O Hipnotismo - Psicologia, Técnica e Aplicação

rodrigo.vieirati
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128 K A R L W E I S S M A N N — O H I P N O T I S M O hipnose fôssem ridículos, suas teorias sôbre histeria eram as mais avançadas na época. As demonstrações do Mestre Francês, fazendo surgir e desaparecer sintomas como paralisia dos membros, parecia convencer a quantos o assistissem da identidade do estado de hipnose com o estado de histeria. É que Charcot lidava notòriamente apenas com pacientes histéricos. Freud alterava as teorias de Charcot sôbre a histeria, formulando seu conceito de dissociação mental. Ansioso por aprender mais Freud foi a Nancy, naquela época a Capital do hipnotismo. Ali ingressou na clínica dirigida por Bernheim. O que mais vivamente impressionou Freud nas experiências daquele Mestre foram os fenômenos post-hipnóticos. Os pacientes de Bernheim executavam atos sugeridos post-hipnòticamente, certos de agirem por livre e espontânea iniciativa. Interrogados pelo motivo de seu estranho procedimento, os pacientes davam razões fictícias, inclusive, explicações absurdas e tolas, mostrando destarte não se lembrar de todo das ordens recebidas em estado de transe. Havia, portanto, uma parte na personalidade humana desconhecida do próprio indivíduo a influir e a determinar a sua conduta. Era o inconsciente a governar o consciente. A criatura humana não era senhora de seu nariz, ao menos até o ponto em que o julgava. Bernheim, no entanto, divisou um método de fazer os pacientes recordarem-se posteriormente das sugestões recebidas durante a hipnose, e isso sem recorrer a novo transe. colocando a mão na testa do paciente, Bernheim insistia junto ao mesmo para que se lembrasse. E o paciente, geralmente, correspondia aos seus esforços. Os fenômenos hipnóticos observados por Freud em Paris e em Nancy, conjuntamente com o que ouvira de Breuer, seriam de importância decisiva na elaboração lenta de sua complexa doutrina. A hipnose era ainda o instrumento de penetração a êsse obscuro subterrâneo já popularmente conhecido pela designação de “ i n c o n s c i e n t e. Ali estavam encarcerados e ativos os afetos represados, tentando forçar o caminho para o consciente. Conquanto não conseguissem arrombar a porta de seu cárcere, incomodavam pelo barulho (sintomas) perturbando a “paz da consciência”. Um ou outro dêsses “elementos recolhidos” conseguia burlar a sentinela, valendo-se dos mais engenhosos expedientes de disfarce. Muitas das energias psíquicas represadas vinham à tona transformadas em doença orgânica. Já era o meio de expressão que mais tarde se denominaria : a linguagem orgânica da alma. Em lugar de declarar abertamente sua repugnância por determinada pessoa, o paciente se queixava de náuseas e vomitava. Em vez de admitir sua infelicidade conjugal, o indivíduo padecia de distúrbios cárdio-vasculares. Para deslocar seu sentimento de culpa proveniente de um “passo em falso”, uma jovem torna-se manca, como se houvesse apenas torcido o pé, etc. A destorção de todos êsses mecanismos de disfarce e de defesa já se vislumbrava como significando os mecanismos da simbolização, da dramatização, da condensação e do deslocamento. Se o paciente em transe vasasse verbalmente seu conteúdo represado, conteúdo êsse atiçado e interpretado pelo hipnotista, sobrevinham o alívio e a supressão da necessidade de se externar indireta e disfarçadamente por meio de sintomas mórbidos. Por êsse método catártico e interpretativo de penetração, levando os fatôres patogênicos do inconsciente à tona da consciência, os conteúdos traumáticos se obliteravam 140 . Breuer e Freud ainda eram associados. Juntos publicaram um trabalho : “Studiem ueber Hysterie”. Suas descobertas, porém, devido a sua insistência na importância do fator sexual na etiologia das “doenças nervosas”, começaram a levantar celeumas e críticas 140 Desapareciam aos poucos; Extinguiam-se.

K A R L W E I S S M A N N — O H I P N O T I S M O 129 acerbas 141 . Breuer, o mais velho, temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as investidas maliciosas dos colegas, abandonou a luta. A sós com as responsabilidades do movimento iniciado por ambos, Freud começou por rejeitar a técnica hipnótica que tão fértil fôra em conseqüências e ensinamentos. Considerava que nem todos os pacientes reagiam adequadamente ao trabalho de indução, que talvez lhes faltassem pessoalmente as qualidades necessárias a um bom hipnotizador. De resto a hipnose se lhe afigurava como uma espécie de tirania que se exerce sôbre a mente do paciente. Subservientemente fiéis aos pontos de vista do Mestre, os discípulos mais ortodoxos passariam a olhar durante muitos anos o emprêgo da hipnose como coadjuvante da psicoterapia como um tabu, merecendo-lhes ùnicamente condenação e desprêzo. Freud substituiu a técnica hipnótica pela livre associação de idéias, instituindo a regra fundamental : o paciente, deitado em um sofá, num recinto meio obscurecido, o analista assentado atrás, fora de vistas, devia exprimir livremente todos os pensamentos e todos os sentimentos, sem preocupação de omissão ou de seleção. Não tardou em descobrir, entretanto, que a livre associação não era livre até o ponto em que o esperava. Precisamente as coisas que interessavam mais à análise, se viam impedidas de vir à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em alta voz e, muitas vêzes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter comprometedor. Eram demasiado ridículas, humilhantes, deprimentes. Para que tal material viesse à tona e pudesse ser ventilado era preciso vencer a resistência consciente e inconsciente do paciente. Tarefa essa, que ao tempo da hipnose era consideràvelmente suavizada. Pelo novo método o paciente tinha de exercitar a tolerância, renunciar às suas ilusões narcísicas, formular novos conceitos de sua personalidade, trocando a arrogância pela humildade e o receio pela confiança, à medida em que se ia aproximando do término da análise. Outro aspecto fundamental da prática analítica arquitetada por Freud era a transferência. O paciente incapaz de rememorar suas reações emocionais infantis em relação aos pais, as repetia estereotipadamente nas sessões analíticas. A psicanálise se define até hoje como um método terapêutico que utiliza como instrumento principal o fenômeno da transferência. Entre analista e paciente se repete corretivamente a vida afetiva intrafamilial. O analista representando o papel de pai ou de mãe em relação ao paciente, mas um pai ou mãe aperfeiçoados e psicológicos. A transferência pode ser positiva (o paciente se toma de simpatia e admiração pelo analista) ; negativa (ódio e desprêzo pelo analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo ódio e amor, admiração e desprêzo ao substituto materno ou paterno). Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra, significa essencialmente análise da resistência e da transferência. Com a ajuda da hipnose as dificuldades nesses aspectos se amainavam. Com o paciente hipnotizado opera-se à base de uma transferência positiva apenas, transferência essa artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais aspectos transferenciais negativos ou ambivalentes. Freud, no entanto, não queria saber dessas facilidades operatórias. Para tornar efetiva a cura, julgava indispensável que o paciente se mantivesse plenamente consciente e participasse ativamente de todos os incômodos inerentes à operação. Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o paciente até que se tenha 141 Duras; Árduas.

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acerbas 141 . Breuer, o mais velho, temendo prejudicar sua clínica e ressentido com as<br />

investidas maliciosas dos colegas, abandonou a luta.<br />

A sós com as responsabilidades do movimento iniciado por ambos, Freud começou<br />

por rejeitar a técnica hipnótica que tão fértil fôra em conseqüências e ensinamentos.<br />

Considerava que nem todos os pacientes reagiam adequadamente ao trabalho de indução,<br />

que talvez lhes faltassem pessoalmente as qualidades necessárias a um bom hipnotizador.<br />

De resto a hipnose se lhe afigurava como uma espécie de tirania que se exerce sôbre a<br />

mente do paciente. Subservientemente fiéis aos pontos de vista do Mestre, os discípulos<br />

mais ortodoxos passariam a olhar durante muitos anos o emprêgo da hipnose como<br />

coadjuvante da psicoterapia como um tabu, merecendo-lhes ùnicamente condenação e<br />

desprêzo.<br />

Freud substituiu a técnica hipnótica pela livre associação de idéias, instituindo a<br />

regra fundamental : o paciente, deitado em um sofá, num recinto meio obscurecido, o<br />

analista assentado atrás, fora de vistas, devia exprimir livremente todos os pensamentos e<br />

todos os sentimentos, sem preocupação de omissão ou de seleção.<br />

Não tardou em descobrir, entretanto, que a livre associação não era livre até o ponto<br />

em que o esperava. Precisamente as coisas que interessavam mais à análise, se viam<br />

impedidas de vir à tona. Eram as coisas que não podiam ser proferidas em alta voz e,<br />

muitas vêzes, nem sequer lembradas em virtude de seu caráter comprometedor. Eram<br />

demasiado ridículas, humilhantes, deprimentes. Para que tal material viesse à tona e<br />

pudesse ser ventilado era preciso vencer a resistência consciente e inconsciente do paciente.<br />

Tarefa essa, que ao tempo da hipnose era consideràvelmente suavizada. Pelo novo método<br />

o paciente tinha de exercitar a tolerância, renunciar às suas ilusões narcísicas, formular<br />

novos conceitos de sua personalidade, trocando a arrogância pela humildade e o receio pela<br />

confiança, à medida em que se ia aproximando do término da análise.<br />

Outro aspecto fundamental da prática analítica arquitetada por Freud era a<br />

transferência. O paciente incapaz de rememorar suas reações emocionais infantis em<br />

relação aos pais, as repetia estereotipadamente nas sessões analíticas. A psicanálise se<br />

define até hoje como um método terapêutico que utiliza como instrumento principal o<br />

fenômeno da transferência. Entre analista e paciente se repete corretivamente a vida afetiva<br />

intrafamilial. O analista representando o papel de pai ou de mãe em relação ao paciente,<br />

mas um pai ou mãe aperfeiçoados e psicológicos. A transferência pode ser positiva (o<br />

paciente se toma de simpatia e admiração pelo analista) ; negativa (ódio e desprêzo pelo<br />

analista) ou ambivalente (o paciente liga ao mesmo tempo ódio e amor, admiração e<br />

desprêzo ao substituto materno ou paterno).<br />

Portanto, psicanálise, no sentido ortodoxo da palavra, significa essencialmente<br />

análise da resistência e da transferência.<br />

Com a ajuda da hipnose as dificuldades nesses aspectos se amainavam. Com o<br />

paciente hipnotizado opera-se à base de uma transferência positiva apenas, transferência<br />

essa artificialmente imposta ao paciente, anulando todos os demais aspectos transferenciais<br />

negativos ou ambivalentes. Freud, no entanto, não queria saber dessas facilidades<br />

operatórias. Para tornar efetiva a cura, julgava indispensável que o paciente se mantivesse<br />

plenamente consciente e participasse ativamente de todos os incômodos inerentes à<br />

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Outro problema da psicanálise ortodoxa é o de segurar o paciente até que se tenha<br />

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