor<br />
Flávio Lourenço<br />
Quando prestamos<br />
culto ao Coração de<br />
Jesus, adoramos a<br />
personalidade divina<br />
e insondavelmente<br />
perfeita de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, a<br />
qual abarca todas as<br />
personalidades e todas<br />
as qualidades dos<br />
Anjos e homens, desde<br />
o começo da Criação<br />
até o fim dos tempos.<br />
Sagrado Coração de Jesus - Capela da casa<br />
da Beata Rafaela Ybarra, Bilbao, Espanha<br />
Asolenidade do Sagrado Coração<br />
de Jesus é tão grande<br />
que não podemos deixar<br />
de fazer um comentário. Devemos<br />
considerar a relação dessa solenidade<br />
com as de Cristo Rei, do Imaculado<br />
Coração de Maria e da Realeza<br />
de Nossa Senhora.<br />
13
Sagrado Coração de Jesus<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Mentalidade de<br />
Nosso Senhor<br />
A do Sagrado Coração de Jesus<br />
tem por objeto imediato cultuar o<br />
Coração físico de Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo. Porém, cultuá-Lo em Si<br />
e enquanto símbolo da Alma Santíssima<br />
do Salvador, e que vem a ser<br />
aquilo que se poderia chamar a mentalidade<br />
ou, se quiserem, a psicologia<br />
de Nosso Senhor, com aquela<br />
composição de feitio de inteligência<br />
e de vontade que as noções de mentalidade<br />
e de psicologia retêm em si.<br />
Quer dizer, é uma solenidade na<br />
qual nós celebramos, por assim dizer,<br />
a personalidade divina e insondavelmente<br />
perfeita, única de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo, mas, ao mesmo<br />
tempo, abarcando todas as personalidades,<br />
quer dizer, contendo<br />
em grau supereminente, enquanto<br />
Homem e Segunda Pessoa da Santíssima<br />
Trindade, todas as qualidades<br />
de todos os Anjos e de todos os<br />
homens, desde o começo da Criação<br />
até o fim dos tempos. Isso é propriamente<br />
o que nós adoramos, quando<br />
prestamos culto ao Coração de carne<br />
de Jesus, Nosso Senhor.<br />
Por uma simbologia de outra natureza,<br />
as pessoas acabaram se habituando<br />
a considerar no coração apenas<br />
o símbolo do amor, mas tomando<br />
a palavra “amor” com uma corrupção<br />
do século XIX, na acepção sentimental<br />
da palavra, significando apenas ternura,<br />
enquanto sentimento de alma.<br />
É claro que Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo tinha uma ternura supereminente<br />
enquanto Homem, e infinita<br />
enquanto Deus. Mas não é só a sua<br />
ternura – e poder-se-ia dizer que não<br />
é principalmente a sua ternura – que<br />
nós adoramos na solenidade do Sagrado<br />
Coração de Jesus, embora essa<br />
ternura seja digna de toda adoração<br />
possível. A personalidade de Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo não se esgota em<br />
ternura; tem muitos outros adornos,<br />
predicados além da ternura.<br />
Não é principalmente a ternura.<br />
Embora esta – com equilíbrio,<br />
com critério, conforme era em Nosso<br />
Senhor Jesus Cristo – seja uma<br />
grande perfeição de alma, entretanto<br />
ela não é a maior das perfeições<br />
IV Congresso Eucarístico Nacional realizado em<br />
1942, na cidade de São Paulo, Brasil<br />
que uma alma possui. Em Deus todas<br />
as perfeições são infinitas, mas<br />
na hierarquia de valores num homem<br />
a ternura não é, evidentemente,<br />
o principal valor.<br />
Desejo de reconquistar<br />
por misericórdia uma<br />
humanidade revoltada<br />
Entretanto, não deixa de ser verdade<br />
que a devoção ao Sagrado Coração<br />
de Jesus contém uma nota legitimamente<br />
acentuada no que diz<br />
respeito à misericórdia d’Ele, isto é,<br />
a bondade, a capacidade de perdoar,<br />
de passar por cima dos pecados, de<br />
amar, de dar sempre novas graças. E<br />
pode-se dizer que há qualquer coisa<br />
de legítimo no fato de que a piedade<br />
no século XIX, romântica por alguns<br />
lados, focalizou principalmente<br />
a ternura do Sagrado Coração de<br />
Jesus. O mal foi que, às vezes, tenha<br />
focalizado só a ternura.<br />
Em fins do século XVIII e ao longo<br />
do XIX, vemos começar a se dar a<br />
grande expansão da devoção ao Sagrado<br />
Coração de Jesus, a qual foi<br />
quase clandestina antes da Revolução<br />
Francesa. São João Eudes a pregou,<br />
Santa Margarida Maria Alacoque<br />
também, mas era uma devoção<br />
de tal maneira considerada audaciosa,<br />
e quadrando pouco com o ambiente<br />
da época, que um filho de Luís<br />
XV, tendo querido erigir um altar<br />
na capela de Versailles, não teve coragem<br />
de erigir lá, e mandou colocar<br />
uma imagem do Sagrado Coração de<br />
Jesus do lado de trás do altar, onde,<br />
aliás, ela ainda existe. Vejam o misto<br />
de ortodoxia e clandestinidade que<br />
havia nesta devoção.<br />
Portanto, o grande desenvolvimento<br />
desta devoção ocorreu no século<br />
XIX. E nós podemos dizer que,<br />
apesar de todo o caminho tortuoso,<br />
foi também no século XIX que começou<br />
a reconquista do mundo da<br />
parte de Nosso Senhor. E nesse século<br />
houve enorme progresso da<br />
14
Dario Iallorenzi<br />
Igreja Católica, grande surto de dogmas<br />
marianos, a expansão da devoção<br />
ao Papa, a definição do dogma<br />
da infalibilidade papal, a devoção ao<br />
Santíssimo Sacramento, o movimento<br />
ultramontano, pari passu com o<br />
desenvolvimento da devoção ao Sagrado<br />
Coração de Jesus.<br />
Qual é a relação entre tudo isso?<br />
O Sagrado Coração de Jesus, sendo<br />
visto de um ângulo de misericórdia,<br />
de bondade e de perdão, não<br />
castiga os homens na medida em<br />
que merecem, mas procura lhes fazer<br />
um bem ao qual eles não têm direito.<br />
Vem daí, então, o desejo de reconquistar<br />
por misericórdia uma humanidade<br />
revoltada e de prodigalizar<br />
graças, uma em cima da outra,<br />
para, apesar de serem mal acolhidas,<br />
operar essa reconquista dos homens.<br />
Depois dos castigos<br />
preditos em Fátima, virá<br />
o Reino de Maria<br />
Após o reinado de São Pio X,<br />
o curso da História da Igreja muda.<br />
Nós temos ainda uma expansão<br />
grande de piedade com o florescimento<br />
da devoção a Santa Teresinha<br />
do Menino Jesus, que se deu no reinado<br />
de Pio XI, quando as primeiras<br />
neves do progressismo e do modernismo<br />
começavam a cair sobre o<br />
mundo, depois da grande repreensão<br />
de São Pio X.<br />
Mas essa foi uma flor que desabrochou<br />
na boca do inverno. De lá<br />
para cá, nós não notamos<br />
na Igreja nenhum gran-<br />
de movimento de piedade, nenhum<br />
desses surtos enormes que levam<br />
milhões e milhões de almas a se entusiasmarem,<br />
a se afervorarem, como<br />
foi no movimento ultramontano<br />
do século XIX.<br />
Vimos no Brasil, de um modo<br />
efêmero, o esplendor das Congregações<br />
Marianas, que se deu ainda no<br />
tempo de Pio XI, em que nosso país,<br />
por atraso, vivia ainda o pontificado<br />
de São Pio X. Tivemos, mais ou menos,<br />
uma década de desenvolvimento<br />
do movimento mariano, de 1928<br />
a 1938. Depois disso, sucumbiu também.<br />
Embora a devoção ao Sagrado<br />
Coração tivesse perdido muito, a<br />
devoção ao Imaculado Coração de<br />
Maria ter-se difundido bem menos,<br />
essas carências de expansão na Igreja<br />
não são sempre frutos de infidelidades;<br />
são muitas vezes tesouros<br />
que a Igreja como que guarda para<br />
dias piores.<br />
Então se compreende que, rejeitado<br />
o Sagrado Coração de Jesus,<br />
venha o Reino do Imaculado Coração<br />
de Maria. É a Mãe do Perdão<br />
que veio onde Ele foi recusado, para<br />
perdoar ainda mais, ir aonde só a<br />
mãe pode chegar e o pai não vai.<br />
Não estou afirmando que Nossa<br />
Senhora é mais misericordiosa do<br />
que seu Divino Filho; quero<br />
dizer que Ela é a fina<br />
ponta da misericórdia<br />
d’Ele. Nosso Senhor<br />
manda sua<br />
Mãe aonde Ele, como que, não poderia<br />
ir. Ele encontra este “artifício”<br />
de mandar a sua Santíssima Mãe até<br />
lá.<br />
Então, Maria Santíssima recomeça<br />
a reconquista do mundo. Fátima,<br />
um movimento muito mais difuso<br />
do que o do Sagrado Coração de Jesus,<br />
é alguma coisa na qual se preconizou<br />
o Imaculado Coração de Maria.<br />
E nós vemos uma espécie de luta<br />
da Providência desafiando os homens,<br />
dizendo: “Vocês são tão ruins,<br />
mas serei de uma tal bondade que<br />
vou vencer toda a ruindade de vocês.<br />
Eu acabarei triunfando.”<br />
Isso indica uma vontade deliberada<br />
de reinar, de acabar vencendo<br />
que, aliás, é muito expressa na mensagem<br />
de Fátima: “Por fim o Meu<br />
Imaculado Coração triunfará.”<br />
Então, nossa atenção se concentra<br />
nessa imagem final: o Sagrado<br />
Coração de Jesus, fonte infinita de<br />
graças que escoa através do Imaculado<br />
Coração de Maria, canal de todas<br />
as graças, e inunda a humanidade<br />
para reconquistá-la. Uma reconquista<br />
na qual é preciso estar perdoando<br />
sempre, concedendo sempre<br />
mais graças, mas em que, num determinado<br />
momento, cairão também os<br />
castigos preditos em Fátima, após os<br />
quais virá o Reino de Maria. <br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
5/6/1970)<br />
Luis C. R. Abreu
Ardoroso apóstolo da Eucaristia<br />
Samuel Holanda<br />
O Pão dos fortes<br />
A Sagrada Eucaristia<br />
é chamada Pão dos<br />
fortes. Na procissão de<br />
Corpus Christi, devemos<br />
querer glorificá-Lo e<br />
pedir que esse Pão<br />
comunique a sua<br />
força a todos, para<br />
obstarem a ação do<br />
demônio. Como seria<br />
bonito que, de trecho<br />
em trecho, a procissão<br />
parasse em um altar<br />
onde fosse dada uma<br />
bênção exorcística<br />
com o Santíssimo<br />
Sacramento!<br />
ASolenidade de Corpus Christi<br />
é uma festa litúrgica instituída<br />
pela Igreja para comemorar,<br />
homenagear a presença real<br />
de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo<br />
Sacramento. Daí o nome Corpus<br />
Christi.<br />
Reparação pelas blasfêmias<br />
proferidas por protestantes<br />
Essa festa foi instituída pelo Papa<br />
Urbano IV, no século XIII, e teve<br />
16
um grande desenvolvimento no período<br />
da expansão protestante, como<br />
réplica à contestação feita por eles à<br />
afirmação de que Nosso Senhor está<br />
realmente presente na Sagrada Eucaristia,<br />
e com o intuito de estimular<br />
os católicos a oferecer uma reparação<br />
a Nosso Senhor por causa da<br />
blasfêmia que aquela heresia propugnava<br />
a esse respeito.<br />
Com o curso dos tempos, e se<br />
tornando menos ativa a polêmica<br />
entre católicos e protestantes, essa<br />
nota polêmica da festa também diminuiu<br />
de carga e ela passou a ter<br />
como tônica a importância da devoção<br />
eucarística na vida espiritual<br />
dos fiéis. Cada vez mais a atenção<br />
dos católicos, no período que corresponde<br />
à História moderna e depois<br />
à História contemporânea, foi<br />
se concentrando nessa maravilha do<br />
amor de Nosso Senhor para com os<br />
homens, que é a sua presença real<br />
no Santíssimo Sacramento. No século<br />
XIX, a Igreja instituiu a Congregação<br />
do Santíssimo Sacramento,<br />
os sacramentinos, fundada por<br />
São Pedro Julião Eymard, especialmente<br />
para honrar continuamente<br />
o Santíssimo Sacramento na sua<br />
adoração perpétua.<br />
São Pio X – já no século XX, portanto<br />
– instituiu a Comunhão para as<br />
crianças e deu forte impulso à Comunhão<br />
frequente, até mesmo quotidiana,<br />
para as pessoas que pudessem<br />
receber a Sagrada Eucaristia.<br />
Os congressos eucarísticos se espalharam<br />
por toda a Terra e, com essa<br />
irradiação da devoção eucarística,<br />
a festa de Corpus Christi tomou realce.<br />
É a própria glorificação de Nosso<br />
Senhor sacramentado.<br />
Esta festa se celebra por meio de<br />
uma procissão nas ruas.<br />
Compreendo que se possa dizer<br />
ao homem, premido por problemas<br />
pessoais, psicológicos e de toda ordem,<br />
vendo o mundo atormentado<br />
naufragando nas crises contemporâneas,<br />
que o mais importante é a<br />
adoração ao Santíssimo Sacramento.<br />
Entendo até que esse homem tire<br />
disso um proveito e invoque a Sagrada<br />
Eucaristia para não naufragar. A<br />
atenção dele está fortemente chamada<br />
para a sua condição de náufrago.<br />
E que, portanto, é preciso estabelecer<br />
uma relação entre sua situação e<br />
essa devoção. Do contrário, todas as<br />
conversas sobre a festa correm o risco<br />
de deixar o homem sem recursos,<br />
sem uma atração devida para um<br />
mistério tão augusto.<br />
Tudo quanto dissemos a respeito<br />
dessa festa é perfeitamente verdadeiro.<br />
Entretanto, é como se, por<br />
exemplo, me mostrassem uma fotografia<br />
de uma árvore com tronco pujante,<br />
forte, mas na qual os galhos<br />
não aparecem. Aquilo é uma árvore<br />
verdadeira, forte; porém sem os galhos,<br />
só o tronco não dá ideia da árvore.<br />
Bênção exorcística com o<br />
Santíssimo Sacramento<br />
O que ficou dito é o tronco – realmente<br />
saboroso, venerável, perfumado<br />
– do assunto, mas esse tronco<br />
impõe uma irradiação para toda<br />
uma galharia.<br />
Em primeiro lugar, a polêmica<br />
entre protestantes e católicos, tendo-se<br />
tornado menos acre, era o caso<br />
de perguntar se nisso não entrou<br />
moleza, tibieza da parte dos católicos,<br />
e se não se deveria tomar uma<br />
atitude que tornasse mais acerba<br />
essa polêmica. A festa de Corpus<br />
Christi até seria uma ocasião muito<br />
boa para isso. São só os protestantes?<br />
Naquele tempo, eles estavam<br />
no centro do panorama, porém,<br />
com o passar dos anos, toda espécie<br />
de heresias, de abominações se<br />
multiplicaram pela Terra como fruto<br />
do protestantismo. Este gerou<br />
seus filhos e com eles encheu a Terra.<br />
Assim, essa procissão não deveria<br />
ter um caráter contrário a todos<br />
esses filhos do protestantismo? Portanto,<br />
não deveria ser ainda mais<br />
polêmica?<br />
Santa Genoveva, com o Santíssimo<br />
Sacramento, fez recuar os bárbaros<br />
que avançavam sobre Paris. Os<br />
bárbaros de nossos dias avançam e<br />
nós não podemos conceber essa festa<br />
como glorificação daquilo que é<br />
nossa arma para fazermos recuar os<br />
bandidos?<br />
Eu sou entusiasta dessa festa e de<br />
tudo quanto foi dito a seu respeito,<br />
mas me sinto triste por ela ter sido<br />
privada desses complementos indispensáveis.<br />
Para combater é preciso ter força.<br />
A Sagrada Eucaristia é chamada<br />
Pão dos fortes. Esse Pão dos fortes<br />
nós vamos levar pelas ruas para<br />
glorificá-Lo, fazendo um pedido para<br />
que Ele comunique a sua força a<br />
todos quantos se encontram na rua<br />
e para obstarem a ação do demônio.<br />
Que coisa linda acrescentar uma<br />
intenção exorcística na bênção do<br />
Santíssimo Sacramento, dada no final<br />
da procissão! Como seria bonito<br />
que, de distâncias em distâncias,<br />
a procissão parasse em um altar onde<br />
fosse dada uma bênção exorcística<br />
com o Santíssimo Sacramento!<br />
Por outro lado, é verdade que durante<br />
todo esse tempo a devoção ao<br />
Santíssimo Sacramento se desenvolveu<br />
muito. Mas não foi só ela. Cresceu<br />
muito também a devoção a Nossa<br />
Senhora. Não se deveria invocar<br />
muito mais a Santíssima Virgem<br />
ao longo das procissões, com cânticos<br />
louvando-A enquanto modelo da<br />
adoradora do Santíssimo Sacramento?<br />
Ela foi o tabernáculo vivo que<br />
abrigou Nosso Senhor até seu nascimento<br />
e que, depois da primeira Comunhão<br />
d’Ela, conteve-O até o momento<br />
de Ela morrer. Tudo isso precisa<br />
ser lembrado e é por meio d’Ela<br />
que devemos dirigir nossas preces ao<br />
Santíssimo Sacramento. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
9/6/1982)<br />
17
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Joseph Wolf (CC3.0)<br />
Inocência<br />
e<br />
perspicácia<br />
O homem simplesmente em estado de graça, mas sem a<br />
inocência, é menos perspicaz do que o filho das trevas, o<br />
qual fundamentalmente é egoísta. Mas quando alguém tem<br />
um grau de amor de Deus e de inocência tal que excede o<br />
egoísmo e o comprime para conservá-la, é mais ágil, esperto<br />
e combativo do que o egoísta para conservar sua vantagem.<br />
No modo de ser do homem<br />
nascido entre as décadas<br />
de 1920 e 1940, mais ou<br />
menos, caracterizava-se, sobretudo,<br />
a extroversão, correr atrás das coisas<br />
que estão fora dele, as quais ele quer<br />
ter porque lhe produzem o bem-estar<br />
interno desejado por ele e, com<br />
isso, a felicidade. Então possuir muitos<br />
automóveis, barcos, casas para<br />
passar férias muito variadas, tudo isso<br />
era desejado, não tanto por causa<br />
de um bem em si, mas por produzir<br />
no homem uma felicidade e um<br />
bem-estar que resolvem o problema<br />
de alma.<br />
Conhecer uma pessoa<br />
pelo seu modo de ser<br />
Dessa posição extrovertida decorria<br />
a ideia – e aqui está o erro fundamental<br />
– de que um homem só pode<br />
julgar outro pelas ações externas que<br />
ele pratica. Portanto, pelas coisas<br />
que ele diz ou faz, mas não pelo aspecto,<br />
pela fisionomia, pela presença<br />
dele. As impressões nesse sentido<br />
eram tidas, nessa época, como fátuas<br />
e falhas. O homem criterioso não deveria<br />
agir em face de alguém baseado<br />
nisso, mas sim em virtude do que<br />
o outro declara ou realiza.<br />
Ora, de fato, o homem tem uma<br />
possibilidade de sentir a afinidade<br />
ou a heterogeneidade com outro homem,<br />
independentemente daquilo<br />
que este diga ou faça. Se essa capacidade<br />
de ter impressões assim não<br />
é relegada desde logo para a lata de<br />
lixo, mas trabalhada, aproveitada,<br />
educada, o homem é capaz de afinar<br />
18
muito este seu senso e chegar a uma<br />
espécie de discernimento dos espíritos<br />
natural.<br />
O homem pode conhecer outro,<br />
e a presença de uma pessoa pode<br />
ser insuportável a outra simplesmente<br />
pelo modo de ser de alguém,<br />
sem que isto constitua juízo temerário<br />
nem impaciência. Mas, de ponta<br />
a ponta, são duas mentalidades diferentes<br />
que se encontram. É o conhecimento<br />
por conaturalidade que<br />
completa o conhecimento racional,<br />
Ele lhes fez todo<br />
o bem e os maus<br />
responderam<br />
daquele modo,<br />
preferindo Barrabás<br />
ao Salvador, porque<br />
a presença d’Ele lhes<br />
era insuportável,<br />
enquanto a Barrabás<br />
eles suportavam<br />
completamente.<br />
adquirido pelo indivíduo ao analisar<br />
as palavras, os gestos e as atitudes de<br />
uma determinada pessoa.<br />
Por causa disso, sustento que há<br />
no fundo do olhar do revolucionário<br />
algo por onde ele vê o fundo do contrarrevolucionário.<br />
Mas vê mesmo e<br />
não perdoa, porque há a inimizade<br />
da qual nos fala a Sagrada Escritura:<br />
“Inimicitias ponam...” 1<br />
Logo, existe também – pelo menos<br />
deveria existir − o contrário do<br />
lado contrarrevolucionário: ver o revolucionário<br />
e ser completamente<br />
incompatível com ele. O revolucionário<br />
e o contrarrevolucionário precisariam,<br />
portanto, ao se verem, votar<br />
uma oposição recíproca que fosse<br />
até a remoção do revolucionário<br />
do panorama de vida do contrarrevolucionário.<br />
Então, diminuição do<br />
prestígio, do poder dele, em última<br />
análise, remoção do panorama nos<br />
modos que fossem adequados. O<br />
que certamente se dá do lado dos revolucionários;<br />
eles fazem isso. Mas<br />
fomos preparados para não fazer, o<br />
que explica a derrota sistemática do<br />
contrarrevolucionário, porque nós<br />
negamos esse princípio.<br />
O filho da luz e o inocente<br />
Aliás, os maus realizaram isso<br />
com Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele<br />
lhes fez todo o bem e os maus responderam<br />
daquele modo, preferindo<br />
Barrabás ao Salvador, porque a<br />
presença d’Ele lhes era insuportável,<br />
enquanto a Barrabás eles suportavam<br />
completamente.<br />
A meu ver, essa viveza do senso<br />
do revolucionário ao perceber o contrarrevolucionário<br />
explica a queixa<br />
de Nosso Senhor no Evangelho:<br />
“Os filhos das trevas são mais espertos,<br />
no seu gênero, do que os filhos<br />
da luz” (cf. Lc 16, 8). Eles espontaneamente<br />
são assim.<br />
O revolucionário, por ser fundamentalmente<br />
um egoísta, tem toda<br />
a movimentação do instinto de conservação<br />
e dos instintos do amor de<br />
si mesmo levada a uma vivacidade<br />
proveniente da quase brutalidade do<br />
senso do ser, quando este se exerce<br />
sem contrapesos: “Eu sou e quero ser<br />
agradavelmente! Porque quem tem o<br />
esse 2 quer possuir o bene esse. E para<br />
ser agradavelmente eu preciso ter<br />
uma ordem de coisas que me dê tais<br />
prazeres e tais vantagens. Assim, eu<br />
vou em cima disso! E, sobretudo, não<br />
posso ter a presença contrária, que<br />
me contradiz e me inferniza. Portanto,<br />
a este, contrarrevolucionário, mais<br />
do que tudo, eu não quero!”<br />
Por causa disso também, desde o<br />
tempo do colégio se vê coisas como<br />
esta: Dois meninos são parentes, moram<br />
em casas vizinhas, têm afinidades<br />
importantes. Na primeira infância,<br />
brincaram juntos muito agradavelmente.<br />
Mas um ficou revolucionário,<br />
e outro preservou a sua inocência. O<br />
revolucionário não toma em conta esses<br />
fatores de união e de afinidade<br />
para nada! Ele é aliado de outro revolucionário.<br />
E se ele presenciar uma<br />
briga entre um estranho e o amigo<br />
dele contrarrevolucionário, no fundo<br />
dará razão ao estranho e se oporá ao<br />
contrarrevolucionário.<br />
A inocência pode ter perspicácias,<br />
agilidades e destemores heroicos<br />
maiores do que os dos filhos das<br />
trevas. Um exemplo disso foi Santa<br />
Joana d’Arc. Para o perfil moral des-<br />
Anivesh.agrawal (CC3.0)
O pensamento filosófico de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />
Gabriel K.<br />
sa Santa ficar completo, não se podia<br />
imaginar que ela tivesse nascido, por<br />
exemplo, na Florença daquele tempo,<br />
no meio dos esplendores da Renascença.<br />
Ela precisava nascer numa<br />
aldeiazinha como Domrémy, e ser<br />
pastora. É ali que ela tomou a experiência<br />
da vida, se tornou ágil, dúctil,<br />
enérgica... A heroína e a política<br />
que ela realizou se formaram em<br />
Domrémy, na inocência.<br />
Quando a alma tem um certo grau<br />
de núpcias com a inocência, ela possui<br />
mais do que os filhos das trevas. O filho<br />
da luz é a inocência em seu estado<br />
de integridade. A superexcelência da<br />
condição de inocente é ser filho da luz.<br />
Dentre os inocentes, o mais perspicaz<br />
é o que tem, portanto, uma união<br />
de alma inteira com a luz, e a quem esta<br />
se comunica por completo. Quando<br />
ele não é mau, mas não tem essa inocência,<br />
então a luz coa nele mais debilmente.<br />
Ora, Nosso Senhor não disse<br />
que os filhos da luz deveriam ser necessariamente<br />
menos perspicazes. Ele<br />
constatou um fato concreto: eles habitualmente<br />
são menos perspicazes.<br />
Quer dizer, raros são os fiéis à<br />
inocência. Há aqui, portanto, uma<br />
questão verbal para resolver. O que<br />
nós chamamos de inocente é aquele<br />
que conservou toda a fidelidade<br />
à inocência – então o filho da luz é<br />
menos do que o inocente; ou o filho<br />
da luz e o inocente deveriam designar<br />
a mesma categoria de pessoas?<br />
Nós deveríamos dizer: o homem<br />
simplesmente em estado de graça,<br />
mas sem a inocência, é menos perspicaz<br />
do que o filho das trevas. Sem<br />
essa inocência o filho da luz tende<br />
a ser bobo. Isso se explica porque<br />
quando um homem tem um grau de<br />
amor de Deus e de inocência tal que<br />
excede o egoísmo e o comprime para<br />
conservar a inocência, esse homem é<br />
mais ágil, mais esperto, mais combativo,<br />
mais militante do que o egoísta<br />
para conservar sua vantagem.<br />
Santa Joana d’Arc desde o início teve<br />
a perspicácia que superou os filhos<br />
das trevas. Nela, a santidade inocente,<br />
em Domrémy, acumulou uma capacidade<br />
que a militância tornou de potencial<br />
em atual e, portanto, em certo<br />
sentido aumentou. A prática da virtude<br />
aumenta a virtude. Mas, potencialmente,<br />
tudo nasceu em Domrémy.<br />
Ela recebeu, com certeza, esta<br />
inocência em grau muito eminente,<br />
mais do que o comum das pessoas,<br />
por causa da missão a desenvolver,<br />
isso é evidente. Mas, por analogia,<br />
em grau menor, isso se verifica<br />
com qualquer pessoa que conserve a<br />
inocência íntegra, na proporção dada<br />
pela Providência.<br />
São João Batista: um<br />
inocente no mais alto grau<br />
Estátua equestre de Santa Joana d’Arc - Paris, França<br />
O tipo do inocente forte na sua plena<br />
acepção é São João Batista. Con-<br />
20
Flávio Lourenço<br />
Decapitação de São João Batista - Museu de Belas Artes, Dijon, França<br />
cebido já na Nova Lei, é verdade que<br />
dentro do pecado original, mas purificado<br />
desse pecado logo depois de ter<br />
sido concebido, e feito para anunciar o<br />
Cordeiro de Deus que viria.<br />
A respeito de São João Batista,<br />
Nosso Senhor disse que era Elias, um<br />
Anjo, o maior homem nascido de mulher.<br />
Ele não disse isso de ninguém.<br />
Fica-se um pouco sem compreender<br />
o que aconteceu, porque, pelo que o<br />
Evangelho conta, ele fez pouca coisa.<br />
Quer dizer, compreende-se o que<br />
ele realizou através do elogio de Nosso<br />
Senhor, a própria Sabedoria encarnada.<br />
O Antigo Testamento conta<br />
o que ele ia fazer: abaixar as colinas,<br />
elevar as planícies, preparar um povo<br />
perfeito, retificar os caminhos. O todo<br />
da atitude de Nosso Senhor com<br />
São João Batista era de quem achava<br />
que ele tinha realizado tudo quanto<br />
devia fazer. Esse é o inocente, no<br />
mais alto grau.<br />
Compreende-se, então, até o fim<br />
essa tomada de posição dos filhos<br />
das trevas em face do inocente com<br />
esse gênero e grau de inocência, e<br />
como essa oposição não tem remédio,<br />
pois a partir do momento em<br />
que o indivíduo chegou a um cone<br />
da vida, onde ele compreendeu que<br />
tudo se julga e se pensa a partir desse<br />
ponto ápice, ele conclui que nada<br />
na existência tem sentido a não ser<br />
tomar posição nessa luta. O homem<br />
entende também que, ou a sua alma<br />
é totalmente coerente com a inocência,<br />
ou ele está rateado.<br />
Quando uma pessoa chegou a<br />
perceber isso e está iluminada em<br />
seu píncaro por essa luz que, a seu<br />
modo, é uma luz suprema, ela discerniu<br />
o mais profundo da alma humana<br />
e da vida.<br />
Assim, ela é levada a compreender<br />
que todos os outros aspectos de<br />
uma pessoa que não se relacionam<br />
com isso são indiferentes, e que a<br />
única coisa verdadeiramente importante<br />
é terem a união naquilo. Isso<br />
faz com que, havendo duas almas assim,<br />
estejam uma para a outra como<br />
duas gotas d’água. Há uma entrega<br />
completa de ambas as almas à inocência.<br />
Ora, duas quantidades que<br />
se entregam completamente a uma<br />
terceira são entregues entre si. Formam,<br />
portanto, ao pé da letra, um só<br />
coração e uma só alma. Essa é a amizade<br />
completa, autêntica capaz de<br />
abarcar dez mil homens, de ponta a<br />
ponta, como se fossem um só. v<br />
(Extraído de conferência de<br />
25/7/1986)<br />
1) Do latim: porei inimizades (Gn 3, 15).<br />
2) Do latim: ser.<br />
21
Flávio Lourenço<br />
C<br />
alendário<br />
dos Santos – ––––––<br />
3. São Carlos Lwanga e doze companheiros,<br />
mártires (†1886).<br />
Santa Clotilde, rainha (†545). Graças<br />
às suas orações e ao seu zelo apostólico,<br />
conseguiu a conversão de seu<br />
esposo Clóvis, rei dos francos, e de todo<br />
o reino.<br />
4. Solenidade de Pentecostes.<br />
São Francisco Caracciolo, presbítero<br />
(†1608). Fundou em Nápoles,<br />
Itália, a Congregação dos Clérigos<br />
Regulares Menores, estabelecendo<br />
entre eles, além dos votos de pobreza,<br />
obediência e castidade, o de não aceitar<br />
dignidades eclesiásticas.<br />
5. São Bonifácio, bispo e mártir<br />
(†754).<br />
São Lucas Vu Ba Loan, presbítero<br />
e mártir (†1840). Decapitado em Hanói,<br />
Vietnã, durante a perseguição do<br />
Imperador Minh Mang.<br />
e dedicou-se à educação de seus sete<br />
filhos. Foi favorecida com o dom da<br />
profecia e com comunicações místicas.<br />
10. São Bogumilo, bispo (†1182).<br />
Renunciou à sede episcopal de Gniezno,<br />
Polônia, e seguiu vida eremítica<br />
em suprema austeridade, num local<br />
deserto perto de Dobrow.<br />
11. Solenidade da Santíssima Trindade.<br />
São Barnabé, Apóstolo.<br />
Beato Inácio Maloyan, bispo e<br />
mártir (†1915). Foi fuzilado juntamente<br />
com outros cristãos, em Mardin,<br />
Turquia.<br />
12. São Leão III, Papa (†816). Conferiu<br />
a coroa do Sacro Império a Carlos<br />
Magno, rei dos francos, e lutou para<br />
defender a verdadeira doutrina sobre a<br />
dignidade divina dos filhos de Deus.<br />
São Bonifácio<br />
1. São Justino, mártir (†c. 165).<br />
Santo Aníbal Maria di Francia, sacerdote<br />
(†1927). Fundou a Congregação<br />
dos Rogacionistas do Coração de<br />
Jesus e a das Filhas do Divino Zelo.<br />
2. Santos Marcelino e Pedro, mártires<br />
(†304).<br />
São Nicéforo de Constantinopla,<br />
bispo (†829). Era simples leigo quando<br />
foi aclamado Patriarca de Constantinopla.<br />
Foi exilado pelo Imperador<br />
iconoclasta Leão V, por defender<br />
o culto às imagens sagradas.<br />
6. São Norberto, bispo (†1134).<br />
São Rafael Guízar Valencia, bispo<br />
(†1938). Exerceu clandestinamente<br />
seu ministério episcopal em Veracruz.<br />
Incentivou as missões e propagou<br />
a devoção ao Sagrado Coração de<br />
Jesus. Morreu exiliado na Cidade do<br />
México.<br />
7. Beata Ana de São Bartolomeu<br />
(†1626). Carmelita descalça, discípula<br />
e confidente de Santa Teresa de Ávila,<br />
e dotada de dons místicos.<br />
8. Santo Efrém, diácono e Doutor<br />
da Igreja (†378).<br />
São Guilherme Fitzherbert, bispo<br />
(†1154). Após ser restituído à sua sé<br />
arcebispal de York, Inglaterra, da qual<br />
tinha sido injustamente deposto, perdoou<br />
seus inimigos e favoreceu a paz.<br />
9. São José de Anchieta, presbítero<br />
(†1597).<br />
Beata Ana Maria Taigi, mãe de família<br />
(†1837). Suportou com paciência<br />
o caráter violento de seu marido<br />
13. Santo Antônio de Pádua, presbítero<br />
e Doutor da Igreja (†1<strong>231</strong>).<br />
Santos Agostinho Phan Viet Huy<br />
e Nicolau Bui Viet The, mártires<br />
(†1839). Militares do exército vietnamita,<br />
executados pelo “crime” de serem<br />
cristãos.<br />
14. Santo Eliseu, profeta. Ver página<br />
24.<br />
Santos Valério e Rufino, mártires<br />
(†séc. IV). Decapitados perto de Soissons,<br />
França, por difundir o Evangelho.<br />
15. Solenidade do Santíssimo Corpo<br />
e Sangue de Cristo. Ver página 16.<br />
Beata Albertina Berkenbrock, virgem<br />
e mártir (†1931). Assassinada<br />
aos doze anos em São Luís, Estado de<br />
Santa Catarina, por defender heroicamente<br />
a sua castidade.<br />
16. Beato Tomás Reding, mártir<br />
(†1537). Monge da Cartuxa de Londres<br />
que, durante o reinado de Henrique<br />
VIII, foi amarrado com correntes<br />
22
–––––––––––––––––– * Junho * ––––<br />
Samuel Holanda<br />
São Tomás Moro<br />
numa prisão imunda, na qual morreu<br />
de fome e doença.<br />
17. Santos Nicandro e Marciano,<br />
mártires (†c. 297). Soldados decapitados<br />
em Silistra, Bulgária, no tempo de<br />
Diocleciano, por recusarem sacrificar<br />
aos deuses pagãos.<br />
18. XI Domingo do Tempo Comum.<br />
Santo Amando, bispo (†séc. V).<br />
Terceiro Bispo de Bordeaux, França.<br />
19. São Romualdo, abade (†1027).<br />
Santa Juliana Falconieri, virgem<br />
(†c. 1341). De nobre família, fundou<br />
em Florença a Ordem Terceira dos<br />
Servos de Maria, chamadas “mantelatas”<br />
por causa do seu hábito religioso.<br />
20. Beata Margarida Ebner, virgem<br />
(†1351). Religiosa do mosteiro<br />
dominicano de Medingen, Alemanha,<br />
suportou muitas tribulações e deixou<br />
obras escritas sobre suas experiências<br />
místicas.<br />
21. São Luís Gonzaga, religioso<br />
(†1591).<br />
São João Rigby, mártir (†1600).<br />
Jovem leigo enforcado e esquartejado<br />
em Londres, durante o reinado de<br />
Isabel I da Inglaterra, por ter-se reconciliado<br />
com a Igreja.<br />
22. São Paulino de Nola, bispo<br />
(†431).<br />
São João Fisher, bispo, e São Tomás<br />
Moro, mártires (†1535).<br />
23. Solenidade do Sagrado Coração<br />
de Jesus. Ver página 13.<br />
São José Cafasso, (†1860). Sacerdote<br />
da Diocese de Turim, Itália, dedicou-se<br />
a aumentar a piedade e a ciência<br />
dos futuros sacerdotes, e a reconciliar<br />
com Deus os encarcerados e<br />
os condenados à morte.<br />
24. Natividade de São João Batista.<br />
Imaculado Coração da Virgem Maria.<br />
25. XII Domingo do Tempo Comum.<br />
São Guilherme de Vercelli, abade<br />
(†1142). Por sugestão de São João de<br />
Matera, fundou a Abadia territorial de<br />
Montevergine, bem como numerosos<br />
outros mosteiros na Itália meridional.<br />
26. Beatos Nicolau Konrad,<br />
presbítero e Vladimir Pryjma,<br />
mártires (†1941). Foram fuzilados<br />
na floresta perto de<br />
Stradch, Ucrânia, quando voltavam<br />
de uma visita a um enfermo,<br />
a quem levaram os últimos<br />
Sacramentos.<br />
27. Nossa Senhora do<br />
Perpétuo Socorro.<br />
São Cirilo de Alexandria,<br />
bispo e Doutor da<br />
Igreja (†444). Ver página<br />
2.<br />
28. Santo Irineu, bispo<br />
e mártir (†c. 202).<br />
São Paulo I, Papa<br />
(†767). Escreveu aos Imperadores<br />
Constantino V e Leão IV<br />
para que se restabelecesse a antiga<br />
veneração às sagradas imagens.<br />
Transladou os corpos dos mártires<br />
dos cemitérios em ruínas para igrejas<br />
e mosteiros.<br />
29. Solenidade de São Pedro e São<br />
Paulo, Apóstolos. (No Brasil, transferida<br />
para domingo, 2 de julho).<br />
Santas Maria Du Tianshi e sua filha<br />
Madalena Du Fengju, mártires<br />
(†1900). Retiradas de um canavial<br />
onde tinham se ocultado, nas proximidades<br />
de Shenxian, China, morreram<br />
proclamando sua fé em Cristo.<br />
30. Santos Protomártires da Igreja<br />
Romana (†64).<br />
Beato Zenão Kovalyk, presbítero e<br />
mártir (†1941). Sacerdote redentorista,<br />
morto na prisão, em Lviv, Ucrânia.<br />
Gabriel K.<br />
Santo Aníbal<br />
Maria di Francia<br />
23
Flávio Lourenço<br />
Hagiografia<br />
Santo Eliseu,<br />
os meninos<br />
e os ursos<br />
Acima, Santo Elias no carro<br />
de fogo - Igreja do Carmo,<br />
Antequera, Espanha. Abaixo,<br />
Santo Eliseu - Paróquia de<br />
São José, Madri, Espanha<br />
Um episódio da vida de<br />
Santo Eliseu nos traz<br />
importantes ensinamentos<br />
a respeito do perfil moral<br />
de um verdadeiro católico.<br />
Samuel Holanda<br />
Em 14 de junho se comemora<br />
a festa de Santo Eliseu, profeta<br />
e pai da Ordem do Carmo,<br />
sucessor de Santo Elias.<br />
Luta contra a<br />
“heresia branca”<br />
Não posso ouvir falar desse Santo<br />
sem me lembrar do livrinho onde<br />
aprendi História Sagrada, no qual havia<br />
uma ilustração a respeito do episódio<br />
e da atitude de Santo Eliseu em<br />
face de uns tantos meninos. O Santo<br />
Profeta já havia recebido o manto<br />
de Elias e, certa vez, estava andando<br />
e uns meninos começaram a caçoar<br />
dele porque era calvo. Tendo o Santo<br />
pronunciado uma maldição contra os<br />
meninos, vieram uns ursos e os devoraram<br />
(cf. 2Rs 2, 23-24). Lembro-me<br />
de que, à primeira leitura, fiquei chocado<br />
com a ferocidade de Santo Eli-<br />
24
seu. Porém, essa impressão passou e<br />
esqueci a questão.<br />
Mais tarde, entrei para o colégio<br />
e conheci meus colegas. Quando comecei<br />
a ver aquela meninada, refleti<br />
que Santo Eliseu tinha razão de fazer<br />
o que fez... Mas depois pensava:<br />
“Seriam aqueles meninos tão canalhas<br />
quanto estes? Enfim, pelo menos<br />
pode-se conceber que eram. Para<br />
estes aqui, ursos!”<br />
Contudo, depois eu cogitava que<br />
se alguém mandasse vir os ursos para<br />
comerem os meninos, encontraria<br />
a oposição daquilo que, mais tarde,<br />
chamaria de “heresia branca” 1 . Então<br />
o Profeta Eliseu começou a ser um<br />
advogado no meu debate interno. Em<br />
minha primeira grande briga da vida,<br />
que foi contra a “heresia branca”,<br />
Santo Eliseu era meu defensor. Pelo<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
menos ele amava as coisas direitas<br />
como eu amo. E é assim mesmo:<br />
atacou uma coisa boa, urso em cima!<br />
Se não for isso, não compreendo<br />
a Religião Católica. Ora, eu<br />
a entendo, graças a Deus. Logo,<br />
na concepção da “heresia branca”<br />
há qualquer coisa de errado.<br />
De acordo com a “heresia<br />
branca”, o “Santo” deve ser uma<br />
pessoa sem segundas intenções,<br />
sem astúcia. As recomendações<br />
de Nosso Senhor de que se deve<br />
unir a simplicidade da pomba à<br />
astúcia da serpente, para a “heresia<br />
branca” não valem nada.<br />
Ela pensa apenas na pomba, realizando<br />
com isso aquilo de que<br />
fala o Profeta Oseias: “...como pomba<br />
imbecil e sem inteligência” (cf. Os<br />
7, 11). Ora, os adeptos da “heresia<br />
branca” são precisamente pombas<br />
imbecis e sem inteligência.<br />
É, portanto, muito formativo sabermos<br />
que um grande Santo, como<br />
São Vicente de Paula – merecidamente<br />
tido como o Santo da caridade<br />
–, fundou uma sociedade que<br />
atuava na corte de Luís XIV, e que<br />
reunia várias figuras importantes do<br />
clero e da nobreza, as quais, sem o<br />
conhecimento do restante da corte,<br />
combinavam atividades para desenvolver<br />
na própria corte e na sociedade<br />
francesa a influência da verdadeira<br />
Religião.<br />
25
Hagiografia<br />
Arquivo <strong>Revista</strong><br />
Vigilância em relação aos<br />
efeitos do pecado original<br />
Essa minha reminiscência infantil<br />
a respeito do Profeta Eliseu nos<br />
recorda também o ensinamento, o<br />
qual sempre convém lembrar, de que<br />
criança também pode ser ruim. Há<br />
um mito da criança boazinha, inocente<br />
por definição, e uma condescendência<br />
humanitária estúpida com<br />
relação às crianças.<br />
É preciso abrir os olhos e ver bem:<br />
o pecado original vem a partir de pequeno<br />
e infecta a criança desde muito<br />
cedo, e ela é capaz de ações muito<br />
censuráveis. No caso da calvície de<br />
Santo Eliseu, é evidente que aqueles<br />
meninos tomaram esse pretexto para<br />
caçoar de outra coisa, a fim de agredir<br />
e debicar dele enquanto homem<br />
de Deus. Por causa disso é que foram<br />
punidos dessa maneira.<br />
A punição dos inimigos<br />
da Igreja é inevitável<br />
Daí tiro uma dedução inesperada,<br />
mas verdadeira: se era legítimo<br />
que os ursos viessem comer as<br />
crianças porque estavam caçoando<br />
de um homem de Deus, pergunto se<br />
não é legítimo que venham os castigos<br />
previstos por Nossa Senhora em<br />
Fátima e em muitas outras revelações<br />
privadas. Tais castigos não são,<br />
exatamente, a vinda dos ursos? Os<br />
ursos não estão vindo das estepes<br />
para acabar justamente com aqueles<br />
que tomam em relação à Religião<br />
uma posição errada, transformando-se<br />
em inimigos internos ou<br />
externos da Igreja?<br />
Então, à força de pensar, chega-<br />
-se à conclusão de que a punição é<br />
inteiramente inevitável. Vem do fundo<br />
do Antigo Testamento um episódio<br />
a mais para nos convencer disso.<br />
Importância da fidelidade<br />
a um espírito transmitido<br />
Há em Santo Eliseu também outro<br />
aspecto muito alto que é sua sucessão<br />
com relação ao Santo Profeta<br />
Elias. Todos se lembram de que<br />
Elias, no momento de abandonar a<br />
Terra, passou a Eliseu um manto e,<br />
com este, também seu espírito. Assumido<br />
então pelo espírito de Elias,<br />
Eliseu ficou em condições de dirigir<br />
a nascente Ordem do Carmo.<br />
Essa transmissão do espírito mostra<br />
bem qual é a importância da graça<br />
que se chama um “espírito”. Ao<br />
falarmos em espírito jesuítico, espírito<br />
carmelitano, espírito beneditino,<br />
tomadas essas palavras em seu<br />
bom e verdadeiro sentido, elas não<br />
indicam apenas noções doutrinárias,<br />
mas são graças que se comunicam<br />
depois, de pessoa a pessoa, para<br />
formar as grandes famílias de almas<br />
existentes na Igreja Católica. Portanto,<br />
graças susceptíveis de uma transmissão<br />
de uma pessoa para outra, e<br />
é essa transmissão que constitui propriamente<br />
a família de almas.<br />
Então, devemos pedir a Nossa Senhora<br />
que nos ponha debaixo do mesmo<br />
manto e faça com que, sob esse<br />
manto, todos nós recebamos o mesmo<br />
espírito, e o nosso Movimento seja<br />
sempre uno, com a fidelidade ao espírito<br />
que tem. A respeito dessa fidelidade<br />
e dessa unidade é preciso que não<br />
tenhamos a menor dúvida.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
14/6/1964)<br />
1) Expressão metafórica criada por <strong>Dr</strong>.<br />
<strong>Plinio</strong> para designar a mentalidade<br />
sentimental que se manifesta na piedade,<br />
na cultura, na arte, etc. As<br />
pessoas por ela afetadas se tornam<br />
moles, medíocres, pouco propensas à<br />
fortaleza, assim como a tudo que signifique<br />
esplendor.<br />
Malene Thyssen (CC3.0)<br />
Pátio do Colégio São Luís no início do século XX<br />
26
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Nathanael Burton (CC3.0)<br />
As duas fases<br />
do processo<br />
da Revolução<br />
Industrial<br />
Após as grandes loucuras causadas<br />
pela supervelocidade, a Revolução cria<br />
uma solução antinatural, artificial, com<br />
aparência de supercalma, que é outra forma<br />
de desequilíbrio. Quando o indivíduo<br />
fica muito desequilibrado, nas horas de<br />
depressão ele quer a supertranquilidade,<br />
a qual é uma espécie de identificação com<br />
um vazio, um não-ser.<br />
Consideremos as duas fases do<br />
processo da Revolução Industrial.<br />
Numa primeira fase ela<br />
produz barulhos, ruídos, velocidades<br />
vertiginosas, comunicações super-rápidas,<br />
etc. e cria o estado nervoso<br />
que ameaça gerar, por sua vez,<br />
uma crise nervosa a qual pode ser<br />
universal. E, por outro lado, esse estado<br />
nervoso não é propriamente o<br />
fim da Revolução, mas um elemento<br />
que ela usa para andar na via pela<br />
qual quer trilhar.<br />
Disfarces da Revolução<br />
Como esse estado nervoso é, sobretudo,<br />
um elemento intermediário,<br />
a Revolução, tendo-o produzido,<br />
começa na segunda fase a passar<br />
do estado de destruição da ordem<br />
psicológica antiga, mas também<br />
dos costumes, dos modos de ser, e dá<br />
frutos para não agredir aos homens,<br />
além de uma determinada medida.<br />
E lança uma obra que começa a<br />
ser positiva, e o é em profundidade.<br />
Essa obra pode ser vista em du-<br />
The Photographer (CC3.0)
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
Gleb Osokin (CC3.0)<br />
as perspectivas: uma é o desequilíbrio<br />
da Humanidade, mas não o desequilíbrio<br />
frenético, de um lado. E,<br />
de outro lado, uma situação que prepara<br />
o espírito humano para a vinda<br />
do demônio.<br />
Então, em que consiste este comer<br />
os próprios frutos envenenados,<br />
para que os homens não os comam<br />
demasiado e possam continuar na<br />
sua rota de perdição?<br />
Consiste no seguinte: a Revolução<br />
engole, tanto quanto é tecnicamente<br />
possível, os barulhos que ela produziu.<br />
As velocidades que a Revolução<br />
pôs em cena ela não engole, mas faz<br />
com que as pessoas percam, tanto<br />
quanto possível, a noção de velocidade,<br />
de maneira a ficarem conaturais<br />
com a velocidade. E, dentro desse<br />
mundo que de si, na fase de destruição,<br />
punha as pessoas loucas, a<br />
Revolução faz um disfarce pelo qual<br />
a pessoa julga errado aquilo que está<br />
executando.<br />
Contradição entre a<br />
sensibilidade e a razão<br />
Por exemplo, o avião. Todo ambiente<br />
aeronáutico de hoje é tendente<br />
a fazer esquecer o risco e até<br />
a própria supervelocidade. Quando<br />
a pessoa se encontra no avião, ela se<br />
esquece de que está fazendo algo de<br />
inteiramente prodigioso.<br />
A velocidade do automóvel era<br />
uma forma de beleza. Os automóveis<br />
de corrida tinham a sua atração própria<br />
como o inebriante da velocidade.<br />
Hoje a velocidade já não inebria<br />
mais, passou a ser comum.<br />
O pouso de um avião não tem nada<br />
de extraordinário, é a operação<br />
mais comum que possa haver. O autofalante<br />
interno anuncia: “Senhoras<br />
e senhores, estamos voando a quinze<br />
mil metros de altura.” Na mesma hora<br />
a aeromoça pergunta: “Quer um<br />
chazinho? Menta, hortelã ou…” E o<br />
passageiro ouve que ele está numa<br />
altura inumana de quinze mil metros,<br />
mas ao mesmo tempo lhe oferecem<br />
os chazinhos mais caseiros para<br />
satisfazer os gostos que o avô dele<br />
sentia quando estava de chinelos.<br />
Contradição entre a sensibilidade<br />
e a razão. E depois o avião todo<br />
revestido de umas matérias plásticas<br />
clarinhas, a música ambiente tranquilizadora<br />
– ao menos a que ouvi –,<br />
aquela lenga-lenga. Dir-se-ia que se<br />
está em terra firme em todos os sentidos<br />
da palavra. E, de outro lado, as<br />
estatísticas são ultrafavoráveis e os<br />
números dos desastres de avião vão<br />
diminuindo cada vez mais, a ponto<br />
de, encontrando-se no ar a quinze<br />
mil metros de altura, está-se mais seguro<br />
do que andando na rua de automóvel.<br />
Isso acrescenta à sensação<br />
de segurança uma certeza racional.<br />
Dentro do avião, do ruído dos<br />
motores ouve-se apenas um zumbido<br />
que, acompanhado pela música,<br />
tem um efeito qualquer muito especial,<br />
indicando uma velocidade ou<br />
uma eficácia de desnortear. Quando<br />
começa a ficar escuro, acendem-se<br />
luzes de gás néon, não há sombras,<br />
pois o gás néon as eliminou. Então<br />
tudo fica tão caseiro, tão normal,<br />
tão engraçadinho… Por outro lado,<br />
o sindicato garante a aposentadoria,<br />
o remédio, o médico, etc., está tudo<br />
direitinho… Depois, quando chega<br />
a hora de sair, o sujeito encontra<br />
lá fora um automovelzinho que vem<br />
esperá-lo, porque ele mora um pouquinho<br />
longe. Tudo visando a mais<br />
completa tranquilidade.<br />
Perda do senso da realidade<br />
Há situações fantasmagóricas assim:<br />
no quinto subsolo de um banco,<br />
para não dar a ideia de que é o<br />
quinto subsolo, põem papéis de parede<br />
com cenas da França e tocam<br />
música. Em nenhum lugar da verdadeira<br />
Provence e do verdadeiro Artois<br />
o panorama suscitará a impressão<br />
aguda causada por aquele papel<br />
de parede. De maneira que quase se<br />
diria não valer a pena fazer turismo:<br />
Juriën Minke (CC3.0)<br />
28
“Desça ao quinto subsolo de tal banco<br />
e a Provence está lá!”<br />
Após as grandes loucuras que começaram,<br />
cria-se uma solução antinatural,<br />
artificial, com aparência de<br />
supercalmo, superacolhedor, superafável,<br />
que é uma outra forma de<br />
desequilíbrio. Porque quando o indivíduo<br />
fica muito desequilibrado, nas<br />
horas de depressão ele quer a supertranquilidade.<br />
Ora, a verdadeira saúde não está<br />
em querer uma calma absoluta. Se<br />
alguém me disser: “Fulano é tão calmo<br />
que ele deseja a calma absoluta”,<br />
tenho vontade de dar um pulo para<br />
trás, porque se ele fosse verdadeiramente<br />
calmo, viveria tranquilo com<br />
os barulhos normais da realidade, e<br />
se impressionaria não com os papéis<br />
de parede superexcitantes, mas com<br />
a realidade que ele olharia indo, por<br />
exemplo, para a Provence. Entretanto<br />
é propriamente o senso da realidade<br />
que escapa, desde o início. Já<br />
começou a escapar com a supervelocidade<br />
e isso se acentua com a imersão<br />
depressiva na supercalma.<br />
Marianne Casamance (CC3.0)<br />
Equilíbrio feérico dos<br />
vitrais medievais<br />
Vitrais da Catedral de<br />
Chartres, França<br />
Se observarmos grande número<br />
de obras de arte antigas notaremos<br />
que elas se distribuem em três gamas.<br />
Umas procuram retratar a realidade<br />
como ela é, mas até aumentando<br />
algum tanto as características<br />
por causa da dificuldade natural da<br />
vista humana de pegar os matizes da<br />
realidade. Então, do ponto de vista<br />
didático, se acentuam um tanto as<br />
características.<br />
Poderíamos dizer que mesmo as<br />
coisas mais sacrais e sublimes podem<br />
retratar assim essa realidade<br />
tal que, no seu mais miúdo, ela acabe<br />
sem desdouro. Eu tive ocasião<br />
de falar aqui, numa dessas reuniões<br />
passadas, das cenas que os vitrais da<br />
Idade Média apresentavam. Ao vê-<br />
-las, pensa-se na cor “transesférica”<br />
1 com que são compostas.<br />
Mas quando se vão analisar<br />
os desenhos, são hominhos,<br />
mulherinhas, cavaleirozinhos,<br />
guerreirinhos, padrezinhos,<br />
operariozinhos,<br />
reizinhos, que se diria tratar-se<br />
quase de uma composição<br />
infantil, tal a ingenuidade.<br />
De tal maneira esses desenhos<br />
apanham a vida miúda<br />
da realidade, que eu<br />
me lembro de ter visto duas<br />
ou três cenas de oficina<br />
de carpintaria postas<br />
no vitral. Uma era de<br />
MOSSOT (CC3.0)<br />
29
<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> comenta...<br />
dois carpinteiros, cada um trazendo<br />
uma prancha, e deveriam conjugá-<br />
-la de certo modo, por exemplo, pôr<br />
em X ou qualquer outra forma, para<br />
um determinado efeito, conforme<br />
encomendaram a eles. Era a realização<br />
de um serviço. E os dois carregam<br />
com tanta inocência a prancha<br />
e se consultando um ao outro se<br />
aquela posição estava boa, ou convinha<br />
fazer melhor, que se tem a impressão<br />
de estarem ao nosso lado comentando.<br />
Era uma cena da vida de<br />
todos os dias, a mais comum, posta,<br />
por exemplo, num azul profundo e,<br />
vamos dizer, o saiote deles um pouco<br />
cor de limão, à luz do Sol de um<br />
amarelo quase dourado, brilhando<br />
sobre a terra.<br />
Mas essa sublimidade que os cercava<br />
parecia não entrar neles, a não<br />
ser enquanto candura. E que, no resto,<br />
eles eram os hominhos da vida de<br />
todos os dias com os hábitos exatamente<br />
iguais, trabalhando na carpintaria.<br />
E mesmo os guerreiros. Três deles<br />
estão indo para a Cruzada, montados<br />
em uns cavalinhos, com espadinhas<br />
postas na cintura, como uma<br />
criança poderia imaginar. É um brinquedo<br />
de criança. Entretanto são<br />
três reis com aquelas coroas abertas<br />
típicas da Idade Média e espadas;<br />
um tem uma capa vermelha, outro<br />
uma verde e o terceiro uma azul;<br />
elas são de tais cores que se tem a<br />
impressão de que aquelas cores foram<br />
colhidas no Céu para vestirem<br />
aqueles hominhos. É como eu sinto<br />
o vitral medieval.<br />
Visto de longe, não se percebem<br />
tanto esses pormenores, mas é uma<br />
feeria de cores que diz tudo quanto<br />
eles queiram. Observado de perto,<br />
há cenas que servem de pretexto<br />
para pôr uns hominhos ali que<br />
eles vestem; e o vestido de cristal e<br />
de luz de cada hominho é uma fábula<br />
que dá para fazer as asas de<br />
um Anjo. É assim que eles realizam<br />
o jogo deles. Mas, de qualquer<br />
a calma que um homem imagina que<br />
seu espírito possa ter, a qual ele procura<br />
reproduzir. É a busca de um outro<br />
mundo imerso em um clima interior<br />
que o homem habitualmente<br />
não tem.<br />
Por exemplo, a meditação budista<br />
pede uma calma, uma tranquilidade,<br />
uma estabilidade, uma brisa e<br />
uma uniformidade absolutas. A pessoa<br />
não procura o movimento deste<br />
mundo, e sim uma transcalma, vivendo<br />
como que fora e em um tipo<br />
de delicia calma também, quase vazia.<br />
É uma espécie de identificação<br />
com o lugar das delicias e um vazio,<br />
um não-ser.<br />
Nos ídolos da Índia, de cobertura<br />
de cabeça esquisita, com uma espécie<br />
de ponta ou outras coisas: impassíveis,<br />
colocados em uma posição estática,<br />
diante de alguma coisa superior<br />
que eles contemplam, e com as<br />
mãos esticadas.<br />
Imaginem dois braços assim para<br />
terem ideia da posição deles. E no<br />
seu interior uma espécie de degustação<br />
de algo de sabor forte, mas que<br />
não tira o homem da sua posição estática<br />
e contemplativa. Dá-lhe pelo<br />
contrário – esse é o sabor forte que o<br />
indivíduo gostou – o fixo, o parado e<br />
o degustante.<br />
É mais singular ainda o que diz<br />
respeito ao Egito.<br />
Por exemplo, desenhos representando<br />
o transporte de um monólito,<br />
com aqueles bichinhos, hominhos<br />
etc. Em cima se encontra o obelisco,<br />
e os hominhos estão andando com<br />
o chicote para fazer caminhar os escravos<br />
e os bichos, pan, pan.<br />
Os escravos e os homens livres andam<br />
do mesmo jeito, no mesmo ritmo,<br />
com uma expressão ativa dentro<br />
dos olhos. Mas é um ativo que tem<br />
qualquer coisa de inexplicavelmente<br />
meio parado, igual a si mesmo, quer<br />
dizer, não há nenhum momento dessa<br />
composição, dessa execução, desse<br />
opus, em que a alma mude de altitude<br />
com o que a outra faz; quanmyself<br />
(CC3.0)<br />
maneira, a intenção é representar a<br />
realidade.<br />
Existe, então, essa realidade objetiva<br />
vista numa perspectiva transesférica,<br />
mas não deformada nem tirada<br />
da realidade de todos os dias. Por<br />
exemplo, poderia haver, com aqueles<br />
cavaleiros passando, um cachorrinho<br />
latindo, ou uma coluna prodigiosa<br />
e um esquilo subindo-a, que<br />
é uma brincadeira, um risinho, está<br />
perfeitamente bem, é o real propriamente<br />
dito.<br />
Meditação budista,<br />
esculturas da Índia<br />
e do Egito<br />
Há outra gama que é o real um<br />
tanto exagerado para ser bem visto,<br />
porque esses desenhos da Idade Média<br />
não exageram. Esse real um tanto<br />
exagerado para ser bem visto, digamos,<br />
já prepara uma calma que é<br />
uma característica de muitos monumentos<br />
antigos; é uma transcalma,<br />
não uma calma de um homem, mas<br />
30
Ken Russell Salvador (CC3.0)<br />
Tribuna das Cariátides, Atenas, Grécia<br />
do chega no fim eles depõem o obelisco<br />
e outros vão cuidar de levantá-<br />
-lo. Eles, se observarmos bem, estão<br />
sempre olhando para a frente, com o<br />
olhar parado, fixo e misterioso. Mas<br />
que encontra ali uma estabilidade,<br />
uma continuidade que equivale ao<br />
estado gostoso que a pessoa procura.<br />
Gregos e romanos<br />
Dir-se-ia que gregos e romanos<br />
não têm isso. Não é verdade. O estado<br />
de espírito figurado em tantas estátuas<br />
deles não representa em concreto<br />
a paixão humana, e sim um estado<br />
que está por cima de todas as<br />
paixões; e que o homem nessa sua<br />
ataraxia sobrepaira tudo, já viu tudo,<br />
conta com tudo, conhece o futuro e<br />
não tem anseios, não torce.<br />
Por exemplo, a tribuna das Cariátides<br />
que, para mim, é um dos mais<br />
bonitos monumentos da arte grega.<br />
Aquelas mulheres, com aquele<br />
teto em cima da cabeça e uma fisionomia<br />
impávida. É uma fórmula<br />
proposta ao homem para o seguinte<br />
problema: depois do pecado original,<br />
o ser humano sente dentro de si<br />
um profundíssimo mal-estar que ele<br />
tem a ilusão de eliminar criando para<br />
si certas circunstâncias como, por<br />
exemplo, caindo na imoralidade ou<br />
saindo na disparada em um automóvel.<br />
Esses, como tantos outros, são<br />
sistemas de evasão desse mal-estar<br />
interior que a Revolução Industrial<br />
agravou ainda muito mais.<br />
Vem daí a necessidade de procurar<br />
a calma que já não é a descrita<br />
por Lenotre 2 , em seu livro Gens de la<br />
vieille France 3 .<br />
No descontentamento que tem<br />
consigo, o indivíduo percebe quanto<br />
ele é insuficiente, e se sente só<br />
e procura solucionar essa solidão<br />
por meio dessa calma, pela qual fica<br />
constituída nele uma pista de voo<br />
onde baixam os aviões imaginários<br />
que trarão aqueles com quem ele<br />
quer conversar.<br />
v<br />
(Extraído de conferência de<br />
24/9/1986)<br />
1) Relativo a “transesfera”. Termo criado<br />
por <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> para significar que,<br />
acima das realidades visíveis, existem<br />
as invisíveis. As primeiras constituem<br />
a esfera, ou seja, o universo material.<br />
E as invisíveis, a transesfera.<br />
2) Georges Lenotre, pseudônimo de<br />
Louis Léon Théodore Gosselin<br />
(*1855 - †1935). Historiador e escritor<br />
dramático francês.<br />
3) Do francês: Gente da antiga França.<br />
31
Luzes da Civilização Cristã<br />
Nobreza,<br />
Gabriel K.<br />
distinção,<br />
boas maneiras:<br />
frutos do<br />
preciosíssimo<br />
Sangue de<br />
Cristo<br />
A distinção católica,<br />
contrarrevolucionária,<br />
evidencia a superioridade<br />
do Ocidente sobre o Oriente,<br />
embora este seja tão mais<br />
rico em pedras preciosas,<br />
tecidos e outros ornamentos.<br />
32
Folheando uma coleção de fotografias de pretendentes<br />
a tronos em diversas nações, constatei<br />
haver pelo meio uns marajás, um sultão do Afeganistão<br />
e outros personagens assim. Então, chamei a<br />
atenção dos circunstantes para a diferença entre a atitude,<br />
o porte e a posição dos monarcas ou dos pretendentes<br />
a trono ocidentais – descendentes, portanto, das antigas<br />
dinastias históricas do Ocidente –, e os do Oriente.<br />
Um preconceito revolucionário: ter medo<br />
de parecer por demais maravilhoso<br />
Nicolás Aquino (CC3.0)<br />
No Oriente as pedras preciosas são muito maiores,<br />
mais bonitas, de melhor quilate, o subsolo é muito mais<br />
rico desse gênero de esplendores. Também as pérolas<br />
que se pescam em alguns lugares do Oriente são de uma<br />
beleza incomparável. De maneira que eles podem constituir<br />
para si ornatos muito mais ricos do que os príncipes<br />
do Ocidente. Além disso, dispõem de tecelões que trabalham<br />
com tecidos a mão, e podem encomendar tecidos<br />
manufaturados de uma qualidade muito superior à<br />
dos industrializados, comuns no Ocidente. Por isso, sob<br />
o ponto de vista de indumentária, os dignatários orientais<br />
se apresentam muito melhor do que os do Ocidente.<br />
Tanto mais quanto eles têm uma certa fantasia e não são<br />
inibidos por preconceitos revolucionários, pela ideia de<br />
ter medo de parecer por demais maravilhosos.<br />
Um ocidental tem receio de parecer por demais maravilhoso.<br />
Examinem, por exemplo, os uniformes oficiais<br />
dos diplomatas e dos militares de alto grau – generais,<br />
marechais, etc. – do século XIX e os do século<br />
XX. É uma degringolada medonha. No século XIX, havia<br />
aquele chapéu de dois bicos, com abas que se reuniam<br />
em cima, e dentro tinham<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Vicente López y Portaña (CC3.0)<br />
aigrettes brancas; as roupas eram bordadas com alamares<br />
e outros adornos muito bonitos, com condecorações,<br />
uma coisa que tende ao lindo. Mas o homem de hoje tem<br />
vergonha de se apresentar nesses trajes porque o espírito<br />
da Revolução achatou todas as tendências para o belo.<br />
Pelo contrário, no Oriente isso não era assim; havia uma<br />
classe que sonhava com o maravilhoso. Então, marajás, rajás,<br />
xás, sultões, etc., que aparecem com essas roupas lindas.<br />
Mas se analisamos os homens, vemos serem eles muito<br />
inferiores, como porte, maneiras, posturas, do que os do<br />
Ocidente. Por quê? Porque durante séculos, desde que a<br />
Igreja Católica penetrou no Ocidente, começou a germinar<br />
a Moral católica. E quando consideramos alguém que observa<br />
em todos os seus pormenores essa Moral católica, essa<br />
pessoa – se não ela, seu filho ou seu neto – acaba sendo<br />
de uma educação e de um porte perfeitos.<br />
A Moral católica gera a educação,<br />
a distinção e a correção perfeitas<br />
Para uma pessoa que pratica a Moral católica perfeitamente,<br />
é instintivo, mesmo não tendo recebido uma<br />
educação de salão, praticar, por exemplo, atos como o seguinte:<br />
está à mesa tomando refeição com um convidado<br />
que merece uma especial honra e atenção, serve o convidado<br />
antes de se servir a si própria. Ora, isso que é ensinado<br />
como uma regra de educação – “Você, na sua casa,<br />
seja o último a se servir; quando estiver na presença de<br />
mais velhos, faça com que eles se sirvam antes; diante de<br />
pessoas mais graduadas do que você, reconheça de boa<br />
vontade essa maior graduação, preste-lhes honras, faça<br />
com que se sirvam antes” – são aplicações de princípios<br />
de Moral a questões de bom procedimento.<br />
Se numa primeira geração de católicos muito bons não<br />
houve tempo de modelar todos esses costumes de acordo<br />
33
Luzes da Civilização Cristã<br />
W. & D. Downey (CC3.0)<br />
Áustria. Esta, além de ser dotada<br />
de uma beleza famosa, tinha uma<br />
distinção de maneiras, uma linha,<br />
uma categoria extraordinárias!<br />
O Kaiser conta que ele estava<br />
no jardim do palácio, vendo sua<br />
mãe que, pouco adiante, de costas<br />
para ele, recebia a visita da Imperatriz<br />
da Áustria. Em certo momento,<br />
esta deu sinais de querer<br />
partir, e a mãe dele se voltou para<br />
trás à procura de alguém para<br />
carregar a cauda do vestido da nobre<br />
visitante. Não vendo ninguém<br />
além do filho, o futuro Imperador<br />
Guilherme II, ela disse: “Meu filho,<br />
venha portar a cauda do ves-<br />
Soberanos das nações europeias reunidos por ocasião<br />
do sepultamento do Rei Eduardo VII, em 1910<br />
tido de Sua Majestade, a Imperatriz<br />
da Áustria.”<br />
com os princípios morais, ao cabo de algum tempo esses Quando ele se aproximou, a Imperatriz Elisabeth – a<br />
princípios filtram e nasce daí uma atitude, uma distinção, famosa Sissi – estava apenas se levantando muito devagarzinho,<br />
com as maneiras e todo o protocolo da anti-<br />
uma amabilidade, uma cortesia, que no fundo faz parte<br />
da Moral católica. A Moral perfeita deve gerar necessariamente<br />
a educação, a distinção e a correção perfeitas. são que ela causou sobre ele. Todo esse protocolo dava<br />
ga corte. Guilherme II descreve a inesquecível impres-<br />
Às vezes até acontece que uma pessoa pratique a Moral<br />
perfeita, mas não tenha uma educação perfeita, porque do sua beleza que ele ficou deslumbrado. Todas as regras<br />
a ela uma elegância, uma distinção, realçava de tal mo-<br />
não houve tempo de aquilo filtrar no ambiente onde ela foi seguidas por ela – a corte austríaca era muito conservadora<br />
–, de perto ou de longe, relacionavam-se com a for-<br />
educada, de forma a começar a prestar atenção nessas pequenas<br />
questões de boas maneiras e praticá-las. Questões mação católica, com o ideal de perfeição moral ensinado<br />
que, evidentemente, em matéria de Moral, estão num plano<br />
secundário, não são a essência dela. Mas ao cabo de al-<br />
pela Religião Católica.<br />
gum tempo aquilo filtra. Pode acontecer que uma pessoa,<br />
pelo contrário, não tenha boa Moral, mas possua uma educação<br />
perfeita. Porém ainda aí é um resto de Religião Católica.<br />
Ela, sem perceber, cumpre regras da Religião Católica<br />
porque percebe ser bonito na prática, na atitude concreta.<br />
Infelizmente ela com isso não tem intenção de dar glória a<br />
Deus, mas imita os que dão glória a Deus. Imitando-os, involuntariamente<br />
ela glorifica a Deus.<br />
O Kaiser Guilherme II e a Sissi<br />
Divulgação (CC3.0)<br />
Em suas memórias, o Kaiser Guilherme II,<br />
último Imperador da Alemanha, faz uma descrição<br />
que me impressionou muito. Ele estava<br />
num jardim do palácio do avô dele, então Imperador<br />
da Alemanha. Como a Imperatriz tinha<br />
morrido, a mãe do futuro Guilherme II, esposada<br />
com o então Príncipe Herdeiro, estava fazendo<br />
as honras da casa para uma visitante muito<br />
ilustre, a Imperatriz da Áustria, princesa bávara<br />
casada com Francisco José, Imperador da<br />
34<br />
Príncipe Guilherme<br />
Imperatriz Elisabeth (Sissi)
Deve-se fazer prevalecer as<br />
qualidades do espírito<br />
Isso se refletia em coisas insignificantes. Houve tempo<br />
em que era contrário às regras da boa educação encostar-se<br />
no espaldar das cadeiras, em determinadas<br />
circunstâncias. Era a imagem da ascese católica, levando<br />
a pessoa a dominar-se a si mesma.<br />
Dou outro exemplo: há pessoas que têm o hábito de estalar<br />
os dedos. Na intimidade se compreende, mas não se faz<br />
isso diante de outros, porque chama demais a atenção para<br />
o corpo, quando todas as atitudes de porte, de linha e de<br />
distinção do homem devem lembrá-lo de que ele é principalmente<br />
alma, fazendo ver com isso o elemento mais nobre<br />
de seu ser, que é o elemento espiritual e não o físico.<br />
Isso leva as coisas do Ocidente a serem assim: um engenheiro<br />
ou arquiteto católico, ao planejar a decoração externa<br />
e interna de um palácio para um rei também católico,<br />
que exercerá o poder catolicamente sobre um povo igualmente<br />
católico, o próprio élan de sua alma católica leva-<br />
-o a ornamentar de maneira a fazer prevalecer as qualidades<br />
do espírito, os elementos que possuem categoria, finura,<br />
distinção, nos quais a alma humana aparece na sua excelência.<br />
Pelo contrário, o homem sem essa assistência da<br />
graça e essa inspiração da Fé não é capaz disso.<br />
Então, vemos marajás, sultões e outros tipos assim<br />
refestelados, chupando indefinidamente aquele narguilé,<br />
porque não aprenderam da Religião Católica as boas<br />
maneiras. Isso se retrata evidentemente também nos<br />
prédios, no urbanismo; enfim, em mil coisas de mil modos<br />
isso se manifesta.<br />
É o que faz a superioridade do Ocidente, o qual tem<br />
menos rubis, pérolas, esmeraldas, safiras, brilhantes;<br />
não possui rajás nem marajás, mas tem a distinção católica,<br />
contrarrevolucionária, que domina todo o resto.<br />
O resplandecer da graça<br />
Então, o Xá da Pérsia foi visitar as principais capitais<br />
da Europa, entre as quais Viena. A festa se desenvolvia<br />
e, em certo momento, chegou a Imperatriz da Áustria, a<br />
quem o potentado persa foi apresentado. Ele fez uns salamaleques<br />
à moda oriental e ela respondeu com distinção,<br />
com graça, um pouco sorrindo, como diante de um<br />
“conto de mil e uma noites”, de uma fábula.<br />
Ele ficou deslumbrado com a beleza e a distinção da<br />
Imperatriz. Provavelmente ele, um homem, tinha joias<br />
muito mais bonitas do que ela, que era uma dama. Entretanto,<br />
ela era uma joia da Cristandade! Tudo isso são<br />
frutos da Civilização Cristã.<br />
Na Civilização Cristã os homens, possuindo pela graça<br />
a virtude da Fé e as demais virtudes teologais e cardeais,<br />
acabam tendo toda essa grandeza pessoal que é o<br />
resplandecer da graça.<br />
Mas quem nos obteve a graça? Foi Nosso Senhor Jesus<br />
Cristo no momento de morrer na Cruz, e já quando<br />
Ele começou a sentir tédio e pavor diante do que Lhe<br />
aconteceria durante a Paixão, naquela meditação sumamente<br />
majestosa e linda no Horto das Oliveiras. Quando<br />
a graça penetra nos homens, conquistada para nós pelo<br />
Sangue de Cristo, produz todo o resto. v<br />
(Extraído de conferência de 13/1/1989)<br />
Lembro-me de outro episódio ocorrido com a própria<br />
Sissi, Imperatriz da Áustria. Antigamente, os potentados<br />
do Oriente quase nunca vinham à Europa, porque<br />
eram viagens muito longas e sujeitas a risco. Mas quando<br />
se estabeleceram, com os meios de comunicação moderna,<br />
a possibilidade de viagens seguras e com relativo<br />
conforto, nos primeiros transatlânticos, nos primeiros<br />
trens do século XIX, os potentados orientais começaram<br />
a vir ao Ocidente, trazendo todo o luxo oriental.<br />
Ao recebê-los, as cortes europeias seguiam todo o protocolo<br />
com que se acolhia um chefe de Estado estrangeiro.<br />
Portanto, cerimonial muito bonito, esplendoroso, rico.<br />
Os orientais, por sua vez, vinham com riquezas fabulosas<br />
e iam às festas com seus trajes peculiares.<br />
César Aguiar (CC3.0)<br />
Oração de Jesus no Horto<br />
Catedral de Córdoba, Espanha
Gabriel K.<br />
Coração<br />
Sapiencial e<br />
Imaculado<br />
de Maria<br />
Oque vem a ser a sapiencialidade do Coração<br />
de Maria?<br />
A Sabedoria é um dos dons do Espírito<br />
Santo que nos faz ver todas as coisas pelos seus aspectos<br />
mais elevados, por onde elas mais se assemelham<br />
a Deus.<br />
Considerando assim o universo, a mente humana<br />
adquire uma admirável unidade e extraordinária<br />
coerência: nada de contradição, dilaceração ou hesitação,<br />
mas certeza, fé, convicção, firmeza desde os<br />
mais altos princípios até as menores considerações.<br />
Esse dom alimenta todas as virtudes e ancora a<br />
alma no primeiro Mandamento da Lei de Deus.<br />
Assim é Nossa Senhora. O Coração de Maria<br />
Santíssima é soberanamente elevado, sério, profundo,<br />
porque sapiencial. Ela é o vaso de eleição no<br />
qual pousou o Espírito Santo.<br />
O único hino que conhecemos como proferido por<br />
Nossa Senhora em sua vida terrena é uma verdadeira<br />
maravilha de sabedoria: o Magnificat. “Minha<br />
alma engrandece o Senhor, e o meu espírito exulta<br />
em Deus, meu Salvador; porque olhou para a humildade<br />
de sua serva, por isso todas as gerações me<br />
chamarão bem-aventurada.” (Lc 1, 47-48)<br />
Este é um poema de Contra-Revolução! É a escrava<br />
que Se encanta de ser pequena, de ver como<br />
Deus é infinitamente superior a Ela e, do fundo de<br />
seu nada, glorifica o Senhor. A Santíssima Virgem<br />
Se proclama escrava de Nosso Senhor, precursora de<br />
todos os escravos de amor que Ela teria ao longo dos<br />
séculos.<br />
Isto é profundamente contrarrevolucionário; é a<br />
verdadeira humildade que ama seu lugar inferior,<br />
adorando a grandeza que a eleva. Eis o Sapiencial e<br />
Imaculado Coração de Maria.<br />
(Extraído de conferência de 21/8/1968)