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Amos e Masmorras - Lena Valenti

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– Se eu por acaso tivesse uma filha? – Ela tossiu com vontade de dar uma<br />

pedrada no celular.<br />

“Naziiiiiista! Naziiiiiista! Atende para seu próprio bem!”, cantava o toque que<br />

ela havia personalizado para sua mãe, Darcy. Que ficasse claro que amava a<br />

mãe, mas ela era uma dessas mulheres que se você não atendia a ligação de<br />

primeira, depois de algumas horas aparecia na porta da sua casa com dois<br />

policiais para ver se estava tudo bem.<br />

Sim. Darcy era um pouco hipocondríaca.<br />

“Naziiiiiista! Atende! Ela espirra assim: ‘Auschwitz!’”<br />

Ela não ia desviar o olhar. Não podia. Aguentaria, estoica, os óculos reluzentes<br />

do psicólogo que devia avaliar suas atitudes psíquicas e emocionais, e agiria<br />

como se não houvesse um toque alertando-a sobre os riscos de não atender uma<br />

ligação de uma provável ultra-conservadora. Ela esperava que o senhor Stewart<br />

também tivesse essa capacidade de abstração.<br />

O homem, que tinha por volta de uns sessenta anos, levantou seus óculos de<br />

metal com o indicador.<br />

– E então?<br />

– Sinceramente, é muito difícil se colocar nessa situação… – Ela levantou a<br />

mão para tirar uma das mechas de seu cabelo vermelho que estava encostando<br />

na pálpebra esquerda. Bem que Leslie dizia que seu cabelo estava muito grande.<br />

Mas ela gostava dele assim, e se o colocasse todo para um lado, penteado no<br />

estilo Jackie Kennedy, não a incomodava. “Concentração, pelo amor de Deus”,<br />

pensou. – Suponho que uma mãe faria qualquer coisa para vingar a morte do<br />

filho. Somos todos Sally Field em Olho por Olho – merda. Sério que eu disse isso?<br />

O velho olhou para ela com a cara fechada, sem entender a resposta.<br />

Cleo começou com seu tique no olho esquerdo.<br />

“Naziiiiiista! Atende antes que eu arranque seus cabelos!”<br />

– O senhor sabe – prosseguiu Cleo. Claro que ele não sabia. Esse cara tinha<br />

pinta de quem via filmes de Velho Oeste. Provavelmente nem sabia quem eram<br />

Sally Field e Kiefer Sutherland.<br />

– Não, não sei. – Cruzou os dedos sobre a mesa, inclinando-se com interesse na<br />

direção dela. – Explique-se.<br />

– No filme, Sally Field não sossega até ver morto o assassino da sua filha.<br />

– Isso quer dizer que você faria justiça com as próprias mãos? Que, se o<br />

homem que arrancou o último alento de vida da sua pequena estivesse na sua<br />

frente, você o mataria?<br />

Deu para ouvi-la engolindo saliva.<br />

– Às vezes a justiça não consegue entender a dor de alguém que perdeu a<br />

pessoa que mais ama.<br />

– Não confia no sistema, senhorita Connelly ?<br />

– Claro que confio. – A coisa começava a ficar feia. – Mas os impulsos dos

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