O Hipnotismo - Psicologia, Técnica e Aplicação

rodrigo.vieirati
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22.04.2017 Views

38 K A R L W E I S S M A N N — O H I P N O T I S M O V — ALGUMAS TEORIAS SÔBRE HIPNOSE A HIPNOSE COMO ENTREGA AMOROSA O paralelo freqüentemente traçado entre a hipnose e o apaixonamento não se justifica ùnicamente à base da motivação etiológica 59 do fenômeno. Pouco antes de abandonar a técnica hipnótica, Freud formulou sua teoria. Segundo esta, o estado de hipnose corresponderia a uma entrega amorosa. Em sua auto-biografia, conta de como uma jovem o abraçou ao sair do transe. Concluiu Freud que a hipnose trai um certo grau de masoquismo, ou seja, necessidade instintiva de submissão, envolvendo uma gratificação de caráter libidinal 60 . Com efeito, as reações e a própria expressão fisionômica de muitos pacientes femininos indicam visìvelmente estados dessa natureza. Muitos, ao despertarem, conquanto não cheguem a abraçar o hipnotista, declaram-lhe que acharam a experiência “muito gostosa”. Outros, têm uma crise de pranto. Essas reações traduzem, respectivamente, aprovação e arrependimento pelo que acabaram de experimentar. Tais manifestações, não raro, assustam e despertam a suspeita de dissimulação 61 , principalmente quando se trata de um hipnotizador inexperiente e que não possui em grau bastante o poder de que mais necessita : o poder sôbre si mesmo, oriundo 62 de um profundo conhecimento de suas próprias tendências e paixões. A “MAMADEIRA” HIPNÓTICA Em seus aspectos meta-psicológicos, a hipnose se identifica freqüentemente com a experiência infantil da lactação. O paciente em transe, cujas fronteiras do Ego se dissolveram, agarra-se às palavras do hipnotizador, mais ou menos como a criança se apega ao seio materno, considerado por ela como parte de seu próprio corpo. Naquele momento, o seio materno pertence-lhe orgânicamente, ou melhor, quase tão orgânicamente como os próprios pés e mãos. Pesquisas psicológicas provaram que a hipnotização pela sugestão verbal troca-se no inconsciente freqüentemente pelo processo da amamentação. O paciente é verbalmente amamentado pelo hipnotizador, cujas palavras monótonas, constantes, e fluentes atuam como um substitutivo simbólico do leite materno. Desta forma, a própria voz do hipnotista — um dos elementos notòriamente importantes no trabalho de indução — se incorpora ao Ego do paciente, em sua dormente monotonia. A “mamadeira” a alimentar o transe são as palavras suaves e monótonas do 59 Parte da medicina que trata das causas das doenças. 60 (Libido): Instinto ou desejo sexual. 61 Ocultação; Disfarce. 62 Originário.

K A R L W E I S S M A N N — O H I P N O T I S M O 39 hipnotizador. Muitos dos meus pacientes, segundo declarações feitas a mim ou a outras pessoas, tiveram a impressão de que, entre outras coisas, eu os fizera “mamar” durante o transe. E note-se que, dentre as pessoas mais hipnotizáveis, figuram os chamados “tipos orais”, ou sejam aquêles indivíduos “mal desmamados”, que se fixaram em sua evolução instintiva à fase pré-genital, denominada a “fase oral”, que é o primeiro dos três estágios marcantes da evolução libidinal para a genitalidade madura e adulta. De acôrdo com as teorias psicanalíticas mais modernas, a hipnose reproduz os processos normais do desenvolvimento do Ego infantil. É uma recapitulação da própria infância. A HIPNOSE COMO GÊN ERO DRAMÁTICO A hipnose representa — como diria Sarbin — uma forma de comportamento psicológico social mais generalizada do que a simples entrega amorosa ou o apaixonamento : é dramatização, é “rol-playing” ou “rol-taking”. O “sujet” seria, antes de mais nada, um artista animado pelo desejo de representar um papel : o papel do indivíduo hipnotizado. È esta uma teoria que confere com a impressão popular, segundo a qual o “sujet” está fingindo o estado de hipnose, quer pelo prazer de representar êsse papel específico, quer para agradar ao hipnotista. E, no entanto, essa teoria não indica, necessàriamente, ceticismo quanto à autenticidade dos fenômenos hipnóticos e nem tampouco compromete a idoneidade dos “atôres”. O desejo de representar e o de cooperar com o hipnotista e obedecer-lhe, desde que não contrarie os interêsses vitais, constitui uma característica inerente à hipnose. É uma manifestação daquilo que designamos pelo nome de “rapport”. Sem estar hipnòticamente afetado, o “sujet” não se dispõe a “colaborar” com tanta docilidade, nem “representa” o papel do hipnotizado de forma tão perfeita e convincente. Sirva-nos de exemplo o paralelo da intoxicação etílica. Ninguém põe em dúvida a realidade da intoxicação alcoólica ao descobrir que o ébrio 63 não é assim porque bebe, mas bebe precisamente por ser assim. E não se duvida, tampouco, da influência do álcool pelo fato de o indivíduo conservar a lembrança parcial ou total do que ocorreu enquanto influenciado pela bebida. Acontece que o “sujet” representa o papel do indivíduo hipnotizado da mesma forma como o alcoólatra representa o papel do ébrio. Assim como êste, a fim de poder representar convincentemente seu papel predileto, de recorrer ao álcool, aquêle também não dispensa as condições inerentes ao transe para poder desincumbir-se devidamente de sua função. Contudo, os céticos acreditam no álcool e duvidam da hipnose. Dentre êsses céticos incluem-se pessoas de grau acadêmico e muitos eminentes professôres universitários. De acôrdo com uma comunicação publicada recentemente, um renomado psicólogo da Universidade de Harvard, a exemplo de tantos outros, partiu ingênuamente do princípio segundo o qual um indivíduo que, hipnotizado, regride à infância e, por conseguinte, abstrai 64 tôda evolução posterior (como se isso fôsse psicofisiològicamente imaginável), deve, necessàriamente, comportar-se como criança em quaisquer circunstâncias, ao menos enquanto durar o transe hipnótico, principalmente quando se lhe pede que desenhe ou quando é submetido ao teste de Rorschach. 63 Bêbado; Embriagado; Beberrão. 64 Não leva em conta; Alhea-se.

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A HIPNOSE COMO ENTREGA AMOROSA<br />

O paralelo freqüentemente traçado entre a hipnose e o apaixonamento não se<br />

justifica ùnicamente à base da motivação etiológica 59 do fenômeno.<br />

Pouco antes de abandonar a técnica hipnótica, Freud formulou sua teoria. Segundo<br />

esta, o estado de hipnose corresponderia a uma entrega amorosa. Em sua auto-biografia,<br />

conta de como uma jovem o abraçou ao sair do transe. Concluiu Freud que a hipnose trai<br />

um certo grau de masoquismo, ou seja, necessidade instintiva de submissão, envolvendo<br />

uma gratificação de caráter libidinal 60 . Com efeito, as reações e a própria expressão<br />

fisionômica de muitos pacientes femininos indicam visìvelmente estados dessa natureza.<br />

Muitos, ao despertarem, conquanto não cheguem a abraçar o hipnotista, declaram-lhe que<br />

acharam a experiência “muito gostosa”. Outros, têm uma crise de pranto. Essas reações<br />

traduzem, respectivamente, aprovação e arrependimento pelo que acabaram de<br />

experimentar.<br />

Tais manifestações, não raro, assustam e despertam a suspeita de dissimulação 61 ,<br />

principalmente quando se trata de um hipnotizador inexperiente e que não possui em grau<br />

bastante o poder de que mais necessita : o poder sôbre si mesmo, oriundo 62 de um profundo<br />

conhecimento de suas próprias tendências e paixões.<br />

A “MAMADEIRA” HIPNÓTICA<br />

Em seus aspectos meta-psicológicos, a hipnose se identifica freqüentemente com a<br />

experiência infantil da lactação.<br />

O paciente em transe, cujas fronteiras do Ego se dissolveram, agarra-se às palavras<br />

do hipnotizador, mais ou menos como a criança se apega ao seio materno, considerado por<br />

ela como parte de seu próprio corpo. Naquele momento, o seio materno pertence-lhe<br />

orgânicamente, ou melhor, quase tão orgânicamente como os próprios pés e mãos.<br />

Pesquisas psicológicas provaram que a hipnotização pela sugestão verbal troca-se<br />

no inconsciente freqüentemente pelo processo da amamentação. O paciente é verbalmente<br />

amamentado pelo hipnotizador, cujas palavras monótonas, constantes, e fluentes atuam<br />

como um substitutivo simbólico do leite materno. Desta forma, a própria voz do hipnotista<br />

— um dos elementos notòriamente importantes no trabalho de indução — se incorpora ao<br />

Ego do paciente, em sua dormente monotonia.<br />

A “mamadeira” a alimentar o transe são as palavras suaves e monótonas do<br />

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