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palavra porque tem intensidade — mas como o amor torna-se paixão? Quando o mesmo<br />
homem que ama é capaz de odiar também. A compaixão tem intensidade se o mesmo<br />
homem é capaz de sentir raiva também. Se for incapaz disso, a sua compaixão será<br />
impotente — simplesmente impotente! Ele não é capaz de fazer nada, e por isso tem<br />
compaixão. Não pode odiar e por isso ama. Quando se ama apesar do ódio, há paixão.<br />
Então torna-se um fenômeno de figura e fundo, há gestalt.<br />
E Heráclito está falando de uma gestalt mais profunda. A harmonia aparente não é<br />
realmente harmonia, a harmonia oculta é a harmonia real. Portanto, não tente ser<br />
coerente na superfície; em vez disso, encontre uma coerência nas profundas incoerências,<br />
descubra uma harmonia entre os mais profundos opostos.<br />
A harmonia oculta é superior à aparente.<br />
Esta é a diferença entre um homem religioso e um homem de moral. Um homem<br />
de moral é harmonioso só na superfície; um homem religioso é harmonioso no centro. Um<br />
homem religioso será sempre contraditório; um homem de moral é sempre coerente.<br />
Você pode contar com um homem de moral, mas não pode contar com um homem<br />
religioso. Um homem de moral é previsível; um homem religioso não o é nunca. Nunca se<br />
sabia como Jesus iria se comportar — seus discípulos mais próximos perceberam que não<br />
podiam prever o que ele faria. Um homem imprevisível; fala de amor e de repente entra<br />
num templo, tira um chicote e expulsa os mercadores; fala de compaixão, fala em termos<br />
de 'amar os inimigos' e arruina todo o templo — é um rebelde. Um homem que fala de<br />
amor parece ser incoerente.<br />
Bertrand Russell escreveu um livro chamado "Por que não sou cristão". Nesse livro<br />
ele levanta todas as incoerências. Diz: "Jesus é incoerente e parece ser neurótico. Num<br />
lugar diz para amar os inimigos, e depois se comporta como se estivesse cheio de raiva —<br />
não só com as pessoas, mas também com as árvores: amaldiçoou uma figueira.<br />
Aproximaram-se de uma figueira e sentiram fome, mas não era época de figos. Olharam<br />
para a árvore e não havia frutos, e conta-se que Jesus amaldiçoou a árvore. Que homem é<br />
esse? E fala de amor!"<br />
Ele possui uma harmonia oculta, mas Bertrand Russell não pode encontrá-la<br />
porque é um Aristóteles moderno. Não pode encontrá-la, não pode entendê-la. É bom<br />
que ele não seja cristão, é muito bom. Não pode ser um cristão, não pode ser um<br />
religioso. Ele é um moralista; cada ato precisa ser coerente — mas em relação a quê? Em<br />
relação a quem? Com quem deveria ter coerência? Com o seu passado? Uma asserção<br />
minha deveria ser coerente com a outra — por quê? Isso só seria possível se o rio não<br />
estivesse fluindo.