Osho - A Harmonia Oculta
Um homem real pode parecer desarmônico na superfície, mas sempre será harmonioso no centro. Mesmo que se contradiga, em suas contradições haverá uma harmonia oculta. Uma pessoa que nunca se contradiz, que é totalmente coerente na superfície, jamais viverá uma harmonia real. Existem pessoas coerentes: se amam, amam, se odeiam, odeiam — não permitem que os opostos se fundam e se diluam. São absolutamente claras no que diz respeito aos seus inimigos e amigos. São superficiais e inventam uma coerência. Mas não é uma coerência real: no fundo as incoerências estão fervilhando; na superfície são de certa forma manipuladas. Você as conhece porque elas são você! Na superfície você manipula, mas isso não ajuda em nada! Não se preocupe demais com a superfície. Mergulhe mais fundo — e não tente escolher um dos dois opostos. Você terá de viver ambos. E, se puder vivê-los, sem pego, desligado, se puder viver os dois — se puder amar e permanecer uma testemunha, se puder odiar e permanecer um observador, essa observação será a harmonia oculta. Saberá então que são apenas climas, mudanças de estações, estados que vêm e vão — e verá neles a gestalt. Esta palavra alemã, gestalt, é bela. Afirma que existe uma harmonia oculta entre a figura e o fundo. Não são opostos, parecem ser. Por exemplo, numa escola você vê o quadro-negro, e nele o professor escreve com giz branco. Branco e preto são opostos. Sim, para as mentes aristotélicas são opostos: preto é preto e branco é branco, são as polaridades. Mas por que esse professor escreve em branco no fundo preto? Não poderia escrever com giz branco num fundo branco? Não poderia escrever em preto sobre preto? Poderia, mas seria inútil. O preto precisa ser o fundo e o branco torna-se a figura sobre ele: eles contrastam, há uma tensão sobre os dois — são opostos e existe uma harmonia oculta. O branco parece mais branco sobre o preto; essa é a harmonia. Sobre o branco, o branco simplesmente desaparecerá porque não existe tensão, não existe oposição. Lembre-se: Jesus teria desaparecido se os judeus não o tivessem crucificado. Eles criaram uma gestalt: com a cruz como fundo, Jesus tornou-se mais branco. Jesus teria desaparecido completamente. Por causa da cruz ele permaneceu. E por causa da cruz ele penetrou no coração das pessoas mais do que Buda, mais do que Mahavir. Quase metade do mundo apaixonou-se por Jesus — por causa da cruz. Ele era uma linha branca num quadro-negro. Buda é uma linha branca num quadro branco: o contraste não existe, não há gestalt; o fundo é exatamente igual à figura. Se você apenas amar e não for capaz de odiar, o seu amor não valerá a pena, será simplesmente inútil. Não terá nenhuma intensidade, não será uma chama, não será uma paixão; será simplesmente frio. Ele pode tornar-se uma paixão — e 'paixão' é uma bela
palavra porque tem intensidade — mas como o amor torna-se paixão? Quando o mesmo homem que ama é capaz de odiar também. A compaixão tem intensidade se o mesmo homem é capaz de sentir raiva também. Se for incapaz disso, a sua compaixão será impotente — simplesmente impotente! Ele não é capaz de fazer nada, e por isso tem compaixão. Não pode odiar e por isso ama. Quando se ama apesar do ódio, há paixão. Então torna-se um fenômeno de figura e fundo, há gestalt. E Heráclito está falando de uma gestalt mais profunda. A harmonia aparente não é realmente harmonia, a harmonia oculta é a harmonia real. Portanto, não tente ser coerente na superfície; em vez disso, encontre uma coerência nas profundas incoerências, descubra uma harmonia entre os mais profundos opostos. A harmonia oculta é superior à aparente. Esta é a diferença entre um homem religioso e um homem de moral. Um homem de moral é harmonioso só na superfície; um homem religioso é harmonioso no centro. Um homem religioso será sempre contraditório; um homem de moral é sempre coerente. Você pode contar com um homem de moral, mas não pode contar com um homem religioso. Um homem de moral é previsível; um homem religioso não o é nunca. Nunca se sabia como Jesus iria se comportar — seus discípulos mais próximos perceberam que não podiam prever o que ele faria. Um homem imprevisível; fala de amor e de repente entra num templo, tira um chicote e expulsa os mercadores; fala de compaixão, fala em termos de 'amar os inimigos' e arruina todo o templo — é um rebelde. Um homem que fala de amor parece ser incoerente. Bertrand Russell escreveu um livro chamado "Por que não sou cristão". Nesse livro ele levanta todas as incoerências. Diz: "Jesus é incoerente e parece ser neurótico. Num lugar diz para amar os inimigos, e depois se comporta como se estivesse cheio de raiva — não só com as pessoas, mas também com as árvores: amaldiçoou uma figueira. Aproximaram-se de uma figueira e sentiram fome, mas não era época de figos. Olharam para a árvore e não havia frutos, e conta-se que Jesus amaldiçoou a árvore. Que homem é esse? E fala de amor!" Ele possui uma harmonia oculta, mas Bertrand Russell não pode encontrá-la porque é um Aristóteles moderno. Não pode encontrá-la, não pode entendê-la. É bom que ele não seja cristão, é muito bom. Não pode ser um cristão, não pode ser um religioso. Ele é um moralista; cada ato precisa ser coerente — mas em relação a quê? Em relação a quem? Com quem deveria ter coerência? Com o seu passado? Uma asserção minha deveria ser coerente com a outra — por quê? Isso só seria possível se o rio não estivesse fluindo.
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Um homem real pode parecer desarmônico na superfície, mas sempre será<br />
harmonioso no centro. Mesmo que se contradiga, em suas contradições haverá uma<br />
harmonia oculta. Uma pessoa que nunca se contradiz, que é totalmente coerente na<br />
superfície, jamais viverá uma harmonia real.<br />
Existem pessoas coerentes: se amam, amam, se odeiam, odeiam — não permitem<br />
que os opostos se fundam e se diluam. São absolutamente claras no que diz respeito aos<br />
seus inimigos e amigos. São superficiais e inventam uma coerência. Mas não é uma<br />
coerência real: no fundo as incoerências estão fervilhando; na superfície são de certa<br />
forma manipuladas. Você as conhece porque elas são você! Na superfície você manipula,<br />
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fundo — e não tente escolher um dos dois opostos. Você terá de viver ambos.<br />
E, se puder vivê-los, sem pego, desligado, se puder viver os dois — se puder amar e<br />
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observação será a harmonia oculta. Saberá então que são apenas climas, mudanças de<br />
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Esta palavra alemã, gestalt, é bela. Afirma que existe uma harmonia oculta entre a<br />
figura e o fundo. Não são opostos, parecem ser. Por exemplo, numa escola você vê o<br />
quadro-negro, e nele o professor escreve com giz branco. Branco e preto são opostos.<br />
Sim, para as mentes aristotélicas são opostos: preto é preto e branco é branco, são as<br />
polaridades. Mas por que esse professor escreve em branco no fundo preto? Não poderia<br />
escrever com giz branco num fundo branco? Não poderia escrever em preto sobre preto?<br />
Poderia, mas seria inútil. O preto precisa ser o fundo e o branco torna-se a figura sobre<br />
ele: eles contrastam, há uma tensão sobre os dois — são opostos e existe uma harmonia<br />
oculta. O branco parece mais branco sobre o preto; essa é a harmonia. Sobre o branco, o<br />
branco simplesmente desaparecerá porque não existe tensão, não existe oposição.<br />
Lembre-se: Jesus teria desaparecido se os judeus não o tivessem crucificado. Eles<br />
criaram uma gestalt: com a cruz como fundo, Jesus tornou-se mais branco. Jesus teria<br />
desaparecido completamente. Por causa da cruz ele permaneceu. E por causa da cruz ele<br />
penetrou no coração das pessoas mais do que Buda, mais do que Mahavir. Quase metade<br />
do mundo apaixonou-se por Jesus — por causa da cruz. Ele era uma linha branca num<br />
quadro-negro. Buda é uma linha branca num quadro branco: o contraste não existe, não<br />
há gestalt; o fundo é exatamente igual à figura.<br />
Se você apenas amar e não for capaz de odiar, o seu amor não valerá a pena, será<br />
simplesmente inútil. Não terá nenhuma intensidade, não será uma chama, não será uma<br />
paixão; será simplesmente frio. Ele pode tornar-se uma paixão — e 'paixão' é uma bela