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1 Triplo A - Delírio - Deisy Monteiro.pdf

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DEISY MONTEIRO


TRIPLO A


DELÍRIO<br />

PRIMEIRO LIVRO DA TRILOGIA TRIPLO A<br />

1ª Edição


COPIRRAITE © 2016 DEISY MONTEIRO<br />

Coordenação Editorial<br />

Editora Erga Omnes<br />

Revisão<br />

João Garcia<br />

ASIN: B06X6KDTSV<br />

Todos os direitos reservados à autora <strong>Deisy</strong> <strong>Monteiro</strong>. Nenhuma parte desta obra pode ser<br />

transmitida ou reproduzida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico,<br />

incluindo fotocópia e gravação) ou arquivado em qualquer sistema de banco de dados sem a<br />

permissão escrita da detentora dos direitos autorais.<br />

Revisado conforme novo acordo ortográfico.


SUMÁRIO<br />

TRIPLO A<br />

COPIRRAITE<br />

SUMÁRIO<br />

DEDICATÓRIA<br />

PREFÁCIO<br />

PRÓLOGO<br />

UM<br />

DOIS<br />

TRÊS<br />

QUATRO<br />

CINCO<br />

SEIS<br />

SETE<br />

OITO<br />

NOVE<br />

DEZ<br />

ONZE<br />

DOZE<br />

TREZE<br />

CATORZE<br />

QUINZE<br />

DEZESSEIS<br />

DEZESSETE<br />

DEZOITO<br />

DEZENOVE<br />

VINTE


VINTE E UM<br />

VINTE E DOIS<br />

VINTE E TRÊS<br />

VINTE E QUATRO<br />

VINTE E CINCO<br />

VINTE E SEIS<br />

VINTE E SETE<br />

VINTE E OITO<br />

VINTE E NOVE<br />

TRINTA<br />

TRINTA E UM<br />

TRINTA E DOIS<br />

TRINTA E TRÊS<br />

TRINTA E QUATRO<br />

TRINTA E CINCO<br />

EPÍLOGO<br />

BÔNUS I<br />

BÔNUS II<br />

BÔNUS III<br />

SOBRE A AUTORA<br />

CONHEÇA OUTROS TÍTULOS


DEDICATÓRIA<br />

Em primeiro lugar a YHWH que sempre tem me ajudado, meu Elohim e meu redentor. Eu não<br />

seria nada sem o Senhor.<br />

Em seguida, agradecer a todas as leitoras do wattpad que apostaram nesta ideia. Sei que com<br />

tantos outros livros bons no watt, encontrá-las lendo estas histórias é alguma sorte de privilégio.<br />

Adenilza Rodrigues, por sempre dar um voto de confiança ao que escrevo e ser muito honesta<br />

em seus comentários; Annie Ja, por sempre indicar meu livro aos seus seguidores; Anali Soares por<br />

sempre voltar ao que escrevo para encontrar os mistérios; Mana CP, por me ajudar com seus<br />

comentários a delimitar até onde Phoebe poderia aguentar e tantas outras que sempre me ajudam<br />

com seus votos nas histórias. Querendo ou não, vocês me ajudam a divulgá-la. Heide Dias, por<br />

sempre comentar nos capítulos e acabar se tornando uma espécie de beta para corrigir meus<br />

erros; Pinho D, com suas perguntas bem colocadas; Ana Framiisa por estar lendo meus escritos<br />

desde o primeiro livro; Audrei Passos, Nice, Amanda CCB por sempre pontuarem questões<br />

importantes nos comentários dos capítulos. Aurea Rafaela por, assim como eu, achar bem feito o<br />

que Phoebe fez para o babaca.<br />

Em seguida, agradeço a você leitor da Amazon, que neste momento espreme os olhos para ler<br />

num aplicativo de celular, ou está com seu tablet/kindle nas mãos, ou ainda está lendo numa aba<br />

do navegador no computador e se perguntando se a história valerá a pena. Espero que cada<br />

segundo de sua atenção valha muito a pena e que este livro o cative e encontre espaço especial<br />

na sua estante virtual.


PREFÁCIO<br />

TERNURA<br />

Eu te peço perdão por te amar de repente<br />

Embora o meu amor<br />

Seja uma velha canção nos teus ouvidos<br />

Das horas que passei à sombra dos teus gestos<br />

Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos<br />

Das noites que vivi acalentado<br />

Pela graça indizível<br />

Dos teus passos eternamente fugindo<br />

[...]<br />

VINICIUS DE MORAES


PRÓLOGO<br />

Adam, Alec e Anthony.<br />

Três amigos, três histórias diferentes.<br />

Sócios do clube <strong>Triplo</strong> A, um clube privado exclusivo para os aventureiros sexuais, eles são<br />

conhecidos da ala feminina da cidade de nova York.<br />

Além do fato de serem ricos, estão solteiros. Algo que nenhum dos três quer mudar tão cedo. Mas o<br />

Destino, traiçoeiro, parece ter para os amigos outros planos.


UM<br />

PACIÊNCIA<br />

SE NESTE MUNDO HÁ uma coisa que eu não tenho, é paciência. Esperar não é para mim. Mesmo<br />

assim, eu sempre me vejo obrigado a fazê-lo. E via minha gentileza minguar a cada segundo que<br />

se passava. Eu geralmente acabava soltando os cachorros para cima de qualquer pessoa que me<br />

deixasse por mais de cinco minutos a esperar. Eu sempre exigia de volta a mesma pontualidade<br />

que dispensava às pessoas.<br />

No entanto, não tinha muita coisa que eu pudesse fazer quando se tratava de Alec e Adam. Os<br />

dois não se esqueceriam do encontro de toda quinta-feira. Não, os dois não o esqueceriam de<br />

maneira alguma, mas esperava que os dois esquecessem o que aquela data significava para mim.<br />

Eu nem mesmo precisava fazer força para lembrar, nem mesmo a marca da aliança no meu<br />

dedo tinha se apagado direito, então tudo. Os sentimentos, a confusão, a saudade e mesmo um<br />

desejo infundado, ainda eram muito recentes.<br />

Ainda doía bastante. Muito mais no orgulho do que realmente no resquício de sentimento que eu<br />

pensava ter. Eu tinha plena consciência de que o que me atraía a minha ex-mulher era muito mais<br />

carnal do que amoroso, mas, ainda assim, foi um golpe e tanto chegar à minha casa de surpresa e<br />

vê-la de pernas abertas no sofá enquanto o motorista sobre ela.<br />

Esse era o único motivo que me fazia lamentar as escolhas do passado. Apenas esse. Eu escolhi<br />

a paixão.<br />

De qualquer modo, eu não me deixaria levar por pensamentos que me deixariam confusos e<br />

frustrados durante toda a noite. Eu não pensaria em minha ex-mulher, não pensaria naquela que<br />

nem a isso chegou a ser, não pensaria em mais nada. Apenas me focaria na caça, como eu as<br />

chamava.<br />

Iria me focar em encontrar uma mulher para proporcionar-lhe uma das melhores noites de<br />

nossas vidas e então a descartaria ao amanhecer, exatamente como o tinham feito antes comigo.<br />

Não apenas uma, mas duas vezes.<br />

Eu já estava no terceiro copo de vodca daquela noite. Já sorvia o líquido caro sem mesmo sentilo<br />

queimar na garganta. E os malditos dos meus amigos ainda não tinham dado as caras. Se os<br />

dois chegassem depois de eu estar bêbado, isso não iria ficar barato.


— Mais uma dose, por favor – eu pedi à bartender e ela preparou mais uma dose dupla do<br />

líquido sem cor no copo de cristal. Quando ia colocar o gelo, eu estendi a mão para impedi-la –<br />

assim está bom, obrigado.<br />

Entornei o líquido de uma vez, tão logo o líquido desceu, sem o auxílio do gelo, ele aqueceu a<br />

garganta. Eu ouvi a voz de alguém chegando perto. Uma mulher.<br />

— Devagar amigo, não perca toda a diversão da noite ficando bêbado antes da hora – uma<br />

bela mulher apoiou-se na bancada ao meu lado. Ela não era meu tipo predileto, sempre preferi as<br />

mais altas, mas se ela queria dormir comigo, eu o faria apenas pelo magnífico par de peitos que<br />

ela ostentava sem sutiã sob a blusa de seda.<br />

— Uma diversão não precisa necessariamente extinguir a outra. E tenho, para mim, que agora é<br />

que a diversão da noite vai começar.<br />

— Eu sou Zayda, você deve ser Anthony Hill.<br />

— Culpado – eu acenei para que a bartender viesse até mim – mas não acredite em tudo que<br />

ouviu sobre mim. As pessoas costumam falar demais. – e virando-me para a bartender, que tinha<br />

se aproximado, pedi – mais uma vodca para mim e uma – ele olhou para Zayda como se a<br />

analisasse para saber seu gosto – piña colada para a mulher com os melhores e mais magníficos<br />

peitos da festa.<br />

Zayda sorriu e a bartender revirou os olhos enquanto foi preparar os drinques. Eu já imaginava<br />

que ela tinha se aproximado ao reconhecer-me de cara. Não era segredo que eu era um dos<br />

sócios do clube <strong>Triplo</strong> A, o qual eu tinha conhecido com outro nome, comprado e apresentado a<br />

Alec e Adam depois que a vadia da minha ex-mulher achou de me trair.<br />

O triplo A poderia se referir tanto as iniciais dos nossos nomes, quanto ao nosso status social.<br />

<strong>Triplo</strong> A, a classificação para os milionários que não precisam se preocupar nem mesmo com o<br />

limite do cartão de crédito, já que tem mais dinheiro do que poderiam gastar em quatro vidas.<br />

Dentre nós, apenas Alec era bilionário, mas nem eu ou Adam ficávamos muito atrás.<br />

Provavelmente Zayda já tinha ouvido sobre os presentes que as mulheres as quais eu levava<br />

para a cama ganhavam, não fazia mal. Isso me pouparia o trabalho da noite em procurar alguém,<br />

eu não teria mais que buscar, dentre as mulheres presentes, alguém para preencher o espaço<br />

vazio em minha cama.<br />

Claro, Zayda sabia bem quem eu era. Mas não fora apenas isso que chamara a atenção. Eu<br />

sabia bem que eu era um tipo de homem que conseguiria deixar qualquer mulher com um<br />

formigamento naquele exato ponto no meio das pernas. Eu beirava os quarenta anos, mas minha<br />

aparência era bem jovem ainda. Eu tinha a experiência dos anos impressa até no meu andar. Alto,<br />

forte. Tinha os ombros mais largos que ela já vira na vida, mas ainda assim o corpo era<br />

perfeitamente proporcional. A pele alva, levemente dourada, ressaltava ainda mais os olhos azuis<br />

intensos.


O olhar enigmático que eu sempre imprimia no meu rosto não permitia à mulher saber se ela<br />

estava agradando ou não, mas o sorriso muito branco, de canto, nos lábios era uma incógnita fácil<br />

de desvendar. Os cabelos pretos cortados num corte social bem cuidado pareciam estar pedindo<br />

para serem entremeados nos dedos da garota que olhava para mim mordendo os lábios.<br />

De todo modo, a bebida me permitiu me soltar, mas me dificultava um pouco focar direito na<br />

conversa. Eu apenas avaliava a moça à minha frente.<br />

A bartender tinha entregado os drinques, e eu observava o modo que os lábios de Zayda<br />

beijavam a boca da taça, não podendo impedir que minha mente tivesse as ideias mais absurdas<br />

sobre as coisas que aqueles lábios poderiam fazer.<br />

Erguendo o braço eu a tomei pela cintura e a puxou para mim. O líquido dentro da taça dela<br />

balançou e derramou pelo seu braço, mas Zayda não se importou muito. Meu plano estava dando<br />

certo, eu teria companhia e ela teria um agrado pela manhã. Aproximei meus lábios com urgência<br />

e a beijei com força. Abrindo a boca dela para a sede de minha língua com gosto de vodca. A<br />

minha própria língua, ao tocar a dela, ainda sentiu o sabor cítrico da piña colada que ela bebera<br />

há pouco.<br />

— Quer sair daqui? – perguntei contra a boca dela. A minha voz embargada de álcool e de<br />

desejo mostrava, sem precisar descrever, todos os planos que eu tinha para nós dois.<br />

— Eu adoraria.<br />

Eu a segurei pela cintura, colocando-a ao meu lado, e a conduzi pela multidão que lotava as<br />

escadas, para o topo da construção. Onde o meu piloto particular esperava.<br />

— Para casa – eu mandei. E, depois dos preparativos que não levaram mais que dez minutos,<br />

já estávamos sobrevoando e cruzando a cidade até alcançar o condomínio de luxo que ficava na<br />

banda oeste da cidade. Longe do centro, num refúgio tranquilo onde eu poderia me isolar do<br />

mundo quando precisasse.<br />

Desci pelo elevador que dava para o heliporto no telhado e que também dava acesso direto<br />

ao quarto do "abate". Já que nenhuma mulher conseguira chegar a um cômodo diferente da casa.<br />

Eu não me importava com o que ela fazia da vida, quando ou como fazia, ou se não fazia<br />

nada. Só o que importava era que eu pretendia ter prazer com ela naquela noite. Não queria<br />

saber de onde ela vinha ou para onde ela iria depois dali, eu apenas precisava me esvaziar<br />

dentro de um corpo feminino atraente, e esse corpo era o dela.<br />

Depois de descer a saia dela e a blusa, e perceber que os seios dela eram ainda mais<br />

perfeitos sem o tecido que os cobria, eu retirei a minha própria roupa e comecei a matar a<br />

urgência que sentia em meu corpo no corpo dela.<br />

Quando o celular tocou, no meio do que estava fazendo, eu deitei na cama e a coloquei sobre<br />

mim enquanto atendia o aparelho, mesmo com protestos dela.


— Onde é que você está, maldito miserável? – a voz de Alec era divertida do outro lado da<br />

linha. Talvez ele estivesse se divertindo com alguém no <strong>Triplo</strong> A, ou talvez estivesse apenas ouvindo<br />

o barulho da cama batendo na parede deste lado.<br />

— Estou diante de uma visão do céu, Alec. Não me atrapalhe neste momento.<br />

Zayda deu um sorriso convencido, e se esforçou por agradar ainda mais do que estava<br />

agradando.<br />

— Você se deixou atrapalhar quando atendeu. Achei que tinha ficado em casa, quer saber. Eu<br />

não quero participar de nenhum ménage grotesco por telefone enquanto ouço gemidos.<br />

— Você pode vir, olhar de perto. Não verá peitos melhores que os que estão balançando a<br />

centímetros do meu rosto agora.<br />

— Ah, vai se ferrar.<br />

Eu estava sorrindo feito um idiota quando a ligação foi encerrada. E finalmente pude terminar o<br />

que tinha começado a um par de horas atrás.<br />

Zayda estava deitada na cama, adormecida, e o calor da bebida tinha esfriado, deixando em<br />

seu lugar uma tontura que me incitava certo sono.<br />

Deitei-me no divã ao lado da cama, observei outra vez a mulher deitada na cama ao lado, e<br />

não aguentei o peso das pálpebras pesadas pelo sono, dormi profundamente. Ouvi algum barulho<br />

e senti um beijo em minha fronte no meio do sono, mas não consegui abrir os olhos para acordar<br />

até que o sol despontou do horizonte.<br />

Eu não queria mais ficar perdendo horas preciosas do dia no divã. Levantei-me preparado<br />

para uma nova rodada com a mulher na cama, mas não a vi mais alí deitada. Certa frustração e<br />

temor logo se desenhavam em minha mente. Especialmente quando percebi que a carteira que<br />

tinha jogado no chão do quarto, quando retirara as roupas, não estava mais naquele local.<br />

— Que vadia... – reclamei e já procurei o aparelho celular para ligar para o banco bloquear<br />

meus cartões de crédito.<br />

— Jenna! – eu chamei em alta voz enquanto descia as escadas, enrolado numa toalha que tinha<br />

pegado no banheiro do quarto do "abate" depois que não encontrei o celular. Jenna, minha<br />

secretária do lar, apareceu e eu pedi que ela preparasse um café forte e algum chá para dor de<br />

cabeça. Já que eu não tomava remédios. Eu não confiava neles.<br />

Liguei do telefone fixo para o celular e a mulher atendeu a ligação.<br />

— Eu sabia que iria ligar – ela disse sorrindo.<br />

— Para que isso? Ganharia muito mais se não tivesse roubado coisa alguma.


— Eu não quero seu dinheiro.<br />

— E o que quer?<br />

— Não preciso me explicar. Não é para você que trabalho.<br />

Depois dessa frase enigmática, ela encerrou a ligação.<br />

Apesar de eu ainda tentar rastrear o aparelho, ele não estava mais ligado. O que dificultava<br />

as coisas.<br />

Eu iria contar para Alec e Adam o que tinha acontecido, seria motivo de risos por alguns dias, já<br />

que nunca conseguia escolher uma mulher que não ferrasse com a minha vida.<br />

Na verdade, sim, eu soube escolher uma única vez, mas não mais depois disso.


DOIS<br />

ESCOLHAS<br />

EU TINHA QUE TRABALHAR. Apesarda enorme dor de cabeça. Isso explicava facilmente o meu mau<br />

humor matutino. A questão é: eu ainda não fazia ideia de como aquela garota tinha saído da<br />

minha casa sem dar na vista de nenhum dos trabalhadores. Ou melhor, como ela sabia exatamente<br />

como sair de lá.<br />

Conferi a agenda do dia, eu ainda tinha duas reuniões com dois clientes. Eu não tinha muito<br />

tempo livre durante a tarde, pelo menos ainda tinha o resto da manhã livre. O que seria tempo<br />

suficiente para almoçar e me tornar o motivo de piada por culpa do meu dedo podre. Isso não<br />

quer dizer que qualquer um deles tivesse a menor moral para criticá-lo, a questão era<br />

simplesmente que sempre que acontecia algum problema com qualquer mulher, ele tinha que ser na<br />

cama dele.<br />

Desde o começo, na verdade, eu sabia que eu tinha feito escolhas erradas na minha vida. A<br />

primeira de todas as escolhas erradas fora o fato de ter me casado cedo demais.<br />

Casar cedo tinha cortado todas as minhas asas, isso quer dizer que eu tinha me tornado um<br />

panaca quando o assunto eram joguinhos de sedução. Meus trinta e oito anos também não me<br />

deixavam ficar muito tempo nesse jogo da conquista com alguém, eu tinha pressa de viver e<br />

recuperar o meu tempo perdido.<br />

Eu não estava buscando um relacionamento, eu estava em busca de diversão e prazer, então<br />

pobre da mulher que quisesse ter alguma coisa, além disso, de mim. Se ela vinha se oferecer para<br />

uma noite casual, isso era o som da perfeição, mas se ela quisesse ficar naquele velho jogo de<br />

fingir desinteresse, eu passava para a próxima. Como disse antes, tempo e dinheiro são duas<br />

coisas que não se jogam fora.<br />

Agora que minha cabeça estava doendo bem menos por causa do chá, fui encontrar-me com os<br />

rapazes no café em frente à Corporação Hill. Um prédio que era responsável pela direção de um<br />

conglomerado de indústrias que pertenciam à família de Alec. Dos amigos, ele, Alec, era o único<br />

que tinha nascido em berço de ouro. O que não o deixava em desvantagem alguma quando o<br />

quesito era o caráter. O que também não anulava o fato de que o bastardo do Alec tinha mais<br />

dinheiro do que podia gastar nessa vida. Ele era indecorosamente rico.<br />

À tarde, sim, depois de descansar, eu teria que ralar.


Um de meus antigos cliente me tinha recomendado a um cantor famoso que estava interessado<br />

em adquirir uma cobertura no Central Park. Ele tinha informado que eu era muito discreto depois<br />

de eu tê-lo ajudado a tapear uma revista famosa e lhe alugado uma cobertura durante uma<br />

semana apenas para que fossem feitas as fotos.<br />

É. Esse era um dos negócios que eu fazia. Nem todo mundo que ostenta uma enorme mansão em<br />

reportagens de revistas famosas e nos programas de auditório da televisão tem condições de<br />

realmente custear uma delas. Especialmente quando são novos na mídia. Então eles alugam um<br />

local ricamente decorado apenas para as entrevistas esperando que isso passe uma maior imagem<br />

de credibilidade diante do público que nunca duvidará da real situação financeira deles.<br />

Nesse caso não. O cliente realmente iria querer comprar uma propriedade, o que resultaria<br />

numa boa comissão para mim. A venda aconteceria, e aconteceria da melhor forma que eu fazia,<br />

com direito a deslumbrar. Eu venderia para ele uma cobertura, venderia até um carro se ele<br />

quisesse, e ainda colocava uma loira dentro do carro para agradá-lo. Isso sempre conquistava os<br />

clientes, independente do seu estado civil.<br />

Qualquer pessoa que me olhasse, me chamaria logo de Bon Vivant, e talvez não estivessem<br />

assim tão errados. Eu apreciava uma boa comida, uma boa bebida. Mas, acima de tudo, eu<br />

apreciava uma boa festa. Minha idade não me permitia perder.<br />

Finalmente cheguei ao café boutique. Era um local reservado. As mesas de madeira e suas<br />

cadeiras combinando ficavam espalhadas pela calçada. A sombra projetada pelos prédios<br />

permitia que se pudesse ficar aproveitando o movimento das pessoas e da cidade durante o dia<br />

inteiro sem o calor abrasador do sol.<br />

Alec e Adam estavam assentados e eu acenei de leve para eles depois que os vi. Aproximei-me<br />

e sentei à mesa.<br />

— Você me deve cinquenta pratas – Alec comentou para Adam e os dois sorriram.<br />

— Do que estão falando?<br />

Virei-me para sorrir para a garçonete que já me conhecia e conhecia a exigência dos meus<br />

pedidos. Cada um deles.<br />

— Olá, Beatrice! Como vai? Por favor, traga-me aquele sanduiche de miga, por favor. E um<br />

suco verde concentrado.<br />

— Estou bem. Trago em um minuto – ela respondeu antes de virar-se deixando os rapazes e eu<br />

feito lobos admirando a bunda dela apertada num jeans escuro.<br />

— Estávamos apostando se você iria quebrar a tradição ou não. Não vai almoçar? – Adam foi<br />

o primeiro a quebrar o encanto.<br />

— Não tenho muita fome, e sinto que se eu comer alguma coisa mais pesada eu vou jogar tudo<br />

para fora até mais tarde. Então, prefiro ir com uma coisa mais leve. De que merda de tradição


vocês estão falando?<br />

— Da nossa tradição. Encontrar-nos pela manhã logo após uma noite gasta no <strong>Triplo</strong> A. Alec e<br />

eu falamos sobre as mulheres que pegamos e você fala sobre as coisas que te aconteceram e<br />

como você quando foi transar com uma garota no carro acabou de cuecas abandonado ao lado<br />

de uma rua deserta.<br />

— Pelo amor de Deus, não exagera.<br />

Falei levemente irritado. Eu sabia que eu seria motivo de piadas, e mais uma vez eles estavam<br />

certos.<br />

— Pode começar – Alec disse. Estamos ouvindo atentamente – ele tinha um olhar de desafio e<br />

de deboche no rosto que eu tive vontade de desfigurar com um soco. Mas ele não seria o Alec se<br />

não irritasse todo mundo ao redor dele ao ponto de querermos esfaqueá-lo.<br />

— Muito bem, se não querem começar, eu começo.<br />

— Muito bem, comece – eu disse depois de tomar um gole do suco que Beatrice trouxera para<br />

mim. Só quando o sabor cítrico da fruta tocou na minha língua e me fez despertar um pouco mais,<br />

eu percebi que realmente estava com fome.<br />

— Ontem eu não consegui nada – Alec disse – eu fiquei, vou usar de uma palavra bem arcaica,<br />

cortejando uma mulher a noite inteira. Mas, infelizmente, ela parecia ser problema.<br />

— Isso quer dizer que você passou a noite com as bolas cheias? – Adam perguntou sem se<br />

preocupar que sua voz estava num tom elevado e que provavelmente o café inteiro tinha ouvido o<br />

seu comentário.<br />

— De maneira alguma. Eu a fiz trabalhar com a boca um pouco, mas não passou disso.<br />

Adam ainda era jovem. Apenas trinta anos. Não era à toa que ele tinha essa mania de<br />

competição. Ele ainda não tinha entendido que dormir com uma mulher não é o prêmio principal,<br />

mas não deixar-se envolver este sim o é.<br />

— Por quem você está apaixonado agora? – perguntei a Adam. Ele realmente tinha um novo<br />

amor a cada noite. Bastava um sorriso ou qualquer gesto para que ele já se considerasse<br />

apaixonado. Eu tinha que saber algum dia por que isso realmente funcionava para ele.<br />

— Você tinha que ver aquela garota. Ela era bem jovem, tinha uns vinte anos, eu acho. Não sei,<br />

eu não perguntei. Ela tinha as pernas mais longas que eu já tinha visto. E quando ela me sorriu eu<br />

fiquei simplesmente apaixonado.<br />

— Isso não pode ser sério. Você se apaixonou por ela ou pelas pernas dela? – Alec perguntou<br />

com um jeito brincalhão.<br />

— Cada mulher tem algo que eu me apaixono, não posso culpá-las. Cada uma tem algo que é


simplesmente irresistível à sua maneira. Mas, não é de mim que queremos falar. Afinal, ainda<br />

precisamos saber como a noite do senhor Anthony Hill aqui – Adam bateu com a mão de maneira<br />

forte no meu ombro – terminou.<br />

E era agora o momento que eu estava pedindo que eles esquecessem, mas que ao final não<br />

deu muito certo. Eu teria que contar, com detalhes, como tinha sido minha noite. Pelo menos até o<br />

próximo final de semana eu teria que aguentar as piadinhas descabidas.<br />

— Bom, o que tem para falar? Não aconteceu muita coisa. Eu fiz amor igual a um cavalo,<br />

depois eu deixei que o sono me abatesse. Quando acordei, tinha sido assaltado e estava sozinho<br />

na cama.<br />

Os dois começaram a rir. Eu ri junto, para tentar disfarçar o embaraço, mas eles não me<br />

deixariam em paz tão cedo.<br />

— Eu espero que tenha valido a pena – Alec falou depois que Adam interrompeu os risos para<br />

atender uma chamada.<br />

— Ah, valeu muito a pena. Os cartões estão cancelados, não tinha tanto dinheiro em espécie<br />

comigo e, como eu te falei ao telefone. Você precisava ver aqueles peitos.<br />

Levantei-me, não queria mais demorar tanto tempo ali. Joguei uma nota sobre a mesa para<br />

pagar o café, não sem antes enfiar o último pedaço do sanduiche na boca. Eu realmente estava<br />

com fome agora, mas não tinha mais muito tempo a perder com eles.<br />

— E agora, vai aonde? – Adam perguntou depois de pedir um momento a alguém que estava<br />

do outro lado da linha.<br />

— Eu trabalho, seus vagabundos. Eu tenho que correr atrás dos meus clientes, diferente de<br />

vocês que ganham dinheiro defendendo ladrões ou trabalhando para eles.<br />

O comentário não foi maldoso, essas ofensas estavam leves perto das que trocávamos pelo<br />

puro prazer de irritar um ao outro.<br />

— Não vamos demorar muito aqui — Alec disse. — Precisamos encontrar um cliente em comum<br />

mais tarde.<br />

— Ei, ei... Eu não sou seu marido, não precisa me dar satisfação.<br />

Eu ainda deixei os dois sorrindo enquanto saia andando. Entrei no carro e fui à cobertura que<br />

meu cliente visitaria mais tarde. Eu lhe daria uma tarde de rei, seria impossível que ele não<br />

comprasse até areia no deserto se eu quisesse vender-lhe.


TRÊS<br />

REENCONTRO<br />

— VOCÊS! PREENCHAM AQUELA parede inteira com um painel de LED, quero imagens de tudo o<br />

que tem de melhor no quesito mulher naquela parede. Vocês, quero uma bela mesa com bandejas<br />

de cristais e um menu degustação com diferentes entradas. Coloquem também aquele brigadeiro<br />

com folhas de ouro. Vocês, tratem de programar a iluminação da piscina para que fique de<br />

acordo com as cores do painel de LED.<br />

Vender não é um trabalho fácil, jamais pense isso. Especialmente quando você precisa<br />

convencer alguém a comprar uma coisa que eles não precisam. Esse, bom, é o meu trabalho. O fato<br />

de eu conseguir cumpri-lo com maestria, se deve ao meu esforço em encantar quem quer que<br />

viesse ao meu encontro.<br />

— Ah, e vocês! – avisei a dona de uma agência de modelos e se staff – eu quero este lugar<br />

cheio de mulheres. As melhores que tiver, nada de garotas franzinas. Eu quero mulheres com<br />

atributos.<br />

— Perfeito – Jenna me respondeu e imediatamente começou a ligar para algumas garotas do<br />

tão misterioso caderno prive que ela tinha.<br />

Os preparativos devem ter demorado algo em torno de quatro horas, talvez um pouco mais. Eu<br />

estava planejando duas festas ao mesmo tempo, uma para vender o apartamento para o cliente<br />

que tinha me sido indicado, e a outra seria à noite, num iate, que eu venderia para um empresário<br />

que estava se aposentando e queria dar a volta ao mundo.<br />

Quando tudo terminou, eu tomei um banho e me vesti na suíte do apartamento que eu estava a<br />

vender. Uma das auxiliares da empresa que ficara responsável por trazer os garçons e auxiliares<br />

de limpeza, organizou tudo antes que o futuro dono do apartamento chegasse.<br />

A música já estava tocando. As mulheres já embelezavam os cantos do apartamento em<br />

conversas animadas, como sempre, também havia alguns homens para o caso de qualquer uma<br />

delas não conseguir companhia.<br />

Quando eu ouvi o barulho de um helicóptero, soube que meu hóspede tinha chegado e estaria<br />

prestes a descer no heliporto. Uma das modelos de Jenna me acompanhou para recebê-lo, a mais<br />

bela de todas. Apoiada ao meu braço, eu me perguntava se no meio do caminho eu não a trocaria


por outra e ficaria com esta.<br />

— John Miller! – dei o meu melhor sorriso para mostrar quem estava no comando da noite. A<br />

mulher apoiada ao meu braço, que eu sequer perguntei o nome, escapou de mim para apoiar-se<br />

ao braço dele. John não tinha alianças, ou seja, nenhum compromisso, minha análise primária<br />

estava certa.<br />

— O senhor deve ser o senhor Anthony – ele estendeu a mão para mim e sacudimo-las<br />

amistosamente – parece que está tendo uma festa aqui.<br />

— Por favor, apenas Anthony – sorri-lhe e virei-me já andando mostrando que ele deveria me<br />

seguir – e sobre a festa, sim, está tendo uma. O dono acabou de chegar.<br />

— Devo cumprimentá-lo? Eu o conheço?<br />

— Claro que conhece, o dono da festa é você.<br />

John sorriu e me acompanhou enquanto eu o levava para conhecer a cobertura. Cada canto<br />

dela foi vistoriado por ele que, deslumbrado por ter vindo de uma origem humilde, deixou-se levar<br />

pela apreciação das coisas que eram mostradas.<br />

O advogado dele, que tinha chegado nalgum dado momento da festa, ainda tentou alertá-lo<br />

sobre o valor exorbitante das taxas para a prefeitura, mas não obteve sucesso. Ele já estava<br />

deslumbrado.<br />

Depois de tudo me restou apenas ligar para o escritório jurídico e pedir que começassem a<br />

preparar o contrato.<br />

Quando John já estava bem à vontade na festa dele, as mulheres também, eu já não precisava<br />

mais nem mesmo me esforçar para convencê-lo. A venda já estava completamente garantida.<br />

Saí dali para meu próximo cliente. Ali sim, eu esperava ficar até o final. Afinal, o mar sempre<br />

foi uma de minhas paixões.<br />

Enquanto fiquei esperando, uma das moças contratadas para "animar" a festa, quis um pouco<br />

de diversão e, bom, eu não poderia negar este bem a ela.<br />

— Bem vindo, capitão. É muito bom vê-lo.<br />

Uma outra moça que trabalhara comigo numa outra oportunidade, veio ver como eu estava.<br />

Não obstante, tomou um beijo meu mesmo diante da outra. Pela forma como se entreolharam, as<br />

duas ficariam juntas, se eu pedisse.<br />

Infelizmente, fui interrompido, pois meu cliente tinha chegado. E, com protestos das duas, foi-me<br />

difícil deixá-las distantes para trabalhar. A comissão de três por cento sobre o valor do iate de<br />

luxo não era algo que eu abdicaria por um pouco de diversão.


O trabalho sempre foi o meu ponto fixo. Sempre fora o meu objetivo. Pelo menos depois que<br />

minha ex-mulher acabou com a minha vida. Pelo menos uma parte dela. Já que depois dela, eu<br />

nunca mais acreditei nessa coisa que chamam de amor, e que eu chamo de conveniência para a<br />

reprodução.<br />

Qual é? Não vai me dizer que um homem consegue se satisfazer com a mesma mulher depois de<br />

vinte anos, ou mesmo dez anos, ou ainda cinco anos; ou eu juro que estouro meus próprios miolos.<br />

— Eles chegaram – o membro do staff veio me alertar.<br />

— Obrigado – eu já estava andando pelo corredor das suítes para subir para a sala de<br />

eventos do iate. Era ali que eles iriam estar me esperando.<br />

Eu só não estava preparado para o que eu veria. Eu sinceramente não estava nem um pouco<br />

preparado para a fraqueza que se abateria sobre minhas pernas. Depois de quase que exatos<br />

vinte anos, depois que eu achei que tudo estaria simplesmente resolvido. Meu passado veio bater à<br />

minha porta de uma maneira que eu nunca conseguiria imaginar.<br />

Era ela. Phoebe...<br />

O fantasma do meu passado, o mais lindo dos fantasmas do meu passado, que surgiu na minha<br />

vida quando eu não esperava mais encontrá-lo, quando eu esperava já tê-lo exorcizado.<br />

Ela estava ainda mais linda do que eu poderia lembrar. Eu tinha uma imagem um tanto quanto<br />

desfocada dela quando era mais jovem. Uma garota desengonçada e em nada elegante, com um<br />

estranho cabelo alaranjado que tinha os olhos mais incrivelmente azuis que alguém poderia<br />

imaginar. A mulher que eu via agora, em contraste com ela, era absolutamente irresistível.<br />

Ela estava de perfil para mim, olhando para o homem ao lado dela com um sorriso no rosto,<br />

mas aquele sorriso não parecia tão sincero. De qualquer forma, ela sorria, e todos os presentes<br />

pareciam encantados com ela.<br />

Phoebe estava num deslumbrante vestido de cor marfim sem alças. O colo alvo à mostra<br />

parecia cintilar do mesmo modo que as pequenas pedras que estavam enfeitando o busto do<br />

vestido. O tecido deslizava, frio e perfeito, sobre as curvas. Os cabelos dela pareciam chamas<br />

alaranjadas ondulando-se até os ombros e embebendo a pele dela num calor que parecia<br />

implorar para ser tocado.<br />

O mundo pareceu parar por um instante. Pareceu parar repentinamente de modo que só existia<br />

ela à minha frente, ninguém mais. Talvez ela tenha sentido o mesmo magnetismo tangível que me<br />

atraía, por que ela sentiu que eu a estava olhando feito um louco sem razão, então ela virou para<br />

mim. O olhar dela brilhou à sombra do meu quando um reconhecimento mútuo passou por nós<br />

quase como se retirasse, de leve, o véu do passado.<br />

Era eu. Ela sabia. Ela tinha me reconhecido, e imediatamente o olhar dela tornou-se frio, como se<br />

ela visse em mim não o homem que eu era, mas o maldito jovem que frustrou com todos os sonhos<br />

dela.


Ao mesmo tempo, o homem que estava ao lado dela, deslizou o braço pelas costas dela e se<br />

inclinou para falar-lhe alguma coisa ao ouvido. Ela ficou desconcertada, então se virou para ele e<br />

se deixou ser beijada de leve nos lábios.<br />

Minhas mãos se fecharam e eu fiquei a ponto de ferir as palmas das mãos com as próprias<br />

unhas que quando as cravei na pele, movido por um sentimento que eu julgava obsoleto – ciúmes.<br />

Ewan, meu cliente, se aproximou tranquilamente e cruzou o olhar comigo como se eu fosse um<br />

adversário. Ele deve ter percebido a forma que eu olhei para a mulher que o acompanhava.<br />

— Ewan Aceras – eu o cumprimentei.<br />

— Anthony Hill, é um prazer finalmente conhecê-lo – ele olhou para Phoebe ao lado dele – Esta<br />

é Phoebe, minha mulher.<br />

Phoebe parecia constrangida, não sei ao certo por que. Provavelmente porque ela estava<br />

diante de mim sendo apresentada pelo marido. Isso era estranho para mim também. Quanto mais<br />

eu olhava para ela, mais eu lembrava de tudo que tínhamos vivido, e mais e mais eu sabia que ela<br />

também lembrava.<br />

— Fala alguma coisa, Phoebe – Ewan pegou uma dose de uísque, que o garçom lhe oferecia,<br />

entornou-a a então falou com um hálito que mostrava que a bebedeira dele não tinha começado<br />

no iate – eu não tenho uma esposa de enfeite.<br />

— Senhor Hill, eu devo elogiar a festa, está muito agradável.<br />

Ela falou muito constrangida. Eu não comentei nada sobre o comportamento dele, apesar de<br />

minha vontade ser de jogar o copo que ele segurava contra a cabeça dele. Ela deve ter<br />

percebido pelo meu olhar. Desviou o olhar para o marido como uma forma de advertência, mas ele<br />

soltou de um modo debochado um palavrão.<br />

— Você está louco? Contenha-se Ewan.<br />

Phoebe deu um olhar amargurado para o marido, e um envergonhado para mim. Então<br />

desvencilhou o braço do dele e saiu de perto dele indo para o pontal do iate.<br />

Eu tinha que fazer as vezes para Ewan, apesar de minha vontade ter sido de sair correndo<br />

atrás dela.


QUATRO<br />

FLERTANDO<br />

AQUELAS DUAS HORAS ao lado de Phoebe foram as piores que eu já vivi na vida. Nem mesmo<br />

ter encontrado alguém trepando com a minha ex-mulher me fez sentir qualquer coisa parecida com<br />

o que sinto neste momento.<br />

Eu nunca achei que seria confundido, mas é exatamente o que está a acontecer. Eu sentia um<br />

incomodo físico por estar tão perto dela e ao mesmo tempo sentindo-me tão longe. Ewan já tinha<br />

confirmado com os membros do staff que queria que uma das garotas fizesse companhia a ele<br />

assim que a esposa dele fosse embora. Ou seja, Phoebe sairia e ele iria traí-la com as ferramentas<br />

que eu provisionei.<br />

Que maldito filho de uma mãe não percebe que Phoebe é de longe a mais bonita e gostosa da<br />

festa?<br />

Agora, o desgraçado estava ao meu lado, apontando para todas as bundas da festa sem nem<br />

mesmo se preocupar que ela ainda estava por perto. Ewan já tinha bebido tanto que tinha<br />

confundido as pernas pelo menos duas vezes. Se apoiando em mim, de um modo que queria<br />

mostrar que éramos mais amigos do que realmente somos. Ou melhor, não somos amigos de<br />

maneira nenhuma.<br />

— Ela é bem boa, mas com o tempo, você vai enjoar como eu enjoei.<br />

Eu precisei olhar para ele para que se confirmasse que ele realmente estava falando da<br />

esposa dele nesses termos. Ewan tomou outro copo de um líquido que não soube distinguir. E sorriu<br />

de um jeito estranho. Ele já tinha percebido que eu estava olhando para a mulher dele. Eu não<br />

estava escondendo isso, mas ser pego no ato foi embaraçoso e constrangedor.<br />

— Do que está falando? – perguntei tentando fazê-lo achar que estava errado.<br />

— Qual é? Somos homens. Não precisamos de joguinhos entre nós. Eu sei distinguir um olhar de<br />

apreciação masculina de um homem para a minha mulher – ele ressaltou bem a palavra que<br />

indicava posse. Era isso então que Phoebe era para ele? Uma propriedade. Uma coisa que ele<br />

utilizava somente quando lhe era conveniente?<br />

— Com licença – eu pedi quando não achei uma palavra rápida para desmentir o que ele


achava que tinha visto, e saí para falar com os membros do staff fingindo ter algo a fazer.<br />

Na verdade eu fui pegar uma garrafa da melhor vodca que tinha na festa. E saí para o convés<br />

para entorná-la. Talvez se eu trocasse uma parte do sangue em minhas veias por álcool eu<br />

conseguiria esquecer tudo que tinha acontecido durante a noite.<br />

O convés superior da popa estava muito lotado, mulheres seminuas sentadas na enorme<br />

banheira de hidromassagem, e as amuradas também estavam lotadas.<br />

Eu tinha uma certa vergonha, nesse momento, por ter enchido o lugar de tantas mulheres. Eu me<br />

perguntava como Phoebe estaria se sentido. Lembro-me porém de, ao ter checado os arquivos<br />

sobre o comprador, ter lido duas vezes que ele não era casado. Por isso toda a recepção. Saí do<br />

convés da popa e me dirigi para o convés de proa, que estava menos movimentado. Apoiei-me ao<br />

arco da proa e fiquei observando o mar ser cortado pela linha de água da nau.<br />

Tomei um pouco mais da vodca. Eu não queria ficar tão lúcido. Não quando no final da noite eu<br />

soubesse que Phoebe estaria sendo apertada entre os braços de um homem que não seria eu. Isso<br />

logo depois de ele tê-la traído com uma mulher que não era ela. Eu devia estar ficando realmente<br />

muito bêbado para estar imaginando-a dormir com outro.<br />

Meu celular vibra no meu bolso, e tiro-o para checar a mensagem que tinha chegado. Era a<br />

confirmação do escritório de advocacia. Mais um negócio bem sucedido. Apesar de terem<br />

diminuído o valor final, o que afetaria minha comissão.<br />

Guardei o celular no bolso frustrado e virei-me para voltar à festa, mas olhei na direção da<br />

escada de portaló (que é a escada pela qual se desce do navio) e vi a lua prateando os cabelos<br />

da cor de fogo de Phoebe.<br />

Ela estava sentada na escadaria. Apoiando a cabeça nas mãos. Na posição em que eu estava,<br />

eu não conseguia saber se ela estava chorando ou não.<br />

Senti vontade de ir embora, fugir da presença da mulher que tão fortemente me abalava<br />

mesmo depois de tantos anos. Mas essa dúvida – saber se ela estava chorando ou não – me<br />

comoveu a ir até ela. Eu tinha que saber se ela estava bem.<br />

— Merda.<br />

Tomei mais alguns goles direto da garrafa para criar coragem, e andei até ela. Phoebe deve<br />

ter ouvido meus passos descalços sobre a madeira, ou sentido a minha presença, pois virou pouco<br />

tempo antes que eu sentasse ao lado dela.<br />

— Está tudo bem?<br />

Perguntei. Não sei se era a pergunta certa. Por Deus, eu não sabia começar uma conversa que<br />

não tivesse um cunho sexual, mas acho que foi a pergunta certa. Por que, apesar de ela ter<br />

demorado a responder. Depois de um longo suspiro, ela acenou negativamente com a cabeça.


— Pode falar se quiser – insisti com a conversa, eu não queria que ela ficasse calada. Queria<br />

que ela me falasse exatamente o que sentia. Eu não sabia por que, mas queria ouvi-la.<br />

— Tony, você não entenderia.<br />

Eu sorri muito de leve ao lembrar-me do apelido que ela tinha me dado há vinte anos, e que ela<br />

ainda tinha utilizado sem precisar refreá-lo. Será que o tempo tinha parado para ela como<br />

pareceu ter parado para mim? Pois depois dela, minha vida só deu errado e mais errado.<br />

— Eu não sei se posso entender, mas posso tentar.<br />

— Eu não sei.<br />

— Muito bem. – me aproximei um pouco mais dela, joguei a garrafa ao mar e, com as mãos<br />

livres, indaguei – Vocês são marido e mulher, eu vou respeitar isso, mas eu não posso entender a<br />

razão de você se sujeitar a tal coisa. Ele nem mesmo respeitou a sua presença no local.<br />

— Você também casou.<br />

— Foi diferente, você sabe.<br />

— Você estava apaixonado. Eu também estive.<br />

— Esteve?<br />

— Estou – ela se corrigiu – eu quis dizer estou.<br />

— Por um homem que não te respeita?<br />

— Isso não é da sua conta, Anthony – ela falou mais alto – eu acho que você não está sendo<br />

suficientemente respeitoso à sua mulher também. Está aqui comigo.<br />

— Estamos conversando, não precisa gritar.<br />

— Você sempre fez isso.<br />

— Fiz o que? – agora estávamos os dois falando num tom mais alto que o normal.<br />

— Ignora o que falo e fala outra coisa. Eu falei sobre você estar sendo desrespeitoso à sua<br />

mulher. Você desconversou e não falou nada sobre isso.<br />

— Quanto a isso, não precisa se preocupar. Eu sei bem com que intenção eu vim falar com você,<br />

e não foi esperando para que se jogue em meus braços, apesar de eu saber que é o que você<br />

quer.<br />

— Está louco? – ela falou ajuntando as sobrancelhas. E então se levantou por causa do meu<br />

desrespeito. – não mede mais as suas palavras?


Isso fora o álcool falando, não eu. Levantei-me rápido e ia me desculpar. Ela ergueu as mãos<br />

para que eu nem mesmo começasse a me justificar.<br />

— Eu não quero ouvir nada.<br />

— Você tem que me ouvir também, Phoebe.<br />

— Eu não já disse que não quero que fale nada? – ela passou a mão no pescoço, estava se<br />

sentindo desconfortável. A pior parte de estar fazendo-a se sentir desconfortável era que a culpa<br />

era minha. – Olha só para nós? Já se passou tanto tempo e ainda estamos brigando como antes.<br />

Eu não preciso disso, sinceramente.<br />

— Se o que te preocupa é minha mulher, não se preocupe. Eu estou separado.<br />

— Você tem noção do que está falando? Você pode não estar casado, mas eu estou casada.<br />

Você está bêbado como Ewan e agindo igual a ele. Eu nem sei o que o fez vir aqui, nem mesmo sei<br />

como começamos a brigar, eu só sei que eu não quero mais ouvir nada.<br />

— Phoebe, espera...<br />

Eu ainda a chamei. Mas os pés graciosos dela já a estavam levando para longe de mim. Ela<br />

estava com muita raiva, muita mesmo. Mas eu também não poderia correr atrás dela. Não com o<br />

marido dela atrás de uma das portas das suítes deitado ao lado de outra mulher. Mas não por ele,<br />

por ela, que tinha pedido.<br />

Eu já estava bêbado e fazendo besteiras, eu não queria fazer uma. Procurei uma das portas<br />

das suítes vazias, uma das que não estavam sendo ocupadas por casais e me joguei na cama. O<br />

álcool estava me afetando de uma maneira que eu nunca pude imaginar. Se não fora o álcool, era<br />

ela.<br />

— Ah, então você está aqui. Eu te procurei a noite toda.<br />

Eu nem mesmo sei como a modelo que enfeitava a festa e com quem eu tinha flertado antes me<br />

encontrou. Eu só sei que passei a noite com ela.<br />

E, flertando? Quem ainda usa a palavra flertando?


CINCO<br />

PROBLEMAS<br />

EU PENSEI QUE já tinha me acostumado as ressacas do dia seguinte, mas essa estava de ganhar<br />

vários prêmios. Eu tinha dormido no quarto do iate, e as luzes automáticas ligadas mostraram que<br />

alguém tinha se levantado antes de mim. Sob a claridade, a mulher com quem eu dormira a noite<br />

passada não parecia mais tão perfeita. Nada deve ser levado a mal ela ainda tem um corpo<br />

espetacular, mas ela não é e nunca será Phoebe.<br />

Levantei-me sem querer e recebi um beijo frio e constrangido nos lábios antes de a garota ter<br />

ido embora. Eu devo ter sido um fracasso na noite anterior para que ela não tenha querido ficar.<br />

Dessa vez a ressaca era ruim porque não se limitava a um evento com o corpo, mas vinha<br />

também com uma ressaca moral. Eu tinha sido um verdadeiro e completo idiota com Phoebe, e se<br />

algum dia eu achei que eu poderia tê-la novamente, eu tinha acabado com as minhas chances<br />

nesse momento.<br />

Minha visão embaraçada pela luz forte do lado de fora do convés ajudava a aumentar um<br />

pouco a dor de cabeça, mas dessa vez eu merecia essa dor. O iate estava uma bagunça. Havia<br />

corpos dourados do sol espalhados pelos sofás. Muitas mulheres sem as partes de cima do biquíni<br />

para não pegar um bronzeado com marcas, e no meio delas o marido de Phoebe se comportava<br />

como um bicho no cio.<br />

Ewan era a pior espécie de homem para estar ao lado de Phoebe, mas o pior era que ele não<br />

era agora muito diferente do que eu fui para ela um dia. Assim como ela no momento tinha o<br />

coração ferido por ele, fui eu, um dia, que machuquei o dela.<br />

Só nesse momento percebi que estávamos balançando mui levemente ao sabor do mar.<br />

Estávamos velejando sabe-se Deus para onde. E eu, adormecido como estava, não tinha percebido<br />

que o iate tinha partido.<br />

Uma das moças que ainda não tinham sido dispensadas por mim, já que eu adormecera, então<br />

elas estavam trabalhando desde o dia anterior, passou por mim e eu chamei a atenção dela.<br />

— Onde está a senhora Aceras?<br />

A moça ainda deu uma olhada para Ewan para comprovar que ele estava dormindo, e depois


olhou para mim tomando cuidado para não desequilibrar-se e derrubar a bandeja de bebidas,<br />

falou baixo:<br />

— Ela está na suíte principal.<br />

A imagem de Phoebe adormecida num leito cujo lado estava vazio me atormentou. Continuei a<br />

respirar como o meu instinto mandava e insisti.<br />

— A senhora Aceras já está acordada.<br />

Como se a mulher notasse meu interesse repentino, ela adicionou:<br />

— Não creio que tenha dormido. Tendo que administrar de última hora todos os pormenores da<br />

viagem repentina que o marido quis fazer.<br />

— Eu pagarei por isso, não tenham preocupações.<br />

— Na verdade ela nos pagou em mãos para atendermos ao pedido do marido, mas se quiser<br />

pagar novamente, não tenho nada contra.<br />

Sorri pela ousadia da garota, mas logo me desviei dela. Eu precisava encontrar Phoebe e<br />

saber como ela estava, depois para onde estávamos indo.<br />

Desci as escadas e alcancei a suíte principal no final do corredor dos quartos. Eu conseguia, na<br />

verdade meu corpo todo conseguia sentir a tensão que emanava dela. Eu sabia que ela estava ali<br />

assim como meu corpo. Eu sabia que quando eu abrisse a porta, eu seria invadido, em todos os<br />

sentidos, pela presença dela. Minha visão se encheria da beleza dela, meu olfato de seu cheiro, e<br />

até minha audição de sua voz.<br />

Ela não merecia isso. Não merecia um outro Ewan na vida dela, nem outro eu.<br />

A mão que eu tinha estendido para bater à porta e chamá-la se recolheu, eu ia dar um passo<br />

atrás, mas a porta se abriu repentinamente e ambos ficamos surpresos vendo um ao outro.<br />

Phoebe estava linda na noite anterior, e a manhã seguinte, apesar de ter lhe acrescentado um<br />

par de olheiras, não tinha conseguido ofuscar a beleza natural dela. Apenas com um Jeans justo e<br />

uma blusa solta, listrada, ela ainda conseguia ser tão bela quanto em sua juventude. Na verdade,<br />

ainda mais bonita.<br />

— O que está fazendo aqui? — ela 'perguntou. O tom dela não era o de quem não queria que<br />

eu estivesse ali, mas de quem não queria que fossemos pegos. Phoebe tinha no olhar um misto de<br />

sentimentos conflitantes. De todos os que eu consegui ler, dois saltaram aos meus olhos. Ela tinha<br />

medo e vergonha.<br />

— Eu tinha que saber de alguém para onde estamos indo.<br />

— A noite deve ter sido muito cansativa para que não tenha conseguido sentir quando


deixamos a cidade.<br />

— Espera – cocei meus olhos rapidamente, a visão tentando embaçar outra vez – deixamos a<br />

cidade? Quando deixamos a cidade?<br />

— Na madrugada. Ewan quis ir rodear o litoral.<br />

— Eu não posso simplesmente sumir para rodear o litoral.<br />

— Não se preocupe, Anthony. Eu não te prejudicaria dessa forma. Ewan está bêbado. Estamos<br />

apenas nos distanciando um pouco da cidade e voltaremos. Ele nem vai ter percebido que o<br />

percurso foi mais curto.<br />

— Excelente – sentei-me rapidamente na beirada da cama, evitando pensar demais no que isso<br />

poderia significar para Phoebe, em busca de alívio para a pontada que senti repentinamente na<br />

cabeça.<br />

— O que está sentindo? — Phoebe perguntou preocupada. Nem tive tempo de articular<br />

resposta, ela continuou — já sei, deve estar com dor de cabeça. Eu devo ter algum remédio na<br />

bolsa, espera.<br />

— Você não lembra que eu não tomo remédios?<br />

— Problema seu, não vou te deixar com dor de cabeça do meu lado. Você me estressa e eu<br />

vou me estressar também.<br />

Phoebe começou a mexer num porta pílulas que sacou de dentro da bolsa que segurava, e eu<br />

pude ver uma infinidade de pílulas de diversas cores. Ela procurou dentre elas uma capsula<br />

vermelha e a entregou a mim.<br />

— Engole – ela ordenou objetivamente depois de enfiar com dois dedos a capsula na minha<br />

boca, não dando chance para que eu negasse.<br />

— Você nunca vai perder esse jeito.<br />

— Acredito que não, algumas coisas não devem mudar – ela disse e guardou a infinidade de<br />

pílulas novamente na bolsa.<br />

Aquilo era remédio demais para uma única pessoa. Ou Phoebe tinha alguma doença grave, ou<br />

lutava contra todas como uma hipocondríaca.<br />

Levantei-me, mesmo a contragosto, e observei mui rapidamente dentro da bolsa dela. Tinha<br />

muitas coisas ali, mas saltavam aos olhos os medicamentos. Ela tinha uma infinidade deles ali, várias<br />

cartelas.<br />

— Para que tudo isso, Phoebe?


— Para que o que? — ela perguntou pouco antes de perceber que eu estava observando-a<br />

por sobre o ombro. — É costume seu ficar invadindo a privacidade alheia?<br />

— Você não respondeu, Phoebe.<br />

Segurei-a pelos ombros e a fiz olhar para mim. A simples ideia de ela estar doente pareceu me<br />

fazer afundar num quase estado de morte.<br />

— É por que não lhe diz respeito.<br />

— Uma vez, apenas uma vez, faça o que eu peço.<br />

Ela viu que eu não a deixaria partir, não sem uma explicação. Mesmo que ela não dissesse, ela<br />

não teria para onde fugir de mim, não em alto mar.<br />

— Somente essa vez. Não por que eu ache que você merece alguma explicação, mas porque<br />

eu mesma quero me livrar de sua perseguição frenética. Eu sei como você pode ficar impossível<br />

quando quer irritar alguém.<br />

— Perfeito.<br />

— É um coquetel antiaids.<br />

— Está doente?<br />

— Não, não estou doente.<br />

— Mas tem que se proteger contra o comportamento promíscuo de Ewan?<br />

— Meu marido.<br />

— Ele não a trata como sua mulher. E não tente fingir que ele é melhor do que é, por que eu vi<br />

como ele se comportou diante de você. Ele nem se preocupou com sua presença. Aposto que aí há<br />

uma pílula para cada doença sexualmente transmissível possível.<br />

— Talvez. Mas, como já disse, não é da sua conta. Eu quero ficar só.<br />

— Já tomou café?<br />

— É hora do almoço — ela respondeu.<br />

— Já almoçou?<br />

— Não tenho fome.<br />

— Quer conversar um pouco?<br />

— Quantas desculpas eu vou ter que arrumar antes de você perceber que não quero passar


tempo contigo, Anthony?<br />

Não falei nada, ela tinha razão, se quisesse, para ficar brava comigo durante séculos.<br />

— Arrume suas coisas, se você tiver alguma – ela completou depois de uma longa pausa – vou<br />

deixar você no próximo porto. Conseguimos autorização. Não preciso de você por perto para<br />

aumentar os meus problemas.


SEIS<br />

RESPONSABILIDADES<br />

— ELA AINDA ESTÁ gostosa?<br />

Depois de ouvir o enunciado, eu me dividia entre a vontade de dar um soco na boca de Adam<br />

e arrancar dois dentes da boca dele para acabar com aquele sorriso, ou confirmar como uma<br />

criança de dez anos que ela não tinha mudado em absolutamente nada da garota que ainda<br />

atormenta a minha mente.<br />

— Ela não "ainda" está gostosa, ela está mais gostosa que nunca.<br />

Confirmei. Pelo visto, escolhi a segunda opção.<br />

Eu precisei comer alguma coisa, principalmente, precisava conversar. Eu não podia ficar em casa<br />

depois de ter estado com Phoebe, eu simplesmente não conseguiria não parar de pensar nela. Se<br />

bem que é exatamente o que estou fazendo nesse minuto.<br />

Eu não estava com minha carteira de motorista, então liguei para Adam me pegar, já que ele<br />

estava por perto. O problema era que não se podia ter uma conversa séria com ele, a não ser<br />

que um juiz estivesse entre nós.<br />

— Eu não entendi qual é o problema. – Adam falou com a boca cheia enquanto partia um<br />

enorme pedaço de bife de chourizo e o mastigava despreocupadamente.<br />

— Vou falar mais devagar, talvez você entenda. Ela está infeliz no casamento. O marido é um<br />

lixo, e ele sabe que ela se submete. Phoebe era tão determinada... – eu contemplei a imagem dela<br />

no que parecia ter sido o espaço de um dia, e não de pouco mais de duas décadas – Sabe o que<br />

mais me faz ficar desse jeito?<br />

— O que? – Adam falou de boca cheia. Ele mal se importava que eu estivesse à beira de um<br />

colapso emocional.<br />

— Que talvez eu tenha feito isso com ela. Que talvez eu tenha sido o responsável por apagar o<br />

brilho que ela tinha.<br />

Finalmente Adam largou a comida. Empurrando o prato para frente com um visível ar de<br />

irritação. Ele engoliu o pedaço de carne e limpou a boca no guardanapo antes de jogá-lo


(também com irritação) sobre a mesa.<br />

— Certo. Já ouvi o suficiente. Quer saber o que eu acho disso tudo? De toda essa folia que<br />

você está envolvido?<br />

— Prossiga – o autorizei.<br />

— Vocês são dois idiotas. Primeiro você. Por que você acha que é o responsável por isso? Pode<br />

ter sido qualquer um. Qualquer coisa. São vinte anos sem se ver, tem noção da quantidade de<br />

coisas que acontece para uma pessoa em um ano?<br />

Fiz que sim com a cabeça, ele continuou.<br />

— Imagine em vinte anos. Acho que você está se dando mais importância do que realmente tem.<br />

Outra coisa, para uma mulher se submeter a esse tipo de tratamento ela é meio imbecil. A<br />

quantidade de meios que ela tem de sair, de pedir ajuda. Se ela ainda parece com a Phoebe que<br />

conhecíamos, ela deve ter um motivo muito importante para ficar. Para se submeter.<br />

A vontade de socá-lo só estava aumentando, mas ele tinha razão. Tinha que haver alguma coisa<br />

para que Phoebe estivesse presa desse modo. Ela não tinha amor nos olhos quando via Ewan, ela<br />

não tinha nem mesmo ódio, era uma apatia total que desconcertava. Ela tinha mais sentimentos<br />

olhando para mim que para ele. Mesmo que o sentimento provavelmente estivesse mandando-a me<br />

dar um chute no meio das pernas.<br />

— Odeio admitir isso, mas você parece ter razão.<br />

— Hum... – Adam soltou um muxoxo debochado – parece. Sei. Enfim, o que você não pode<br />

fazer é ficar se culpando por tudo. E também o mais importante.<br />

Olhei para ele aguardando que Adam fosse falar alguma coisa digna de uma premiação.<br />

— Andar sempre com camisinha no bolso. As mulheres insatisfeitas em casa acabam se tornando<br />

o melhor presente na cama para um amante.<br />

— Pelo amor de Deus – com essa me levantei.<br />

— Admita, pelo menos para mim, já que não quer admitir para si mesmo. Você nunca a<br />

esqueceu, e agora que ela está de volta, está louco para correr atrás dela.<br />

— Isso não é segredo para ninguém.<br />

— Então deixa de perder tempo igual a um adolescente. Corre atrás.<br />

Adam jogou uma nota de cinquenta para pagar nossos almoços e não se importou com o troco.<br />

Saímos e ele me levou no carro dele para o centro da cidade. Onde trabalho. Não tinha mais<br />

muito a fazer depois dali. Adam acenou com dois dedos depois de ir embora e reclamar por<br />

diversas vezes que preferia estar com uma loira do lado, do que comigo. E eu entrei no escritório


de representação onde trabalho para assinar a transferência do meu pagamento. O dinheiro<br />

livraria uns bons oito meses de despesas para mim. Mesmo as mais supérfluas. Saí de lá direto<br />

para um novo encontro com um dos meus clientes mais "fieis".<br />

Depois de uma longa visita a uma mansão de dois andares que estava à venda, e de ele não<br />

ter gostado dos detalhes gregorianos da casa, eu não fechei a venda. Pelo menos, isso me daria<br />

tempo de voltar para casa, tomar um bom banho e descansar.<br />

Entrei em casa passando direto ao quarto. Ainda bem que não encontrei ninguém no caminho,<br />

por que eu não seria muito educado. Parecia que eu tinha uma nuvem negra sobre o meu dia. E eu<br />

não sabia bem como lidar com ela. Não sabia bem como lidar comigo mesmo, ou com Phoebe. Que<br />

voltou apenas para me atormentar.<br />

Entrei no duche, tomei um banho rápido, frio. Ele era inútil. Mesmo o fato de apenas ver Phoebe<br />

estava me causando muitos efeitos colaterais. Mas eu não queria me tocar pensando nela. Eu<br />

queria tocá-la, eu queria depositar todo esse meu desejo frustrado sobre ela em forma de carícias<br />

e um sexo louco.<br />

Droga, eu precisava tê-la. Embora eu soubesse que ela era honrada demais para levar esse<br />

casamento até as últimas consequências, mesmo que isso significasse ser infeliz.<br />

Eu não tinha direito de reclamar, mas eu também não poderia ficar calado. Ela estava na droga<br />

da mesma cidade que eu.<br />

Deitei de costas, nu, na cama. Meu corpo cobriu-a quase que por completo, resultado de tanto<br />

tempo interpretando o papel de jogador de futebol americano. Mas ainda assim tinha espaço de<br />

sobra para ela ao meu lado se assim ela quisesse.<br />

Phoebe não pode ficar com ele. Se ela estivesse feliz, eu até poderia entender. Eu até poderia<br />

jurar que tudo o que aconteceu entre nós e o fato de eu ter ido embora, tinha voltado a me<br />

confrontar, mas a imagem de família ideal que eu queria, não estava mais ali para mim, mas para<br />

ele. Seria o pior castigo que eu poderia pensar.<br />

Fechei os olhos e esperei que nada me interrompesse, eu precisava – muito – contemplar<br />

Phoebe por detrás dos meus olhos fechados. Como teria sido a minha vida se ela ainda estivesse<br />

comigo? Eu não teria chegado longe, eu sei. Eu não teria ido muito longe se eu ainda estivesse com<br />

ela. Por que tudo o que eu iria querer pensar era em ficar ao lado dela.<br />

Phoebe, entretanto, já tinha se decidido a me largar. Ela já tinha me dado adeus mesmo antes<br />

de eu ter dito a ela que eu queria que ela viesse comigo. Ela se despediu de mim e uma parte da<br />

minha alma deve ter ficado ligado à alma dela, por que desde então eu não consigo esquecê-la.<br />

Desde então ela vive em minha carne, como nódoa do passado.<br />

Desde então ela tem me feito sofrer por ela, mesmo tendo sido ela quem disse adeus.


SETE<br />

OLHARES<br />

ALEC TERIA UMA infinidade de reuniões naquela manhã. Adam tinha um julgamento naquela<br />

semana e estava atolado em trabalho. Eu, como não tinha nenhuma venda programada para os<br />

próximos dois dias, ou mesmo uma reunião marcada, fiquei responsável por gerenciar o <strong>Triplo</strong> A<br />

naquela semana. Por gerenciar, leia-se apenas dar algumas assinaturas nalguns papéis, conferir o<br />

pagamento semanal dos funcionários, para garantir que tudo estava certo, e dar o cachê das<br />

dançarinas.<br />

O trabalho não era cansativo, apenas repetitivo. Não era nossa renda principal, mas ainda<br />

assim o <strong>Triplo</strong> A não tinha decepcionado no quesito rendimento nos últimos meses. Foi só quando, eu<br />

tinha terminado o trabalho da manhã e já estava saindo para o almoço, que eu me dei conta que<br />

aquele dia tinha sido reservado para mim pelo destino.<br />

Eu mal tinha entrado no restaurante e pedido meu almoço. Enquanto eu tomava uma água antes<br />

do almoço, eu vi Phoebe entrar no ambiente. Como ela podia não se sentir lisonjeada com tantos<br />

homens deixando suas apáticas companhias nas mesas para olhar para ela? Observei o<br />

comportamento dela ao longe.<br />

Phoebe não parecia se deixar lisonjear por esse tipo de olhares. Na verdade, eu poderia até<br />

jurar que ela se sentia ofendida e os aborrecia. Eu poderia jurar que ela estava com vontade de<br />

revirar algumas mesas para que os seus ocupantes indecentes fossem embora.<br />

Ela sentou-se numa das mesas. Um dos garçons se apressou em servi-la. Ela pediu apenas um<br />

café pequeno. Não que minha audição seja superpotente, apenas eu vi o garçom trazendo o<br />

pedido simples dela. Ela tinha tomado um gole do café e observava o movimento das ruas lá fora.<br />

Com um cuidado suspeito, como se esperasse alguém.<br />

E se fosse isso exatamente que ela estivesse fazendo? E se ela estivesse esperando um amante?<br />

Ewan merecia, mas Phoebe não tinha o jeito de uma mulher dada aos amantes. Não poderia ser.<br />

Vinte anos se passaram, mas ela não poderia ter mudado tanto. Se bem que, se Ewan tinha<br />

direito a ter suas amantes, o que impedia Phoebe de tê-los também? Não são os homens e as<br />

mulheres dignos de direitos iguais?<br />

— Seu Cassoulet de frango – o garçom me serviu, conseguindo me distrair por pelo menos dois


minutos de Phoebe e todo o seu magnetismo.<br />

— Obrigado.<br />

— Bom apetite.<br />

Ele me deixou e eu temi que Phoebe tivesse virado para olhar na direção da minha mesa. Ela<br />

poderia ter me descoberto e sairia dali sem pensar duas vezes, mas ela estava distraída demais à<br />

espera de alguém, que nem notou que eu existia.<br />

Phoebe tinha se sentado ereta, sua postura tinha melhorado muito com os vinte anos que tinham<br />

se passado, mas ela estava absolutamente perfeita como estava. Droga, eu estava tendo que lutar<br />

com a vontade desenfreada se levantar-me e ir fazer companhia a ela e implorar por um pouco<br />

de sua atenção.<br />

Eu estava há menos de um segundo de fazer isso, quando vi uma jovem entrar no restaurante.<br />

Ela tinha uma beleza conhecida. Olhando para ela, eu vi uma sombra menos interessante da mulher<br />

que estava sozinha na mesa até pouco tempo atrás. Ela era muito parecida com Phoebe. O rosto,<br />

no entanto, era um pouco mais delicado. Não tinha a firme determinação do rosto de Phoebe. Era<br />

mais leve, quase como se não tivesse a mesma carga emocional que Phoebe carregava.<br />

Quando a viu, Phoebe sorriu e acenou para ela. Era impossível que ela não me impressionasse<br />

com aquele sorriso. Foi como se uma cor voltasse ao rosto dela depois que ela viu a jovem.<br />

A jovem sem nome sentou-se à mesa junto com Phoebe, depois de um longo abraço. O<br />

burburinho do restaurante não me permitia ouvir a conversa, mas lendo os lábios dela (que<br />

estavam infinitamente mais convidativos que o cassoulet) eu li a palavra "filha". Mas podia ser<br />

"vira" também. Eu não sei, eu estava realmente muito confuso agora. Posso até dizer que em<br />

choque.<br />

Phoebe tinha uma filha com Ewan. Isso explicava muita coisa. Embora a jovem não faça o tipo<br />

que precisa ser socorrida. Ela já é praticamente uma mulher. Isso já joga uma nova luz sobre tudo.<br />

Seria por ela que Phoebe não vai embora?<br />

Um garçom trajado com um conjunto formal, cuja única diferença era a substituição do rotineiro<br />

branco por um vermelho sangue, pediu licença antes de falar comigo.<br />

— Com licença, senhor. Há algo errado com o Cassoulet?<br />

Ele percebera que eu não tinha nem mesmo tocado no frango. Provavelmente temendo a perca<br />

de um cliente AAA eles enviaram alguém a perguntar sobre a situação do prato.<br />

— Não há nada de errado – garanti-lhe – apenas estive por tempo demais distraído, e acabou<br />

esfriando um pouco.<br />

— Se me permite, senhor – ele falou num tom conciliatório – eu gostaria de pedir autorização<br />

para trazer-lhe um novo prato devidamente aquecido.


— Obrigado. Mas faça questão de informar ao chefe que o meu descuido nada tem a ver com<br />

a qualidade inegável do seu prato.<br />

— Farei isso – ele disse antes de sair levando o prato em busca de um novo.<br />

Pude então perder-me na conversa de Phoebe. Eu precisava, muito. Muito mesmo, falar com ela.<br />

Mesmo que fosse para ela me dar um olhar de desprezo, como sabia que faria. Ainda assim, eu<br />

precisava dar um oi. Eu estava parecendo um adolescente, mas Phoebe fazia isso comigo. Ela me<br />

fazia parecer imaturo e incoerente outra vez, por que ela me deixava completamente sem defesas.<br />

Levantei-me. Era agora ou nunca.<br />

Quando me viu, Phoebe pareceu congelar na posição em que estava. A jovem que a<br />

acompanhava estava de costas para mim. Então eu ainda não podia ver seu rosto nos mínimos<br />

detalhes, o que não importava muito. Já que o único rosto daquele restaurante que me importava<br />

era o de Phoebe.<br />

— Boa tarde, senhora Aceras – eu estendi a mão para cumprimentá-la.<br />

— Senhor Hill – ela estendeu a mão para o cumprimento e a voz era delicada, mas o olhar,<br />

esse era de desprezo. E, por Deus, mesmo desse olhar eu senti falta mesmo sem saber – como<br />

está?<br />

— Bem – eu disse – desculpe interromper a refeição, por... Bom, eu precisei vir cumprimenta-la.<br />

Eu nem mesmo tinha pensado em nada para dizer a ela. Phoebe continuava olhando para mim,<br />

mas agora o rosto dela adquiria um tom vivo, uns leves toques de vermelho. Ela estava com muita<br />

raiva de mim, eu estava me comportando como um adolescente, mas eu não me arrependia nem um<br />

pouco de ter ido para perto dela.<br />

— Senhor Hill – Phoebe disse ao notar que a jovem que a acompanhava nos olhava com<br />

curiosidade, quase a ponto de lançar uma pergunta sobre o motivo de tanto ódio no olhar da mãe<br />

dela, mas ela me poupou um trabalho ao nos apresentar – esta é a senhorita Ward.<br />

Senhorita Ward ergueu uma sobrancelha para Phoebe, quase como se questionando algo que<br />

eu não consegui captar. E então virou-se para mim.<br />

— Senhor Hill, é um prazer. Sou Valentina Ward. Filha de Phoebe Ward Aceras.<br />

Valentina ressaltou o último nome como se confirmasse com isso três coisas. "Eu sou filha dela",<br />

"minha mãe é casada" e o mais importante "este sobrenome no final mostra que ela não está<br />

disponível".<br />

— Valentina, é um prazer.<br />

— Senhorita e senhora Ward, por favor – a jovem pediu.


Ela era impetuosa como a mãe. Gostei um pouco mais dela por isso.<br />

— Não quis ser desrespeitoso, perdão. Também não quis atrapalhar o almoço das duas.<br />

— Mas atrapalhou – ela respondeu impertinente.<br />

— Phoebe, teria um minuto, por favor? – dirigi-me à mãe dela, que parecia branca feito um<br />

papel desde que eu tinha vindo até a mesa.<br />

— Lamento, Anthony. Creio que não há nada entre nós que ainda falte ser dito.<br />

— O senhor ouviu – Valentina disse – estamos tentando almoçar aqui.<br />

Lancei a Phoebe um olhar que mostrava que eu ainda não tinha terminado, ela pareceu<br />

entender. Voltei para minha mesa, mas não estava mais com fome. Talvez o chefe pense que eu<br />

não tinha gostado da aparência de nenhum dos cassoulet, mas ele pode atribuir essa culpa a<br />

Phoebe.<br />

Bastou que ela surgisse no mesmo lugar que o meu para que ela embaraçasse todo o meu dia e<br />

a minha vida.


OITO<br />

VISITA<br />

— EU PRECISO DE SUA ajuda – falei para Rosie, minha assistente pessoal. Na verdade eu parecia<br />

estar muito mais intimidando-a do que simplesmente pedindo. Mas tudo era devido ao estresse que<br />

parecia estar me consumindo.<br />

— Pode pedir.<br />

— Phoebe Ward – falei como se estivesse confidenciando alguma coisa, primeiro prestando<br />

atenção para ver se ninguém mais estava ouvindo, mesmo sabendo que só havíamos nós dois no<br />

escritório da minha casa.<br />

Retirei o blazer e abri os dois primeiros botões da camisa enquanto eu me sentava à mesa para<br />

aguardar o aviso de que o jantar estava pronto. Faminto, já que a impertinente da Phoebe achou<br />

de inundar meu campo de visão e roubou-me o apetite.<br />

— Phoebe Ward... – ela repetiu de modo reticente enquanto anotava o nome dela na agenda.<br />

Então virou-se novamente para mim. A franja cobrindo os olhos pretos mais escuros que já vi. Olhos<br />

capazes de refletir galáxias. – O que preciso fazer?<br />

— Preciso saber tudo sobre ela. – expliquei. – Absolutamente tudo. Onde ela tem vivido, o que<br />

tem feito nos últimos vinte anos. Tudo que puder compilar sobre a família dela. E a filha... – A filha<br />

dela que estranhamente tocou uma parte de mim que não consigo nomear – eu preciso saber tudo<br />

sobre a filha dela.<br />

— Prazos? – ela falou ainda olhando para a agenda. Enquanto rabiscava minha exigência.<br />

— Quero tudo ao amanhecer.<br />

— Isso nem mesmo é possível... – ela disse, mas ao ver que eu não recuaria no meu prazo,<br />

completou – Certo. Não se preocupe, eu vou fazer acontecer. Algo mais?<br />

— Sim – lembrei-me – preciso que informe ao meu gestor financeiro sobre a possibilidade de<br />

eu me mudar para um apartamento.<br />

— Em que endereço?


— Isso você vai dizer, quero ser vizinho de Phoebe Ward, tão logo você descubra onde ela<br />

vive.<br />

Rosie deu um sorriso, ela já tinha percebido o porquê disso tudo. Provavelmente achava que era<br />

mais um capricho desejoso que eu extinguiria numa noite. Mas não, Phoebe não era uma fagulha<br />

que qualquer sopro de vento leva. Phoebe era um incêndio que eu não tinha como apagar sem me<br />

queimar um pouco.<br />

— Com licença, senhor Hill – Jenna pediu entrando no escritório. Ela deu um sorriso amigável<br />

para Rosie – O jantar está servido.<br />

— Me acompanha Rosie? – perguntei gentilmente.<br />

— Não, obrigada. Agradeço o convite, mas já marquei com a minha namorada hoje.<br />

— Numa próxima vez.<br />

Jenna ainda não tinha saído e aparentava estar um tanto nervosa. Como se receasse contar<br />

mais alguma coisa.<br />

— Mais alguma coisa Jenna?<br />

— Senhor Hill, há uma visita para o senhor. Está aguardando na sala-de-estar.<br />

Meu coração acelerou. A primeira pessoa que me veio à mente foi Phoebe, mas eu tinha que ser<br />

muito sortudo ou muito azarado para que ela realmente tivesse vindo até mim. Ou eu tinha feito<br />

alguma coisa muito boa, ou alguma muito idiota. Conhecendo-me como me conheço, eu aposto na<br />

segunda.<br />

— Com licença, Rosie. Terminamos por aqui. Tenha uma noite agradável com a sua namorada –<br />

falei apressadamente e saí porta afora em direção à sala-de-estar.<br />

Meu coração estava apertado dentro do peito. Era quase como se eu sentisse que o que eu<br />

estava prestes a ver algo que iria mudar minha vida. Ou alguém. Eu não estava errado. Apesar de<br />

eu preferir estar.<br />

Phoebe estava de costas para mim. Olhando para uma das várias pinturas caras na parede<br />

revestida de mogno. Eu nunca tinha percebido como Phoebe ficava linda naquele ambiente.<br />

Parecia até que eu o tinha decorado para ela.<br />

Ela virou-se para mim e então eu vi um brilho de um sentimento antigo passar fugaz pelo seu<br />

rosto. Phoebe ainda sentia, vívido. Eu sei, mas ela o ocultava sob o peso das decepções. Ela decidiu<br />

ir embora, mas eu a deixei primeiro. Então não há nada em mim que não compreenda cada uma<br />

das decisões dela.<br />

— Anthony... – ela começou a falar baixo. Parecia que procurava as palavras certas para<br />

enunciar, e eu a entendia. As palavras pareciam não ser suficientes para expor os sentimentos


abafados por anos.<br />

A sala de estar em tons claros com móveis de madeira castanha. O tapete marrom alaranjado<br />

que aquecia ainda mais o ambiente. Tudo que era quente naquela sala tinha a cor dos cabelos<br />

dela.<br />

Eu dei alguns passos na direção dela que recuou involuntariamente para trás. Ela tinha um<br />

casaco quase da cor da pele que cobria a roupa que ela usava por baixo, apenas a barra de um<br />

vestido azul-celeste revelava-se traiçoeira. Uma pequena bolsa coberta de pérolas enfeitada<br />

pelos dedos dela ao seu redor, parecia uma combinação perfeita. Apenas o rosto dela parecia<br />

cansado.<br />

— Você está bem, Phoebe? – aproximei-me dela. Ela parecia abatida, tonta. Pedi que ela<br />

sentasse. O que ela fez, apesar de relutar no começo.<br />

— Eu não devia estar aqui... Não deveria ser assim.<br />

— Do que está falando? – peguei as mãos dela, que sacudiam muito de leve as contas da<br />

bolsa, num tremor quase imperceptível.<br />

— Anthony – ela falou. Aproveitei que ela virou o rosto para mim para encarar seus olhos, suas<br />

feições. Por Deus, ela estava linda perdida nesse desespero. Apesar de eu saber que ela estava<br />

prestes a falar algo que me machucaria, eu continuava olhando para o rosto dela como se aquela<br />

não fosse a mulher que eu machucara, mas a que ainda me amava.<br />

— Diga, por favor – eu insisti quando ela se calou.<br />

— Certo... – ela disse – você deve deixar minha família em paz. Ewan, Valentina e eu não<br />

chegamos tão longe para que você venha nos atrapalhar agora.<br />

Peguei o rosto dela. Ela estava quebrando meu coração, mas eu continuava miseravelmente<br />

apaixonado por ela com todos os pedaços partidos.<br />

— Família? – perguntei ainda inebriado pelo toque.<br />

— Sim, Anthony. É minha família. Meu casamento pode estar corrompido, mas Valentina ama o<br />

pai. E eu não vou deixar que ela tenha uma imagem corrompida dele. Eu não vou permitir que<br />

ninguém retire ele do pedestal que ela o colocou.<br />

Ela falava, mas não saia do meu toque. E eu a agradecia internamente por isso. Pois eu nunca<br />

tinha calculado o tamanho da saudade que eu nem sabia que sentia dela.<br />

— Você não precisava vir aqui para falar isso – eu disse baixo – você poderia ter ligado. Se<br />

sabia meu endereço, muito provavelmente sabia o meu telefone.<br />

— Não dificulte as coisas, Anthony.


Phoebe se levantou. Eu tive uma visão perfeita das curvas das costas dela, mesmo sob o casaco.<br />

Do modo como ela andava para longe de mim. Até o mais sutil dos seus movimentos enchia minha<br />

visão. Ela era linda, mas eu não precisava estar somente dentro dela. Eu precisava que ela<br />

quisesse isso tanto quanto eu queria agora.<br />

— Eu preciso que não fale mais com Valentina. Eu preciso que não fique se pondo no caminho<br />

dela. Ela é uma jovem inteligente. Ela começará a fazer perguntas e mais perguntas. E eu não<br />

quero que ela... Bom, eu não quero que ela descubra sobre nós.<br />

— Você se envergonha do que aconteceu entre nós? – perguntei, levantando-me também para<br />

ir para perto dela.<br />

Phoebe estava de costas para mim, ela não falou nada. Virei-a com cautela e falei um tom mais<br />

alto. Mas não era ira, era desespero.<br />

— Você se envergonha do que aconteceu entre nós?<br />

Os olhos dela estavam marejados. Ela os cerrou para que eu não o percebesse, apesar de ser<br />

tarde demais, e também para não olhar para meu rosto. Ela relutou em falar o que viria, mas<br />

ainda assim o falou.<br />

— Não há nada do que eu me arrependa mais. Não há nada que eu queira esquecer mais –<br />

ela falou entre dente – dia e noite, do que do tempo que estivemos juntos. Do tempo que eu estava<br />

hipnotizada por você.<br />

Ainda tinha cacos do meu coração para serem quebrados, mas ainda assim eram todos dela, se<br />

ela quisesse. Os lábios dela falavam isso, mas o olhar dela parecia uma súplica. Como se ela<br />

implorasse que eu fizesse alguma coisa. Deslizei minha mão do braço dela para as costas dela.<br />

Mesmo com o casaco que ela não tirou pois provavelmente estava com pressa, eu ainda podia<br />

sentir seus contornos.<br />

— Não, Tony – ela disse – não faça isso.<br />

Eu a envolvi para mais perto. Uma mão segurando sua nuca para que ela não escapasse de<br />

mim. Ela ainda lutou para resistir. Mas me aproximei da boca dela. Os lábios dela entreabertos<br />

soltaram o hálito quente dela contra minha própria boca. E eu procurei os olhos dela.<br />

— Não – ela ainda sibilou. Mas os olhos dela eram um enorme e gritante sim.<br />

Então eu apenas roubei o melhor beijo da minha vida bem dali, da boca dela. Não havia como<br />

descrever a sensação da boca dela na minha. O gosto dos lábios dela eram ainda mais saborosos<br />

que o gosto do batom que foi retirado em poucos movimentos. Apertei-a mais ainda contra mim e a<br />

ouvi resfolegar de leve contra minha boca soltando um protesto baixo que apenas me fez ficar<br />

mais desejoso.<br />

A língua dela, não a minha, invadiu as bocas primeiro. E eu percebi que ela tinha tanta urgência<br />

quanto eu por esse beijo. Deslizei minhas mãos pela frente do casaco, pela primeira vez me


afastando dela, apenas para retirar o obstáculo que nos impedia.<br />

— Não... – ela gemeu baixinho, a boca ainda encostada à minha matando a sede de meu beijo<br />

tanto quanto eu matava a sede do dela – Não... – ela repetiu quando os meus dedos desfizeram o<br />

nó do casaco, pronto para retirá-lo – Não! – esse último ela falou se afastando definitivamente e<br />

me dando um belo tapa na cara.<br />

Phoebe ainda tinha a mão pesada.<br />

— O que está pensando que eu sou, Anthony?<br />

Massageando o meu rosto ardido, provavelmente eu tinha a marca da mão dela sobre minha<br />

pele, resmunguei.<br />

— Você, Phoebe – num tom de desafio – é a mulher que veio em minha casa pedir que eu me<br />

afaste de uma família em ruínas. Você acha que vou destruir o castelo de cartas que você criou<br />

para chamar de lar. Mas você também é uma mulher malditamente apaixonada por mim – eu já<br />

estava gritando no final – e sabe disso!<br />

Eu nem percebi o quanto eu tinha me aproximado dela. O grito era um dos últimos pedidos de<br />

socorro da paixão que eu ainda sentia e, agora depois do beijo, percebi mais forte do que nunca.<br />

Ela não tinha recuado nenhum passo. Longe disso, se revestiu de uma aura de austeridade, parecia<br />

fria. Parecia ter tão rapidamente se tornado gelo quanto eu tinha se incendiado.<br />

— Anthony, eu estou avisando. Não volte a cruzar o meu caminho. Não torne a cruzar o caminho<br />

da minha filha.<br />

Ela pegou a bolsa que em algum momento durante o beijo tinha caído no chão e andou em<br />

direção à porta. Então, finalmente alguma inteligência pareceu iluminar minha mente e eu percebi o<br />

que ela estava querendo com isso tudo.<br />

— Nossa filha, Phoebe – eu disse num tom frio – não esqueça. Nossa filha.<br />

Eu lancei no ar a frase e fiquei esperando que ela a negasse. Ela não negou.<br />

Eu queria que ela tivesse negado, como eu queria que ela tivesse negado.


NOVE<br />

DESTINO<br />

MINHA META MENSAL de vendas ainda não tinha sido concluída. Phoebe entrara na minha vida<br />

de uma forma estranha, ou melhor, reentrara. E agora tudo parecia um caos depois que ela tinha<br />

passado por ela. Não duvido que exista algum furacão com o nome dela por aí.<br />

Haviam seis fichas de clientes prontas para serem analisadas sobre minha mesa. Não tive tempo<br />

e nem vontade depois que eu terminei de ler as exigências para o primeiro deles – vinte e sete<br />

lustres de cristal em forma de orquídeas pendendo do teto. Era apenas uma das excentricidades<br />

que eu tinha de lidar. Fora os abrigos decorados com temas sexuais proibidos.<br />

Era no trabalho que eu me afundava para não precisar pensar em tudo que me tinha<br />

acontecido ultimamente. Infelizmente nem isso parecia o suficiente para ser o melhor distrativo.<br />

Ainda faltava alguns minutos para o horário de Rosie, mas eu já estava no escritório esperando<br />

por ela. Não o contrário, como sempre aconteceu.<br />

Mal tinha pensado nela, Rosie bate à porta. Reconheci-a pelo perfume forte que ela sempre<br />

usava, e que eu nunca fui louco de reclamar. Já que se tratava de um presente da namorada da<br />

mesma que estava estudando para ser perfumista.<br />

— Senhor Hill... – Ela entrou apressadamente na sala – Desculpe o atraso... – ela ia se<br />

desculpando, mas parou no meio do caminho – O senhor já está acordado?<br />

— Eu, na verdade, não dormi. – expliquei-lhe – Não consegui. Estava ansioso demais para isso.<br />

— Isso nada tem a ver com a bela mulher na sala de estar de ontem?<br />

Não éramos tão íntimos para que ela pudesse tecer este tipo de comentários. Mas não a<br />

recriminei. Pelo que ela conhecia da minha vida, e pelas mancadas que já teve de encobrir. Ela já<br />

tinha pleno conhecimento sobre mim.<br />

— Trouxe os papéis que pedi? – desconversei. Ela limpou a garganta e abriu uma pasta com<br />

uns papeis.<br />

— Aqui estão – ela retirou primeiro uma das folhas – todos os dados pessoais. Telefones,<br />

endereço, endereço de e-mail. Número do seguro social. Condição financeira das empresas em que


o marido é sócio. Dados do marido e da filha.<br />

— Obrigado – observei os papeis. Não era o bastante. Precisava de mais coisas. Aquilo não<br />

era tudo que eu precisava. Nem sei ao certo o que eu estava precisando.<br />

— Mas como sei que esse pedido não deve estar se referindo apenas ao aspecto fiscal da<br />

mesma. Eu também tomei a liberdade disto.<br />

Rosie estendeu uma aglomerado de páginas para mim. Observei o rosto dela com cuidado. A<br />

pergunta no meu rosto explicou-se sozinha e ela respondeu.<br />

— Uma compilação de tudo que consegui achar com o nome dela na mídia. Ou mesmo da<br />

família. Tabloides, notas sociais em jornais ao redor do mundo.<br />

— Isso é ouro. – sorri finalmente – Agora sim. O que pode adiantar para mim disso tudo?<br />

Obviamente eu leria aquelas páginas, mas eu precisava saber pelo menos um pouco do que me<br />

esperava. O que aquilo tudo poderia mostrar. Se a vida dela não fosse assim tão ruim a ponto de<br />

ela não querer ir embora, ou se ela estava apenas com ele por interesse (o que eu não julgava<br />

aceitável), se realmente Valentina era minha filha...<br />

Tantas coisas a descobrir, tão pouco tempo.<br />

— Primeiro: O casamento dos dois foi repentino, jornais informaram na época que ela poderia<br />

estar grávida quando casou. Por isso tudo aconteceu tão apressadamente. O senhor e a senhora<br />

Aceras viajam o mundo nas turnês do campeonato. Aceras já não é mais apenas um dos exjogadores<br />

do time, agora ele comprou uma parte das cotas de ações dos Tigers e tem<br />

participação nos lucros. A senhorita Aceras, filha deles, - engoli o bolo enorme na garganta com<br />

todas as palavras que eu iria usar para negar a informação, a deixei completar – estudou<br />

praticamente toda a sua vida num colégio interno. Agora, ela veio morar nesta cidade. O<br />

apartamento onde moram está no nome de Valentina. Ela passou num dos primeiros lugares para o<br />

curso de medicina no Instituto Nacional de Estudos Biológicos de Nova York. Nem preciso dizer que<br />

é uma das universidades mais conceituadas do país.<br />

Minha filha era um gênio. Puxou toda a inteligência e língua ferina que Phoebe tinha antes. E<br />

todo o mau gênio do pai – Eu.<br />

— Resumindo – ela continuou – eles estão na cidade temporariamente. Os jornais não informam<br />

um tempo certo, mas o time sairá em viagem para a copa local em cerca de dois meses. Não creio<br />

que demore mais que isso.<br />

— Valentina ficará na cidade?<br />

— Tudo indica que sim.<br />

Se Phoebe não quiser mais saber de mim, não poderá negar-me o direito paterno. Mesmo que<br />

eu precise lutar na justiça.


— Obrigado, é tudo que posso dizer.<br />

— Eu realmente espero um bom bônus pela madrugada de sono perdido – ela sorriu mostrando<br />

uma linha de dentes alinhados com um aparelho transparente. O olhar era divertido. O riso era<br />

genuíno de quem está orgulhosa pelo trabalho que fez.<br />

— Sem dúvida.<br />

— Suas reuniões do dia – ela disse enquanto agora pegava a própria agenda para começar<br />

a ler minha lista de tarefas.<br />

— Remarque todas – eu disse enquanto pegava meu blazer e o colocava sobre os ombros –<br />

para amanhã. Mande alguns vinhos como pedido de desculpas e remarque tudo. Hoje não poderei<br />

atender nada.<br />

— Certo. Um argentino?<br />

— Sim.<br />

Andei porta afora e caminhei sem interrupções até a garagem. Peguei o Corolla. Eu precisava<br />

de um carro comum para não ser reconhecido. Geralmente era este o carro que eu usava quando<br />

queria passar despercebido por algum local.<br />

O endereço de Valentina estava na minha mente. Eu não precisaria ler o papel duas vezes para<br />

relembrar o endereço dela. Delas... Informei o endereço no GPS e o carro me indicou o caminho<br />

que eu deveria seguir para chegar até lá.<br />

Por todo o caminho a única coisa que eu pensava era – o que eu devo dizer?<br />

Phoebe pediu que eu não atrapalhasse a vida "pacata" que ela construiu. Eu sei que tinha<br />

perdido uma boa parte dos direitos que eu tinha há quase duas décadas, mas eu também sabia<br />

que eu não podia simplesmente ignorar a existência de minha filha agora que estava consciente da<br />

existência dela.<br />

Eu também não poderia permitir que Phoebe ficasse vivendo num inferno na terra ao lado de<br />

Ewan, ela não merecia. Eu não podia simplesmente ignorar que ela merecia até mesmo mais do que<br />

eu poderia dar. Se ela estivesse precisando de dinheiro, eu daria até tudo o que tenho, mas eu não<br />

iria mais permitir que ele a fizesse sofrer. E nem que ela mesma se colocasse para sofrer como se<br />

julgasse a si mesma merecedora dos piores castigos.<br />

Cheguei ao prédio. O nível de segurança era precário, eu apenas precisei dizer que tinha hora<br />

marcada com Ewan e eles me deixaram entrar. O estacionamento para visitantes ficava do lado de<br />

dentro do edifício, mas aproveitei o descuido do porteiro (como disse, segurança precária) para ir<br />

com o meu carro até o estacionamento dos moradores.<br />

O estacionamento ficava no térreo. Ao fundo, um hall com dois elevadores levava seus<br />

moradores para os seus respectivos andares. Estacionei o carro numa das muitas vagas


desocupadas e esperei.<br />

Agora que estava tão perto, eu me sentia estar acovardando. Mas não deveria ser assim. Não<br />

era simplesmente um terror que queria me impedir de ir lá reivindicar meus direitos. Era medo.<br />

Valentina não sabia de mim, era muito provável que Phoebe nunca lhe tivesse contado. Ela<br />

acreditava que Ewan era seu pai. Ela sofreria ao saber que tudo o que a mãe sempre lhe tinha<br />

contado era mentira. Em quem ela poderia confiar? Ela poderia me renegar mais facilmente do<br />

que eu poderia contar até três.<br />

O destino, outra vez, e sua mão debochada. Me colocaram no lugar certo, na hora certa.<br />

Apesar de ser uma péssima hora. Um carro entrou no estacionamento parando numa das vagas<br />

mais perto do elevador. Um bom carro. Um Patriot. Grande demais apenas. Quase como se seu<br />

ocupante quisesse compensar com coisas grandes seu pinto pequeno.<br />

O ocupante saiu do carro. E eu não consegui acreditar que tinha uma sorte dessas. Ewan andou<br />

até o porta-malas e o abriu. Do outro lado, Phoebe abriu a porta e andou até atrás do carro.<br />

Para pegar uma das caixas que ali estavam para dar para nossa filha.<br />

Valentina pegou a caixa, recebeu um beijo no rosto da mãe e foi em direção ao elevador para<br />

levar a caixa até seu apartamento. A caixa não parecia pesada, podiam ser apenas miudezas do<br />

antigo lar, ou recém compradas.<br />

Ewan lhe sorriu, mas quando ela ainda estava andando de costas e Phoebe estava distraída. Eu<br />

o vi lançando um olhar desejoso para o corpo de minha filha.<br />

Meus ossos gelaram e eu apertei o volante para conter a vontade crescente de ir até lá tomar<br />

satisfações e quebrar o maldito nariz daquele miserável. Mas Phoebe olhou para Ewan, pouco<br />

antes de ele virar-se de novo para ela e notou aquele olhar.<br />

Não consegui ouvir o que ela falou, mas ela estava muito zangada. Ela gesticulou como se<br />

estivesse gritando com ele. Em roupas comuns, um agasalho de moletom e um jeans, roupas muito<br />

similares às que Valentina estava usando. Ela parecia-se ainda mais com a minha Phoebe.<br />

Ewan respondeu alguma coisa, mas de costas para mim, como estava, eu não pude tentar lhe ler<br />

os lábios. Phoebe deu uma olhada ao redor, para ver se alguém ouvia a discussão e pediu que ele<br />

falasse baixo. Ewan irritou-se e gritou alguma coisa que não consegui entender.<br />

Então Phoebe voltou à ativa. Ela ergueu o pulso delicado e desferiu um tapa no rosto de Ewan.<br />

Ele agora teria impressões no rosto dele iguais às que eu tive ontem. Phoebe então levou a mão à<br />

boca. Os olhos arregalados. Como se ela estivesse assustada. Ela estendeu as mãos para ele para<br />

se desculpar, mas ela mal deu um passo em sua direção, e ele lhe revidou o tapa com ainda mais<br />

força.<br />

Phoebe se desequilibrou e apoiou-se no carro estacionado na vaga ao lado da que eles<br />

estavam. O alarme do carro soou e Ewan ficou alarmado. Ele pegou uma das caixas e estendeu na<br />

mão dela, dizendo alguma coisa. Então ela pegou a caixa e foi em direção ao elevador sem falar


nada.<br />

Foi então que eu não tive mais acordo de mim. Eu iria matar esse maldito porco miserável.


DEZ<br />

ÓDIO<br />

TRANQUEI A PORTA DO carro e andei até perto do carro dele. O alarme do outro carro estava<br />

tocando. Eu não teria muito tempo. Tinha que fazê-lo pagar pelo que fez. Eu tinha um ódio cego<br />

que me fazia mover como se fosse uma marionete. Eu precisava apagar cada centelha desse ódio<br />

com os pingos de sangue de Ewan. Ou eu não me chamaria Anthony Hill.<br />

Ewan estava batendo com as mãos no capô do carro. Sacudindo o veículo de marca com<br />

chacoalhadas nervosas. Não para tentar parar aquele barulho infernal, mas para destilar a raiva<br />

que o consumia. O ódio pela mulher, e o ódio pela situação em que estava.<br />

Ele não sabia que ainda iria ficar pior quando eu quebrasse a cara dele.<br />

A quantidade de passos até ele era de menos de quinze, mas pareceram uma eternidade.<br />

Minhas mãos pareciam ansiosas por desferir golpes certeiros naquele idiota, eu estava pronto<br />

para ferir os nós dos dedos nos ossos da cara dele. Porém, quando o número de passos era de<br />

menos de cinco. Seguranças do edifício apareceram no local para verificar o que estava<br />

acontecendo. Para ver o que tinha disparado o alarme do carro ali estacionado.<br />

— Posso ajudar em alguma coisa? – falei gentilmente com Ewan para não levantar maiores<br />

suspeitas. O ar estava pesado ao meu redor, ele pode não ter percebido, mas há apenas<br />

segundos eu estava pronto para matá-lo se fosse necessário.<br />

— Hill? – ele perguntou quando olhou para mim. Um olhar nervoso e raivoso no rosto – o que<br />

merda está fazendo aqui?<br />

O tom parecia engraçado até, como se fossemos velhos amigos que costumávamos nos<br />

cumprimentar com palavrões, mas eu vi bem no fundo do olhar dele uma pontada de ciúmes, raiva.<br />

Outra coisa que talvez eu não tenha conseguido distinguir.<br />

— Tenho uma reunião com um dos condôminos. – pensei rápido – Fui informado que mora neste<br />

prédio.<br />

— Algum problema aqui? – Um dos seguranças perguntou.<br />

"Agora eles aparecem" pensei.


— Sem querer esbarrei no carro do vizinho, agora o alarme não para de soar. Sinto muito. –<br />

Ewan disse.<br />

— Eu pensei em ajudar, mas vou acabar me atrasando para uma reunião. Tenham um boom dia.<br />

– fingi estar com pressa e fui para o elevador.<br />

Quando entrei, digitei o número do apartamento e fui levado até o sétimo andar. Era o andar<br />

correto. Minha filha estaria ali. E a mulher que era minha, mas que eu iria conquistar de volta. Ewan<br />

perderia alguns minutos lá embaixo, pelo menos até o outro condômino ser contatado para<br />

verificar se tudo estava correto.<br />

Apertei a campainha do apartamento.<br />

Esperei.<br />

Meu coração parecia querer sair pela boca. Havia raiva, ansiedade, tudo junto. E um ódio<br />

tremendo de Ewan, de Phoebe que deixava isso acontecer, mas, principalmente, de mim mesmo. Por<br />

que isso tudo era culpa minha. Havia um letreiro luminoso invisível sobre a minha cabeça que me<br />

intitulava "culpado".<br />

— Anthony? – Phoebe abriu a porta e arregalou os olhos. Olhou para o lado de fora e então,<br />

finalmente, me empurrou para fora, saiu fechando a porta após si – Está louco? Que está fazendo<br />

aqui? Eu não te pedi que não viesse aqui? Que droga, por que você nunca me ouve?<br />

— Para com as perguntas. Você vai embora daqui, eu levo vocês duas para minha casa. Eu vou<br />

dar um jeito, mas você não vai ficar com esse homem nem mais um minuto. – eu disse num tom<br />

baixo.<br />

— Andou bebendo, Anthony? O que acha que pode fazer? Vir aqui e me dar ordens? Por que<br />

acha que eu o obedeceria dessa forma? Sugiro que vá embora.<br />

— E eu sugiro que você cale a boca, Phoebe – eu disse raivoso. Não dela, da bagunça toda<br />

que estava a minha vida – Eu vi tudo. Vi tudo naquela droga de estacionamento. Está esperando o<br />

que para sair desse casamento de merda? Que ele estupre a nossa filha? – minha voz estava mais<br />

alta. E eu precisei refrear-me. Continuei desta vez num tom mais calmo – Onde está a mulher que<br />

eu tanto admirei um dia?<br />

Talvez pela primeira vez em séculos, eu vi essa mulher calar a boca sem iniciar uma discussão.<br />

Phoebe respirou fundo, e começou a andar de um lado para outro. Levou as mãos ao cabelo,<br />

parecia irritada. No final, ajustou o coque um pouco mais e então virou-se para mim.<br />

— Posso ir amanhã à sua casa? – ela disse – eu irei falar, mas não assim. Eu preciso explicar<br />

tudo... Eu tenho que encontrar um jeito. Não adianta eu contar assim para Valentina, ela irá me<br />

odiar. Minha filha não pode me odiar assim.<br />

— Nossa filha, Phoebe.


— Sim, isso. Mas será que não entende?<br />

— Eu entendo. Mas ela vai te odiar se souber que se submeteu a isso por ela. E ainda vai odiar<br />

a si mesma por não ter sido inteligente o suficiente para perceber os sinais.<br />

— Eu juro que irei à sua casa amanhã, se depois de eu ir você ainda quiser que eu conte tudo<br />

para ela correndo esse risco, eu irei fazer. Se não, porém, eu vou te agradecer com tudo o que eu<br />

posso. Ela não pode saber assim.<br />

— Desde que não deixe nossa filha nem um segundo sozinha perto desse homem. Você tem que<br />

me prometer, Phoebe.<br />

— Eu prometo. Amanhã a mandarei comprar algumas coisas para mim, ela nunca se nega. Vou<br />

lhe dar algumas tarefas na rua. Ela se ocupará o suficiente para voltar somente à noite.<br />

— Isso será perfeito. Eu juro, Phoebe. Se você não for, eu apareço aqui amanhã mesmo e as<br />

levo embora mesmo que eu precise sequestrá-las.<br />

— Não será preciso. Eu vou amanhã à sua casa. Eu preciso que espere por mim lá. Agora, eu<br />

preciso entrar. Ewan não pode me ver conversando com você.<br />

— Muito bem, eu irei embora.<br />

— Não. Por aí não. Vá pelo elevador de serviço. Ele fica atrás daquelas escadas. Assim você<br />

não corre o risco de ele te encontrar aqui neste andar. Ele ficaria possesso.<br />

— Eu não sei onde fica.<br />

— Vem.<br />

Phoebe me puxou apressadamente. Me levou para dois apartamentos de distância. E entramos<br />

num curto corredor que dava para uma escadaria. Ao lado o pequeno elevador de serviço.<br />

— Phoebe. – tornei a alertá-la – Amanhã.<br />

— Eu irei, Anthony. Eu já disse. O que faço para você acreditar?<br />

— Isso...<br />

Puxei-a pelo braço para perto e beijei-a com paixão. No começo ela estava resistente, mas<br />

pouco as poucos senti as barreiras ao redor dela desmoronarem. Em segundos, éramos novamente<br />

as crianças apaixonadas de antes. Parecia que os anos não tinham passado.<br />

A droga da boca dela sempre fora uma delícia. Mas o beijo inexperiente de antes agora era<br />

um beijo diferente. A saudade somada, o desejo frustrado somado, o ódio e tantos outros<br />

sentimentos somados. Todos resultavam numa explosão dentro de mim que não parecia correta, mas<br />

nunca fora mais apropriada.


O casamento dela com o fuleiro do Ewan era de aparências, mas a sensação de proibido<br />

intensificava tudo. Eu estava viciando-me novamente nessa mulher e no gosto dela. Depois de anos<br />

de abstinência eu colhia a sua essência novamente. Seria difícil demais para mim perdê-la agora.<br />

Deslizei minha mão para a nuca dela. Phoebe sempre tivera um jeito de amar que eu amava.<br />

Ela se entregava, se deixava levar. Deixava que seu amante produzisse com seu corpo as formas<br />

que quisesse enquanto ela respondia sofregamente.<br />

Desta vez ela estava resistente. O beijo dela era rude. Experiente, mas rude. Cheio de veneno.<br />

Quando nos separamos a pele ao redor dos lábios, bem como os lábios. Estava avermelhada.<br />

Delicioso contraste. Phoebe limpou a mão com o canto da boca. Dessa vez não houve tapa. Meu<br />

rosto agradecia.<br />

Ela olhou para mim com algo de inexplicável no olhar enquanto repetia:<br />

— Amanhã...<br />

Então saiu sem ligar se Ewan a pegaria no meio do caminho. Encostei-me à parede e esperei<br />

que meu corpo parasse de ficar duro em lugares inapropriados para poder andar normalmente.<br />

Phoebe era uma droga. A minha droga favorita.


ONZE<br />

PARAÍSO<br />

PHOEBE PARECIA A PONTO de me engolir vivo quando entrou em minha casa. Ao mesmo tempo,<br />

parecia estar com os ombros levemente caídos. Uma falha no reflexo de sua acida polidez<br />

aristocrática de sempre.<br />

— Achei que não viesse. – comentei. A noite tinha caído. Eram sete horas da noite. Eu fiquei o<br />

dia inteiro de vigília a esperando em casa. Andando de um lado para o outro. Me alimentando<br />

mal. Se não fosse por Rosie, eu teria esquecido até de beber água.<br />

A cena da agressão contra Phoebe naquele prédio, a cena de Ewan humilhando-a daquela<br />

forma, parecia ser um pesadelo que se repetia incessantemente diante dos meus olhos. Phoebe<br />

escondendo-se atrás dessa capa de orgulho, simplesmente parece ser a mulher mais indefesa que<br />

eu já vi.<br />

— Eu prometi que viria. Aqui estou.<br />

Respondeu num tom ríspido. Não imaginei que as coisas fossem começar assim. Não imaginei que<br />

tudo que iríamos falar começaria desse jeito. Eu realmente não esperava isso. Eu achei que hoje<br />

não haviam mais muros entre nós. Eu tinha conhecido a vida dela, ela a minha. Pensei que os<br />

obstáculos estivessem derrubados. Mas estavam lá, silenciosos. Como enormes muros de vidro.<br />

— Sente-se, por favor. Eu pedi que fizessem um jantar para nós.<br />

Disse indo até ela e retirando o casaco que ela tinha sobre si. O clima estava frio, e o vestido<br />

que ela usava sob o tecido grosso parecia não ser o suficiente para protege-la da temperatura lá<br />

fora.<br />

Meus dedos indisciplinados acabaram deslizando pela pele do braço dela. Exposta pelo tubinho<br />

sem manga, e eu a senti arfar pesado. Uma contração de algo primitivo se fez dentro de mim. Era<br />

ela... Sempre seria ela.<br />

Guardei o casaco no closet do vestíbulo e então ela andou até o sofá branco perto da lareira<br />

à gás. Phoebe de preto, mesmo com um simples tubinho de seda, era mais do que os meus olhos<br />

estavam acostumados a ver.


— Vou pedir que sirvam a mesa – eu pedi depois de encontrar as palavras. Parecia que tinha<br />

se passado meia hora desde que eu a vi desfilar no meio da minha sala apenas para sentar-se no<br />

sofá.<br />

— Isto não é um encontro, Tony.<br />

Era meu apelido ali outra vez. Ela podia estar achando que estava sendo dura comigo, mas<br />

ainda haviam lapsos de comportamento que revelavam que havia alguma coisa escondida. Fosse<br />

ódio, mas essa mulher sentia alguma coisa por mim.<br />

— Eu não achei que seria. Porém nos encontros, e fora dele, as pessoas tem fome.<br />

— Não tenho fome.<br />

— Muito bem, Phoebe. Então vamos direto ao assunto.<br />

Eu poderia continuar brigando. Dizendo que tinha acordado cedo, que tinha mandado fazer o<br />

café-da-manhã com os pasteis de nata que ela tinha me dito que gostava quando ainda éramos<br />

jovens. Poderia ter dito que tinha feito no almoço medalhão de cordeiro, o pedido que ela fez a<br />

primeira vez que fomos no restaurante juntos. Ou que agora eu tinha mandado fazer o peixe com<br />

molho de camarão que ela tinha dito que estava muito bom naquela festa no iate de Ewan, mas<br />

não queria que ela me achasse um estúpido por lembrar de todos esses pequenos detalhes,<br />

quando ela não dava a mínima.<br />

— Valentina é minha filha.<br />

— Sim, é. – ela confirmou. Eu não sabia exatamente o que dizer. Apensa continuei ouvindo –<br />

mas ela não sabe, obviamente. Quando... – ela não completou, mudou o assunto – Quando Ewan<br />

casou comigo, ele não sabia que eu estava grávida, mas assumiu que a filha era dele quando eu<br />

comecei a enjoar de verdade. Para ele, Valentina nasceu antes do tempo. Naquela época ele já<br />

era um jovem com uma carreira feita. Você sabe, eu precisava de apoio. Ele me cercou de<br />

cuidados... Nem parecia que aquele homem que me tratava tão bem é o mesmo de hoje.<br />

— Você está querendo dizer que ele realmente acha que Valentina é a filha dele?<br />

Isso só o tornava mais desprezível. Um homem não deveria olhar para a própria filha, já que<br />

ele julgava que ela era filha dele, da forma que ele o fez naquele estacionamento. Era repulsivo. E<br />

só me dava vontade de extirpá-lo de sua mísera existência de uma vez.<br />

— Sim, ele pensa. Quer dizer, acho que ele pensa. – ela piscou pesado. Quase como se<br />

estivesse dando conta de algo pela primeira vez. – Meu Deus...<br />

— O que houve?<br />

— O comportamento dele tem piorado muito depois que ele chegou na cidade. Valentina veio<br />

estudar aqui, ela conseguiu ser aprovada numa boa faculdade, mas eu não sei o que está<br />

acontecendo. Ele nunca foi um doce, pelo menos não em público, mas agora ele tem sido grosso até


na frente da filha dele.<br />

— Valentina não é filha dele, Phoebe.<br />

— Me desculpe. – o olhar que ela me lançou realmente mostrava que ela sentia muito. – eu não<br />

queria...<br />

— Tudo bem.<br />

O clima estava desconfortável na sala. Quase como se houvesse uma dúzia de elefantes<br />

brancos ao nosso redor. Silenciosos e constrangedores. Ela não percebia que girava com o polegar<br />

a aliança prateada no dedo anelar. Num gesto de nervosismo. Eu estava ansioso por saber o que<br />

ela iria dizer, mas ainda assim com medo. E se ela estivesse a ponto de contar-me coisa que eu não<br />

estava pronto para saber?<br />

— Há dois anos... – Phoebe começou a falar – eu pedi o divórcio a Ewan. Foi quando eu<br />

descobri sobre as traições. Com Valentina no colégio interno, eu ia com eles nas viagens. Até então<br />

não havia muita coisa para ele fazer, não comigo por perto.<br />

— Você era muito inocente, isso sim.<br />

— Inocente, não, Hill. Eu estava apenas ciente de que se ele quisesse fazer alguma coisa, ele<br />

faria. Eu não sou idiota. Eu não sou mais a garota atraente de antes, e Ewan sempre mostrou<br />

interesse pelas mulheres mais novas. Então quando lhe dei oportunidade, ele se atirou à farra feito<br />

um soldado que se lança ao despojo.<br />

— Oportunidade?<br />

— Sim, quando eu parei de ir com ele nas viagens. Quando Valentina estava no ensino médio e<br />

precisava estudar para passar numa boa faculdade, ela ficou comigo nesse tempo. Ela precisava<br />

estar preparada, e eu precisava ter certeza que ninguém mais atrapalharia os estudos dela como<br />

antes. Que ninguém mais a magoasse.<br />

— Quem fez isso? Machucaram minha filha?!<br />

— Longa história. Então eu comecei a ficar em casa. As vadias do esporte estavam atacando<br />

ele por aonde quer que ele fosse, e eu apenas lia as notícias em revistas baratas com informações<br />

sobre os novos casinhos que ele tinha a cada semana. Sempre meninas muito novas.<br />

Phoebe retirou a aliança do dedo e a jogou com raiva no tapete da sala. Parecia um rompante<br />

de ira qualquer, mas era apenas uma partícula do que ela sentia por dentro.<br />

— Pode me dar um copo de água?<br />

— Desculpe, – me apressei a lamentar – eu fiquei tão confundido com a história que perdi os<br />

modos. Vou pedir que tragam uma água para você. Pode ser café também. Ou um vinho, que tal<br />

um vinho?


— Água, Anthony. Apenas água.<br />

— Certo.<br />

A interrupção foi de apenas três minutos. Eu mesma fui buscar a água para ela. Achei que era<br />

uma coisa que ela pensaria “nossa, Anthony ainda pode ser gentil”, mesmo que fosse uma coisa<br />

simples e boba.<br />

— Quando eu pedi o divórcio – ela continuou após beber o copo de água de uma vez, sem<br />

dar tempo para que eu me preparasse para ouvir – ele disse que eu sairia com uma mão na<br />

frente e outra atrás. Tudo que eu tinha quando eu comecei a morar com ele era minha mala e<br />

minha filha dentro da barriga, mais nada. Ele disse que eu sairia pior do que eu entrei, por que<br />

até a roupa do corpo. A que eu vestia, ele tinha comprado.<br />

— Você não trabalhava? Não trabalha?<br />

— Oras, Anthony. Eu era o retrato da mulher perfeita. Meu trabalho sempre foi cuidar da<br />

contabilidade dele, mas eu não recebia salário para isso. Eu sou a responsável por gerir todo o<br />

dinheiro da casa. Cega como eu estava, nunca achei que houvesse necessidade de me programar<br />

para uma separação. Ele me prometeu que sempre estaria ao meu lado, ele ficou perto de mim e<br />

eu acabei me deixando estar na situação em que eu estava. Ewan disse que eu não precisaria<br />

trabalhar, que ele cuidaria de tudo, eu acreditei.<br />

— Vocês são casados, que droga! Você tem direito a metade de tudo. E Valentina...<br />

— Esqueceu que ela não é filha dele? Qualquer advogado pode pensar num teste de DNA<br />

para evitar que ele perca parte de sua fortuna. E quanto a mim, quando casei com ele, assinei um<br />

acordo pré-nupcial. Tudo que ele tem continua sendo apenas dele. Temos separação total de bens.<br />

Eu não poderia deixar minha filha passar por uma penúria. Ela está acostumada com um padrão<br />

de vida desde que nasceu, não sei como seria para ela viver com menos.<br />

Phoebe não podia ser interesseira desse jeito. Ela não se submeteria a tudo isso apenas por<br />

dinheiro. E se fosse esse o problema, eu estava pronto a depositar tudo o que tinha aos pés dela,<br />

bastava que ela me dissesse que estava pronta para ir embora da casa dela e trazer a minha<br />

filha.<br />

— Por isso estou cuidando de tudo.<br />

— Cuidando de tudo? – perguntei quando notei o ar sinistro com que ela lançou a frase. – O<br />

que quer dizer com cuidando de tudo?<br />

— Tenho investido parte do dinheiro de Anthony, sem que ele saiba, e o retorno. Eu tenho<br />

depositado numa conta em nome de Valentina. Uma conta que ele não faz ideia que existe.<br />

Quando houver um bom dinheiro, eu sairei de casa.<br />

— Sabe que isso é ridículo. Está se apegando a ele por causa do dinheiro. Tenho certeza que<br />

Valentina não iria gostar se soubesse disso. Além do mais, eu tenho dinheiro. Eu posso sustentar as


duas.<br />

— Cale a droga da boca, Anthony – ela reclamou – me deixa terminar. Primeiro, Valentina não<br />

sabe, e não vai saber até que eu tenha terminado tudo. Segundo, nunca mais na minha vida eu<br />

quero ser sustentada por qualquer homem. Terceiro...<br />

Juro que ela até completou com uma pausa dramática.<br />

— Ewan arruinou minha vida, eu vou arruinar a dele.<br />

— Do que está falando, Phoebe?<br />

— Eu explico depois. Primeiro preciso fazer uma coisa.<br />

— O quê? - perguntei quando a vi se levantar.<br />

— Isso.<br />

Ela deslizou o zíper que ficava ao lado do vestido num segundo. No segundo seguinte, eu<br />

estava duro feito pedra, e Phoebe estava nua, linda como a visão do paraíso deve ser para o<br />

inferno, na minha frente.


DOZE<br />

PACIÊNCIA<br />

EU TINHA A MULHER dos meus sonhos, nua, na minha frente. Ela estava com o corpo em chamas.<br />

Como se eu visse, por dentro das veias, correndo lava e não sangue. O cabelo dela, que antes<br />

parecia alinhado, o retirar do vestido despenteou. As ondas que antes estavam no lugar agora<br />

pareciam cair perfeitamente pelos ombros, crepitando como fogo. Selvagem e comedido ao mesmo<br />

tempo.<br />

Os seios de Phoebe estavam deliciosamente intumescidos e o ventre dela nu de qualquer pelo.<br />

Apesar de eu não me importar se ela tivesse uma fina penugem de pelos ruivos ali. Deslizei a<br />

língua sobre os meus lábios. Eu estava louco de desejo. Prestes a atacá-la. Deus do céu, somente<br />

olhar para ela me fazia ficar ensandecido. Eu precisava estar dentro dela.<br />

Phoebe, ainda com o scarpin preto caminhou até perto de mim. Abriu-me o zíper da calça,<br />

colocando meu volume para fora, e sentou sobre mim. Ela deslizou-me para dentro de seu corpo e<br />

eu arfei, afundando minhas mãos na polpa generosa que avolumava seu quadril. Macia e quente.<br />

Perfeita.<br />

— Phoebe... – chamei o nome dela para que ela abrisse os olhos e olhasse para mim. Eu<br />

precisava que ela olhasse para mim, queria saber se ela queria aquilo tanto quanto eu queria. Eu<br />

tinha que me concentrar. Maldita Phoebe e sua capacidade de me fazer não durar mais que cinco<br />

minutos dentro dela.<br />

Lambi o volume de seus seios pequenos. Abocanhando-os de uma só vez. Ela sempre reclamava<br />

que eu gostava de seios grandes, mas a verdade é que os outros eram apenas seios, mas este era<br />

o seio dela. E eu ia colocá-lo inteiro na boca assim que ela vacilasse.<br />

Eu parecia um menino tendo seu prazer pela primeira vez. Eu parecia estar desbravando<br />

novamente, depois de ter perdido a memória, uma terra conhecida.<br />

— Phoebe... Eu... – ela moveu-se sobre mim. Eu apenas gemi. Foi bom assim, eu não poderia<br />

dizer que a amava agora, que a amava ainda.<br />

Que merda, eu parecia um garotinho diante de uma mulher pela primeira vez. Phoebe movia-se<br />

maliciosa sobre mim, e a única coisa que eu conseguia pensar, além de no quão gostosa ela estava,<br />

era que eu tinha que finalizar apenas depois dela.<br />

O movimento era inebriante. Phoebe apoiou a cabeça no meu ombro e ficou deslizando sobre<br />

mim. Ela tinha dito que fazia tempo que ele não a tocava, e talvez tenha sido esta urgência que me


fez aguardar por ela. Ela era uma erupção de hormônios e sensualidade, e ela teve seu orgasmo<br />

rápido e necessário ali sobre mim.<br />

Foi então que eu cometi o erro de olhar para o olhar dela.<br />

— Mas que desgraça, Phoebe!<br />

Tirei-a de cima de mim, colocando-a com certa rudez e desespero no sofá. Recompus minha<br />

vestimenta novamente e joguei o vestido dela para que ela se vestisse. Phoebe se levantou e eu me<br />

contive o desejo de ir até ela, impedi-la de se vestir para terminar o que tínhamos começado,<br />

dessa vez para mim, mas eu já estava frio outra vez lembrando do rosto dela enquanto ela esteve<br />

sobre mim.<br />

Phoebe estava com um rosto endurecido. Cheio de ódio. Ódio por mim. A pior parte, ela estava<br />

chorando. Ela estava realmente chorando pelo simples fato de estar fazendo amor comigo. Como<br />

se eu a estivesse violando.<br />

— Não era isso que queria, Hill? – ela me chamou pelo sobrenome outra vez – não é por isso<br />

que não me deixa em paz? Não quer sexo, pois bem. Eu estou te dando sexo.<br />

— Cale a boca, Phoebe. Você pareceu querer isso tanto quanto eu. – eu fechei os olhos e deilhe<br />

as costas. Ela não podia brincar assim comigo.<br />

— Calar a boca. Você não sabe fazer outra coisa que não seja mandar-me calar a boca. Não<br />

suporta a verdade? Não é esse seu interesse?<br />

— Você não sabe do que está falando!<br />

Os dois estávamos gritando. Éramos novamente os dois jovens que não podiam multiplicar um<br />

por zero sem discutir. Éramos os dois jovens com os assuntos inacabados de sempre.<br />

— Como eu não sei do que estou falando, Hill? – ela disse –sua fama corre por toda a cidade.<br />

Você tem aquele puteiro disfarçado de danceteria. Você tem me cercado e me olhado com desejo<br />

desde que me viu pela primeira vez. Por que não pega logo o que quer e depois me deixa em<br />

paz? Valentina não sentirá sua falta, ela nem mesmo sabe quem é você. Eu...<br />

— Você o que, Phoebe? – eu atravessei irritado – você não consegue admitir que sua vida é um<br />

inferno e vem aqui brincar comigo desta forma. Começa a falar sério e então lhe dá um acesso de<br />

loucura e você brinca comigo desse jeito. Não percebe o quanto se rebaixou fazendo isso?<br />

Valentina pode não saber quem eu sou, ela pode ainda não sentir minha falta. Mas você me<br />

conhece muito bem. E sabe que sentirá falta de mim todos os dias. Por que você está fodendo com<br />

o meu coração nesse exato momento. Mas se você ainda tem um coração, eu sei que você também<br />

vai sofrer tanto quanto eu.<br />

Eu a estava pegando pelos braços. Fazendo-a olhar para mim. Á medida que as palavras iam<br />

saindo, eu me sentia mais impotente diante do sentimento que ainda tinha por essa mulher. Que<br />

droga, ela parecia um mártir enquanto eu achei que fazíamos algo por sentimentos mútuos e


cumplicidade.<br />

— Como se isso importasse. Eu não amo mais você, Hill.<br />

— É uma enorme pena, por que eu ainda sou desesperadamente apaixonado por você, e você<br />

acabou de estragar tudo nesse momento.<br />

Soltei-a. Ela passou as mãos nos braços. Como se sentisse frio. Eu não acreditava que ela podia<br />

ter se tornado uma pessoa tão fria e egoísta.<br />

— Não era isso que queria? – Phoebe perguntou. O tom que era para parecer cheio de ódio,<br />

cantou ao meu ouvido com notas de desespero, mas ela merecia se sentir assim. Ela quem tinha<br />

fodido com a nossa noite, não eu. – Não era isso que queria quando foi me ver. Não é por isso<br />

que está fingindo tanto desespero? Tanta preocupação? Não era isso que estava pedindo quando<br />

me deu aqueles beijos. Não queria apenas uma noite?<br />

Sentei-me na poltrona. Jogando-me nela, praticamente.<br />

— Eu não queria uma noite, Phoebe. Eu queria o que nos resta de vida.<br />

Phoebe ficou calada pela segunda vez desde que nos conhecemos.<br />

— Eu não sei o que Ewan tem feito para você, além do que vi, mas eu não sou ele. Eu posso ter<br />

um clube para adultos, ou um puteiro em forma de danceteria, como você falou. Mas eu sempre<br />

vou levar as coisas realmente à sério quando o assunto for você.<br />

Eu falava baixo. A cabeça apoiada contra a poltrona enquanto eu observava Phoebe. A<br />

lareira jogava ainda mais colorações laranja-avermelhadas pela pele e cabelo delas, e eu só<br />

conseguia notar o quão ela estava perigosamente linda.<br />

— O que está fazendo, Phoebe? O que está fazendo para acabar com Ewan? Por que eu estou<br />

a apenas uma ligação de mandar matá-lo nesse momento, por ter destruído o que ainda tinha de<br />

você para mim.<br />

Phoebe cruzou as pernas. O rosto dela estava vermelho. Parecia raiva, mas era desejo. Eu sei<br />

que ela estava pulsando por completar o que começamos assim como eu estava. Mas eu estava<br />

derrotado. Quando ela me quisesse, teria que ser completamente. Eu nunca mais em minha vida<br />

queria me sentir como se estivesse violentando-a de novo.<br />

Phoebe fez silêncio, eu fechei os olhos. Completei:<br />

— Eu vi o jeito que ele olhou para minha filha. Eu vi o modo como ele te bateu e como você<br />

lidou com isso, como se já tivesse sofrido isso tantas vezes que soubesse o que fazer para ele<br />

parar. Eu vi medo nos seus olhos, e eu tive medo pela minha filha. Por ela estar perto dele quando<br />

ele é um louco que sente desejos pelo que ele acha ser o próprio sangue. – Olhei para ela outra<br />

vez – então me diz que está fazendo alguma coisa, qualquer coisa. Por que eu quero sentir que<br />

ainda tem um décimo da Phoebe por quem me apaixonei aí dentro. Por que só o que me impede


de dar um fim nele, é o medo que tenho de que você o ame.<br />

— Você poderia ser preso.<br />

— E eu não me importaria nem um pouco, desde que ele não tocasse mais em nenhuma de<br />

vocês duas.<br />

O silencio ficou entre nós por um tempo que calculei como o espaço do infinito. Parecia nos<br />

esmagar e nos envolver num abraço frio que eu tinha medo que perdurasse até a morte. Phoebe<br />

desviou o olhar quando viu a intensidade do meu próprio. Ela respirou, abriu a boca para falar,<br />

calou-se. Então respirou novamente. Finalmente falando.<br />

— Você tem que prometer que não contará isso para ninguém. Por favor, Tony. Por favor,<br />

ninguém pode saber.<br />

Fiz que sim com a cabeça e ajustei minha posição. Apoiei os cotovelos nos joelhos e me inclinei<br />

para frente.<br />

— Diga, por favor – pedi. Havia certa urgência na minha voz.<br />

— Eu estou, pouco a pouco, fazendo o desgraçado do meu marido falir.


TREZE<br />

PLANO<br />

FORAM DOIS DIAS desde que Phoebe tinha entrado na minha sala como se fosse uma amazona<br />

em sua fúria. Eu quase ainda podia sentir o cheiro dela impregnado em mim. As palavras dela<br />

ainda ecoavam em minha mente. O plano dela parecia perfeito. Ela teria dinheiro para Valentina,<br />

ela teria dinheiro para si e faliria o marido. O miserável do Ewan merecia isso, mas ainda assim<br />

parecia tão pouco para mim.<br />

O plano todo era muito bonito. Dando certo, o vilão se daria mal, as mocinhas teriam dinheiro<br />

para se manter e ninguém mais tocaria em seus castelos. Eu posso até estar sendo injusto, mas onde<br />

eu ficava nisso tudo?<br />

Phoebe estava se arriscando para não deixar Valentina traumatizada. Ela estava agindo de<br />

forma insuspeita, mas um dia ela teria que falar as coisas como eram para Valentina. Se eu queria<br />

minha filha gostando de mim, ela teria que aprender a odiar o homem que ela tinha como pai. Eu<br />

não poderia esperar amor de imediato, mas eu sei que, com o tempo, ela poderia pelo menos me<br />

tolerar.<br />

Eu não sei ser pai, nem nada perto disso. Não sei comprar absorvente quando ela estiver<br />

sentindo cólica, e nem sei como reagir quando eu a vir com um namorado, mas eu estou disposto a<br />

matar e morrer pelas duas.<br />

Phoebe prometeu que iria me ligar assim que pudesse, e nesses dois dias ela não pode, quer<br />

dizer. Pelo menos ela não ligou. Eu teria que trabalhar no <strong>Triplo</strong> A à noite, mas não sabia se teria<br />

cabeça para lidar com isso tudo. Eu tinha até conseguido cumprir meus horários com meus clientes,<br />

mas eu não estava conseguindo lidar com seus pedidos descabidos e egoístas, então não fechava<br />

vendas.<br />

Se eu dormisse, era ainda pior. Reproduzia as posições lascivas que queria reproduzir no corpo<br />

de Phoebe com os olhos fechados. Lavado em suor e com a cabeça de baixo desperta, tornar a<br />

dormir era uma luta que eu sempre perdia. Eu devia ter feito algo muito errado mesmo para<br />

merecer tanto castigo.<br />

Meu celular toca no meu bolso e eu o pego, atendo e dou um alô antes mesmo de ver quem era<br />

no visor.


— Alô, Phoebe – andei pelo meu quarto. Ainda envolto pela cintura com uma toalha aquecida,<br />

depois do banho frio. Tentativa frustrada de diminuir a vontade que eu tinha dessa mulher que<br />

parecia ter fogo em cada parte de si. B<br />

— Bom, que eu saiba. Eu não sou nenhuma Phoebe. – ouvi a voz de Alec do outro lado – Nem<br />

quero imaginar o motivo de você estar esperando uma ligação dela, mas preciso falar contigo. Tem<br />

como vir ao escritório?<br />

— Sinceramente, não estou com vontade de sair de casa hoje.<br />

Reclamei. Andei até a janela do quarto, que dava para os fundos da propriedade. Observei o<br />

jardineiro cortando os arbustos e vi Rosie falando ao celular do lado de fora. Minha bandeja de<br />

café-da-manhã estava abandonada sobre a mesa de ferro da varanda. Minha cabeça latejava e<br />

eu não queria tomar remédio. O problema era que nem o chá tinha feito a dor passar.<br />

— Não estou te convidando para sair, estou dizendo que você deve vir ao meu escritório à<br />

trabalho. Eu sou seu amigo, mas não esqueça que também sou seu chefe.<br />

— Vai falar apenas de trabalho?<br />

— Seria apenas de trabalho, mas não posso fazer promessas. Não te vi mais no <strong>Triplo</strong> A. As<br />

pessoas estão falando. Você sabe que uma ruptura na sociedade está fora de cogitação.<br />

— Eu não penso em sair da sociedade, que ideia estúpida é essa?<br />

— Não pensa em sair? Então por que caralhos você mandou um e-mail para mim ontem à noite<br />

pedindo exatamente isso?<br />

— Eu mandei? Está variando?<br />

— Anthony, venha aqui. Aqui conversaremos.<br />

— Posso pular essa parte. Eu tenho uma reunião daqui a pouco com um cliente, podemos nos<br />

encontrar mais tarde?<br />

— Mais tarde? No triplo A? Vai dar o ar da graça.<br />

— Vou tentar, sei que vocês não vivem sem mim – tentei fazer piada, e até Alec que parece<br />

nunca ligar para nada além de infindáveis planilhas, pareceu captar minhas emoções.<br />

— Se não aparecer, eu mando uma dúzia de strippers irem te animar em casa.<br />

Encerrei a ligação. Eu deveria rir ao final, até ri um pouco, mas a simples ideia de estar com<br />

outra mulher, me era repulsiva. Phoebe tinha me estragado para outras mulheres. Ainda mais me<br />

deixando com as bolas azuis de tão frustrado, ela tinha marcado uma espécie de território só dela.<br />

Eu sentia que somente ela seria capaz de saciar o desejo que eu tinha em mim.


O dia foi longo. Não havia nenhuma reunião com cliente, eu tinha mentido. Apenas quis ficar em<br />

casa. Eu esperava a ligação de Phoebe. Eu realmente esperava que ela estivesse cumprindo com o<br />

que tinha prometido. O que me consolava era saber que Ewan tinha um evento com empresários do<br />

esporte naquela semana, numa outra cidade. Eu tinha me tornado um stalker depressivo do maldito.<br />

Um dia ele iria vacilar, e eu iria pegá-lo. Ainda não sei exatamente no que.<br />

Quando a noite chegou, eu tinha que sair. Não para me divertir, mas é por que, no triplo A, a<br />

música alta silenciava o barulho dentro da minha cabeça. A visão de Phoebe gemendo encima de<br />

mim era um repelente maravilhoso contra todas as outras mulheres que se tinham tornado tão<br />

aborrecíveis repentinamente.<br />

— Temos um milagre aqui! – foi Adam que me recebeu alegremente. Em parte por me ver, em<br />

outra parte por causa das duas beldades que tinha nos braços —Anthony finalmente resolveu<br />

acordar. Quero apresenta-lo às minhas amigas. Estas são...<br />

— Não, Adam. Não estou interessado. Onde está Alec?<br />

— Lá encima. Não desceu ainda.<br />

— Ok.<br />

Fui até o escritório. Alec estava atrás das planilhas. Alec não tinha a minha idade, mas parecia<br />

mais velho do que eu. Pelo menos eu me divertia de vez em quando. Alec não, quando não estava<br />

com uma mulher, estava no trabalho. A vida social dele parecia nula. Quer dizer, pelo menos até<br />

onde ele nos contava.<br />

— Anthony, que bom. Venha aqui. Vamos falar no prejuízo milionário que o maldito do Ewan<br />

quer nos dar.<br />

Essa era a melhor maneira de ser recebido. Um choque de realidade e o nome do meu maior<br />

inimigo. Tudo na mesma frase.<br />

— Boa noite para você também. – ironizei. Sentei-me no sofá cuja parede em frente era de<br />

vidro e me permitia observar o movimento lá embaixo. B<br />

— Eu preciso que dê uma olhada nesses papéis. Aceras está querendo cancelar a compra do<br />

iate. Isso é o mínimo, mas ele não quer cobrir os prejuízos da embarcação.<br />

— Como é? Que prejuízos?<br />

Finalmente algo roubou a minha atenção das mulheres esquálidas dançando.<br />

— Sim, dê uma olhada.<br />

Alec se levantou e circulou a mesa. Trocamos os lugares. Ele ficou olhando o movimento, e eu<br />

sentei à mesa para analisar tudo. O maldito do Aceras estava dando um prejuízo de cerca de<br />

meio milhão para Alec.


— Como isso aconteceu?<br />

Eu olhava a foto do Iate. Muita coisa queimada. Muita coisa quebrada. Trabalho de vândalos,<br />

qualquer um poderia supor, mas eu sabia que não tinha sido.<br />

— Quem fez isso?<br />

Reiterei a pergunta de forma diferente.<br />

— Não sabemos. Aceras disse que teve uma desagradável surpresa quando ia usar o iate<br />

para uma reunião com amigos. Quando chegou lá, estava neste estado.<br />

— E o cuidador do barco?<br />

— Convenientemente de folga.<br />

— Foi ele.<br />

— Ele? – Alec virou-se para mim – Ele quem?<br />

— Aceras. Ele causou todo esse prejuízo.<br />

— Por que ele faria isso para o próprio bem?<br />

— Por que ele me odeia, e ele deve ter achado que de alguma forma, ele teria me<br />

prejudicado fazendo isso.<br />

— E por que ele te odiaria?<br />

— Por que ele sabe que eu estou interessado na mulher dele.<br />

— Mulher casada? Novidade. Nunca te vi interessado por uma.<br />

— Não é uma mulher casada qualquer. É Phoebe.<br />

— Muito bem. Mas ele não quer cobrir os prejuízos. E ainda informou numa entrevista para uma<br />

revista de quinta que vendemos um bem com mau-funcionamento.<br />

— Isso é perfeito.<br />

— Agora vou dizer que é você quem está enlouquecendo. Como isso pode ser perfeito? Sabe<br />

que o prejuízo do cancelamento é descontado do seu pagamento, não sabe? Teria que devolver a<br />

sua comissão. Não falo por mim, mas por você.<br />

— Sempre foi assim. Mas não se preocupe. Tenho condições de devolver caso precisemos.<br />

— E então?


— E então que não iremos precisar. Você vai receber o dinheiro da multa pelo cancelamento, e<br />

ainda vai receber o dinheiro pelo processo de danos morais que vai abrir.<br />

— Definitivamente está louco. Tem se alimentado?<br />

— Tenho, claro. Espere o resultado da perícia. O incêndio foi causado. Peça que investiguem<br />

tudo sobre a hora que ele iria ter a tal reunião, quem seriam as pessoas. Uma hora ele vai se<br />

contradizer. Processe ele. Peça o máximo pela reputação da sua empresa.<br />

— Farei isso. – Alec finalmente olhou para o movimento lá embaixo novamente. – isso sempre<br />

está cheio. Deveríamos começar a abrir nas quintas-feiras. Isso iria aumentar o seu pró-labore ao<br />

final, já que é calculado em forma de percentual sobre o lucro.<br />

— Como quiser.<br />

— Você tem que olhar isso. Eu nunca a tinha visto aqui. Vou precisar chamar os seguranças. Eles<br />

tem que retirar aquela garota fazendo topless de lá. Cara, ela é muito boa, preciso conhece-la.<br />

Meus olhos queimaram de fúria por causa do reconhecimento. Digamos que houve algum instinto<br />

paterno sendo ativado por algum clique mágico.<br />

— Você não vai chegar perto dela, Alec. Não vai mesmo.<br />

— Por que? Quer competir? Eu a olhei primeiro. Olha que eu ganho.<br />

— Não, Alec. Não é por isso.<br />

— E por que seria então?<br />

— Por que aquela garota é minha filha.


CATORZE<br />

STRIPTEASE<br />

EU TINHA QUE AGIR como um pai, mesmo eu não fazendo ideia de como fazer isso. Talvez o<br />

instinto estivesse falando mais alto, pois quando eu vi Valentina na situação e, que estava, a única<br />

coisa que conseguia pensar era em tirá-la de lá.<br />

— Você vai ter que me explicar direito essa história de filha.<br />

Ainda ouvi Alec articular por entre sorrisos. Ele estava se divertindo demais com isso e, bem no<br />

fundo, não creio que ele tenha colocado fé no que eu disse.<br />

Havia um amontoado de homens ao redor das mesas com as “dançarinas exóticas”. Havia<br />

também um pequeno grupo formado por garotos que não deviam ter vinte e um anos, e algumas<br />

meninas em roupas curtíssimas com camisas com um símbolo de faculdade num tecido branco.<br />

Valentina era uma delas.<br />

Os garotos estavam incitando as meninas a subirem nas mesas e se deixarem molhar com<br />

espumante. Eu tinha que acabar com aquilo logo. Menores de vinte e um com bebidas alcoólicas<br />

resultaria numa multa altíssima. Aqueles jovens estavam a ponto de entrar num coma alcoólico com<br />

espumante caro, e eu ainda nem sabia quem ia pagar a porra da comanda. E por último, mas não<br />

menos importante. Eu estava a ponto de arrancar Valentina de cima das mesas pelos cabelos.<br />

— Com licença! – precisei me intrometer no meio dos jovens, que lançavam notas de dinheiro<br />

sobre Valentina com os seios de fora. Se ela soubesse quem eu era, ela estaria em um castigo<br />

eterno. – Sai da frente, garoto de merda!<br />

— Ei! O que é isso? Quer brigar tiozão? – um deles começou a querer dar uma de valente.<br />

Melhor você vazar!<br />

— Sai da minha frente, moleque idiota.<br />

Apenas o empurrei para o lado, mas bêbado como estava, acabou tropeçando um pouco mais<br />

a frente nos próprios companheiros e caindo sentado sobre o chão escuro. Retirei meu blazer e<br />

gritei com Valentina.<br />

— Desce agora, garota!


— Eu estou me divertindo, vou descer não! Ei, você é o cara que estava dando encima da minha<br />

mãe. Seu ridículo.<br />

— Ande, desça – eu falei enquanto a pegava pelas pernas e a colocava sobre apoiada sobre<br />

meu ombro. Ela era muito leve. Uma criança. Minha criança ficava se exibindo na rua. Eu falaria<br />

com Phoebe para que ela colocasse Valentina de castigo até os cinquenta anos.<br />

—Me solta! Eu não quero ir embora! – como se num momento de lucidez ela exclamou – Oh meu<br />

Deus, eu estou pelada. Me tira daqui! – ela reclamou enquanto esticava as mãos para cobrir a<br />

saia. Mas eu já tinha colocado meu blazer sobre ela, então não tinha muito a ver.<br />

O vexame acabou chamando a atenção, e vi várias pessoas sacando dos bolsos e bolsas os<br />

seus celulares e começando a tirar fotos. Primeiro dos rapazes que quebravam as cadeiras e<br />

mesas onde estavam sentados enquanto os seguranças tentavam tirá-los, depois de Valentina e eu.<br />

Se eu estivesse certo, e eu esperava não estar, aquelas fotos estariam nos sites de notícias em<br />

poucos minutos. Eu nem mesmo permitia a entrada de celulares ou de jovens no clube, não tinha a<br />

menor suspeita de como tinham entrado.<br />

Valentina ficou quieta no meu ombro, levei-a para a sala privada aos fundos. Onde ficavam as<br />

seguranças femininas. Coloquei-a lá dentro e imediatamente virei-a para mim. Ajeitei o meu blazer<br />

nela e me assustei com a forma como aquilo de nenhum modo me parecia estranho. Quer dizer,<br />

não que não fosse minimamente constrangedor, mas era o certo. Eu devia protegê-la, e eu estava<br />

fazendo isso.<br />

— Trago uma água? – uma das seguranças pediu.<br />

— Não. Apenas traga o meu carro para a saída privativa. Vou levar esta garota para casa.<br />

A mulher me deu um olhar estranho. Sei muito bem o que ela pensou naquele momento. “É<br />

apenas uma menina”. Eu sabia disso, a vontade que eu tive de falar “Não se preocupe, ela está<br />

segura, é minha filha”. Mas ela não precisava saber, e Valentina não precisava saber da verdade<br />

assim.<br />

— Liga para minha mãe, ela vem me buscar.<br />

— Eu já estou fazendo isso – disse enquanto tentava ligar para Phoebe. De maneira alguma<br />

ela atendia. Disquei ainda duas vezes, mas não obtive êxito. Eu iria levar Valentina para minha<br />

casa.<br />

Minha filha tinha sentado numa das poltronas. Vestida com o meu blazer, ela parecia minúscula.<br />

O rosto estava afogueado. Percebi nesse momento que, mui provavelmente, não tinha sido apenas<br />

espumante que esses impertinentes e irresponsáveis jovens tinham tomado.<br />

— Seu veículo já está esperando, senhor Hill.<br />

Uma das moças me disse. Agradeci-lhe, peguei Valentina, apoiando-a ao meu ombro e<br />

envolvendo a cintura dela com uma das mãos. Quando ela chegasse em casa, eu a levaria para


tomar um café bem forte. Isto se ela chegasse acordada em casa. O olhar dela estava pesado e<br />

vermelho.<br />

Deitei Valentina no banco de trás, ela deitou-se e eu notei quando ela começou a dormir, muito<br />

antes de eu pelo menos colocar o cinto de segurança. Conduzi o carro para minha casa. O caminho<br />

foi demorado. Lá dentro, pedi que Jenna preparasse o quarto de hóspedes ao lado do meu<br />

quarto. O que ela fez. Valentina não acordava de nenhuma maneira, eu pretendia pedir que ela<br />

tomasse um banho antes de deitar, mas como ela não o fez. Carreguei-a até o quarto, coloquei-a<br />

para dormir na cama e, antes de realmente pensar em sair, imaginei todo o tempo que perdi, todo<br />

o tempo em que eu não estive ao lado da minha filha, e cobri-a com cuidado dando-lhe um beijo<br />

na testa e fiquei.<br />

A noite iria ser longa, vigiando-a para ela não se afogar no próprio vômito. A manhã seria<br />

mais longa ainda, tentando explicar a ela o porquê de tê-la trazido para minha casa. Alguma<br />

coisa me dizia que a verdade “sua mãe não atendeu” não iria ser o suficiente para Valentina. Eu<br />

tinha que pensar. Eu realmente precisava pensar.<br />

Peguei meu celular. Sentei na poltrona perto da janela, ao lado da cama. E disquei outra vez o<br />

número de Phoebe. Ela não atendia. Liguei para Alec e o fiz jurar que tiraria aqueles meninos de<br />

lá o quanto antes e imediatamente ligaria para a assessoria de imprensa para justificar o ocorrido.<br />

— Não esqueça de salientar bem que Valentina não é nenhum caso ou affair meu.<br />

— Não se preocupe. – ele falou do outro lado – Pelo que posso entender, também não devo<br />

informar que é sua filha.<br />

— De maneira alguma – confirmei – ela ainda não sabe.<br />

Ouvi silêncio do outro lado da linha. Então Alec continuou a falar:<br />

— Então é verdade mesmo?<br />

— Absolutamente. E você não vai adivinhar quem é a mãe?<br />

— Baseando-me na sua preferência por ruivas, fica realmente difícil adivinhar.<br />

— Phoebe Ward. Ela escondeu minha filha de mim por todos esses malditos longos anos.<br />

— Phoebe deve ter tido suas razões. – Alec justificou-a – Lembre-se também que você não<br />

esteve muito disponível nos últimos tempos. Quando não esteve com sua ex-mulher, estava com<br />

outras ruivas.<br />

— Eu sei – disse num tom contemplativo – são precisas muitas mulheres insossas para esquecer<br />

uma mulher inteligente.<br />

— Pelo visto não esqueceu.


— Não.<br />

— O que é uma pena, Anthony. Perdemos o lobo mais velho da matilha.<br />

Alec sorriu e desligou. Provavelmente tinha arranjado alguma coisa melhor para fazer do que<br />

ficar falando comigo num dia de festa no <strong>Triplo</strong> A. Pelo que conhecia de Alec, ela já estaria<br />

avisando Adam em pouco tempo sobre minha nova “condição”.<br />

A poltrona estava desconfortável, e eu não sentia tanto sono. Pelo menos não no começo. Pela<br />

primeira vez na vida eu estava dormindo sob o mesmo teto que a minha filha. Ela tinha se tornado<br />

uma jovem linda, inteligente, esperta. Quando ela acordasse, ela não tinha a menor ideia do que<br />

esperava por ela. No que dependesse de mim, eu faria Phoebe deixá-la trancada num quarto por<br />

pelo menos dez anos.<br />

— Minha filha... Valentina...<br />

Saboreei a palavra na boca. Era tão estranha, mas era minha. Eu realmente tinha uma filha.<br />

Meu Deus, eu realmente tinha uma filha. Eu estava ferrado.


QUINZE<br />

PESADELO<br />

EM ALGUM MOMENTO eu devo ter caído no sono. Por que só pode ser pesadelo a cena que vejo<br />

em minha frente. Valentina está deitada na cama, ela sacode os ombros como se estivesse tentando<br />

escapar de um abraço invisível. Ela grita de forma tão estridente que eu nem sei como ela não<br />

está desperta.<br />

Os olhos fechados mostram que ela ainda dorme, mesmo sendo dia do lado de fora. Esqueci de<br />

fechar as cortinas na noite anterior, agora a luz invadia tudo lançando uma quentura no rosto<br />

pálido de Valentina.<br />

Apressei-me para o lado da cama e sentei ao seu lado. Tentei parar os ombros dela,<br />

sacudindo-a para que ela acordasse, mas não funcionou muito. Eu gritei seu nome diversas vezes.<br />

— Valentina! Valentina! Acorde! – eu comecei a me desesperar. Valentina não acordava. Ela<br />

estava muito, mas muito branca.<br />

Agora, finalmente, eu conseguia distinguir os gritos. Uma mistura de “Nãos” e de “Me solte!”. Ela<br />

estava apavorada. Fiz a única coisa que eu achei que eu poderia fazer para acalmá-la.<br />

— Vem aqui, filha – eu falei baixinho. Abraçando-a contra meu peito. Com os meus dois braços,<br />

segurei forte Valentina. Ela estava parecendo tão frágil, nem parecia a menina forte e de língua<br />

afiada que eu tinha conhecido a um par de dias. – Isso... Fique calma... – eu continuei sussurrando<br />

baixinho contra o cabelo dela enquanto eu a abraçava e beijava o alto de sua cabeça.<br />

A respiração acelerada dela começou a acelerar. Ela então foi ficando mole novamente e, nem<br />

mesmo abriu os olhos, já estava dormindo outra vez.<br />

Aproveitei o susto e fui até Jenna. Eu precisava deixar Valentina descansar agora. Eu precisava<br />

que as coisas funcionassem entre nós. Pelo que conheço das mulheres, são muito poucas as que<br />

ficam bem-humoradas quando tem fome. Eu não iria apostar na sorte. Pedi que Jenna fizesse um<br />

café-da-manhã reforçado para Valentina. O que quer que uma jovem de hoje em dia comesse.<br />

Diferente das seguranças do <strong>Triplo</strong> A, Jenna não me deu um olhar de reprovação. Ou me<br />

conhecia muito bem e sabia que meninas recém-saídas da adolescência não faziam o meu tipo, ou<br />

ela tinha perdido totalmente a fé em mim e já nem ligava para o que eu fizesse com o meu tempo


livre.<br />

Tomei meu suco e peguei o celular para ligar novamente para Phoebe, desta vez ela atendeu<br />

no primeiro toque.<br />

— Anthony, o que você fez? Onde está minha filha? Por que não consigo falar com ela em<br />

nenhum lugar?<br />

Esperei que a enxurrada de palavras dela desembocasse e finalmente eu pude falar ao final.<br />

— Ela está aqui. Valentina andou com uns amigos muito estranhos. Acho que eles invadiram o<br />

clube, não sei ao certo. Ela estava dançando embriagada, quando retirei ela de lá, ela acabou<br />

dormindo. Você não atendia. Eu a trouxe para a minha casa.<br />

— Como assim você a levou para sua casa? Está louco, Hill?<br />

— O que preferia, Phoebe, que eu a trouxesse ou que eu a deixasse dançando seminua no<br />

meio de tanta gente? Eu fiz o que era certo fazer. Não brigue comigo.<br />

— E onde ela está?<br />

— Está aqui. Ainda dorme. Aconteceu um episódio há pouco... – eu ia contar pelo telefone, mas<br />

esta era uma coisa do tipo que não se conta por telefone, mas cara-a-cara.<br />

— O que aconteceu?<br />

— Falaremos depois. O que vamos fazer? Você vem buscá-la? Ou devo levá-la?<br />

— Eu definitivamente vou buscá-la. Você voltar a este prédio novamente é uma<br />

irresponsabilidade tamanha. Escute – ela mudou de assunto – caso ela pergunte, somos amigos.<br />

Tudo bem? Se quiser dizer que fomos amigos de longa data, tudo bem, mas, por enquanto, somos<br />

apenas amigos.<br />

— Phoebe...<br />

— Confie em mim, Hill, eu sei o que eu estou fazendo.<br />

Imediatamente a ideia me veio à mente. E eu consegui vivê-la em minha mente antes de lançá-la<br />

dos meus lábios. Imaginei Phoebe sentada ao meu lado numa das namoradeiras ao lado da<br />

varanda da minha pequena e rústica casa campestre ao lado da cidadela de Baldwin Village. Eu<br />

deveria ser muito tonto para oferecer tal coisa, mas também seria muito burro se não a oferecesse.<br />

— Phoebe...<br />

— Sim, Hill.<br />

Eu odiava quando ela me chamava pelo sobrenome, ela me colocava numa posição distante que


eu não conseguia percorrer de volta.<br />

— Eu soube que aquele que não quero nem falar o nome não está na cidade. E eu tenho algum<br />

tempo durante o final de semana, já que não vou gastá-lo no meu puteiro em forma de danceteria<br />

como você bem falou.<br />

— Ande, Hill. Não tenho duas horas para ficar no telefone com você. Vá direto ao assunto. O<br />

que você quer?<br />

— O que eu quero é você com as pernas ao redor da minha cintura enquanto eu me acabo<br />

dentro de você, mas como sei que receberia um enorme não se propusesse isso. Eu me contento<br />

com levar você e Valentina para passar o final de semana na minha pequena e antiga casa. Um<br />

refúgio escondido, confortável o suficiente para que as duas tenham privacidade, mas apertado o<br />

suficiente para que você não dê dois passos sem que eu deixe de olhar para você.<br />

— Você não deveria falar essas coisas para mim e esperar que eu negue.<br />

Droga, essa mulher estava brincando comigo. Ela sabia muito bem que apenas a insinuação<br />

dela era suficiente para me manter interessado. Eu previa que depois de me dar corda, ela iria<br />

arrancar toda ela de uma vez. Fiquei esperando a negativa, mas não veio. Em vez disso, veio uma<br />

condição.<br />

— Eu não posso ir, não sei se posso ficar com você um fim de semana inteiro sem que Ewan<br />

descubra. Na verdade, eu acho que a única maneira de eu ir, é se Valentina for. Não espere que<br />

eu a convença a ir.<br />

Eu estava andando de um lado para outro da cozinha, esperando que Valentina levantasse<br />

logo, ela precisava comer, eu precisava garantir que ela estivesse bem. Precisava garantir que ela<br />

fosse comigo para uma casa no meio do nada. Precisava garantir que ela quisesse ir com a mãe.<br />

Eu precisava estar com Phoebe, Precisava roubar beijos dela como um adolescente enquanto<br />

esperava que a nossa filha não nos pegasse. Precisava viver um pouco, provar um pouco do que<br />

era viver em família. Isso tudo só mudaria a minha determinação em lutar.<br />

Fui até a sala. Rosie já estava ciente de que eu não queria ser atrapalhado durante o final de<br />

semana. Ela sabia que eu não tinha cabeça para os clientes no momento. Também já devia ter sido<br />

avisada que eu estava com uma mulher na casa, embora talvez não tenha sido informada de tudo<br />

nos mínimos detalhes.<br />

— Hill, você precisa ver isso.<br />

— Eu não tenho tempo agora, estou com visita.<br />

— Eu sei. Eu realmente não estaria pedindo se não fosse importante.<br />

— Dê-me isso então – peguei o papel da mão dela, levemente irritado, e vi na primeira página<br />

uma matéria com uma foto muito sugestiva minha. Enquanto eu segurava Valentina sobre os ombros.


Ela ainda estava nua da cintura para cima, pouco antes de eu tê-la coberto com o blazer. A<br />

matéria insinuava que eu ainda usava de métodos de conquistas bárbaros para tomar uma mulher.<br />

Eu iria processar a bosta desse jornal de merda. Eu iria acabar com a reputação deles. Eu iria<br />

fazer questão de fechar essa maldita espelunca.<br />

— Quando saiu isso? De onde saiu isso?<br />

Perguntei feito um idiota. Eu sabia bem como tudo tinha acontecido.<br />

— Você deve saber melhor do que eu, Hill.<br />

— Mande processar esse jornaleco.<br />

Falei num tom sério enquanto amassava os papeis. Eu provavelmente não estava raciocinando<br />

direito, isso fez que eu me adiantasse. Como sempre, Rosie me trouxe de volta ao solo. Colocando<br />

meus pés no chão.<br />

— É apenas um jornal qualquer. Não dê atenção. Os boatos aumentariam se você desse<br />

importância a isso. Na verdade, acho que deveria mandar uma garrafa de vinho de alguns<br />

milhares de dólares, como mandou para os seus clientes. Para eles fazerem uma matéria esdrúxula<br />

dessa para vender, eles devem estar precisando de dinheiro.<br />

— Você tem razão.<br />

— Oh, meu Deus! – eu vi Valentina de pé, perto da entrada da sala, onde estávamos eu e<br />

Rosie. Ela ainda estava vestida com o meu blazer. Então ela olhou para a própria roupa, e para a<br />

minha peça de roupa faltando. Então ela completou de um modo que me desaprovava plenamente<br />

– por favor, me diz que não passamos a noite juntos!


DEZESSEIS<br />

NECESSIDADE<br />

— EU A SALVEI, na verdade, de dormir com qualquer um daqueles caras embriagados com quem<br />

você esteve andando.<br />

— Melhor assim, você não tinha obrigação nenhuma comigo. Não precisava se meter em meus<br />

assuntos particulares.<br />

— O assunto não era mais particular a partir do ponto em que vocês começaram a dar um<br />

show no meu clube. Eu deveria era ter mandado vocês para um plantão policial. Aquele clube é<br />

proibido para menores de vinte e um anos. E além disso, onde vocês conseguiram todas aquelas<br />

bebidas? Eu não vendo aquele tipo de espumante barato ali. Apenas Champanhe original.<br />

Enquanto eu falava ia passando por ela em direção à cozinha. Valentina que ainda não tinha<br />

tirado o meu blazer, abriu espaço para eu passar.<br />

— Eu não sei por que você se importa. Eu claramente não sou tarefa ou obrigação sua.<br />

— Eu me importo com sua mãe, o que significa que no final irei me importar com você também.<br />

Mas não vamos discutir, eu pedi que fizessem café-da-manhã para você. Eu também estou com<br />

fome, não comi muito, quer dividir a mesa comigo?<br />

— Normalmente eu rejeitaria o convite, mas estou faminta. E com muita dor de cabeça.<br />

— Eu já pedi que Jenna fizesse um suco reforçado com couve. Magnésio ajuda a diminuir a dor<br />

de cabeça. Eu pretendo acompanhar você.<br />

— Primeiro eu preciso ligar para minha mãe, – Valentina disse enquanto fazia um coque no<br />

cabelo, hábito que ela deve ter herdado de Phoebe – ela deve estar morrendo de preocupação.<br />

— Eu já liguei para Phoebe. Ela me disse que vem buscar você aqui. Ande, venha tomar café<br />

comigo.<br />

Valentina me acompanhou a contragosto. Provavelmente pensando que a mãe dela brigaria<br />

bastante. Supus que a obediência dela se devia à dor de cabeça que sentia, já que não tinha<br />

remédios em casa então eu não pude lhe oferecer uma mísera aspirina.


— Tome seu suco verde – eu ofereci – para quem não está acostumado, o gosto pode não<br />

parecer tão bom de imediato, mas pelo menos vai aliviar a sua dor de cabeça em pouco tempo.<br />

Você está desidratada por causa do consumo do álcool. Deveria aprender a beber antes de<br />

beber.<br />

— Eu não preciso disso.<br />

— Tem certeza?<br />

— Tenho sim.<br />

Valentina tomou um gole do suco com um certo ar de suspeita. Depois que engoliu o líquido<br />

verde, olhou para mim com um olhar que ia do desconfiado ao surpreso.<br />

— Ei, isso é bom. O que tem aqui?<br />

— Abacaxi, couve, hortelã, um pouco de gengibre e como imaginei que não gostaria do sabor<br />

dele puro, pedi que colocassem meia colher de açúcar mascavo.<br />

— Me surpreendeu.<br />

Mordi um pedaço de um sanduiche de queijo de amêndoas e presunto vegano. O troço parece<br />

muito ruim, mas é delicioso. Valentina fez o mesmo. Era estranho estar dividindo a mesa com minha<br />

filha, mesmo que ela não soubesse. Eu poderia contar, mas isso seria forçar uma intimidade com a<br />

qual ela não estava acostumada.<br />

— Por que está me olhando desse jeito? – ela perguntou. Só então eu percebi que tinha ficado<br />

parado olhando para ela como eu apreciaria Os Jogadores de Carta, de Paul Cézanne.<br />

— Eu estava olhando em sua direção, não para você.<br />

— Entendi, eu acho.<br />

Obviamente eu tinha mentido. Não queria que ela se assustasse com a verdade. Eu<br />

poderia muito bem dizer “estava imaginando como teria sido a nossa vida juntos, caso<br />

Phoebe e eu não tivéssemos rompido”, ou ainda “Estava imaginando todos os<br />

segundos que perdi da minha vida e que eu poderia ter gasto ao lado de vocês<br />

duas”, mas preferi não assustá-la. Não valia a pena. Ela se fecharia, já que eu não<br />

sabia ainda a verdade da vida dela como ela mesma deveria saber.<br />

Uma coisa apenas ainda me preocupava – O pesadelo. O que tinha feito Valentina<br />

ter um pesadelo com lividez tamanha que ela precisou lutar com ele na realidade?<br />

Meus pensamentos mais imundos vinham à tona, ainda mais por causa das frases<br />

quase ininteligíveis que ela gritou. Se alguém algum dia tentou tocá-la, eu estaria


disposto a ir de um extremo a outro, apenas para esmagar o pescoço dessa pessoa<br />

com minhas próprias mãos.<br />

— Você é o cara que atrapalhou o meu almoço com a minha mãe.<br />

Não era uma pergunta, apenas um comentário. De qualquer forma, me senti<br />

obrigado a comentar.<br />

— Não colocaria nestes termos, eu não sinto que atrapalhei.<br />

— Atrapalhou bastante – ela entornou o líquido do copo de uma só vez. – Depois<br />

que você saiu, minha mãe ficou distante. Diria até preocupada.<br />

— Nesse caso, eu sinto muito.<br />

— Não, não deve sentir. Eu sinto que não é verdadeiro quando diz que o sente.<br />

Não falei nada. Mordi o sanduiche. Tomei um gole de suco. Valentina fez o mesmo.<br />

Quando acabou de engolir perguntou de uma vez quase me fazendo engasgar.<br />

— Não tem vergonha de estar tentando conquistar uma mulher casada?<br />

Mastiguei bem o que ainda tinha de bolo alimentar na boca. Buscando tempo para<br />

conseguir pensar numa resposta rápida. Valentina ainda não precisava conhecer a<br />

verdade por inteiro, mas eu não queria começar cheio de mentira. Valentina não era<br />

burra, ela poderia até entender o fato de eu não conseguir contar de imediato que<br />

eu era seu pai, mas não seria tola o suficiente para não ver que eu estava louco por<br />

Phoebe.<br />

— Não tenho vergonha. Eu amo sua mãe. Amo Phoebe, e não é de hoje, e por isso<br />

não penso em desistir dela.<br />

— Meu pai não vai permitir que você a roube.<br />

— Seu pai não a faz feliz como eu posso fazer.<br />

Valentina olhou para a própria comida por um tempo. Mordeu só mais um pedaço<br />

da comida. Não quis mais, colocou o sanduiche de lado. Enquanto isso, todas as outras<br />

porções que eu tinha mandado fazer para ela, acabaram ficando intocadas.<br />

— Você é bastante corajoso para admitir isso na minha frente. Se eu não soubesse<br />

que a minha mãe não parece estar bem, juro que eu deixaria essa casa nesse


segundo.<br />

— Phoebe não está bem.<br />

Falei de um modo afirmativo e pensativo. Ela notou. Provavelmente já deve ter<br />

presenciado uma briga do casal. O que eu realmente esperava que não tivesse<br />

acontecido, não queria que ela tivesse uma má ideia dos homens. Não queria que ela<br />

tivesse uma má ideia de mim.<br />

— Não está. Tenho notado ela tão triste desde que voltei da minha última viagem.<br />

Quer dizer, eu passei muito tempo morando longe. Eu nem lembro de praticamente<br />

nada da minha infância ao lado dos dois. Minha memória mais antiga já vem do<br />

colégio interno. Quando eu a esperava nos finais de semana em que eu poderia sair.<br />

Nunca ficamos numa casa. Meus pais por muito tempo moraram em hotéis, e eu fiquei<br />

com eles. Só agora que papai se aposentou que os dois pareceram finalmente parar.<br />

Apenas balançava a cabeça positivamente uma ou outra hora. Não queria que ela<br />

ficasse se sentindo tímida. Valentina devia estar precisando conversar com alguém, na<br />

verdade devia ser quase uma necessidade, já que ela estava se abrindo comigo.<br />

— Mesmo assim não é igual a antes. Mamãe vive tensa quando está perto dele. Eu<br />

adoro meu pai, mas acho que ela precisa se sentir especial novamente. Não acho que<br />

ela mereça apenas a vida fria que ele tem oferecido.<br />

— Sua mãe está infeliz?<br />

— Eu não acho que algum dia ela tenha sido realmente feliz, mas agora a reação<br />

dela é menor às alegrias. Agora que eu vou começar a estudar, ela me comprou esse<br />

apartamento. Ela não quer que eu more na casa que eles irão comprar. Mamãe<br />

apenas me disse isso, não discutiu o assunto.<br />

— Acha isso certo?<br />

— Não sei. Mamãe deve ter os seus motivos.<br />

Jenna aparece na cozinha e vê com tristeza a quantidade de comida que ainda<br />

tem sobre a mesa. Ela detesta, assim como eu, que se estrague comida. Então avisa:<br />

— A senhora Aceras chegou.<br />

— Vou recebê-la – eu disse me levantando.


— Vou com você – Valentina disse e completou – mas que droga... Eu ainda estou<br />

com essa roupa. Não quero que mamãe pense que tentei seduzir o amante dela. Não<br />

teria roupas de mulher pela casa, teria?<br />

— Eu já pedi que Rosie fizesse isso desde antes. Ela deve ter pedido que o<br />

entregador mandasse algumas roupas para seu quarto. Como não tenho olhar de fita<br />

métrica, pedi que ela trouxesse uma pequena variedade. Espero que alguma coisa<br />

sirva.<br />

— Eu também – ela disse e passou por mim me dando um beijo no rosto enquanto<br />

corria em disparada ao quarto de hóspedes. Surpreendi-me pelo gesto, e fiquei<br />

absurdamente feliz por dentro. Vendo que minha filha confiava em mim desse jeito<br />

sem me conhecer ao certo.<br />

Fui receber Phoebe à porta. Quando a abri, ela ainda estava descendo do carro<br />

no pátio de entrada da casa. Ela estava com o cabelo caindo em ondas sobre os<br />

ombros. Havia sol, mesmo eu sabendo que choveria mais tarde, e o tom de seus<br />

cabelos reacendia sobre a luz. Ela tinha enormes óculos escuros no rosto, mas de<br />

algum modo eu conseguia ver os olhos dela acompanhando o sorriso dos lábios.<br />

Ela estava feliz em me ver. Eu não sabia bem que revolução tinha se acendido<br />

dentro dela, mas desde aquela ligação, ou melhor, naquela ligação. O tom dela<br />

comigo já era diferente. Parecia até que ela estava disposta a esquecer tudo. Era<br />

quase como se ela ainda visse na minha frente o “Tony” por quem ela se apaixonou.<br />

Phoebe subiu os degraus da escada. O vestido longo que ela usava, com uma<br />

estampa colorida e geométrica, balançava com o modo sensual que ela andava.<br />

Phoebe era tão sensual que se tornava perigosa. Ela tinha um vulcão dentro dela,<br />

apenas faltava despertá-lo de seu sono.<br />

— Olá, Hill – ela disse retirando os óculos escuros. A voz dela macia cantou aos<br />

meus ouvidos e eu acompanhei o sorriso que ela tinha nos lábios. Era lindo...<br />

Devassamente lindo.<br />

— Olá, Ward – pronta para o melhor final de semana da sua vida.<br />

Phoebe mordeu os lábios de forma gentil, algo que deve ter sido involuntário, mas<br />

foi profundamente sexy. Eu precisava beijar essa mulher, eu o faria agora.


DEZESSETE<br />

TOQUES<br />

— SENHOR HILL – Rosie atrapalhou-nos, fui obrigado a desviar a atenção, mas não o olhar de<br />

Phoebe para dar atenção a ela – Uma ligação para o senhor.<br />

— Preciso mesmo atender? – perguntei. Phoebe conseguia ser irresistível quando tinha um<br />

sorriso nos lábios como o que tinha agora.<br />

— Um dos peritos do Hill gostaria de falar com o senhor.<br />

— Não, não é tão importante agora. Marque para a segunda-feira à tarde.<br />

— Farei isso.<br />

Rosie saiu. Pelo tom de voz dela, ela estava absolutamente envergonhada por nos ter<br />

atrapalhado. Porém eu estava focado demais na minha droga favorita para evitar de olhar para<br />

ela.<br />

— Sua mãe te criou com mais educação do que isso, Hill. Deveria ter pelo menos pegado o<br />

aparelho da mão da bela moça.<br />

— Esqueço meus modos quando estou com você.<br />

— Não os esqueça. Homens sem educação nunca foram meu ponto fraco. – desconversando<br />

totalmente do assunto, ela completou – onde está minha filha?<br />

— Foi vestir roupas limpas.<br />

— O que falou para ela? – os olhos dela se tornaram frios novamente, quando ela temeu a<br />

resposta.<br />

— Se refere-se ao verdadeiro pai dela, não disse nada, mas não me contive e ela já sabe que<br />

estou disposto a roubá-la de seu marido se for necessário.<br />

— É por isso que aceitei o convite.<br />

Phoebe disse enquanto ia entrando em casa. Ela entrou no vestíbulo e esperou que eu entrasse.


Num piscar de olhos, ela olha para o sofá onde ela roubou seu prazer de mim, e creio que ela<br />

lembra, pois os lábios abrem levemente como se sentissem sede.<br />

— Para que eu a roube do seu marido?<br />

— Não. – Ela virou-se para mim antes de continuar – pois com Valentina ao nosso lado, não<br />

creio que você conseguirá se atrever a continuar me roubando beijos. Eu preciso espairecer, bem<br />

como você parece precisar pelo modo que eu percebo suas olheiras. Mas não conseguiria ficar ao<br />

seu lado sozinha. Não depois de perceber que depois de tanto tempo, você é o único homem com<br />

quem eu consigo ter prazer.<br />

Não tive muito tempo para pensar sobre esse assunto. Valentina surgia na sala-de-estar, com<br />

uma roupa limpa. Ela olhou para mim e para a mãe dela, então baixou um pouco os ombros. Não<br />

sei o que significava essa posição com exatidão, mas ela parecia estar resignada com alguma<br />

bronca que viria.<br />

— Mãe. Me desculpe, eu deveria ter avisado. E eu juro para a senhora, eu não fiz nada com o<br />

senhor Hill, a senhora sabe que eu odeio velhotes.<br />

Eu ri com essa, mas apenas admirei minha filha por sua personalidade.<br />

Phoebe aproximou-se de Valentina e falou num tom duro:<br />

— Nunca mais faça isso. Sumir um dia inteiro e não dar notícias. Tem ideia do quanto eu estava<br />

perturbada?<br />

— Fazia parte do trote, mãe.<br />

— Fazia parte do trote matar-me de preocupação? – perguntou ligeiramente irritada – sabe o<br />

quanto essas coisas costumam dar errado. Hill já me contou que ele te encontrou, e não sabe o<br />

quanto fico feliz que tenha sido ele. Já pensou nas coisas horríveis que acontecem quando uma<br />

jovem fica sozinha e embriagada? Já pensou no que poderia ter acontecido se um homem malintencionado<br />

tivesse encontrado você?<br />

— Me desculpa. Eu não sabia que eu iria ficar embriagada tão rápida.<br />

— Como não? – Phoebe perguntou e Valentina se sentou frustrada no sofá. Cruzando os<br />

braços, querendo lidar com essa discussão de um modo defensivo – nunca bebeu na vida, agora<br />

aparece num clube para maiores.<br />

— Ok, o que eu devo fazer? Já aconteceram as coisas. Eu não posso simplesmente voltar no<br />

tempo para consertar as coisas.<br />

— Eu sei... – Phoebe ponderou o tom e eu continuei observando a interação dela com a filha.<br />

Com nossa filha – eu apenas estou ainda nervosa demais. Sabe o que é sentir aflição um dia<br />

inteiro por causa de alguém?


— Não, mas posso imaginar.<br />

— Me prometa que isso não tornará a acontecer.<br />

— Prometo.<br />

Era a minha deixa.<br />

— Agora, se tudo já entrou em conformidade, vamos falar sobre o final de semana.<br />

— Como assim? – Valentina perguntou.<br />

— Planejei uma viagem a um lugar quieto no final de semana. Sua mãe precisa de descanso, e<br />

você de um pouco de juízo. Eu tenho uma casa bem no meio do nada. É bem pequena, eu a uso<br />

quando quero espairecer. Sua mãe aceitou meu convite de ir para lá.<br />

— E eu tenho que ir? – Valentina perguntou, mas não estava mais olhando para mim, e sim para<br />

a mãe dela – a senhora realmente vai passar um final de semana no meio do nada com um homem<br />

que não é meu pai?<br />

— Vamos todos como amigos. Além disso, – Phoebe me olhou – Valentina irá conosco para onde<br />

formos. Não acho que isso poderá ficar tão constrangedor. Ela será os olhos de Ewan. – olhou<br />

novamente para a filha – Então? Qual sua resposta, Valentina?<br />

— Eu sou obrigada a ir?<br />

— Sim, é. Considere parte do seu castigo.<br />

— Se não quiser ir, Valentina. Eu entenderei – tentei emendar, não queria que ela achasse que<br />

eu estava obrigando-a a ir a algum lugar contra a própria vontade.<br />

— Ela vai – Phoebe reiterou.<br />

Como se minha filha fosse algum obstáculo para o meu plano de conquistá-la. Ou melhor,<br />

reconquistá-la. Seria melhor as duas comigo, isso garantiria que elas estariam longe de Ewan, e eu<br />

poderia tentar uma aproximação com Valentina. Quem sabe até o final de semana eu poderia sair<br />

de lá com Valentina me reconhecendo como pai, e Phoebe com um plano de assinar um divórcio.<br />

— Nós vamos precisar pegar minhas roupas, eu só tenho essas, mas estão um pouco folgadas.<br />

Valentina falou, indo para perto da mãe. Phoebe olhou o rosto de Valentina e reclamou comigo.<br />

— Jesus, Anthony. Por que não tem pelo menos um par de aspirinas em casas para oferecer aos<br />

seus hóspedes quando eles tem dor de cabeça?<br />

E ela voltou a brigar comigo. A Phoebe que sempre conheci. Que não sabe acordar de bom<br />

humor, mas que fica tão atraente com um olhar bravo no rosto quanto sem. Valentina tomou uma


aspirina que a mãe trouxe, enquanto eu tinha pedido que Jenna ligasse para o caseiro preparar<br />

tudo para nossa ida.<br />

Eu estava nervoso, muito nervoso. Phoebe ter aceitado passar o final de semana comigo era<br />

estranho. Eu temia que fosse apenas uma forma de despedida. E se ela estivesse fazendo isso tudo<br />

como uma forma de me dizer adeus definitivamente? Phoebe estava cada vez mais parecida com<br />

a garota que eu amei um dia. Havia, porém, muito tempo entre nós dois. Nós mudamos tanto...<br />

Tanto.<br />

Phoebe tinha uma filha que tinha escondido de mim, filha esta que era minha também. Um<br />

casamento fracassado que ela aturava por nada. Ela estava se tornando uma mulher vingativa.<br />

Querendo a falência do marido enquanto o roubava.<br />

Por Deus, eu não estava recriminando-a. Eu estava de total acordo que ela tirasse dele até a<br />

roupa do corpo se fosse para se vingar, por que só ela mesma sabe pelo que passou. Mas por<br />

que ela não me aceita de volta? Por que não esquece dele, obriga-o a se divorciar de maneira<br />

litigiosa e fica comigo. Por que ela não me oferece a oportunidade de reaver a família que ela<br />

por tanto tempo escondeu de mim.<br />

Droga, eu amava Phoebe mais que minha própria vida. E talvez ainda haja muito do amor que<br />

eu senti por ela um dia, hoje. Há também muitos ciúmes de ver que a qualquer hora, depois deste<br />

final de semana (se eu não conseguir tê-la de volta) ela voltará para casa e dormirá com outro<br />

homem. Que não sou eu.<br />

Eu é quem deveria ter ficado com ela todo esse tempo. Desde que a vi novamente, e foi como<br />

se fosse uma nova primeira vez, e doeu. Foi como um infarto quando a vi, exceto pela parte em<br />

que eu não fiquei à beira da morte. Doeu de verdade, até fisicamente. E nem mesmo a humilhação<br />

de ser traído com o meu motorista de confiança, que já estava há quase cinco anos comigo, foi tão<br />

doloroso.<br />

No entanto, há Ewan. O maldito Ewan. Ewan que não me daria maior presente do que sumir da<br />

face da terra. Ewan está lá e Phoebe não consegue lhe dar um adeus decente.<br />

Phoebe diz que ele não a toca, mas também não há nada que o impeça. Um verme asqueroso<br />

como aquele poderia muito bem subjugá-la. Ele não o faz. Deve haver muito mais coisa neste plano<br />

de vingança de Phoebe do que simplesmente o desejo fremente de fali-lo. E eu usaria este final de<br />

semana para descobrir.


DEZOITO<br />

DISTANTE<br />

NÃO HAVIA LUGAR mais agradável, onde eu desejasse mais poder reaver tudo que perdi, do<br />

que na pequena casa onde vivi quando eu mal podia me sustentar. Nunca fui tão pobre que<br />

precisasse passar fome, mas também nunca fui rico a ponto de não precisar mais trabalhar. Essa<br />

casa de apenas dois quartos era meu refúgio quando o mundo queria me consumir. Agora, que eu<br />

já tinha visto como Phoebe e Valentina pareciam tê-la adorado tanto quanto eu, eu não sei se<br />

conseguiria enxergar esse espaço sem vê-las comigo aqui.<br />

— É tão quieto – Valentina disse enquanto observava pela janela de vidro e madeira a<br />

paisagem intocada do lado de fora. Exceto por um ou outro fícus que fora humanamente cortado<br />

para ornar a decoração da entrada, todo o resto era natural. Como deveria ser. – chega a ser<br />

agoniante – ela completou – quase consigo ouvir meus batimentos cardíacos.<br />

— Por isso é perfeito.<br />

— Valentina, por favor. Leve as nossas bolsas para o quarto.<br />

— Não se preocupe, Phoebe – eu disse – eu faço isso.<br />

— Não há empregados nessa casa?<br />

Valentina perguntou enquanto me viu indo até o carro pegar as duas pequenas malas com<br />

roupas para as duas. Carreguei-as para dentro e finalmente respondi:<br />

— Não, por um final de semana seremos pessoas normais. Sem cobranças, sem ninguém para<br />

fazer algo por nós.<br />

— Eu não sei cozinhar, vou logo avisando – ela disse ainda irritada por ter sido obrigada a vir<br />

numa viagem que não queria.<br />

— Uma ótima oportunidade para aprender. Se quiser, claro. Não há nenhuma regra que te<br />

obrigue, mas digamos que cozinhar tem seu charme.<br />

— Você fala como se soubesse cozinhar – Phoebe comentou. Olhei para ela, que tinha uma<br />

sombra de um sorriso no rosto.


— Provarei que não sou o inútil na cozinha de que se lembra.<br />

Mal proferi a frase, percebi o vacilo que tinha dado. Felizmente, Valentina não estava<br />

prestando atenção a nós. Estava intrigada com a lareira, mexendo-a com a espevitadeira de ferro<br />

com assaz esforço.<br />

— Nunca disse que era um inútil na cozinha – Phoebe comentou.<br />

— Vou levar as malas para a suíte, – eu disse – vocês ficarão com ela. Eu fico com o quarto no<br />

final do corredor. Não se preocupem, os armários são espaçosos e há duas camas de casal na<br />

suíte, vocês terão conforto.<br />

— Obrigada – Phoebe disse e ficou passando as mãos no braço. Ela queria afastar o<br />

nervosismo, dava para perceber. Eu só não entendia por que o nervosismo tinha se instalado<br />

naquela hora na ocupada mente dela.<br />

Deixei as coisas no quarto e voltei para a pequena sala, que fazia par com a cozinha que nem<br />

mesa de jantar tinha. Iríamos almoçar, jantar e tomar café na rústica bancada de madeira e pedra<br />

que combinava com a estrutura da casa em madeira. O chão com carpetes grossos, a infinidade<br />

de cobertas no armário do corredor e a lareira, além do calor humano, teriam que ser o suficiente<br />

para nos aquecer a noite quando a temperatura caia.<br />

— Eu vou preparar o almoço – eu disse – por que não descansam um pouco? Assim que tudo<br />

estiver pronto, eu chamo pelas duas.<br />

— Eu vou aceitar. Devido a preocupação de ontem eu mal consegui fechar os olhos. Você vem,<br />

Valentina?<br />

— Estou sem sono – Valentina disse – eu posso ficar aqui e ajudar, - ela olhou para mim –<br />

desde que não peça nada muito complicado.<br />

— Não pedirei. Pode ir Phoebe, eu a chamarei assim que tudo estiver pronto.<br />

Vi Phoebe praticamente deslizar em direção ao quarto com o seu porte elegante. Ela tinha se<br />

tornado de uma beleza tão fria e quente ao mesmo tempo, que era quase impossível as duas<br />

formas contrastantes conviverem juntas em harmonia.<br />

— Se você parar de olhar para minha mãe desse jeito, pelo menos na minha frente, eu iria<br />

agradecer – Valentina disse.<br />

— Me desculpe.<br />

Voltei minha atenção para minhas próprias mãos sobre a bancada da mesa, sendo pego em<br />

flagrante. Eu não tinha do que me envergonhar, mas senti que estava me comportando como um<br />

estranho obcecado por sua mãe. Pelo menos era assim que eu sentia por Valentina. Como se ela<br />

me visse como um louco que levou a mãe dela, e ela, para o meio do mato.


— Não precisa ficar assim também. Você parece ser um sujeito legal. – ela me sorriu – O que<br />

vamos fazer para o almoço?<br />

— Deixe-me ver – andei até a geladeira antiquada e vasculhei o seu conteúdo. Felizmente<br />

Gregory, o caseiro que vigiava a propriedade que se estendia até o lago, tinha conseguido fazer<br />

as compras e organizar tudo como eu tinha pedido.<br />

— Há peixe, também há carne suína. Eu posso fazer um peixe ao molho para vocês, ou uma<br />

carne suína com salada, enquanto eu faço um bife de seitan para mim.<br />

— O que é isso?<br />

— Seitan?<br />

— Sim.<br />

— Um preparado de proteína vegano.<br />

— Você é vegano?<br />

— Não me considero um, embora eu já coma muito menos carne do que quando comecei a<br />

pesquisar sobre isso.<br />

— Não se incomoda de comermos carne perto de você?<br />

— Não mesmo.<br />

— Então quero o porco. Acho que mamãe também.<br />

Apenas tê-las ao meu lado já era suficiente para iluminar meu dia atual e um monte de meus<br />

dias passados. Peguei a carne, cortei-a em pequenos pedaços e comecei a prepará-la. Apenas<br />

manteiga, sal, pimenta do reino e ervas aromáticas. Um pouco de vodca e creme de leite para<br />

encorpar o molho.<br />

Reproduzi o prato que aprendi há alguns anos diante do olhar atento de Valentina. Ouvimos o<br />

chuveiro ser ligado e me esforcei para não me desconcentrar pensando em Phoebe tomando<br />

banho. Ou em todos os lugares que eu poderia estar ajudando-a a se ensaboar.<br />

— De onde conhece a minha mãe?<br />

Aí estava a pergunta que eu ainda não sabia como responder. Porém, sabia que Valentina<br />

merecia nada menos que a verdade, ainda que não por completo. Eu cria que Phoebe teria mais<br />

ciência da melhor hora para falarmos sobre esta verdade.<br />

— Nós nos conhecemos pouco antes de irmos para a faculdade. Phoebe e eu namoramos por<br />

todos os anos da nossa formação, exceto pelo último. Nos separamos pouco antes de nos formar.


— Você a amava?<br />

— Muito.<br />

Quase cortei meu dedo quando ela lançou a pergunta assim. Eu não mentiria, mas ainda era<br />

estranho. Eu tentava me enxergar do modo que ela me enxergava. Tentava ver as coisas como ela<br />

via. Eu era, para Valentina, o cara que fora o ex-namorado da mãe, que tinha confessado que<br />

amara a mãe dela um dia e que agora estava na mesma casa com as duas.<br />

— Você ainda a ama? – eu ainda nem tinha terminado de concluir o meu raciocínio quando ela<br />

lançou a última pergunta.<br />

— Quer a verdade? – respondi depois de algum tempo. Eu tinha que procurar as palavras<br />

certas.<br />

— Sempre.<br />

— Eu ainda a amo. Porém, ela é quem tem total poder agora. Pois é ela quem pode escolher<br />

me dar esperanças e me fazer lutar por ela, ou ela pode me rechaçar. Pois o meu erro é grande.<br />

— Em que você errou?<br />

— Esse é o mistério, Valentina. – falei voltando minha atenção para as panelas – Eu espero que<br />

ela me diga qual foi o meu grande erro, para que eu possa me redimir.


DEZENOVE<br />

INVISÍVEL<br />

DEPOIS QUE ALMOÇARAM , Phoebe finalmente foi vencida pelo cansaço. As duas, mãe e filha,<br />

acabaram caindo no sono muito cedo. Nem eram seis da tarde e elas já estavam deitadas. Uma<br />

casa sem eletrônicos tinha suas vantagens, mas também podia ser profundamente entediante para<br />

uma jovem agitada e esperta como o parecia ser Valentina.<br />

“Eu tenho os seus olhos”. A frase ainda reverberava dentro da minha caixa craniana como se<br />

tivesse acabado de ser proferida. Valentina era muito inteligente, não era à toa que tinha<br />

conseguido sua aprovação para uma vaga tão concorrida. Por isso sei que ela via com olhar crítico<br />

tudo que eu e a mãe dela falávamos e fazíamos.<br />

A noite já tinha caído. A ausência de postes de iluminação do lado de fora, dava uma maior<br />

sensação de aconchego e isolamento para os que estavam dentro de casa. Minha companhia nessa<br />

noite era apenas uma dose de vodca e o calor da lareira. Sentado no chão da sala, perto do<br />

calor, todas as minhas lembranças vinham como uma corrente fortíssima contra a qual eu não podia<br />

nadar.<br />

Phoebe ainda era a jovem que conheci, aos dezesseis anos. Ela era a garota mais bonita de<br />

toda a escola e eu não passava de um jovem problemático que vivia o dia inteiro metido em<br />

brigas. Quando minha família descobriu que a orientadora da escola tinha marcado um encontro<br />

comigo, mais um pelo menos, minha mãe fez um escândalo e processou toda a escola. Eu tinha<br />

ganhado reputação entre as garotas, e respeito entre os garotos. O problema aconteceu quando<br />

minha mãe, ao descobrir, que a mulher tinha me tirado a virgindade, arrancou um maço de cabelos<br />

dela no meio da escola.<br />

Eu fui separar a briga e pedi a minha mãe que não batesse nela, que eu a amava. Como eu<br />

era idiota. Eu não fazia ideia do que realmente estava acontecendo entre aquela senhora casada<br />

e um rapaz que apenas queria um pouco de diversão.<br />

Eu estava atrasado no colegial, e Phoebe estava adiantada. Por uma coincidência do destino,<br />

estudamos na mesma sala. Phoebe não me tratou como se eu fosse o maioral da sala, ou o garoto<br />

pelo qual todas as mulheres babavam. Ela me tratou como se eu fosse invisível, como se eu fosse<br />

ninguém, exceto pelas horas em que eu era eu mesmo.<br />

Phoebe tinha nojo do personagem que eu interpretava, ela odiava que eu fosse capaz de


exercer um papel quando estava no meio dos meus amigos, e outro quando eu estava com ela.<br />

Especialmente quando o diretor a indicou para ser minha monitora.<br />

Ela vigiava cada um dos meus passos de forma impertinente e adorável. “Isso é parte da minha<br />

nota” ela dizia. Eu fingia me irritar, mas pouco a pouco comecei a gostar desse jeito dela. Ela me<br />

defendia dos outros, e eu defendia os outros dela.<br />

Eu nunca pareci me importar tanto, até o dia em que estávamos estudando na biblioteca e eu<br />

consegui beijá-la escondido por detrás das prateleiras. Era proibido, e era infinitamente certo.<br />

Phoebe estava cada vez mais apaixonada, eu estava cada vez mais louco. Eu a levei para<br />

conhecer meus pais, eles a adoraram. Quando ela me levou para conhecer os pais dela, me<br />

trataram feito lixo. Ela sempre teve algum dinheiro, e os pais dela se achavam melhor que todo<br />

mundo.<br />

Comecei a estudar feito louco. Phoebe era obediente demais para fugir da casa dos pais, e eu<br />

era obstinado o suficiente para continuar lutando por ela. Eu arrumei um trabalho. Um trabalho<br />

totalmente indigno, e comecei a juntar dinheiro. Eu queria provar a eles que eu poderia ser melhor<br />

que eu poderia dar conforto a sua filha. Nada adiantou. Phoebe estava proibida de dirigir-me a<br />

palavra na escola, e eu estava ocupado demais tentando crescer aos olhos dos pais dela, que nem<br />

percebi que estava me diminuindo aos olhos dela.<br />

Uma noite eu invadi o quarto dela no segundo andar pela janela, consegui esgueirar-me para<br />

os lençóis dela e estávamos a ponto de fazer amor, quando a luz ligou e eu percebi que ela<br />

estava chorando.<br />

— Eu não estou pronta, não ainda... – ela sussurrou entre lágrimas e eu me contive. Deitei ao<br />

lado dela e fiquei quieto enquanto a respiração dela se tornava regular. A adrenalina de estar<br />

sendo afastado dela me tinha feito querer transar com ela enquanto ela queria apenas fazer as<br />

coisas certo para que o pai dela nos aprovasse, e sua mãe também, que era quem me odiava<br />

mais.<br />

Deitei ao lado dela e fiquei ali até que a mãe dela nos encontrou na cama pela manhã. Phoebe<br />

não acordou, aconchegada ao meu peito, confortável como estava. Quando me levantei, ela<br />

apenas soltou um muxoxo de reclamação e eu segui a mãe dela que me lançava um olhar<br />

imperativo.<br />

— Você não vai ficar com ela, rapaz. Phoebe merece bem mais do que você pode oferecer. Já<br />

ouviu os boatos? Já ouviu o quanto ela está falada na escola e fora dela? Todos acham que ela é<br />

apenas mais uma dessas garotas sem estrutura que se dão ao primeiro que lhes convida. Phoebe<br />

não merece que a reputação dela seja manchada pela sua.<br />

As palavras foram firmes e fortes. Certeiras. Eu já tinha visto que algum dos rapazes estava se<br />

atrevendo a forçar um encontro com ela, como se ela fosse igual às outras meninas que<br />

costumávamos dividir.<br />

Alec e Adam apenas me incentivavam a fugir com ela.


Uma noite, meu quarto estava com as janelas abertas, já que a calefação estava quebrada e<br />

superaquecia o cômodo apertado. Eu fui surpreendido por Phoebe. Ela estava apenas vestida de<br />

nada sob um casaco cor-de-rosa. Envoltos em suor fizemos amor, poesia, e tudo mais de belo que<br />

faça dois corpos rimarem numa cama.<br />

Depois desse dia eu não a vi mais. Uma vez ousei subir para o segundo andar novamente, na<br />

casa dela, mas na janela dela havia uma grade. Inquiri de uma das moças que trabalhava na<br />

cozinha da casa, depois de muita humilhação ela comentou que era muito bom que Phoebe<br />

estivesse indo embora, já que eu não tinha modos.<br />

Phoebe estava indo embora. Ela não tinha me dito nada. Estava se despedindo com aquela<br />

noite em que nossos corpos conversaram. Ela ia embora sem se despedir de mim, mesmo que eu<br />

estivesse fazendo de tudo por ela.<br />

— Quando ela vai embora?<br />

— Amanhã – a garota disse.<br />

Passei aquela noite bebendo. Foi a última vez que fiquei loucamente embriagado na vida. Eu<br />

chorava como qualquer fraco chora assimilando a sua derrota. Eu precisava dela, mas não tinha<br />

como tê-la para mim. Naquela noite, uma mulher se ofereceu para mim naquele bar. Eu não soube<br />

segurar o pau dentro das calças e dormi com ela. Na manhã seguinte descobri que aquela mulher<br />

que eu mal conseguia distinguir, era a mãe de Phoebe. Ela também deslizou uma boa quantidade<br />

de dinheiro para mim, pedindo que eu não falasse nada. E que haveria muito mais daquilo se eu<br />

soubesse manter segredo.<br />

Ela era bonita. Ela era rica, mas ela não era Phoebe. Nem nunca seria. Eu lhe disse que não. Ela<br />

jurou que eu nunca mais veria a filha dela. Uma garota insossa acima do peso. Eu disse que ela<br />

era a pior víbora que alguém poderia ter como mãe. Ela me jurou que Phoebe estava noiva de um<br />

homem. Ela jurou que eu era apenas a diversão da filha. Ela disse que Phoebe estava indo casar<br />

com Ewan assim que fizesse seus dezoito anos.<br />

E eu estava na merda e só. E eu não tinha Phoebe. E eu apenas me tranquei no trabalho. Eu<br />

apenas me foquei em coisas que não envolvessem mulheres até que eu tivesse dinheiro o suficiente<br />

para encontrá-la. Então conheci Diana. Phoebe foi se apagando da minha memória, nunca<br />

plenamente, já que nunca mais pudera vê-la.<br />

Só reencontrei Phoebe vinte anos depois. Naquele Iate. E meu peito bateu forte como se ainda<br />

fosse aquela noite em que ela esteve no meu quarto. Phoebe ainda tocava profundamente em mim<br />

como se eu nunca tivesse deixado de ser dela.<br />

O problema era que, agora, ela era de outro. E esse outro não tinha apenas Phoebe, mas<br />

também a minha filha e filha dela.


VINTE<br />

PERFEITO<br />

A CASA NÃO ERA das mais luxuosas, mas tinha as suas comodidades. Por exemplo, um pequeno<br />

píer no lago, com uma casita para jet-skis e uma canoa moderna de acrílico. Meu plano era passar<br />

a manhã no lago com elas. Valentina era uma exímia nadadora, Phoebe me disse, mas ela não<br />

trouxe roupa de banho para as duas.<br />

No final das contas, Phoebe preferiu apenas sentar-se no sofá externo que ficava na varanda.<br />

Ficamos conversando como se não houvesse mil e um problemas esperando por nós quando<br />

saíssemos de lá. Valentina apenas ficou andando com o celular ao redor da casa, procurando por<br />

sinal de telefone.<br />

— Acha que ela não vai me aceitar?<br />

Perguntei depois de Phoebe ter me dito que ainda não era o momento certo para falarmos a<br />

Valentina sobre o verdadeiro pai dela. Valentina tomaria as dores do pai, iria questionar a mãe,<br />

questionar Ewan, depois me odiaria quando soubesse tudo o que já fiz.<br />

— Não imediatamente, mas ela se acostumará à ideia com o tempo. No começo, as coisas serão<br />

um pouco mais difíceis, mas ela tem um bom coração. Se conversarmos, entenderá mais<br />

rapidamente.<br />

— O que pretende dizer?<br />

— Ainda não sei. Espero arrumar um modo de contar a verdade direito. Eu estive pensando<br />

muito nisso, e não consigo encontrar uma maneira fácil de contar isso.<br />

— É por que não há uma maneira fácil. Se precisar, eu posso estar ao seu lado nesse momento.<br />

Qualquer que seja o momento em que decidir falar.<br />

— Vou pensar nisso também.<br />

Phoebe estava sem maquiagem. O tempo tinha sido tão generoso para ela quanto o tinha sido<br />

para Catherine Zeta Jones. A beleza dela mudara, mas em vez de murchar, parecia que a flor<br />

tinha alcançado seu desabrochar na fase adulta. Tudo em Phoebe, desde a pele até os ossos, era<br />

perfeito.


Os lábios dela tinham um tom natural rosado, bem delineados. A boca entreaberta dela se<br />

devia a um costume que ela tinha de quando era apenas uma jovem asmática de respirar pela<br />

boca, mas isso fazia-lhe parecer que estava sempre esperando beijos.<br />

— Eu abri uma conta poupança. Estou depositando nela um percentual dos meus rendimentos<br />

mensais. Quero transferir os valores que estão nela para a conta que me disse que abriu em nome<br />

de nossa filha.<br />

— Não será necessário, Hill – me chamou pelo sobrenome. Sempre fazia isso quando queria<br />

por algum distanciamento entre nós, ou quando queria me seduzir, o que não era o caso – eu já<br />

disse que tenho tudo sob controle.<br />

Olhei para minhas próprias mãos sobre o apoio do sofá de vime. Phoebe poderia não receber<br />

os valores agora, mas eu continuaria deixando-os intocado até que um dia ela aceitasse. Essa<br />

conta estava com um bom valor guardado. Eu tinha depositado esses valores sem que Diana<br />

soubesse. Num comportamento involuntário, eu sentia que um dia precisaria desse dinheiro para<br />

algo, agora via que era para depositá-lo aos pés de Phoebe. A mulher para quem eu parecia o<br />

guardar.<br />

— Não pense que quero dificultar as coisas, Hill – ela repetiu meu sobrenome outra vez – eu<br />

apenas não quero que você seja envolvido se as coisas derem errado. Eu estou tomando todas as<br />

formas de cuidado necessários, – ela me confortou ao notar meu olhar de preocupação – mas se<br />

eu tiver esquecido algum detalhe. Essas coisas deverão recair apenas sobre mim. Um juiz até<br />

poderá me obrigar a devolver os valores, mas eu não os terei. Serei presa, mas Ewan estará ainda<br />

pior sem o dinheiro e com restrições de crédito.<br />

— Sabe que eu comecei a ganhar dinheiro para juntá-lo e dar para você. Você lembra. Deve<br />

se lembrar. Eu sempre quis te dar tudo que eu pude, e eu estou te oferecendo tudo o que tenho,<br />

desta vez de forma limpa. Todo esse dinheiro custou apenas meu trabalho. Nada ilegal. Eu não<br />

pude fazer isso no passado, mas estou fazendo agora.<br />

Phoebe levantou-se. Ainda era muito doloroso para ela o passado, mesmo que ela não quisesse<br />

admitir. E eu não poderia culpá-la. Eu a fiz passar por um verdadeiro inferno. Se pelo menos eu<br />

soubesse como chegar até o coração dela outra vez, talvez as coisas ficassem mais fáceis.<br />

— Com que dinheiro você iniciou seu negócio?<br />

Phoebe sabia.<br />

— Com que dinheiro iniciou seu negócio, Hill? Antes de Alec contratá-lo, antes de você começar<br />

a vender imóveis e artigos de luxo, quando ainda tinha apenas uma loja de ferramentas numa<br />

esquina. Antes, bem antes de você conhecer Diana. Quem foi que te deu aquele dinheiro?<br />

— Phoebe...<br />

— Não... Hill, – ela virou-se para mim. Era raiva que havia em seu olhar, mas havia também<br />

outras coisas. Uma enorme decepção que parecia ser apenas a ponta do iceberg de todos os


sentimentos confusos que eu implicava a esta mulher que eu amava. – eu estive vigiando você todo<br />

esse tempo. Eu estive esperando, Hill. Eu estive esperando que você fosse cumprir sua palavra, que<br />

você fosse ficar comigo. Eu não teria me importado em viver da renda daquela maldita loja de<br />

ferramentas, não teria me importado em ficar contando caixas de parafusos o dia todo, se pelo<br />

menos você tivesse cumprido a sua palavra.<br />

— As coisas não são assim, Phoebe.<br />

— Foi com o dinheiro da minha mãe, Hill. Eu sei. Ela pagou você. Que você dormiu com ela, isso<br />

não era nenhum segredo. Ela jogou isso bastante na minha cara. Mesmo que para meu pai ela<br />

tenha dito que foi você quem a seduziu, ela não me enganou, eu via o modo como ela tinha raiva<br />

demais pela simples ideia de estarmos juntos.<br />

Levantei-me. Permanecer sentado seria receber o insulto de bom grado. Phoebe não falava<br />

alto, mas suas palavras vinham envoltas com tamanho veneno, que soavam mais estridentes do que<br />

se ela estivesse gritando.<br />

— Phoebe... Eu estava embriagado, ferido, revoltado, humilhado. Eu tinha raiva demais para<br />

raciocinar. Eu teria dormido com qualquer uma, apenas não estava forte o suficiente para saber<br />

que ela era sua mãe, senão nunca teria acontecido.<br />

— Eu confiava em você, Anthony. Eu realmente confiava. Eu fiquei muito magoada, por muito<br />

tempo. Até perceber que você nunca iria atrás de mim. Por isso todo esse dinheiro que você tem<br />

agora não me serve para nada, nem o quero. Pois eu sei bem com que raiz ele se firma.<br />

Phoebe iria andar, sair dali. Me deixar outra vez com assunto inacabado. Ela iria entrar, e se<br />

fechar novamente dentro de si mesma. Até alcançá-la, eu teria que escavar bastante novamente.<br />

Tomei-a pelo braço virando-a para mim.<br />

— Phoebe.<br />

— Solte-me, Hill.<br />

— Phoebe, por favor, olhe para mim – eu implorei, ela virou-se – eu vou soltá-la, não quero<br />

machucá-la e nem vou, mas por favor, me ouça.<br />

— Fale.<br />

— Eu peguei sim dinheiro com sua mãe. Ela quis comprar-me com dinheiro para que eu me<br />

tornasse seu amante. Eu não queria, eu não quis. Mas ela deixou aquele dinheiro lá. Ela disse que<br />

você tinha ido embora, que estava noiva de outro homem e a ponto de se casar e que eu era uma<br />

diversão passageira.<br />

— Por que você tinha me empurrado para isso, quando não cumpriu sua palavra de ir me<br />

buscar. Eu te esperei tanto...<br />

— Eu não sabia onde você estava, Phoebe... – eu falei baixo. Finalmente ela pareceu parar de


esistir. Finalmente ela parecia estar disposta a ouvir – Eu não sabia. Sua mãe nunca me disse onde<br />

morava. Eu insisti diversas vezes, eu até quis ir à Europa, como mochileiro, de país em país te<br />

procurando. Mas eu não tinha como começar. Sua mãe tinha deixado aquele dinheiro lá, e eu achei<br />

que não haveria humilhação maior para ela do que usá-lo para encontrar você.<br />

Phoebe deixou os braços caírem ao redor do corpo.<br />

— Acha que se eu soubesse que estava me esperando. Se eu soubesse que estava grávida.<br />

Acha que eu não teria tirado você deles? Eu teria levado você para morar comigo num trailer se<br />

fosse preciso, mas não iria te deixar passar por nada do que passou até hoje. Eu teria ido atrás<br />

de você.<br />

Phoebe deu dois passos para trás antes de ir em direção à casa.<br />

— Mas não foi, Anthony. Acreditou na minha mãe quando ela disse que você era apenas minha<br />

diversão, em vez de acreditar na verdade que se lia nos meus olhos quando eu te olhava, o<br />

quanto eu te amava.<br />

Foi minha vez de silenciar. Coloquei as mãos nos bolsos, não sabia o que fazer com elas.<br />

— Anthony, minha vida foi um verdadeiro suplício durante todos esses anos. Eu dormia com Ewan<br />

pensando que a qualquer momento você poderia chegar e me livrar daquilo. Eu mesma não tinha<br />

forças por mim, demorou muito tempo para eu me tornar corajosa. Eu sempre te esperei, você não<br />

apareceu. Quando eu desisti de te esperar eu me tornei fria. Foi então que meu suplício virou um<br />

inferno. E sabe quem me colocou dentro dele, Hill? – ela delineou bem a palavra seguinte. Não com<br />

ódio, que a teria tingido de negro, mas com toques de uma tristeza azul que se assemelhava a<br />

saudade – Você.


VINTE E UM<br />

REMINESCÊNCIA<br />

NÃO HOUVE UMA conversa profunda no resto daquele dia. Em algum momento, depois que<br />

consegui dormir no sofá da pequena sala, os gritos de Valentina invadiram o meu sono. Levanteime<br />

apressado e corri para o quarto, onde Phoebe tentava controlar a filha em vão.<br />

— Me ajude, Hill – ela pediu – por favor, eu não sei o que fazer.<br />

Pelo modo que Phoebe reagiu, posso jurar que ela nunca viveu essa situação. Era possível que<br />

Valentina nunca tenha tido pesadelos tais quais o que vivenciava agora na frente da mãe.<br />

Cheguei a cama e me utilizei do mesmo artifício da vez anterior. Sentei perto dela, consegui<br />

segurar-lhe as mãos que pareciam lutar contra alguém invisível e a fiz apoiar-se ao meu peito<br />

enquanto soltava uma canção leve cantada à meia voz do fundo do peito.<br />

Aos poucos, Valentina começou a relaxar. Phoebe estava nervosa ao meu lado, o olhar dela<br />

estava coroado por lágrimas. E eu tinha que confirmar que Valentina estava bem, para poder<br />

ajudá-la.<br />

— Vai ficar tudo bem... – eu falei baixo para Phoebe e comecei a soltar Valentina devagar na<br />

cama, agora que ela já voltava a respirar tranquilamente. Era o segundo episódio semelhante que<br />

acontecia enquanto ela estava comigo. Isso não podia ser normal. – Você vai conseguir voltar a<br />

dormir?<br />

Phoebe olhou para a filha. Ainda tomada por um certo pânico. Não sabendo exatamente o que<br />

aconteceu, e sem poder ajudar mais para conseguir verificar se realmente, finalmente, estava tudo<br />

bem.<br />

— Eu preciso saber que isso não vai tornar a acontecer. Ela parecia tão assustada. Não quero<br />

deixar a minha filha só.<br />

— Eu sei – eu disse –mas o melhor a fazer no momento é deixá-la descansar. Vem comigo –<br />

estendi a mão para ela, que a tomou com pressa, como se não somente Valentina tivesse<br />

vivenciado o pesadelo, mas ela também – eu vou te fazer um café.<br />

A mão de Phoebe estava fria, ela estava muito nervosa. Imediatamente me arrependi de ter


oferecido café, quando eu deveria ter oferecido algum calmante. Como eu conheci um dia o amor<br />

de Phoebe por café, supus que ela não recusaria essa bebida.<br />

Enquanto preparava um café bem fraco, Phoebe sentou-se numa das cadeiras da bancada da<br />

mesa. E ficou com as mãos apoiando a cabeça, pensativa, nervosa, preocupada.<br />

— Isso nunca tinha acontecido antes? – perguntei.<br />

— Não... – Phoebe começou a falar – quer dizer, eu não sei. Valentina viveu a maior parte da<br />

vida em colégios internos, nunca falaram nada sobre isso com os pais. Agora que retornou, ela<br />

dorme em seu quarto, que fica longe do nosso. O isolamento acústico do prédio talvez não permita<br />

que ouçamos seus gritos...<br />

Ela se calou e levou a mão à boca. Eu via os dedos dela brancos e trêmulos demais.<br />

— Já passou. – eu disse.<br />

— Como sabe?<br />

— Ontem aconteceu a mesma coisa. Quando ela dormiu em minha casa, eu a ouvi gritar da<br />

mesma forma. Ela sofreu o mesmo pesadelo, ou um muito parecido. Eu fiz exatamente o que fiz<br />

hoje, e ela voltou a dormir.<br />

— Isso é impossível... Como você pode saber sobre isso, e eu que sou a mãe dela não sei como<br />

ajudá-la?!<br />

— Eu não sei. Eu apenas usei meu instinto. Fico feliz que tenha dado certo. E aliviado. Phoebe...<br />

Eu não sabia como iniciar a pergunta. Na verdade, eu esperava muito que eu nem mesmo<br />

precisasse fazê-la. O modo como Valentina gritava, pedindo que seu inimigo invisível parasse,<br />

parecia mostrar que alguém a tinha forçado alguma vez na vida.<br />

— Não, Hill – ela disse – não se atreva a perguntar isso.<br />

— Pelo visto eu não preciso perguntar. Você deve saber bem o que aconteceu. Se não sabe,<br />

suspeitou da mesma coisa que eu imediatamente.<br />

— Anthony...<br />

— Por favor, me deixe saber. Me permita saber. Eu sei que eu sou um idiota. Sei que eu devo<br />

ter estragado todas as chances de ter você quando ainda estávamos juntos há um bom tempo. E<br />

você não sabe o quanto eu tenho lutado para mudar isso. Para tentar reunir os pedaços e<br />

conseguir uma chance que seja. – parei de falar para respirar e continuar de forma mais calma –<br />

eu preciso saber tudo sobre minha filha. Eu tenho sido paciente, você sabe. Eu tenho sido muito mais<br />

do que paciente com tudo. Eu sei que você quer acabar com Ewan, e eu ajudo no que for preciso,<br />

mas, por favor, me conte tudo o que eu preciso saber.


Houve silêncio. Servi o café a Phoebe, ela tomou apenas um gole do café fraco com pouco<br />

açúcar e então ficou girando a caneca de porcelana entre as mãos. Os dedos dela ainda estavam<br />

nervosos, bem como o seu olhar. Quando eu estava prestes a ficar de joelhos, ela continuou.<br />

— Houve um tempo, em que eu achei que Ewan tinha suspeitado de tudo. Achei que ele tinha<br />

começado a perceber que Valentina não se parecia tanto fisicamente com ele. Ewan começou a<br />

ficar irritadiço. Depois de um tempo, tudo passou. Mas Valentina estava estranha, retraída. Eu temi<br />

pelo pior, e temi pela minha falta de coragem de deixar Ewan naquela ocasião. Foi por isso que a<br />

mandei para um colégio interno.<br />

Eu sei que tinha sido eu quem tinha pedido a informação, mesmo assim ainda parecia<br />

informação demais. Se Phoebe estava mesmo me dizendo o que eu achava que estava dizendo, eu<br />

iria trazer o inferno para a terra se preciso, mas eu iria matar Ewan com minhas próprias mãos.<br />

— Pelo amor de Deus, me diz que o que estou entendendo não é o que você quer dizer. Por<br />

que se aquele maldito ousou tocar minha filha, eu nunca irei perdoá-lo, bem como não sei se serei<br />

capaz de perdoar a mim mesmo.<br />

— Tony... – Phoebe falava espaçada. As palavras saiam como um sopro, ela estava vivendo<br />

uma grande angustia – Eu não sei... – então as palavras saíram com mais agilidade de seus lábios<br />

– eu nunca tinha vivenciado isso com Valentina. Nunca lembro de tê-la visto ter um pesadelo tão<br />

vívido assim. Eu devo estar assustada demais, talvez não esteja raciocinando direito. Eu não tenho<br />

provas, apenas minha mente perturbada por anos e anos de maus-tratos como testemunha. Você<br />

sabe que minha mente pode estar criando tudo.<br />

— Eu sei, mas levarei isso até o final. Eu vou procurar pela verdade, Phoebe. E é melhor estar<br />

preparada. Por que se eu descobrir qualquer coisa que pareça minimamente com o que me<br />

sugeriu, você não vai precisar se divorciar de Ewan. Em vez de divorciada, você ficará viúva.


VINTE E DOIS<br />

FEBRIL<br />

QUANDO EU TINHA planejado vir para o meio do nada, eu não tinha contado com o fato de que<br />

num ambiente onde estivéssemos juntos, não importava qual fosse, sempre acabávamos brigando.<br />

Fora assim em todos os nossos dias. Nós nunca tínhamos conseguido seguir em frente direito, nunca<br />

houve um perdão definitivo, era isso que faltava.<br />

A falta do meu sono regular (somente ficar cochilando quando desse, imaginando que Valentina<br />

poderia sofrer outro pesadelo e precisaria de mim) estava me afetando. Eu precisava dormir, mas<br />

também precisava conseguir o perdão de Phoebe.<br />

Quando fiz o almoço, exceto por Valentina puxando um ou outro assunto, éramos silenciosos.<br />

Provavelmente até nossa filha tinha percebido. Tudo que ela me perguntava sobre os medalhões<br />

de peixe que eu fazia para as duas, eu respondia com animo, mas ela via que não estava<br />

conseguindo arrancar muitos sorrisos de mim neste dia.<br />

Eu não sabia o que fazer para parecer mais feliz quando eu não conseguia estar. Eu não<br />

conseguia ver uma luz no final do túnel, não conseguia ver um novo caminho. Phoebe estava certa.<br />

Phoebe tinha razão em me odiar. Quando eu me coloquei no lugar dela e comecei a olhar as<br />

coisas pelo ângulo que ela olhava, eu percebi o quanto eu estava errado. Eu percebi o quanto eu<br />

a tinha magoado.<br />

Phoebe fora vítima, muito mais do que eu. Eu ousei acreditar numa mulher que nunca quis meu<br />

bem, e deixei que ela me contaminasse com mentiras. Eu deveria ter lutado mais, deveria ter lutado<br />

muito mais. Deveria ter invadido aquela casa, mesmo sabendo que qualquer denúncia me colocaria<br />

na cadeia, já que já tinha sido pego uma vez.<br />

Esse inferno que Phoebe viveu, rodeada por pessoas venenosas, era culpa minha. Cada noite e<br />

dia que eu perdi. Cada dia que eu poderia ficar ao lado delas e não fiquei, cada noite perdida<br />

em que Phoebe precisou fingir amor no começo do relacionamento dela com Ewan. Cada noite em<br />

que ela finalmente aceitou a realidade e tentou amar Ewan, e o amou, antes de ele deixá-la<br />

abandonada em seu próprio amor.<br />

Terminado o jantar, minha cabeça doía como nunca. No entanto, eu bem sabia, essa dor era<br />

muito mais emocional do que física. Eu precisava assimilar tudo, a derrota, a culpa. Era demais<br />

para minha vida confortável achando que Phoebe tinha realmente ido embora para casar com


outro homem por amor. Que ideia errada eu fazia dela?<br />

— Moças, - dirigi-me ás duas, que já tinham finalizado o jantar – vou arrumar tudo, rápido. E<br />

vou dormir. Não estou tão bem hoje para acompanha-las até mais tarde.<br />

— Tudo bem, Hill – Phoebe disse. Era uma sombra de preocupação que eu via no olhar dela?<br />

Preferia não me atar a nenhum estímulo, quem sabe se não era uma esperança infundada a que<br />

eu queria me apegar – Valentina e eu terminaremos tudo aqui. Você pode ir.<br />

— Eu posso ajudar, não estou ainda tão cansado que não possa lavar louças.<br />

— Está tudo bem mesmo, - Valentina disse – quer que eu prepare um banho?<br />

— Não é necessário – agradeci – obrigado de qualquer forma. Então, moças. Eu vou deitar-me.<br />

Pela manhã prometo despertá-las com um bom café-da-manhã.<br />

Seria nosso último dia na pequena casa. Eu não conseguiria reatar com Phoebe. Não<br />

conseguiria, nem de longe, tocar a superfície das águas que eram os sentimentos dessa mulher,<br />

imagine mergulhar fundo nelas.<br />

Eu realmente estava triste por isso tudo que havia perdido. O banho não foi tão longo, não<br />

queria levantar suspeitas das duas sobre meu comportamento. Qualquer mulher sabe que um<br />

banho longo só significa duas coisas para uma. A primeira estando descartada, só sobrava a<br />

tristeza. Coisa que eu não queria que afetasse-as.<br />

Fui do banheiro para o quarto sem chamar a atenção, as duas conversavam baixo na cozinha.<br />

Eu não queria me meter nos assuntos de mãe e filha. Já bastava tê-las obrigado a vir para o meio<br />

do nada comigo.<br />

Deitei-me na cama, assustado demais com a monstruosidade da minha própria atitude para<br />

querer olhar-me num espelho, e me sentindo extremamente insignificante para ficar acordado. O<br />

sono, o sono seria o melhor remédio para mim. Minha cabeça doía demais, demais. Eu não tinha<br />

nem mesmo forças para abrir os olhos sem que eles doessem. Meu maxilar parecia estar sendo<br />

afetado, tanto que a dor chegou num ponto tão alto, que ela mesmo parecia anestesiar-se.<br />

Pela primeira vez, em anos, chorei profundamente. Em silencio. Choro colhido do fundo da alma<br />

com amargor. Era isso que eu precisava, talvez. Por que foi no meio dessa epifania, onde me dei<br />

conta que eu a havia perdido, que eu dormi.<br />

Não sei que horas eram exatamente, quando senti uma mão acarinhar de leve minha cabeça. A<br />

mesma mão pousou sobre minha testa. Então a voz doce e fina de Valentina assobiou para mim.<br />

— Você vai ficar bem, ande, tome este remédio.<br />

Meus olhos tentaram abrir, mas o sono era tamanho que eu temia que fosse algum sonho meu e<br />

que se eu o tentasse fazer a realidade me invadisse de todo. Fiquei de olhos fechados enquanto<br />

um líquido amargo foi jogado em minha boca. O engoli sem reclamar. Ouvi o barulho do copo


sendo depositado sobre a madeira do criado-mudo ao lado da cama. Então Valentina começou a<br />

fazer um cafuné na minha cabeça. Tão de leve ele era, que aos poucos começou a me relaxar.<br />

Meus olhos queriam abrir, mas eu estava muito cansado. Ergui a mão até a mão dela e pegueia<br />

de leve. Dei um beijo na costa da mão frágil e agradeci sem me dar conta do que estava<br />

falando ao certo.<br />

— Obrigado, filha...<br />

No fundo de mim, eu sabia que tinha feito uma besteira muito grande. Porém, o que mais me<br />

chocou, não foi meu próprio atrevimento descontrolado, foi o fato de Valentina não ter recuado.<br />

Ela mesma segurou minha mão num leve aperto e deixou-a sobre meu peito, onde eu a tinha<br />

colocado. Então sussurrou de leve, tão de leve, que temo que tenha sido um sonho.<br />

— Não precisa agradecer. Você vai ficar bem, papai.


VINTE E TRÊS<br />

BROWNIE<br />

APARENTEMENTE, EU TIVE febre durante a noite, mas não consigo lembrar de nada. Especialmente<br />

por que, nesta manhã, eu não conseguia sentir nada de anormal comigo. Minha resolução de<br />

conseguir Phoebe de volta não tinha ido embora, eu apenas estava ciente de que não dependia<br />

de mim o primeiro passo para reatarmos, mas dela.<br />

Quando levantei, pelo modo que os raios de sol se projetavam pelas janelas, percebi que tinha<br />

passado e muito do meu horário. Vesti-me apressadamente e fui à cozinha, querendo aprontar o<br />

café e chamá-las, para que não perdêssemos o dia todo. Porém a surpresa foi minha quando<br />

cheguei à cozinha e já havia uma mesa posta para as duas. Além de uma caneca de curau de<br />

milho para mim com torradas e geleia. Para elas, uma bandeja de brownies de chocolate.<br />

— Nossa, isso é bem mais do que eu estava pensando em fazer. Onde vocês conseguiram<br />

chocolate? Tenho quase certeza que eu não tinha chocolate aqui.<br />

— Tinha sim, só não tinha visto direito – Valentina disse – usamos o chocolate amargo, aquela<br />

manteiga de amêndoas que você tinha aqui, o leite de amêndoas, e todos esses troços saudáveis.<br />

Não está igual a um brownie comum, mas o gosto está muito bom.<br />

— Isso significa que eu poderei comer?<br />

— Isso significa que você pode. Desde que não exagere. Não sabia que poderia comer ovos. –<br />

Valentina disse.<br />

— Tem ovos aí?<br />

— Oito, para ser mais exata.<br />

— Nesse caso eu não posso, mas apreciem. Por vocês e por mim.<br />

— Isso não é certo. Ser vegano, - Valentina tentava encontrar o termo correto com alguma<br />

vontade – vegetariano, ou qualquer coisa que isso seja, só quando convém.<br />

Phoebe, que tinha notado essa interação entre pai e filha com certo animo, finalmente olhou<br />

para mim. Que merda, ela estava tão linda quando relaxava por completo. Um macaquinho florido<br />

folgado não deveria ser uma peça fácil de usar, mas tudo parecia cair bem nela. Absolutamente


tudo lhe ressaltava, como só o podem conseguir fazer as belas mulheres.<br />

— Que tal se formos ao lago hoje, Hill? – Phoebe sugeriu.<br />

— Ao lago?<br />

— Sim, está um excelente dia lá fora. Valentina conseguiu achar sinal quando sobe na caixa<br />

d’água lá no fundo. E eu estou disposta a encarar a canoa de acrílico, desde que eu não precise<br />

mergulhar.<br />

— Se estiver bom para vocês.<br />

— Para mim está ótimo, estou conversando com umas amigas da faculdade, elas vão estudar<br />

comigo e estão querendo alugar o quarto de hóspede do apartamento. Se tudo der certo, essa<br />

renda vai me ajudar bastante e não vou precisar procurar trabalho desde o primeiro semestre.<br />

— Nesse caso, vamos.<br />

— Primeiro termine sua comida, depois saímos. Preciso pegar meu chapéu antes.<br />

Phoebe que já tinha comido com a filha, pelo menos duas fatias dos brownies, andou até o<br />

quarto e foi pegar uma roupa mais confortável. Valentina disse assim que Phoebe saiu:<br />

— Eu espero que vocês consigam se entender dessa vez. Não pense que quero que minha mãe<br />

largue Ewan para ficar com você, eles tem uma história juntos, mas também não quero ao meu lado<br />

duas pessoas que parecem tão infelizes no mesmo espaço. Resolvam isso, vou dar o tempo que<br />

precisarem.<br />

Não me deu tempo para responder ou objetar, apenas saiu me deixando sozinho na cozinha,<br />

até que a companhia de Phoebe me chegou cinco minutos depois. Se um macaquinho floral<br />

conseguia ressaltar toda a beleza dessa mulher que, incólume, resistira ao tempo, imagine um<br />

vestido longo cavado, de tons marinhos, somado a um chapéu de abas largas branco.<br />

Me pergunto onde essa mulher conseguiu colocar estes itens na pequena mala que ela trouxe, e<br />

também como ela conseguia ser tão bela com tão pouco. Droga, ela era tão gostosa que fazia<br />

partes do meu corpo doerem em abstinência. E era uma merda não poder estar dentro dela<br />

quando quisesse, já que tudo isso tinha sido culpa minha. Agora ela transparente como cristal.<br />

— Vamos, Hill. Precisamos desse tempo sozinhos.<br />

Não era como simplesmente um apaixonado por Phoebe que eu a acompanhei até a canoa,<br />

mas como um homem disposto a ouvir tudo quanto ela quisesse dizer, sem receios e sem<br />

julgamentos. Eu, talvez pela primeira vez na vida, estava pensando mais nela do que em mim<br />

próprio.<br />

— O que aconteceu ontem à noite? – perguntou. Eu não sabia do que ela estava falando.


— Ontem?<br />

— Sim, à noite. Valentina foi vê-lo na madrugada. Eu não sei o que aconteceu ao certo, apenas<br />

que ela só voltou para a cama quando já estava quase amanhecendo.<br />

— Não o sei. Eu não lembro de ter encontrado Valentina ontem.<br />

— Então deve ser verdade o que ela me disse.<br />

— E o que ela disse?<br />

— Que você estava com febre. Ela lhe deu um pouco de remédio, depois que a febre passou,<br />

você voltou a dormir. Tem que se alimentar direito, Hill. Um homem desse tamanho não pode viver<br />

de seitan e tofu para o resto da vida.<br />

— Ficaria surpresa – eu sorri e ela me acompanhou.<br />

A canoa de acrílico era excelente, não me arrependi de tê-la comprado. Podíamos observar<br />

pelo fundo dela uma boa parte, até onde a vista permitia, do fundo da lagoa. Também era<br />

possível ver uma parte dos peixes que viviam ali nadando tranquilamente.<br />

Phoebe parecia estar encantada. Enquanto ela olhava para as águas e o redor, eu apenas<br />

observava ela e mexia muito calmamente os remos apenas para criar algum movimento da nau<br />

sobre as águas.<br />

— Eu fui bem dura com você ontem, Hill.<br />

Olhei para ela, mas Phoebe apressou-se a completar.<br />

— Não pense que retiro qualquer palavra do que disse, eu não as retiro. Eu apenas poderia<br />

ter deixado você falar sem que eu ficasse jogando toda a carga do meu passado sobre você. Hill,<br />

você uma vez me disse, quando éramos novos demais, que nosso amor seria eterno. Ele poderia ser<br />

a nossa ruína ou a nossa gloria.<br />

Lembrei-me da frase trocada como confidencia ao pé-de-ouvido enquanto fazíamos amor feito<br />

dois pagãos. E percebi com uma enorme alegria, mesmo que eu não quisesse mostrá-la, que ela<br />

ainda lembrava de vários dos nossos momentos. Que o tempo não tinha conseguido me apagar de<br />

suas memórias, bem como ele nunca tinha conseguido me fazer esquecê-la.<br />

— Lembro perfeitamente.<br />

— Sinto que estamos num momento crucial. O momento em que a nossa escolha finalmente irá<br />

definir o que ele foi para nós. – Acenei positivamente, ela continuou – E eu não tenho forças<br />

suficientes para dizer que o amo, mas também não tenho forças para dizer que o perdoo. Minha<br />

mãe e você juntos, foi muito mais do que eu sou capaz de assimilar, e olha que já se passaram<br />

muitos anos, e eu não esqueço isso.


— Eu entendo perfeitamente. Até pouco tempo, eu não entendia, mas agora eu entendo. E,<br />

tenha certeza. Eu não serei mais tão louco a ponto de achar que tudo pode ser esquecido. A única<br />

pessoa que teria como esclarecer isso tudo, não pode fazer. Eu não sei o que eu posso fazer<br />

quanto a isso.<br />

Phoebe apenas me encarava, sabia bem que as minhas verdades destoavam das dela, mas<br />

ainda assim queria saber.<br />

— Apenas, Phoebe, saiba. Eu não sou mais aquele jovem irresponsável. Depois de você não<br />

houve mulher que eu amasse da forma que a amei. Você se tornou inesquecível para mim desde o<br />

primeiro momento que entrou na minha vida. Eu não sou mais aquele garoto perdido de amores e<br />

desejos na cama, eu sou um homem agora. Eu também tenho uma puta de uma bagagem, mas ela<br />

nunca será pesada demais para que você não possa entrar na minha vida.<br />

As palavras saiam como uma torrente, mas calmas. Eu precisava desabafar, mas precisava que<br />

ela as ouvisse também.<br />

— O amor que posso oferecer agora em nada se parece com o daquele jovem que achava<br />

que podia te oferecer o mundo, quando não tinha nada. Eu nunca tive raízes, Phoebe. Você falou<br />

uma coisa certa. Por que quando você se foi, você levou a única coisa na qual eu podia me firmar.<br />

E eu me perdi, me casei, me separei, e fiz tudo o mais, por que eu achei que nunca mais te teria, e<br />

estava apenas usando uma casca dura para tentar suprir todas as minhas outras necessidades.<br />

Quando eu bem sabia que a mais fundamental de todas, mais do que o ar que eu respiro ou a<br />

comida que tenho à mesa, era você.<br />

Phoebe esteve em silencio pelo resto do passeio. Eu não sei o que ela ouviu que foi suficiente<br />

para calar um pouco da angustia dela, mas eu soube que eu devo ter falado pelo menos um<br />

pouco do que era certo. Eu soube que eu falei algo que ela gostaria de ter ouvido.


VINTE E QUATRO<br />

SILÊNCIO<br />

QUANDO VOLTÁVAMOS PARA a casa, a primeira coisa estranha que notei foi a porta aberta. A<br />

caixa d’água ao fundo da casa, não tinha nenhuma jovem afoita buscando, resoluta, por um mínimo<br />

de sinal de celular. A segunda coisa estranha que notei, foi uma caminhonete vermelha parada<br />

perto da entrada da casa. A terceira coisa estranha que notei, foi quando Phoebe se retesou ao<br />

meu lado e apenas sussurrou para o vento o nome que eu não esperava ouvir:<br />

— Ewan...<br />

Imediatamente joguei os remos que ainda tinha na mão no chão e corri do píer em direção à<br />

casa. Meu Deus, tantas coisas passando pela minha cabeça. Milhares delas estavam desgraçando<br />

com meu estado de bom animo. Quando cheguei na casa, passei direto da entrada para a sala no<br />

que me pareceu um só pulo.<br />

— Valentina! – gritei para a casa vazia – Valentina!<br />

— Calma, ela está bem.<br />

Ouvi a voz por trás de mim e a reconheci de imediato. A tensão no meu corpo ainda era quase<br />

palpável, mas me obriguei a relaxar.<br />

— Maldito Alec, o que está fazendo aqui?<br />

Virei-me para Alec que vinha da direção do banheiro e estava com um sorriso de alegria em<br />

me ver bem no rosto.<br />

— Eu vim ver como estava. Quando você não atendia ligações, entrei em contato com Rosie. Ela<br />

me disse que você estava aqui. Achei que estivesse mal de novo, então estava vindo te dar uma<br />

surra e te lembrar que ainda tem compromissos no mundo civilizado.<br />

— Não sabe o susto que me deu. Eu estava... Deus do céu, eu pensei que eu iria cometer uma<br />

besteira.<br />

— O que? Do que está falando?<br />

— Aquele carro lá fora. Eu não conhecia, não tinha como saber que era seu.


— Não é meu. É de Adam, ele veio também. É um carro que ele alugou alegando que não iria<br />

gastar o carro novo nessas estradas – Alec foi até a geladeira – ele tinha razão, a situação é<br />

horrível. Como consegue vir para cá? – ele retirou uma garrafa de leite de amêndoas da<br />

geladeira e leu o rótulo – E como consegue tomar essa merda? Isso tem gosto de barro.<br />

— Onde está Valentina? – Phoebe entrou e perguntou. Ela tinha um olhar espantado no rosto,<br />

que ia diminuindo gradualmente à medida que ela reconhecia o nosso invasor. – Alec? O que? O<br />

que está fazendo aqui? Eu pensei que...<br />

Ela não completou. Eu também tinha pensado. Ainda bem que não fora verdade, eu não saberia<br />

lidar com nada disso. Não sei se conseguiria me controlar e não tirar a vida de Ewan se ele<br />

tentasse qualquer coisa com a minha filha.<br />

— Olá, Phoebe. – Alec a cumprimentou da cozinha – Me perdoe pela intromissão no pacato<br />

final de semana de vocês. Eu realmente achei que Anthony tinha vindo se trancar nessa casa como<br />

em todas as outras vezes que ele ficou para baixo.<br />

— Onde está Valentina, Alec? – foi minha vez de perguntar.<br />

— Ela convenceu Adam a levá-la até uma conveniência que vimos perto daqui. Ela queria<br />

comprar alguma comida, que ela mesma chamou de comida decente, e iria tentar ligar para uma<br />

moça que eu esqueci o nome.<br />

— Eles irão demorar? – Phoebe perguntou, agora sem a tensão na voz, visivelmente mais<br />

relaxada e aliviada.<br />

— Não creio, chegamos a um par de horas atrás. Devem estar voltando em pouco tempo.<br />

Phoebe, por favor, me diga que não estragamos tudo.<br />

— Não estragaram nada, fico feliz que tenham vindo. Assim poderemos jantar e ter um pouco<br />

mais de animação nesse final de dia.<br />

— Ai, – reclamei – bem no meu ego.<br />

— Você entendeu, Anthony. Eu até poderia abrir uma garrafa de vinho, mas você não beberia<br />

muito por causa desse seu estilo de vida “saudável” – ironizou – além disso, Alec, - ela se dirigiu<br />

ao meu amigo – você ainda é o rei das massas do ensino médio? Lembro como você fazia questão<br />

de contar isso para as garotas.<br />

— Verdade, - Alec fingiu lembrar-se de algo com saudade – nem consigo calcular quantas<br />

garotas conquistei com um pedaço de macarrão.<br />

Os dois sorriram, gargalharam, na verdade. Eu não lembro quando as coisas tinham ficado tão<br />

feias entre mim e Phoebe que eu tivesse que invejar a posição de Alec de poder fazê-la sorrir sem<br />

culpa.<br />

Ouvimos um carro estacionando, dessa vez reconheci o meu carro, o carro em que viemos, e vi


quando Valentina desceu de um lado e do outro Adam e os dois começaram a pegar sacolas do<br />

porta-malas.<br />

— Bom, isso aqui vai ficar cheio – eu disse, mas sem conseguir esconder uma pitada de<br />

amargor na minha voz, coisa que passou despercebida por Alec e Phoebe – vou tomar um banho,<br />

volto em pouco tempo. Quando não tiver mais nenhum animal morto na minha bancada.<br />

— Pode ir, aproveite o banho.<br />

Alec disse e eu me esgueirei para o duche antes que a casa ficasse lotada e eu não tivesse<br />

mais tempo para minha privacidade. A água estava fria, ou o aquecedor tinha dado problema, ou<br />

antes de sair Valentina tinha gastado toda a água aquecida num banho. Era melhor assim, já que a<br />

água fria levaria para longe os pensamentos pecaminosos nos quais Phoebe era a estrela<br />

principal.<br />

Coloquei a toalha na cintura, agora que eu tinha certo tempo para mim, já que as risadas na<br />

sala mostravam que eles estavam conseguindo se distrair bem nas companhias uns dos outros. Vesti<br />

uma roupa casual e sentei-me à beirada da cama para ler um pouco antes de voltar para sala. O<br />

“rei das massas” poderia se virar com o jantar.<br />

Quando a porta se abriu, meus olhos não puderam acreditar na visão deliciosa que se<br />

delineava para mim. A pele molhada de Phoebe sendo abraçada por uma toalha branca.<br />

Ela tinha os cabelos molhados, apagando um pouco do fogo vivo que eram eles. Eu<br />

imediatamente coloquei o livro sobre meu colo para disfarçar o volume que se tornava<br />

proeminente sob minha roupa.<br />

— Não precisa esconder isso, eu já vi. – ela falou baixo e veio para perto de mim – eu quero<br />

sexo com você, Hill. Dessa vez vou deixar você ir até o final.<br />

Levantei-me da cama e passei por ela trancando a porta rapidamente. Essa maldita mulher<br />

bipolar que numa hora me odiava e na outra hora me amava ia acabar com meu corpo e meu<br />

psicológico, mas sempre que ela pedisse eu nunca seria homem suficiente para negar.<br />

Envolvi minhas mãos em sua cintura, por sobre o grosso tecido, lhe puxando para trás.<br />

— Você não vai precisar disso – eu disse retirando o nó que ela tinha feito para prender a<br />

toalha e então ela estava nua contra mim. Meu volume escorregava deliciosamente contra as costas<br />

dela e eu puxei seu queixo para trás para que ela me beijasse.<br />

— Não faça muito barulho... – ela pediu.<br />

Obviamente ela não queria que a filha dela soubesse que ela estava prestes a transar comigo<br />

naquele quarto trancado. Ela também não queria que meus amigos o soubessem.<br />

— Farei bem devagar, eu prometo. Sem barulho... – sussurrei contra a boca dela.


Virei Phoebe de frente para mim, quase sem soltar os lábios dela e a abracei pela cintura<br />

trazendo a para perto e para cima, para que os seios dela ficassem na altura da minha boca e eu<br />

pudesse me deliciar neles.<br />

Com as pernas ao redor de mim, Phoebe gemia baixo. O que eu não sei se era o que tornava<br />

as coisas pior. Pois quando tinha um toque de proibido, aquilo se tornava ainda mais prazeroso.<br />

Deitei Phoebe com cuidado na beirada da cama, de frente para mim, e brinquei com meu dedo<br />

nela enquanto descia o zíper da minha bermuda para deitar-me nela. Era quase inumanamente<br />

possível alguém acender em mim tantas sensações distintas quanto Phoebe as acendia.<br />

Tentei mover-me sobre ela, mas o nosso peso fez a cama ranger um pouco. Phoebe iria<br />

reclamar, mas coloquei minha mão sobre a boca dela.<br />

— Shhhhh... – pedi que fizesse silêncio – ninguém pode nos ouvir.<br />

Então continuei o movimento. A cama rangeu bem menos desta vez, mas eu precisava<br />

movimentar-me mais. Precisava de bem mais que isso, precisava dar a ela, antes de tomar aquilo<br />

que eu estava buscando.<br />

Levantei-a outra vez e a fiz ficar de costas para mim, com as mãos apoiadas na parede.<br />

Dediquei o melhor beijo que pude ao seu ventre e esperei até que ela se derramasse em minha<br />

boca para então entrar nela outra vez.<br />

Eu precisava disso, eu precisava demais disso que nem podia pôr em palavras.<br />

A cintura de Phoebe ficava ainda mais bonita olhando-a nessa posição, e seu quadril era um<br />

coração perfeito. Envolvi com minhas mãos seus seios e apoiei-me sobre ela, mordendo suas costas<br />

enquanto encontrava meu momento de liberação perfeito.<br />

Seria perfeito ter mais tempo, seria perfeito repetirmos. Eu queria mais dela, sempre. Mesmo<br />

que fosse apenas quando ela quisesse, quando ela pudesse, eu realmente precisava.<br />

— Tenho que ir Hill – ela me deu um beijo na boca rápido e então sussurrou em meu ouvido –<br />

achei que tinha sido sorte, mas é verdade. Só consigo ter prazer com você.<br />

Maldita Phoebe, minha droga proibida favorita.


VINTE E CINCO<br />

CIÚMES<br />

SAIR DAQUELE QUARTO , depois de ter Phoebe entre meus braços, não foi simplesmente cansativo<br />

(meu corpo tinha se consumido plenamente dentro dela), mas torturante. Vê-la conversando e<br />

sorrindo com todos e perceber que o olhar pálido ainda tinha os mesmos fogos surdos sob a<br />

superfície, e não poder fazer nada imediato para apagá-lo.<br />

Quando terminamos de jantar, Adam foi sentar com Valentina nas cadeiras da varanda. Como<br />

era o mais jovem entre nós, provavelmente ele ainda tinha bastante assuntos afins com a jovem<br />

Valentina.<br />

Alec estava sentado no sofá que ficava de frente para a poltrona onde Phoebe estava.<br />

Enquanto isso, eu permanecia de pé ao lado da lareira observando as chamas com certo<br />

encantamento. Desde que Phoebe voltara, minha vida parecia se resumir a um constante contato<br />

com labaredas que me lembravam os cabelos dela.<br />

— Alec, você disse que estava preocupado o Hill. O que achou que estivesse acontecendo aqui?<br />

Falou sobre ele estar deprimido.<br />

Alec olhou para mim, que não ousei olhar para os dois. Eu estava com malditos ciúmes da forma<br />

como ela parecia conseguir conversar com Alec sobre qualquer trivialidade e comigo até uma<br />

saudação se tornava uma guerra, então não olhei para os dois. Preferi continuar em silêncio, afinal<br />

a pergunta não tinha se dirigido para mim. Alec tomou meu silêncio por consentimento.<br />

— Hill tem preferido ficar algum tempo, não posso dizer que seja algo regular, embora<br />

constante, sozinho. Ele vem para esta casa e eu preciso resgatá-lo, senão ele acaba perdendo<br />

todos as civilidades. E vai acabar precisando ser socializado outra vez.<br />

— Não tinha me falado isso, Hill. – Phoebe falou para mim, embora eu não me atrevesse a<br />

olhar para ela.<br />

— Não julguei importante. Eu gosto de ficar só, às vezes.<br />

— Obviamente é importante.<br />

Os dois tornaram a conversar. Eu me sentia sobrando, sem saber ao certo como entrar na


conversa animada que os dois tinham. Além disso, eu me sentia exausto. Já passavam das duas da<br />

manhã e eu não queria me levantar tão tarde. Na manhã seguinte voltaríamos para a cidade, e eu<br />

nem mesmo tinha feito um terço de todas as coisas que esperava fazer neste final de semana.<br />

Quando digo isso, não me refiro a transar com Phoebe em todos os locais possíveis da casa, me<br />

refiro a sair daqui com Valentina conhecendo a verdade. Conhecendo que eu era o pai dela.<br />

Tendo de Phoebe uma promessa a meu respeito e também detalhes sobre o tal plano de falir<br />

Ewan.<br />

— Boa noite, Alec e Phoebe. Vou me retirar.<br />

— Está se sentindo bem? – Alec perguntou.<br />

— Apenas cansado – disse e olhei para Phoebe. Ela tinha suspeitas impressas no rosto, sabia<br />

bem que não era somente por isso que eu estava me retirando, me vi obrigado a completar –<br />

preciso dormir para acordar cedo. Amanhã estaremos nessa estrada de volta antes das seis.<br />

— Tem razão. Durma bem, Hill.<br />

Phoebe me disse enquanto eu saia. Eu estava me sentindo o homem mais vil que poderia haver<br />

naquela casa. Eu estava sendo um perfeito egoísta. Eu quis que este final de semana fossemos<br />

somente eu e as duas mulheres da minha vida, mas percebi que não era assim que as coisas<br />

estavam no momento. Eu queria resolver tudo, mas não consegui.<br />

Eu percebi, com certa angustia, essa tristeza me invadindo. Era quase como se eu estivesse a um<br />

ponto de cruzar o limiar daquilo que estava prestes a acontecer e não sabia. Eu estava tenso<br />

demais, tenso demais para que as coisas encaixassem direito para mim.<br />

Alec e Adam dormiram na sala, pelo que pude ouvir da conversa em alto tom. Phoebe e<br />

Valentina dormiriam no quarto como estavam fazendo. Eu já tinha fechado os olhos, apesar de não<br />

estar dormindo, e ouvi a porta abrir devagar. Uma mão leve tocou minha testa procurando por<br />

uma febre ausente.<br />

— Boa noite, pai– era a voz de Valentina. Ela deu-me um beijo na testa e eu praticamente gelei<br />

sob seu toque. Ela realmente tinha me chamado de pai. A noite em que eu achei que ela tinha me<br />

chamado de pai em meu delírio febril, na verdade tinha acontecido.<br />

Depois disso, Valentina saiu do quarto. E eu fiquei tendo um pequeno ataque cardíaco<br />

figurativo. Meu sono fugiu, mas não tinha coragem de abrir os olhos. Valentina sabia, e tanto eu<br />

quanto Phoebe estávamos enganados quando achávamos que precisaríamos de mais tempo para<br />

contar a verdade.<br />

“Como ela soube?” fiquei me perguntando.<br />

“Eu tenho os seus olhos”.<br />

A resposta veio à minha mente. O pequeno e inocente comentário sobre meus olhos. Desde<br />

adolescente Phoebe sempre tinha notado a cor dos meus olhos. Ela sempre tecia o mesmo


comentário insistentemente.<br />

— Eu adoro seus olhos, Tony – ela dizia enquanto eu deitava na cama e a tinha sobre mim<br />

numa troca de beijos inocentes – eu gosto do formato da sua íris. Seu olho parece azul de longe,<br />

bem azul, mas de perto, a íris dele é completamente amarelada, quase da cor de mel, e você tem<br />

esse sinal quase único na íris direita.<br />

— Você sempre fala isso.<br />

— Mas é porque é a verdade. Eu conseguiria distinguir seu olho caso só ele sobrasse do seu<br />

corpo num acidente.<br />

— Nossa, baby – eu sorria da veia dramática e trágica que Phoebe sempre usava para<br />

comentar. Ela andava lendo demais livros de terror.<br />

— É a verdade.<br />

Eu não tinha prestado tanta atenção aos olhos de Valentina. Apesar da cor parecer sólida,<br />

somente agora, pensando bem nisso, me sobrevinha uma enxurrada de portraits na mente com o<br />

seu olhar em destaque. Havia uma boa dose de mel ao redor da íris azulada. Havia o mesmo sinal<br />

castanho escuro na íris direita, apesar de a dela ser um pouco mais abaixo na localização.<br />

Não tinha como as provas serem mais claras, ela realmente sabia. Juntou as peças e descobriu<br />

sozinha. Não era à toa que era tão inteligente. Valentina não era uma garota para a qual não<br />

queríamos contar sobre um fato que poderia mudar sua vida, era uma mulher e sabia bem<br />

entender que a facilidade com que sua mãe aceitava meus convites se devia a algo muito mais que<br />

amizade.<br />

A porta abriu novamente. Eu vi Phoebe entrar no quarto. Ela veio sobre mim e antes que eu<br />

falasse qualquer coisa, ela colocou o dedo indicador sobre meu lábio me silenciando. Tentei me<br />

desviar, falei baixo contra seu dedo:<br />

— Preciso realmente falar, é importante.<br />

Ela apenas me olhou de forma brava enquanto não me deixava falar. Começou a deslizar por<br />

sobre meu corpo depositando beijos pelo caminho até minha roupa de baixo. Era difícil raciocinar<br />

dessa forma, mas eu realmente precisava falar.<br />

— Phoebe, é importante... – reclamei, mas ela já tinha me colocado dentro da boca dela, e eu<br />

não conseguiria dizer que não agora.<br />

Phoebe sabia dar prazer com a boca como se fosse uma profissional. Deus do céu, eu iria até o<br />

inferno por essa mulher. O modo como os lábios dela deslizavam pelo meu comprimento enquanto<br />

sua língua fazia uma pressão certa por todo o caminho, era o paraíso na terra.<br />

Depois que ela arrancou de mim o que queria, e apesar de ainda estar duro, já estava<br />

parcialmente satisfeito. Phoebe deitou na cama. Apoiando-se nos seus antebraços. De frente para


mim. Abriu as pernas de forma provocante e com um olhar quente me mandou:<br />

— Agora é sua vez. Vem...<br />

Eu sabia que eu tinha alguma coisa para falar, mas não sabia exatamente o que era. Eu sabia<br />

que eu precisava arranjar um modo de me desvencilhar do transe em que ela sempre me colocava,<br />

mas tudo era difícil demais quando minha língua explorava sua intimidade e se concentrava<br />

apenas no sabor dela.


VINTE E SEIS<br />

SURPRESA<br />

— EU QUERO SABER ONDE está a puta da minha mulher! – os gritos se tornaram fortes e eu não<br />

consegui mais me manter sonolento. Phoebe dormira ao meu lado na cama, estava com o braço<br />

apoiado sobre mim e eu vi o momento em que ela começou a despertar, quando os seguintes gritos<br />

nos perturbaram – Vocês não podem me impedir, Porra! Cadê o caralho da minha mulher?!<br />

A situação estaria feia em pouco tempo. Phoebe se levantou apressada e vestiu uma das minhas<br />

camisas, a primeira coisa que ela pegou perto de si. As batidas na porta ficaram mais fortes. Mais<br />

fortes, ele estava jogando o corpo inteiro contra a porta, só poderia ser.<br />

Pânico havia se instalado por todo o corpo de Phoebe, ela se recolhia devagar. Seu corpo<br />

assustado parecia congelado ao sentir o cheiro do medo. Não havia no que tocar ou onde<br />

esconder-se para se proteger.<br />

A porta abriu e Ewan passou os olhos pelo aposento, pousando-o primeiro em mim, apenas com<br />

uma cueca folgada, e depois em Phoebe com apenas a minha camisa cobrindo seu corpo.<br />

— Sua puta, desgraçada! – ele comentou – Você ainda fica com esse maldito depois de ele ter<br />

comido sua mãe debaixo do seu nariz quase todo dia? Vocês são duas putas.<br />

O quê? Do que ele estava falando? Ewan quis passar por mim para ir até Phoebe, mas não<br />

somente eu o impedi, como também Alec e Adam surgiram puxando-o para fora do quarto.<br />

Ewan era uma confusão de murros e socos desferidos aleatoriamente, eles tentavam acertar<br />

quem quer que fosse, e eu apenas segurava o braço dele.<br />

— Vista-se, - eu disse para Phoebe enquanto eles dois levavam Ewan para fora do quarto –<br />

mas fique aqui, você não vai sair enquanto não tivermos colocado esse homem para fora.<br />

Eu falei, mas não era a mesma Phoebe de ontem á noite que estava ouvindo. Ela estava com<br />

aquele ar frio e social que ela utilizava para manter as pessoas longe. Como se fosse as pétalas<br />

de um copo-de-leite, sua pele parecia alertar sobre um possível desmaio. Silencio era todo o som<br />

que ela emitia, resignada como a ovelha segue para o matadouro.<br />

— Phoebe – eu avisei segunda vez – não saia deste quarto, não faça nenhuma besteira. Por


favor.<br />

Lançou-me um olhar de incertezas e não falou coisa alguma.<br />

Vesti um calção e corri para a sala sem camisa. Ewan estava praticamente possesso no meio da<br />

sala. Por muito pouco ele não estava espumando de ódio. Quando eu apareci, não houve quem o<br />

pudesse conter, Alec e Adam o deixaram escapar e ele veio em minha direção me empurrando<br />

contra a parede. Ele deve ter tido mais força quando jogava, agora parecia somente um<br />

desesperado. Talvez o desespero o estivesse enfraquecendo.<br />

— Pare, Hill. Pare, Ewan.<br />

Phoebe, a desobediente Phoebe estava saindo do quarto. Fazendo totalmente o oposto do que<br />

eu tinha lhe pedido.<br />

— Como ousou dormir com esse homem? – ele perguntou, parecia verdadeiramente que tinha<br />

algum sofrimento impresso na fala – Não tem vergonha de si, sua prostituta?!<br />

Era demais para ouvir. Querer me ofender era uma coisa, ofender Phoebe era outra. Empurreio<br />

para longe de mim até colocá-lo do lado de fora da casa.<br />

— Vá embora daqui, Ewan. Phoebe não quer mais você. Eu não quero você na minha<br />

propriedade. Continue aqui e eu vou mandar meu caseiro te caçar como se fosse um porco do<br />

mato.<br />

Valentina veio, finalmente, ver que bagunça tinha se instalado na sala. Com certeza ela tinha<br />

reconhecido a voz de Ewan. Ela tinha reconhecido o som das brigas e, pelas palavras trocadas, já<br />

sabia bem a causa de toda essa discussão.<br />

— Não, Hill – ela disse –não faça isso com meu pai.<br />

Aceras pareceu ficar satisfeito em ver a defesa de Valentina, ele viu que alguém estava do<br />

lado dele. O sorriso de deboche era para mostrar um “viu, ela faz o que quero” para mim.<br />

— Vamos embora, filha. Deixe a puta da sua mãe com esse desgraçado, eles se merecem.<br />

— Sim, senhor.<br />

Valentina disse e ia sair de perto de mim, entrar na casa.<br />

— Você não precisa fazer isso – eu disse – não precisa ir com ele.<br />

Ela sussurrou de forma quase inaudível, enquanto se desvencilhava do meu bloqueio.<br />

— Eu não preciso, mas eu quero. As coisas irão piorar se ficarmos mais tempo aqui.<br />

Éramos apenas Ewan e eu naquele espaço. Ewan andava de um lado para outro na frente do


próprio carro. Ficava batendo no capô e gritando feito um louco. Ele não estava mais discutindo<br />

comigo. A expressão de derrota misturada à ira demonstrava que aconteceu aquilo que ele<br />

esperava.<br />

— Você sabe que ela nunca te amou, Ewan – eu disse – Por que não vai embora enquanto<br />

ainda te resta um pouco de dignidade? Por que não faz as coisas decentemente pelo menos uma<br />

vez? Phoebe não quer ir, e Valentina só quer ir por que está amedrontada. Você sabe que ela não<br />

é sua filha, sabe que ela é minha. Ela não lembra você em nada.<br />

Pelo modo como ele soltou o ar que prendia sem saber, notei que ele realmente não sabia a<br />

verdade. Ele não sabia que Valentina era minha filha. Recuperou o ar e a compostura e lançou-me:<br />

— Aquela vadia não fez outra coisa senão me trair todos esses anos. Acha que não sei que a<br />

possibilidade de esse filho não ser meu nunca me ocorreu? Não pense que é o único Hill. Ela fez<br />

comigo pior do que sua mulher fez contigo. Por que até com meu irmão se deitou.<br />

Aquilo era novo, mas justo. Phoebe deveria tê-lo traído em cada oportunidade que pudesse.<br />

Mesmo se tivesse feito, ainda seria pouco para o que Ewan merece. Mas isso não era dela, não de<br />

Phoebe com seu ar aristocrático inabalável. Eu bem vi o aborrecimento que lhe causaram os<br />

olhares naquele restaurante.<br />

— Continue mentindo, Aceras. Minta para si mesmo. Aposto que essa fantasia de Phoebe te trair<br />

é o que faz teu pau levantar. Mas não se preocupe, não o julgo. Deve ser um terror viver ao lado<br />

de uma mulher que você não merece. Sempre se sentir inferior. Phoebe é digna, Ewan. Coisa que<br />

você nunca foi.<br />

— Se ela é tão digna, por que se deitou tão facilmente com você, Hill? – perguntou tentando<br />

sugerir ideias tortas demais para meus conceitos – por que mentiu tantos anos sobre a vadia da<br />

filha dela?<br />

— Para enganar um trouxa feito você. Você não tem nada aqui, Ewan. Não tem mulher, por que<br />

a sua me ama. Não tem filha, por que ela é minha. O que quer? Por que não vai embora?<br />

Era discutir com o inimigo. Era como jogar uma partida de pôquer com o diabo. Dois inimigos<br />

discutindo antes de erguer as armas. Medindo espadas para o combate. Ele sabia que estava em<br />

desvantagem.<br />

Eu achei que ele iria embora, achei que ele iria só, sem Phoebe, sem Valentina. Apenas com a<br />

vergonha de si próprio como companhia. Mas não imaginava o que Phoebe iria fazer.<br />

— Chega disso tudo, Hill. Não era assim que Valentina deveria saber. Eu vou com meu marido –<br />

ela disse – não me procure mais. Vamos, Valentina! – ela berrou para dentro da casa. Ela<br />

realmente estava cogitando ir com ele? Pela mala em sua mão não era apenas uma ideia, era uma<br />

decisão firmada. Ela estava realmente indo. A maldita Phoebe estava realmente indo embora com<br />

o maldito Ewan.<br />

— Você... Você vai com esse sujeito? – perguntei. Eu é que estava sem ar agora.


— Ele é meu marido, Hill. O que tivemos foi uma página, ele tem sido minha história.<br />

Fora essas, não houve outras palavras que tenham me magoado tanto na vida quando ditas à<br />

meia voz.<br />

— Você quer ir. Muito bem. Tem todo o direito, já que não há nada que eu possa fazer para<br />

obrigá-la a ficar, mas Valentina não irá. Valentina ficará comigo. Nem que eu precise amarrá-la,<br />

mas Valentina ficará comigo.<br />

Phoebe deu de ombros e entrou naquele carro. Valentina estava saindo com a própria mala,<br />

mas quando viu o carro ligar e ir embora sem ela, ficou primeiro chocada e depois desolada.<br />

Lembranças pareciam estar sendo passadas diante dos seus olhos num momento crucial. Phoebe, a<br />

mãe dela, tinha ousado partir sem ela. A mãe dela a tinha ousado partir. A mãe dela.


VINTE E SETE<br />

DESILUSÃO<br />

APESAR DA ENORME DOR DE CABEÇA. Isso — Eu não sei o que estava pensando... Não sei o que<br />

estava pensando. — Valentina repetia para si mesma, ela não tinha a menor ideia do que estava<br />

acontecendo, apesar de agora tudo parecer estar se encaixando na minha cabeça – Eu achei que<br />

ele tinha vindo nos buscar, mas ele me olhou como se eu fosse algum peso extra que ele estava<br />

querendo livrar-se.<br />

Meus braços ao redor de Valentina estavam tentando confortá-la. Eu não sei ao certo como<br />

tudo isso tinha acontecido, mas numa noite eu estava escondendo uma verdade que estava prestes<br />

a colapsar, no outro, eu estava consolando minha filha do que eu nem sabia ao certo o que era.<br />

— Tudo vai ficar bem, hoje mesmo você vai morar comigo. – eu disse – eu mando Rosie comprar<br />

roupas para você, e tudo o mais que você precisar. Eu não quero você naquele apartamento<br />

enquanto você estiver lá.<br />

— Eu não quero aquilo, eu não quero morar lá. Minha mãe comprou para mim, mas é o dinheiro<br />

dele. Deus, eu não quero. Eu não quero pensar que minha mãe é capaz de me abandonar ou algo<br />

assim, mas ela foi embora.<br />

— Tudo vai ficar bem, eu disse. – peguei o queixo dela na mão e a fiz me olhar com seus olhos<br />

azuis. A coroa de cílios que escondia seu olhar estava ainda com algumas gotículas de lágrimas. Eu<br />

jurei para mim mesmo que esse homem nunca mais faria a minha filha chorar, ou eu o mataria.<br />

— A culpa é sua, pai. – Ela falou para mim com tanta facilidade, que eu não conseguia<br />

entender como eu pude viver tanto tempo longe deste adjetivo – O que fez para que ela quisesse<br />

ir embora? Ela parecia tão feliz ontem, conversamos tanto à noite. Por que tudo acabou assim? Eu<br />

achei que esse final de semana seria o suficiente para que vocês se entendessem, mas não foi o<br />

que aconteceu. Achei que esse final de semana seria para mim, mas então isso tudo acontece...<br />

— Eu estava esperando o melhor momento, mas ainda bem que você não fez o mesmo. Eu não<br />

sei como eu ficaria se você não estivesse ao meu lado agora.<br />

Todos éramos uma confusão. Adam estava sentado na banqueta da cozinha, o cabelo num<br />

coque samurai ridiculamente mal feito. A cara de sono, a adrenalina parecendo correr ainda em<br />

pequenas explosões por todo o corpo. Alec também mantinha silêncio, mas, diferente do silêncio


irritado de Adam, o dele era mais contemplativo. Alec era um calculista nato, eu quase conseguia<br />

ouvir as suas engrenagens funcionando.<br />

— Todos acordamos muito repentinamente. – eu disse para Valentina – vá preparar-se, vista<br />

uma roupa e arrume suas coisas. Eu vou preparar algo para comermos. Assim que prepararmos<br />

tudo, vamos para casa.<br />

— Certo.<br />

Duas sílabas não deveriam ser lançadas com tamanha tristeza.<br />

Valentina carregou com dificuldade o peso do próprio corpo até o quarto. Em poucos minutos<br />

estávamos à sós. Eu fui procurar algo para fazer na geladeira. As compras feitas não foram<br />

planejadas para cinco pessoas. Pelo menos ainda havia massa para panquecas integrais na<br />

geladeira. Faria duas para cada um e um pouco de suco. Meu animo para cozinhar era igual ao<br />

meu animo para com Phoebe nesse momento – nulo. Então tudo devia estar bem mal feito. Quando<br />

queimei a segunda panqueca seguida, joguei as a vasilha com a massa na pia e desliguei o fogo<br />

irado.<br />

— Para o inferno toda essa merda! – o vasilhame de acrílico se espatifou e todo o granito da<br />

pia foi sujo. Meu único lamento, era dar tanto trabalho para quem viesse limpar depois.<br />

— Está tudo bem. – Adam disse- a gente come alguma coisa no caminho. Se houvesse algum<br />

delivery para cá, eu pediria agora mesmo, mas não tem.<br />

— É, Anthony. Fique calmo. Quebrar suas coisas não vai consertar a situação.<br />

Apoiei as duas mãos na pia. Eu estava profundamente aborrecido. Precisava socar alguma<br />

coisa. Precisava bater em alguém que tinha por sobrenome Aceras. Precisava acabar com a raça<br />

dele. Precisava entender por que Phoebe tinha escolhido ir com ele.<br />

— Por que ela tinha que ir com ele? Que merda. Parecia que tudo ia dar certo... Quer dizer,<br />

não estávamos bem, mas eu sei que posso ser melhor do que aquele cara. Que família de merda é<br />

essa que Phoebe quer ter? O que merda há de errado com essa mulher?<br />

— Pare de maldizê-la, - Alec disse – não percebe que há alguma coisa errada nisso tudo? Pelo<br />

que conversamos ontem à noite, Phoebe e eu, ir com o senhor Aceras parecia ser a última coisa que<br />

ela queria. Ela falava em morar só perto da mãe, não lembro em que cidade.<br />

— Do que está falando?<br />

— O que estou querendo dizer é que ela tinha planos, esses planos não pareciam dispostos a<br />

se deixarem sem cumprir. Não sei se sabe, Anthony, mas ninguém além de Adam, você e eu,<br />

sabíamos que você estava aqui.<br />

— Além dos empregados, é claro.


— Claro. Não tinha como ele saber que estaríamos aqui.<br />

— Eu não duvido do Peter – disse referindo-me ao caseiro – ele é leal. Um dos empregados<br />

mais leais que tenho. E ele nem mesmo conhecia o Ewan.<br />

— Então por que ele o deixou entrar?<br />

Havia um fundo de razão, mas essa casa que agora eu estava foi ele quem conseguiu me<br />

arrumar quando eu vim para a cidade cheio de sonhos e ambições. Ele me deu o que comer e o<br />

que vestir quando tudo o que eu pedi foi um copo de água. Não haviam razoes para duvidar dele<br />

e de sua família, que morava numa casa ligeiramente maior que a do proprietário na entrada do<br />

terreno.<br />

— Não. Deve haver alguma explicação, eu me recuso a acreditar nisso.<br />

— Muito bem, digamos que você esteja certo. O que sobra? Quem sobra? Há tanta gente que<br />

te odeia, Hill. Muitas mulheres que devem ter ficado ofendidas com os seus presentes. Tem sua exmulher.<br />

— Diana não conhecia este local. Quando ela me conheceu, eu já tinha alguma estrutura, você<br />

sabe. Eu não sei quem pode ser. Não sei realmente quem pode ter falado sobre esse local. As<br />

únicas pessoas que sabiam que eu estaria aqui eram os próprios que estavam aqui.<br />

— E Rosie... – Adam sugeriu e eu tinha um olhar no rosto de descrença, mas mal a palavra saiu<br />

de seus lábios, elas logo foram se encaixando numa teoria que fazia total sentido.<br />

— Rosie? Rosie... – soou como uma pergunta, e era o que deveria ser se não fosse uma certeza<br />

para mim.<br />

— Foi ela quem me disse onde estava quando liguei para ela. Eu não posso afirmar nada,<br />

obviamente, mas eu sei que ela também sabia onde estávamos.<br />

— Merda... Rosie não. Rosie sempre foi muito eficiente. Sempre foi incrivelmente discreta sobre<br />

tudo. O que ela ganharia com isso? Eu a pago bem. E nunca houve nada que ela me pedisse que<br />

eu não conseguisse fazer. Ela não tem motivos para me odiar.<br />

— Ao que parece, só você se acha santo, mas todo mundo que te conhece te odeia, Hill.<br />

— É, menos nós. Somos farinhas do mesmo saco. – Adam completou enquanto provava um<br />

pedaço da panqueca queimada da frigideira – Que desgraça! – ele cuspiu – Isso está horrível.<br />

Valentina saiu do quarto arrastando uma mala. Ela estendeu para mim um papel rasgado que<br />

eu não conhecia, mas pelo ornamento na beirada, parecia ser um pedaço do meu papel de carta<br />

personalizado.<br />

— Encontrei isso nas minhas coisas. É da minha mãe. Quer dizer, é a letra da minha mãe. E é<br />

para você. Eu sinto muito... – Valentina tinha uma verdadeira expressão de quem sentia no olhar.


Andei rápido e peguei o papel. As letras escritas com pincel atômico apressadamente<br />

mostravam um recado dado às pressas e sem nenhum cuidado. As letras escritas com pincel atômico<br />

eram um tapa na minha cara e no meu ego.<br />

“Está tudo acabado, Hill”.


VINTE E OITO<br />

ENIGMA<br />

VALENTINA ESTAVA INSTALADA . Alec e Adam estavam comigo. Minha filha dormia comigo em casa<br />

pela primeira vez sabendo quem eu era realmente. Eu nem podia acreditar que esse dia um dia<br />

aconteceria. Eu nem sabia que eu teria uma filha um dia, eu nem mesmo sabia que eu poderia<br />

sentir esse amor profundo por um ser ao descobrir que eu lhe era o pai.<br />

Alec tinha metido na cabeça a ideia de que Rosie era culpada. Eu não conseguia acreditar<br />

nisso. Realmente temia muito que isso fosse pelo menos semelhante a verdade. Rosie tinha sido<br />

minha pessoa de maior confiança há anos, eu não conseguia imaginá-la fazendo isso.<br />

— Ligue para ela, quando antes ela vier, antes isso tudo se esclarece.<br />

Fiz isso a contragosto. Adam estava profundamente consternado com tudo. Silencio lhe mantinha<br />

preso. Eu, no entanto, precisava deixar de me estressar. Não conseguia, ainda, entender a razão<br />

de Phoebe ter feito aquilo. Não conseguia entender o porquê de ter acabado tudo assim. Estava<br />

tudo tão perfeito.<br />

Eu sei que ela poderia muito bem ter feito aquilo apenas para que eu me sossegasse, mas<br />

éramos três homens contra Ewan. Três homens que poderiam tê-lo detido e colocado para fora da<br />

propriedade junto com seu carro exagerado. Ele não teria chance. Mas Phoebe decidiu se<br />

entregar, como se fosse uma maldita mártir. Ela achou melhor entregar-se para seu algoz.<br />

— Hill, o que houve? – Rosie perguntou preocupada. Pelo modo que as roupas dela não<br />

estavam alinhadas como de costume, apenas com uma capa sobre os ombros e zero maquiagem,<br />

eu soube que a havia despertado do seu sono e descanso. Ela nunca tinha sido chamada tão<br />

apressadamente – Eu recebi suas dúzias de ligações. Pelo amor de Deus, me diga o que houve.<br />

Droga, as coisas ficavam mais difíceis quando ela se preocupava comigo assim.<br />

— Eu vou direto ao assunto. – Adam se meteu na conversa – Como o senhor Aceras conseguiu<br />

encontrar-nos?<br />

A face dela ficou vermelha, depois pálida. Era confusão e susto o que se via em seu rosto, mas<br />

também havia uma irremediável ofensa.


— O que?! – ela perguntou quando notou os olhares de Alec e Adam inquisitórios sobre ela. Eu<br />

não conseguia continuar olhando em seu rosto – Eu nunca fiz isso, eu nunca faria isso. – ela me<br />

chamou – Hill, - olhei para Rosie – você sabe que eu não faço isso. Eu nunca ousaria prejudicar<br />

você. Eu te devo tanto, que droga, você paga a minha faculdade e a do meu irmão. Você ajudou<br />

meu pai quando ele precisou daquela cirurgia caríssima. Eu jamais seria desleal contigo.<br />

— Infelizmente, - Adam falou – eu sei que as coisas não são tão preto no branco como quer<br />

sugerir. Eu não consigo entender ao certo, mas, por favor, explique como foi o seu dia ontem.<br />

Preciso que fale tudo, preciso saber como as coisas aconteceram.<br />

— Meu Deus, eu não preciso falar nada disso. Eu não acredito, Hill, que realmente acredita<br />

nisso. Que droga, eu não acredito nisso mesmo! Olha só – ela retirou um chaveiro do bolso e o<br />

jogou para o tapete da sala – eu não quero mais isso, quer saber, não quero mais trabalhar com<br />

você. Como pode pensar isso de mim? Eu nunca, nunca, lhe dei motivo para desconfiar. Sempre fui<br />

fiel e honesta. Eu nunca ousei pegar nem uma moeda que você deixasse jogada pela casa.<br />

— Senhorita, as coisas serão mais fáceis se você começar a falar.<br />

Adam continuava insistindo como se fosse uma porra de um policial. Isso não estava mais legal.<br />

Isso não estava mesmo. Rosie jamais faria uma coisa dessas, eu sei. No fundo, eu sempre soube.<br />

— Já chega, Adam. Eu disse para vocês que ela não faria uma coisa dessas. – andei até Rosie,<br />

peguei antes o chaveiro que ela tinha jogado ao chão e o coloquei de volta nas mãos dela, mesmo<br />

que ela estivesse relutante – Por favor, me perdoe. Perdoe esta atitude. Eu estou desesperado.<br />

Phoebe – fui honesto com ela – é a única mulher que sinto que já amei um dia. Ela me deixou<br />

ontem, o marido dela apareceu lá repentinamente e ela o escolheu em vez de me escolher. Eu estou<br />

um lixo. Eu nunca achei que você realmente tivesse feito alguma coisa.<br />

Rosie procurou nos meus olhos uma ponta de mentira ou falsidade, mas não havia nenhum desses<br />

sentimentos impressos neles ou no meu rosto.<br />

— Por favor, Rosie, me desculpe. Eu não consigo viver sem você. Você sabe que é a expert<br />

dessa casa em esconder as minhas bagunças, sem você eu não vivo.<br />

Rosie sorriu de leve, ainda foi um sorriso um pouco machucado, mas ela já tinha me desculpado.<br />

— Que isso nunca mais aconteça, Hill. Ou eu vou ligar para aquele seu amigo do golfe que fala<br />

cuspindo e marcar uma hora de reunião com você. Você sabe que ele ganharia algum concurso de<br />

cuspe a distância.<br />

— Eu sei. Juro que não vou deixar esses doidos fazerem isso nunca mais. Eles me obrigaram.<br />

— Ok – Alec nos interrompeu – está tudo lindo. Tudo flores, mas ainda temos que saber como<br />

ele sabia que estava lá.<br />

— Faremos isso amanhã. Phoebe foi por livre e espontânea vontade. Eu não posso obrigá-la a<br />

voltar. O que temos que fazer é agilizar a perícia. Então saberemos quem fez aquilo. Depois disso,


eu vou tentar tirar Phoebe de lá. Ela, com certeza, está no apartamento de Valentina. Por falar<br />

nisso, - virei-me para Rosie – minha filha vem morar comigo. Eu preciso que chame uma<br />

decoradora para dar um toque mais feminino para o quarto que Valentina vai ocupar. A outra<br />

suíte com closet que fica perto da minha. Eu não acho que precisaremos trocar os móveis, mas dêlhe<br />

carta branca. Peça para as lojas trazerem peças para Valentina escolher à tarde. Acho que<br />

ela precisará de cremes, mas não sei quais são ou quantos. Então converse com ela sobre isso e<br />

marque uma hora com os seguranças para vocês comprarem essas coisas.<br />

— Ok, calma... – Rosie sorriu – respire. Eu sei como são essas coisas, conseguirei fazê-las, farei<br />

também as coisas que não consiga lembrar. Mas, me explica uma coisa.<br />

— Pois não.<br />

— Como você foi arranjar uma filha num final de semana?<br />

— Longa história encurtada – resumi – Eu não sabia que tinha uma filha. A garota linda que<br />

dormiu há uns dias, ela virá morar conosco. Por favor, faça-a se sentir em casa.<br />

— Farei isso.<br />

Adam e Alec observavam a cena. Como sempre, Adam parecia frustrado com a interrupção de<br />

seu interrogatório. Alec parecia estar com engrenagens girando na cabeça, tentando encaixar as<br />

peças.<br />

— O que foi, Alec? – viramos para ele. Eu andei até o sofá para sentar, Rosie sentou-se<br />

também com meu gesto de convite.<br />

— Essas mulheres que você dormiu. Lembra-se daquela que roubou algo seu pela manhã? A<br />

mais recente.<br />

— Lembro-me. O que tem?<br />

— E se ela não levou apenas dinheiro. E se ela levou algo mais?<br />

— Algo tipo?<br />

— Algo como sua agenda eletrônica?<br />

— Impossível – Rosie completou – está sempre comigo. Ela não poderia ter levado, eu ando com<br />

ela para todos os lados. Mesmo quando não estou trabalhando aqui.<br />

— E o seu aparelho? – Adam perguntou – disse que levaram seu celular. O que tinha de<br />

importante ali?<br />

— Meu celular? Bom. Havia meus contatos. Meus e-mails. Minhas senhas.<br />

— Havia o número do seu caseiro?


— Sim, havia. Mas isso não explica como saber que eu estava lá.<br />

— Mas é a pista que temos. Não há outra coisa a qual poderíamos nos apegar agora. Essa<br />

moça que levou seu celular tinha suas senhas, poderia invadir o seu e-mail e ler seus recados. E se<br />

você recebeu alguma ligação nesse tempo?<br />

— Ela me disse uma frase enigmática – lembrei-me – disse que não era para mim que ela<br />

trabalhava.<br />

— Isso é perfeito. – Alec disse.<br />

— O que é perfeito?<br />

— Falta bem pouco. Agora só precisamos saber para quem essa mulher trabalha.


VINTE E NOVE<br />

COMPANHIA<br />

MINHA CASA NÃO ESTAVA mais tão vazia. Não agora que eu tinha Valentina em casa. O jantar<br />

não era mais um rito solitário que eu insistia em dividir com os empregados. Agora eu tinha alguém<br />

para comer à mesa comigo sem que eu precisasse insistir no convite. O jantar foi uma formalidade<br />

estranha, não por que não soubéssemos como nos comportar um ao lado do outro, mas por que<br />

sabíamos que havia um assento desocupado que não deveria estar assim.<br />

— Você deveria dar um jeito nisso.<br />

Valentina rompeu o silencio enquanto assistíamos um filme juntos após o jantar. De algum modo,<br />

ela soube que eu não sabia da existência dela antes. Pelo modo como as coisas aconteceram, ela<br />

supôs que eu estaria tão cego quanto ela ficou no começo sobre toda essa situação.<br />

Valentina, porém, era de ouro. Uma menina de ouro. Ela conseguia ser simplesmente tão aberta<br />

comigo, como quanto teria sido com a mãe se ela estivesse aqui.<br />

— Em que, Valentina?<br />

— Nessa situação. Mamãe deve estar sofrendo. Eu não entendo o que ela fez, por que ela fez,<br />

mas sei que ela não queria ir. Ela tenta ser dura a maior parte do tempo, ela tenta ser forte, mas<br />

quando ela colapsar, não vai ter ninguém por perto se não estivermos lá.<br />

Não falei nada, não ainda, ela completou:<br />

— Eu achei que eles eram felizes. Achei que éramos uma família feliz, pelo menos enquanto<br />

estávamos longe. Agora, que eu sei que não é assim, eu tenho até medo por ela. Eu nunca tinha<br />

visto Ewan falar daquele jeito, eu nunca tinha visto isso. Eu não quero que ela esteja lá. Por que ela<br />

se submete?<br />

— Ela achou que fazia por você. Achou que você tinha uma espécie de adoração por Ewan por<br />

que não sabia que ele era seu pai.<br />

— O que? Não. Mesmo que ele realmente fosse meu pai, isso nunca aconteceria. Eu não<br />

colocaria o meu bem estar acima do de ninguém que amo.<br />

— Ela pensa igual, por isso fez tudo o que fez.


Houve silencio novamente. Uns bons cinco minutos de silencio. Mas era um som ensurdecedor. Era<br />

um som que nos mostrava o tamanho da preocupação sentada no meio da sala como um fantasma<br />

escuro a nos observar.<br />

— Por que minha mãe odeia tanto você? Por que ela acha que é melhor aquele inferno do que<br />

estar aqui?<br />

— Primeiro, por que ela está agindo nesciamente. Segundo, houveram muitas mentiras na nossa<br />

história. De algum modo, ela pensa que eu e a mãe dela tivemos um caso. Ela pensa que sua avó e<br />

eu a traíamos pelas suas costas.<br />

— Isso é verdade?<br />

— Houve uma vez em que eu achei que não teria mais Phoebe, e eu resolvi acreditar feito um<br />

idiota nas palavras dela, mesmo que ela me odiasse. E eu fiquei com ela. Antes eu poderia culpar<br />

a bebida, mas eu sei que eu deveria saber me comportar. Não que eu realmente soubesse quem<br />

ela era, o que é uma merda, por que não lembro de nada acontecer aquela noite. Apenas lembro<br />

de acordar com ela na cama no dia seguinte, com várias marcas pelo corpo, mas nada além.<br />

— Nojento.<br />

— Eu sei. Não tem como eu conseguir resolver isso. Não tem como eu provar para sua mãe que<br />

não houve nada além do que as circunstancias sugeriram.<br />

— Há sim. Você pode tentar falar com ela.<br />

— Eu já tentei, diversas vezes. Sua mãe não permite que eu toque nesse assunto por muito<br />

tempo.<br />

— Não... – ela me corrigiu e então olhou para mim – não estou falando de minha mãe. Estou<br />

falando de vovó.<br />

— O que? Aquela velha ainda está viva?<br />

— Para sua sorte, sim. Está morando no apartamento de Miami que Ewan comprou para ela.<br />

— Ela ainda vive com seu pai?<br />

— Não. Ela se divorciou pouco depois de eu nascer. Meu avô perdeu uma boa parte de suas<br />

economias e então se suicidou a deixando com dívidas. Levaram tudo, mas ela já tinha casado<br />

mamãe com Ewan, e ele acabou meio que sustentando ela para o resto da vida. Minha avó não<br />

gosta de trabalhar, isso nunca foi segredo para ninguém.<br />

— Você iria comigo até lá?<br />

— Quando quiser. Eu iria sim.


O filme acabou, não lhe demos atenção suficiente, então não havia muito a comentar sobre ele.<br />

Valentina tinha que ir à faculdade pela manhã, pegar seus materiais já que suas aulas começariam<br />

em breve. Depois disso, ela iria voltar para casa. A decoradora a estaria esperando para elas<br />

redecorarem o quarto. Teria as roupas, que ela jurava não querer pegar da casa que tinha sido<br />

comprada com o dinheiro de Ewan. Também me pediu um trabalho, mas eu disse que ela deveria<br />

apenas estudar por enquanto, e que não se preocupasse com isso. Enquanto ela estivesse morando<br />

comigo, eu não lhe deixaria faltar nada.<br />

Consegui marcar o voo para Miami para dois dias. Seria o último dia livre de Valentina antes<br />

de começar seu período, e eu já teria ido às reuniões marcadas para aquela semana. Felizmente,<br />

Rosie tinha conseguido fechar duas vendas de imóveis por mim se passando por mim nos e-mails.<br />

Ela merecia um bônus por isso.<br />

Andei para meu quarto pensando em Phoebe. Como tínhamos nos entupido de pipoca, nenhum<br />

dos dois quis comer mais nada antes de dormir. Deitei-me no cama. E peguei o Ipad para ler um<br />

pouco. Não queria ficar rolando na minha cama sem uma mulher, sem Phoebe, apenas com a minha<br />

falta de sono.<br />

Minha leitura estava fluente, sentia que aquele mês conseguiria bater minha meta de dez livros.<br />

E se eu me esforçasse um pouco mais, poderia ultrapassá-la, mas tudo foi atrapalhado quando os<br />

gritos de Valentina invadiram a casa. Gritos estridentes de puro terror. Corri apressado para seu<br />

quarto. A porta estava trancada por dentro. Que grande merda. Precisei voltar ao meu quarto<br />

para pegar a chave-mestra no gaveteiro do closet e abrir a porta.<br />

Assim que me livrei do empecilho, corri para dentro do quarto. Valentina estava sentada na<br />

cama. Abraçando os joelhos, em posição fetal. Ela estava parecendo tão frágil e com frio. Peguei o<br />

lençol e a envolvi. Sentando perto dela.<br />

— O que houve? Me perdoe por demorar. Eu não sabia que dormia com a porta fechada.<br />

Valentina não falou nada no começo, continuou se aninhando comigo. Escondeu o rosto no meu<br />

pescoço e eu fiquei protegendo-a dos monstros debaixo da cama como se ela ainda fosse<br />

pequena.<br />

— Você precisa me falar, Valentina... – eu repeti – O que você sonha? O que é que traz tanta<br />

dor para você?<br />

Nada, nenhuma resposta.<br />

— Você precisa aprender a confiar em mim.<br />

Nenhuma resposta novamente. Achei até que ela tinha voltado a dormir, mas isso não tinha<br />

acontecido. Valentina falou com voz baixa:<br />

— Eu nunca tinha lembrado do meu pesadelo até hoje. Eu sempre voltava a dormir e esquecia –<br />

ela ergueu o olhar, e eu vi sua alma se revelando através das meninas dos olhos muito abertas.<br />

Sinal de pavor – Foi ele. Ele entrava no meu quarto e me dava uma boneca. Mas me fez sentar em


seu colo. Eu só sinto a dor nos meus sonhos. Eu não sei o que aconteceu exatamente, mas eu lembro<br />

de sentir dor. Também lembro dele me chamando de gatinha antes de sair. Eu acho que é por isso<br />

que eu durmo com a porta trancada. Deve ser involuntário.<br />

— O que está me dizendo, Valentina?<br />

Meus olhos eram frios. Eu sentia ódio correndo por mim. Se eu não tive sangue o suficiente para<br />

matá-lo até agora, agora eu sentia que a vontade de ver seu sangue sobejava. A medida da<br />

minha ira já estava sacudida e transbordante. Eu precisava matá-lo. Eu precisava que esse ser<br />

deixasse de existir.<br />

— Foi ele, pai. Foi Ewan.


TRINTA<br />

PACIÊNCIA<br />

ESSE ERA O PIOR dia da minha vida. Valentina insistiu que eu ficasse com ela até ela cair no<br />

sono, o que só aconteceu quando o dia finalmente raiou depois de uma noite de assolação. Deus,<br />

eu não entendia por que coisas ruins aconteciam com pessoas boas, mas eu entendia, muito bem,<br />

sobre por que coisas ruins aconteciam com pessoas más.<br />

Eu iria fazer que o inferno fosse pouco para Ewan. Eu iria fazê-lo sentir como se tudo que ele<br />

mais temia, lhe sobreviesse de uma única vez. Eu nem mesmo tinha apetite. Eu nem mesmo tinha<br />

vontade de fazer qualquer coisa. Minha única vontade era chegar naquele apartamento, onde eu<br />

achava que ele estava, e eu iria matá-lo. Eu iria matá-lo. Nem pensei muito nas coisas, nem pensei<br />

nas consequências. Apenas queria vê-lo pagar por tudo.<br />

Pedi a Jenna que não deixasse Valentina ir à Universidade, que eu faria isso por ela. Dirigi até<br />

o antigo apartamento de Valentina e tive que subornar o porteiro para que eu entrasse. Agora eu<br />

seria reconhecido, mas não estava me importando mais. Eu apenas queria extirpar Ewan da face<br />

do planeta.<br />

O elevador parecia demorar mais tempo do que necessário. Como eles julgavam que aquele<br />

era um condomínio “seguro” muitos moradores não deixavam suas portas abertas. O que não foi o<br />

caso da porta do apartamento que eu buscava. Estava tudo quieto demais naquele andar. O que,<br />

em parte, seria bom.<br />

Toquei a campainha e fechei os punhos. Eu estava pronto para começar a dar a surra em Ewan<br />

assim que o visse, eu realmente estava louco para começar a socá-lo desde a porta, mas não foi<br />

ele quem abriu a porta.<br />

— Hill? – Phoebe estava assustada. Eu não entendia bem o que ela estava fazendo vestida<br />

apenas com um roupão como se tivesse acabado de sair do banho, mas eu sabia exatamente o<br />

que aquela cena significava.<br />

— Onde está ele, Phoebe? – Ela ainda tentou me impedir, mas entrei no apartamento. Vasculhei<br />

todos os cômodos com Phoebe gritando palavras ininteligíveis atrás de mim. Tentando me impedir a<br />

todo custo de entrar nos ambientes, mas havia ódio demais me gritando aos ouvidos para que eu<br />

fosse capaz de ouvi-la.<br />

— Você tem que sair daqui, Hill! – eu já disse.


— Você é.... – a palavra morreu na minha boca, não valia a pena maldizê-la. Phoebe era mais<br />

uma vítima de toda a situação – Phoebe, se não me disser onde ele está. Eu vou encontrá-lo. Eu<br />

não me importo em ter seu ódio, mesmo que eu precise passar por cima de você, senhora Aceras,<br />

eu irei passar. Mas não tente me impedir.<br />

— Você nunca falou assim comigo, Hill.<br />

— Não pretendia começar agora, mas você não me dá outra opção.<br />

— Eu não permito que fale assim comigo, nunca mais na sua vida.<br />

— Me perdoe, Phoebe. Eu juro que se fosse Ewan quem tivesse aberto aquela porta, eu o teria<br />

matado sem me preocupar com testemunhas.<br />

— Hill, olha para mim – Phoebe procurou meu rosto. Queria apertar-me delicadamente em suas<br />

mãos. Os olhos dela buscando os meus, mas eu não queria ser apaziguado por nada nem ninguém.<br />

– Que droga, Hill. Olhe para mim! Para de ficar se mexendo desse jeito.<br />

— O que é, Phoebe? – retirei as mãos dela de mim. Eu não queria tê-la me tocando, eu não<br />

queria ter que ver meu ódio minguar. – Ande, fale!<br />

— Hill. Está acabado. Eu consegui fali-lo, olhe – pediu e eu finalmente notei o ambiente<br />

revirado. Quebrado. Uma prateleira estava caída, pendurada apenas por um parafuso à parede.<br />

Seu conteúdo jogado no chão. A sala, que agora eu via de onde estava, estava revirada, livros<br />

jogados, moveis revirados. A bagunça era enorme.<br />

— Como fez isso?<br />

— Eu investi o dinheiro dele em empresas duvidosas ao longo dos anos, sem que ele soubesse.<br />

Uso o nome de um investidor falso, que ele nunca viu pessoalmente, para que ele não suspeite de<br />

mim. Ele pensa que essa pessoa dizimou a riqueza dela, ele pensa que essa pessoa foi quem, há<br />

quatro dias, desviou o restante do dinheiro para contas de sites proibidos. Empréstimos para pagar<br />

as contas com juros abusivos o estão deixando endividado. E, agora, com o processo do seu amigo<br />

e sem ter como pagar, é bem possível que ele seja preso.<br />

— Como sabia do processo de Alec?<br />

— Eu soube, apenas isso.<br />

— Não, Phoebe. Você está mentindo. Como sabe disso? Quem te contou?<br />

— Está suspeitando de mim, Hill?<br />

— Como sabia sobre o processo? Eu nem mesmo falei isso para ninguém. Alec também não. E<br />

ele ainda nem terminou a perícia. Como você sabe disso, Phoebe?<br />

Ela recuou dois passos, e então eu acabei concluindo tudo sem precisar de uma única palavra


dela.<br />

— Foi você, Phoebe. Foi você quem fez isso?<br />

Phoebe deu outro passo para trás.<br />

— Você não vai falar para ninguém, Hill?<br />

— Não. Eu não vou falar. – eu disse para tranquilizá-la – mas da próxima vez que for<br />

incendiar algum lugar, certifique-se que Ewan esteja dentro. Aquele miserável, não merece nada<br />

mais que o inferno como morada. – então o demônio soprou-me a pergunta – Por que está vestida<br />

assim?<br />

Phoebe ficou com o rosto vermelho, silenciosa, enquanto não respondia. Continuei:<br />

— Por que, Phoebe? Está assim? De banho tomado, como se saísse nesse minuto de uma lua-demel?<br />

Você dormiu com ele?<br />

Não houve resposta. Eu odiava os silêncios de Phoebe. Ela conseguia me encher de dúvidas e<br />

incertezas mesmo sem articular uma só palavra.<br />

— Phoebe, pelo amor de Deus, me diz que não dormiu com esse homem.<br />

— Se ele pedisse, Hill. Eu não poderia dizer não, seria pior para mim.<br />

Minhas mãos passearam desesperadas pelo meu rosto. Era impossível que ela tivesse permitido<br />

isso.<br />

— Phoebe, negue... – segurei-a pelos braços. Eu a sacudi a contragosto, eu queria um não<br />

saindo daquela boca maravilhosa, eu precisava – Phoebe, por favor, me diz que não dormiu com<br />

Ewan.<br />

Não houve negativa, apesar da resposta ter vindo.<br />

— Eu não preciso me explicar para você, Hill. Eu consegui destruí-lo e é isso que me importa.<br />

Agora ele vai pagar por tudo o que fez, vai pagar por tudo. Eu quero vê-lo na penúria – as<br />

palavras vinham repletas de ódio. A voz doce estava transtornada e o rosto era uma careta<br />

grotesca – eu o quero mendigando o que comer. Ele não tem amigos, por que é um hipócrita<br />

fingido com todos, ninguém vai ajudá-lo. Absolutamente ninguém! Eu venci, Hill. Eu consegui destruir<br />

Ewan. Um pequeno sacrifício não apaga metade da minha alegria.<br />

Era minha vez de me afastar. Minha vez. Ela precisava saber a verdade, mas ela ficaria<br />

destruída. Assim como eu. Era uma grande culpa que lhe infligiria, mas ela precisava saber. Ela era<br />

mãe dela, droga, e eu o pai. Eu li os sinais tão rapidamente, por que ela não os leu? Por que<br />

demorou tanto tempo para agir?<br />

— Você não tem um espelho, Phoebe? Não se enxerga? Não vê que está a ponto de


enlouquecer por causa desse homem?<br />

Meu companheiro de rotina nas discussões com essa mulher, o silencio, apareceu.<br />

— Phoebe – eu recomecei – você conseguiu tudo que queria, conseguiu tudo, mas não se vingou<br />

por tudo. Você se vingou por todas as coisas que ele fez com você, mas não se vingará pelas<br />

coisas que ele fez a nossa filha. Por essa, me vingarei eu.<br />

— Do que está falando, Hill? – houve uma nesga de preocupação verdadeira quando<br />

mencionei nossa filha na conversa. Houve finalmente um quê de outro sentimento que não fosse<br />

apenas o regozijo de uma vingança louca sendo cumprida.<br />

— Você passou tanto tempo se concentrando em Ewan, em vigar-se de Ewan, em falir Ewan, em<br />

foder com a vida dele. Que não percebeu os sinais. Merda, mulher. O maldito do seu marido<br />

abusou de nossa filha quando ela era apenas uma criança.<br />

Phoebe levou as mãos à boca em horror. Ela parecia um rei que consegue chegar ao trono<br />

para o qual precisou matar todos os seus entes queridos. Ela estava sozinha em sua vitória.<br />

— Você não soube interpretar as coisas, Phoebe. O medo que Valentina sentia dele, você a<br />

mandou para longe, mas essas lembranças nunca se apagaram da mente dela. Por isso ela tem<br />

esses malditos e vívidos pesadelos onde ela é revisitada por esse maldito. Ela nem mesmo<br />

conseguia se lembrar. Imaginou o trauma? Imaginou o trauma que nossa filha carregou todos esses<br />

anos?<br />

— E onde você estava, Hill? Nós precisávamos de você antes. As duas precisávamos de você,<br />

mas você não estava lá. Você nunca esteve lá. Isso é tão culpa sua do que minha.<br />

— Você tinha escondido que eu tinha uma filha todo esse tempo. Queria o que? Queria que eu<br />

adivinhasse? Mas não se preocupe – adicionei com ar soturno – a minha parte da culpa, eu vou<br />

zerar hoje mesmo. E você – eu falei alto para que ela tornasse a olhar para mim – você vai me<br />

falar onde ele está.


TRINTA E UM<br />

VINGANÇA<br />

EWAN SAÍRA DE VIAGEM . Tinha ido à Miami, Phoebe disse, mas eu tenho quase certeza que ela<br />

está mentindo. Pelo menos por um tempo eu achei que ela estava mentindo. Eu não queria lidar<br />

agora com ela, não queria lidar com ninguém. Minha raiva estava tremenda, eu não conseguiria<br />

contê-la dentro de mim sem descontar nos outros. Eu realmente não conseguiria contê-la em mim.<br />

Liguei para Alec com o carro em movimento. Que merda, eu deveria parar de fazer isso, se eu<br />

morresse agora, Valentina não seria beneficiária no meu testamento. Eu tinha que alterá-lo o<br />

quanto antes. Eu deveria ter feito isso há tempo, ainda era Diana quem ficaria com tudo se eu<br />

morresse num acidente nesse dia.<br />

— O que foi? Onde você está? Valentina disse que foi atrás de Ewan. Por favor, Anthony, não<br />

faça nenhuma besteira.<br />

— Eu vou matá-lo, Hill. Sabe disso. Eu realmente vou matá-lo quando puser as mãos nele.<br />

— O que ele fez de tão grave? É por causa de Phoebe? Ele pode pagar de outros modos que<br />

não com a vida.<br />

— Está defendendo ele agora? É amigo dele agora, Alec?<br />

— Que ele vá para o inferno. Eu não quero que você passe o resto da vida atrás das grades.<br />

Eu não quero ver você preso, você é meu amigo, porra!<br />

— Sinto muito. Eu não me importo.<br />

Então, houve um barulho na ligação. Eu imaginei que Alec estaria ligando do escritório, mas ele<br />

estava em minha casa. Valentina tinha tomado o celular das mãos dele e então estava falando<br />

comigo.<br />

— Pai, por favor. Não... Não faça isso. Eu não conseguiria conseguir lidar com essa história. Um<br />

padrasto abusador e um pai assassino. É demais para mim. Sinto que iria enlouquecer.<br />

— Minha filha... Sinto muito. Sinto muito mesmo.<br />

Encerrei a ligação e continuei a dirigir. Nem que eu precisasse dirigir até Miami, mas hoje Ewan


não estaria mais vivo para tocar em mais coisa nenhuma com as mãos imundas dele. Eu me sentia<br />

frustrado, muito frustrado. Eu não conseguia nem imaginar as coisas que eu seria capaz de fazer<br />

com ele se esse maldito estivesse à minha frente. Eu só conseguia pensar em muitas e muitas<br />

maneiras de acabar com ele.<br />

Eu tinha que encarar vinte horas trancado neste carro para chegar lá, então deveria pensar<br />

bastante em tudo o que tinha que fazer. Eu tinha que pensar em tudo que deveria fazer para<br />

ocultar minhas pistas. Eu não poderia usar de taxi aéreo para Miami, isso me colocaria na cena do<br />

homicídio de Ewan imediatamente. Eu não poderia usar meus cartões no caminho, o que era uma<br />

pena. Já que eu tinha pouco dinheiro comigo no carro. Eu provavelmente iria gastá-lo somente com<br />

o combustível e pedágio.<br />

E eu teria que pensar em todas as maneiras de matá-lo. Eu tinha que pensar em todas as<br />

maneiras de não estar implicado na cena quando Ewan estivesse jazendo no chão. Ainda não sei<br />

por que os caracteres ficcionais insistem em usar uma maldita ampola de veneno. Qual é? Vocês<br />

são muito mais inteligentes que isso. Basta usar uma maldita seringa vazia e preencher a veia da<br />

maldita pessoa com ar. Sem rastro, sem nada. Apenas bolhas de ar que irão se dissipar e irão<br />

causar um infarto cardíaco. Causa da morte – infarto cardíaco. Nada mais a se preocupar. Coloca<br />

uns fios de cabelo do seu maior desafeto na cena, use botas maiores que o seu número e pronto.<br />

Terão uma imagem totalmente errada do assassino, isso se pensarem que há um assassino. Use<br />

malditas luvas.<br />

Eu quase já posso ver o obituário “morte derivada de causas naturais”.<br />

Eu tinha um sorriso maníaco de orelha a orelha, eu devia estar enlouquecendo, mas agora isso<br />

era um bom sinal. Eu quase conseguia pensar na forma perfeita de deixá-lo saber o porquê dele<br />

estar morrendo. O problema era que eu não tinha nenhuma dessas coisas comigo. E não poderia ir<br />

comprando-as no caminho sob risco de levantar suspeitas. Se bem que...<br />

Eu não sabia onde ficava o maldito apartamento. Ewan era uma pessoa conhecida, assim que<br />

soubessem que ele estava naquela cidade, os fotógrafos e jornalistas se amontoariam na porta do<br />

local. Eu tinha que ser muito inteligente para conseguir me desviar dos seus holofotes. Eu precisava<br />

apenas chegar em Miami e ir a um cyber café para pesquisar as notícias sobre Ewan. Eu<br />

conseguiria saber onde ele está. Eu conseguiria saber o endereço de Sabina. Eu conseguiria<br />

encontrar o rastro fétido dele, eu conseguiria finalmente alcançá-lo.<br />

Tudo estava seguindo conforme o planejado. Vinte horas passaram devagar, mas ainda assim<br />

passaram eficientemente ligeiras para que eu conseguisse fantasiar em todos os detalhe todas as<br />

cenas. Eu tinha até um script pronto para o caso de precisar discutir com Ewan sobre as razões<br />

pelas quais eu o estava matando. Eu tinha apenas esse resto de dia, já que Valentina pegaria o<br />

voo que tínhamos marcado e, em breve, estaria indo direto para o apartamento da avó.<br />

Tudo estava se encaixando. Quando ela chegasse na cidade, a polícia muito provavelmente já<br />

teria conseguido descobrir sobre a morte. O apartamento estaria fechado para investigação e<br />

Valentina não conseguiria ver o cadáver.


Era melhor assim. Nunca mais ela teria pesadelos. O monstro de debaixo da cama que sempre<br />

adentrava os seus sonhos estaria distante demais, longe demais para tocá-la outra vez. Deus do<br />

céu, ele tinha tocado minha filha... Ele tinha tocado minha filha quando ela não era nada mais que<br />

um anjo...<br />

Eu chorava, eu chorava por não ter sido suficientemente bom para que Phoebe nunca<br />

precisasse ter estado com Ewan. Chorava por não ter conseguido ser um pai presente, por não ter<br />

a mutante capacidade de rastrear mentes para saber onde e o que Phoebe pensava. Eu chorava<br />

por saber que a morte de Ewan apenas apagaria seu futuro, mas não reescreveria o passado.<br />

Meu propósito era firme, minha vontade transparente. Não tinha nada que pudesse me impedir<br />

de matá-lo. Exceto uma coisa. Uma coisa que eu não seria capaz de imaginar. Uma coisa que eu<br />

jamais pensei que seria capaz de presenciar e lamentar por isso.<br />

Depois de esgueirar-me pelos jornalistas, fingindo ser um maldito paparazzi e subornando com<br />

apenas vinte dólares o membro da limpeza para me vender um uniforme dos profissionais da<br />

limpeza do edifício, e entrar naquela porta sem dificuldades. Eu não esperava jamais o que iria<br />

encontrar.<br />

A porta se abriu e eu entrei em silencio no apartamento. Procurei ao lado da porta de entrada<br />

um interruptor e o achei não muito acima do chão. Quem coloca interruptores perto do chão? As<br />

luzes se acenderam e Ewan estava deitado numa poltrona numa posição grotesca. A cabeça numa<br />

curva estranha, o olhar vidrado nalguma coisa ao alto. E a boca numa carranca terrível. O peito<br />

tinha um rastro de sangue que banhava o torso da camisa e escorria pelas pernas até o jeans<br />

entrando pelos sapatos.<br />

Apesar da cena terrível, ele estava vivo. Ele respirava. Maldito vaso ruim do caralho que não<br />

quebrava. Maldito Ewan que conseguia estar vivo com um buraco no peito e não sei quanto de seu<br />

sangue derramado.<br />

Andei até ele. Eu fiquei de pé ao seu lado. Eu queria enroscar minhas mãos ao redor de seu<br />

pescoço, eu queria acabar com isso mais rápido. Mas assisti-lo em sua agonia estava inebriante.<br />

Ewan deslizou os olhos como se fossem duas pedras frias para mim e um sorriso surgiu na sua<br />

carranca de morte que lhe serviria de máscara mortuária. Com muita, mas muita dificuldade ele<br />

articulou as suas últimas palavras. Ele articulou-as todas e conseguiu falar ainda para me deixar<br />

em mais agonias do que eu julgava ser possível. Ewan era um demônio, e mesmo em morte<br />

conseguia ser terrível.<br />

E as palavras que ele soprou foram estas:<br />

— Eles vão pensar que foi você quem me matou.<br />

Nem um minuto depois de falar isso, a cabeça de Ewan pendeu para o lado mais ainda do que<br />

eu achava ser possível. Os olhos dele perderam o foco e ouvi um grito atrás de mim. A porta<br />

aberta emoldurava uma mulher com puro horror nos olhos. Era Sabina, mãe de Phoebe, avó de


Valentina. Ela cobriu a boca com amargor e gritou com veneno derramando dos lábios.<br />

— Hill? É você? – completou – Oh meu Deus, Hill, você o matou.


TRINTA E DOIS<br />

PROCESSO<br />

— ADAM, EU ESTOU com um problema.<br />

— Você fez alguma merda, Anthony? Por que se fez, eu juro. Eu vou dar uma surra em você de<br />

Miami até Nova York. Onde você está?<br />

— Estou na delegacia de polícia. Eu não queria ter que explicar mais nada pelo telefone, você<br />

consegue vir para cá imediatamente? Eles me deram direito a uma ligação e eu estou ligando para<br />

você.<br />

— Estou indo para aí agora.<br />

— Ótimo, se apresse. Por que estão me acusando do homicídio de Ewan Aceras.<br />

— Não fale nada sem que eu esteja ao seu lado. Permaneça em total silêncio. Não responda<br />

nada mesmo até eu chegar. Peça papel de carta e uma caneta e registre toda a sua rotina desde<br />

que chegou e escreva também como está sendo tratado.<br />

— Muito bem, apresse-se. Por que estão querendo me dar uma prisão preventiva por ter sido<br />

pego em flagrante.<br />

Adam encerrou a ligação e o delegado guardou o telefone no gancho outra vez. Os olhos do<br />

senhor McFerry eram perscrutadores demais. Ele procurava arrancar apenas com um olhar<br />

incomodo uma confissão, mas não tinha o que eu falar. Afinal de contas, eu não tinha matado Ewan.<br />

Eu realmente não tinha mandado matá-lo, muito menos o matado, como foi a minha vontade.<br />

Embora eu agora estivesse feliz que ele estivesse morto. Os pesadelos para Valentina acabaram. E<br />

Phoebe pode viver tranquila sem Ewan em seu encalço.<br />

— Senhor Hill, conte-nos o seu trajeto. O senhor pode começar a falar tudo e nós poderemos<br />

lhe dar as melhores opções para cumprir sua pena. Pense em todas as pessoas que ficariam<br />

implicadas caso sua acusação fosse consolidada e o senhor culpado por um homicídio como este.<br />

Em Miami temos pena de morte, o senhor estaria bastante encrencado.<br />

— Obrigado. Prefiro me manter no meu direito até que meu advogado chegue. Ficarei calado<br />

e peço que o senhor não insista com as perguntas. Eu não quero ter que processá-los por isso.


— Hill... Hill... Hill... – McFerry balançou a cabeça grisalha como se fosse um pai desapontado<br />

com o filho – quanto mais tempo demora para falar, mais nos indica que está pensando em um<br />

modo de tentar encaixar inocência nisso tudo.<br />

— O senhor o disse, não eu.<br />

— Vamos lá, Hill. Apenas algumas palavras e você poderá acabar com toda essa agonia. Não<br />

precisamos ter que colocá-lo numa cela e obrigá-lo a falar, mas se precisar iremos fazê-lo.<br />

— Façam como quiserem.<br />

McFerry se irritou. Pediu aos seus policiais que me colocassem numa cela apertada. Pedi-lhes<br />

papel de carta e os mesmos me negaram. Adam iria se banquetear com os processos que poderia<br />

colocar em todos. Eu estava apenas quieto o suficiente para ouvir meus próprios pensamentos.<br />

Sabina muito provavelmente estaria numa dessas salas onde interrogam as testemunhas. Ela<br />

deve estar contando toda a minha vida para esses homens. Deve estar contando tudo que eu já fiz<br />

de podre na minha vida para os homens fardados que estavam salivando feito lobos famintos<br />

para essa boa história.<br />

Acordei com um dos policiais abrindo a porta da cela. Eu seria levado para falar com meu<br />

advogado. Adam tinha chegado miraculosamente em dez horas. E já tinha notado mais de meia<br />

dúzia de infrações.<br />

— Hill, o que fez, amigo?<br />

— Não fiz nada.<br />

— Você pode falar comigo verdadeiramente. Alec me contou tudo. O que estava pensando?<br />

Estava mesmo achando que acabaria tudo assim? Facilmente?<br />

— Escuta, Adam. – pedi-lhe – Você sabe que eu cumpro tudo aquilo que me determino a fazer.<br />

Dessa vez não fui eu quem cumpriu. Quando eu cheguei lá, eu estava totalmente disposto a matálo,<br />

mas ele já estava morto. Eu ainda o vi dar os últimos suspiros antes de debochar de mim e<br />

falecer.<br />

— Não foi você?<br />

— Não, Adam. Não fui eu.<br />

— Graças a Deus. Eu já estava parindo um tijolo. Conte-me tudo. Passo a passo. Você vai<br />

escrever então tudo conforme eu te disser e não vai passar mais um dia nesta delegacia. Os<br />

legistas devem estar finalizando a autopsia.<br />

— Você é quem entende isso, não eu. Eles não vão achar nada em mim, nem nas minhas roupas.<br />

Eu nem mesmo toquei aquele homem. Foi Sabina que começou a gritar feito uma desesperada me<br />

acusando e chamou a atenção de toda a segurança falha do prédio. Eu fui disposto a matá-lo, sim.


Aquele maldito estuprou a minha filha. Eu o teria partido aos pedaços se fosse preciso, mas eu não<br />

cheguei a tempo.<br />

— Ainda bem que não chegou a tempo. – Adam disse e pegou seus papeis timbrados para que<br />

eu começasse a escrever – escreva tudo em detalhes. Mesmo que tenha pré-determinado a si<br />

mesmo a matá-lo, não podem culpá-lo disso. Além disso, os policiais já disseram que ele foi morto<br />

com um tiro. E um exame balístico minucioso pode provar que não há pólvora em suas mãos.<br />

— Eu também subornei o pessoal do prédio para subir. Peguei o elevador, as câmeras de<br />

segurança do prédio podem me ver nas imagens. Eu não estava no apartamento dele quando um<br />

sortudo o matou.<br />

— Isso terá que bastar. Estão lhe tratando como suspeito quando deveria ser tratado como<br />

testemunha. Qualquer juiz pode lhe conceder um habeas corpus. Eu vou ligar para um dos meus<br />

amigos da cidade. Ele namora um juiz conhecido, talvez eu consiga mandar os documentos e ele<br />

ainda consiga ordem para que saia daqui.<br />

— Certo.<br />

— Está com fome? – eu posso pedir que tragam comida para cá.<br />

— Não muita, mas peça alguma coisa. Pode dar comida para seus clientes?<br />

— Seriam muito corajosos de tentar me impedir.<br />

Dito isso saiu. Ele era um advogado respeitado e temido. Mesmo que seu cabelo de surfista<br />

sugerisse o contrário, e fora as enrascadas amorosas que se envolvia de vez em sempre, Adam<br />

era muito eficiente. Eu estava em boas mãos. Eu espero.


TRINTA E TRÊS<br />

PROVAS<br />

EU ESTAVA NA CENA DO CRIME , mas não cometi o crime. Sabina estava demasiadamente nervosa<br />

e acabou sugerindo aos policiais algo que não aconteceu. O testemunho dela seria infalível e eu<br />

poderia até ficar vários dias na cadeia até que eu conseguisse realmente provar que eu não<br />

estava lá, se Adam não conseguisse provar através de um especialista forense contratado que eu<br />

não estava lá na hora do ferimento por arma de fogo, e que eu ainda estava no elevador quando<br />

a arma teria disparado. E o mais importante, alguém saiu do apartamento pelo menos cinco minutos<br />

antes de eu entrar e deixou um rastro de pólvora no corrimão das escadas, enquanto eu, tinha as<br />

mãos e as roupas limpas.<br />

Além disso tudo, o apartamento um eficiente sistema de segurança com imagens sendo gravadas<br />

na central do servidor. Adam não teve tanto trabalho.<br />

Os policiais que decidiram me manter em custódia acabarão sendo processados por dar<br />

ouvidos a uma mulher desesperada. Muito provavelmente conseguirão provar sua inocência, assim<br />

como eu, alegando que estavam apenas cumprindo o seu dever. De qualquer modo, eu não fui<br />

acusado formalmente e me encaixei apenas como mais uma testemunha do crime do que como um<br />

suspeito.<br />

Obviamente minha viagem de vinte horas ininterrupta e foi mencionada, mas agora eles<br />

estavam atrás da pessoa que saiu antes de mim da casa. O juiz amigo de Adam me livrou de<br />

permanecer mais tempo atrás das grades com um pedido de soltura imediato. Eu ainda poderia<br />

ser intimado a depor em qualquer momento, mas isso não significava mais que eu seria acusado.<br />

Apenas<br />

Ewan estava morto e eu não precisei sujar minhas mãos no sangue dele. Phoebe estava livre,<br />

Valentina não teria mais pesadelos, e eu não precisei sujar minha índole para isso. Eu poderia<br />

tentar reconquistar Phoebe definitivamente. Fazê-la enxergar tudo que fez, e convencê-la a morar<br />

comigo. Poderíamos tentar ser uma família feliz enquanto eu ainda vivesse.<br />

Adam queria que eu saísse da cidade, queria que eu fosse embora. Queria que eu<br />

desaparecesse dali e só reaparecesse quando fosse chamado, mas eu ainda não tinha finalizado<br />

meus objetivos em Miami. Eu tinha que falar com Sabina. Eu precisava entender, precisava saber o<br />

que ele tinha dito a Phoebe que a fez me odiar tanto. Eu precisava derrubar esse muro de<br />

mentiras para que Phoebe pudesse me amar de verdade.


Com Sabina enchendo de declarações os jornais, eu não precisei ir longe demais para conseguir<br />

o endereço do hotel onde ela decidiu se instalar enquanto as investigações no apartamento ainda<br />

não tinham findado.<br />

Comprei roupas novas com meu cartão de crédito, eu já poderia usá-lo sem levantar suspeitas e<br />

troquei-me no próprio vestiário da loja. Desde que fora para meu refúgio particular, eu não tinha<br />

barbeado o rosto, então a barba já estava levemente crescida. Apesar do cabelo mal penteado e<br />

da barba por fazer, eu ainda tinha conseguido um bom resultado. Joguei minhas roupas sujas fora.<br />

Não valia a pena ficar guardando-as. Elas não me trariam boas lembranças.<br />

Andei pelo centro até encontrar o imponente hotel onde Sabina estava. Identifiquei-me na<br />

recepção. Achei que teria que insistir um pouco mais, mas curiosamente Sabina permitiu que eu<br />

subisse assim que ouviu meu nome.<br />

A porta se abriu e vi o rosto que eu não via há muitos anos. Sabina ainda era uma mulher<br />

bonita, embora fosse visível na tensão de sua pele que ela fazia uso de artifícios para manter a<br />

aparência que os bons genes lhe conferiam.<br />

— Anthony Hill, quanto tempo. Entre, por favor.<br />

O quarto não era tão grande para que não sentisse a claustrofobia por estar ao lado dessa<br />

mulher. A que foi responsável por me separar de Phoebe. Eu ainda consigo ver a menina de<br />

dezesseis anos olhando para a mãe com temor, segurando minha mão, quando achamos que tudo<br />

daria certo e que não precisaríamos esconder nosso amor de ninguém.<br />

— Aceita alguma coisa, Hill? – Sabina andou em direção ao frigobar do quarto. Dentro havia<br />

muitas miniaturas de bebidas, vi quando ela abriu a porta, e quase nenhum alimento. – Desculpe<br />

por não oferecer algo melhor, mas mataram um homem na minha sala de estar, eu não consegui<br />

retirar o caviar da despensa.<br />

— Eu detesto caviar. E não tornaria a beber outra vez perto de você. Que mentiras seria capaz<br />

de contar desta vez? – era verdade, comia obrigado em festas. Minha ascendência de uma classe<br />

laboriosa nunca me permitiu ver o prato como uma iguaria, mas como ova de peixe.<br />

Sabina pegou uma garrafinha miniatura de Red Label e tomou alguns pequenos goles de seu<br />

conteúdo. Depois desculpou-se:<br />

— Me perdoe por necessitar de uma bebida, eu realmente não quero ficar sóbria para essa<br />

conversa. – ela deu outro gole que deslizou com facilidade. – Aposto que está aqui para saber<br />

sobre sua filha. Quer confirmar se a filha é sua? Pois bem, ela é sua. É isso que quer saber?<br />

— Eu já sei que Valentina é minha filha. Eu já o tinha descoberto antes. Eu apenas quero saber<br />

sobre as mentiras que contou para Phoebe. Por que ela me odeia tanto? Por que ela fica sempre<br />

receosa comigo? Por que ela não consegue acreditar que eu a amo mesmo depois de todo esse<br />

tempo?<br />

Sabina sorriu e apontou um dedo para mim cuja unha estava pintada de vermelho. Ela então


engoliu um pouco mais da bebida e então enxugou os lábios com as costas das mãos. A mulher<br />

refinada estava dando lugar a bruxa má que ela sempre foi. Uma péssima mãe, uma péssima<br />

esposa. Uma péssima sogra.<br />

— Ora, doce Anthony. Eu não posso fazer nada se sua palavra não é suficiente para Phoebe.<br />

Ela sempre foi muito metódica, muito pragmática. Se eu apresentasse um fato para ela, Phoebe se<br />

apegaria nele enquanto alguém não o refutasse como inverdade.<br />

— Por isso mentiu sobre nós para ela? Por isso disse que tivemos um caso para ela, quando na<br />

verdade dormimos apenas uma noite juntos?<br />

Outra vez o riso argentino ecoava pelo quarto de mobília amadeirada sofisticada. Phoebe<br />

tomou outro gole e a pequena garrafa se esvaziou. Ela levantou-se para ir ao frigobar, supus<br />

corretamente que para pegar outra garrafa.<br />

— Aquilo – ela disse antes de abrir o lacre da miniatura – aquilo foi incrível. Você sabe, eu sei.<br />

Não era à toa que a sem sal gostava de você. Hill, você realmente tinha pegada. Seria um<br />

excelente partido para Phoebe. A divertiria muito e a mim também, se não fosse o fato de não ser<br />

suficientemente rico para os padrões de Phoebe.<br />

— Padrões de Phoebe ou seus padrões?<br />

— Pense como quiser. – ela deu de ombros – Mas toda essa história de amor só ia durar até<br />

que ela precisasse lavar o primeiro par de meias à mão. Acredite em mim, quando ela visse que ia<br />

precisar abdicar dos cremes importados que iam levar embora mais da metade do seu salário, ela<br />

não iria mais querer uma vida de miséria ao seu lado.<br />

— A senhora não vê onde eu cheguei? A senhora não vê o que sou agora? Não acha que eu<br />

conseguiria dar tudo que ela queria?<br />

— Anthony, Anthony... Ficaria surpreso com a quantidade de casamentos que acabam por<br />

problemas financeiros. Ela nem mesmo conseguiria ver o comecinho do seu sucesso sem que<br />

enjoasse da vida economicamente deficiente.<br />

— Até então eu ainda não achei motivo para que ela me odiasse. Eu nunca fui rico, mas ela já<br />

tinha conhecido essa parte da minha vida. Isso não seria suficiente para que ela aceitasse casar<br />

com um homem logo em seguida. Eu sabia que ela me amava.<br />

Era incrível como eu conseguia manter minha voz calma diante dessa mulher. Como conseguia<br />

não sentir nada que não fosse menosprezo pelo modo mau que ela emitia as palavras. Como eu<br />

consegui um dia ter medo dessa mulher?<br />

— Phoebe acredita que mantivemos um caso sob o nariz dela. Acredita que não a buscou mais<br />

por que se apaixonou por mim. Também acha que fui eu te sustentava durante alguns meses depois<br />

que ela foi embora.<br />

— O que?! – a minha compostura partiu e nem disse adeus – Do que está falando? Como ela


pode acreditar nisso? Nada disso é verdade. Nada é condizente com a realidade. Eu jamais<br />

mantive um caso com a senhora. E você nunca me sustentou. Sabe muito bem que aquele dinheiro<br />

que me deu, eu enviei para você pouco tempo depois. E sabe muito bem que aquela noite nunca<br />

devia ter acontecido. Sabe que eu nunca nem de longe cheguei a cogitar a possibilidade de me<br />

atrair por você da forma que me sentia atraído por Phoebe. O que a levou a acreditar nisso?<br />

— Eu, Anthony. Eu a levei a acreditar nisso. – era a vez dela de gritar. Era a vez dela de<br />

perder o pouco que tinha de fineza.<br />

— Por que fez isso?<br />

— Acha que eu seria passada para trás por uma garota que não tinha nada de aprazível?<br />

Acha que eu iria sentar e assistir enquanto minha filha perdia a chance de casar com Ewan, o<br />

herdeiro de um império do ramo dos esportes e a deixaria com você? Ewan prometeu que me<br />

sustentaria enquanto eu quisesse se arrancasse minha filha de você e a fizesse casar com ele.<br />

— Ele achava que Valentina era filha dele?<br />

— Eu deixei que ele transasse com Phoebe pouco depois que consegui afastar você dela.<br />

Phoebe gritou, logicamente. Mas isso permitiu que Ewan achasse que Valentina era filha dele.<br />

— Você é louca? Phoebe foi violada e conta isso assim? Como consegue achar que é melhor<br />

que eu quando é um lixo miserável de pessoa.<br />

— Por que eu sou. – ela falou triunfante – e não me importo nem um pouco com o rumo que as<br />

coisas tomaram. Phoebe garantiu a vida que eu queria depois que o imprestável do meu marido<br />

acabou perdendo privilégios que somente o dinheiro pode dar. Eu jamais deixaria minha filha ficar<br />

na rua. Eu tinha um casamento dos sonhos para ela com um jovem bonito. Ela ainda não o amava,<br />

mas iria amar com o tempo. E acabou te odiando, como eu queria que ela fizesse.<br />

— Me odiava tanto assim? – falei me aproximando dela. Sabina inclinou o rosto como se fosse<br />

uma dama antiga à espera de um beijo enquanto apoiou as mãos em meu peito. Eu conseguia ver<br />

os cílios postiços descolando nos cantos enquanto ela se obrigava a uma tentativa de sedução<br />

como se fosse uma ninfeta – me odiava tanto que a ideia de eu estar com sua filha foi suficiente<br />

para que orquestrasse isso tudo?<br />

— Não, Hill – ela disse – eu o amava.<br />

Afastei-me dessa mulher para não me contaminar com sua ignomínia e saquei do bolso o<br />

acessório que Adam tinha deslizado para mim por entre as grades da cela quando eu ainda<br />

achava que seria culpado de tudo. O pequeno gravador teria que ser suficiente para armazenar<br />

todo o teor da conversa, pelo menos eu esperava que sim. E esperava que o som estivesse audível<br />

e sem falhas para que Phoebe pudesse realmente ver quem era a mãe em que por todo esse<br />

tempo acreditou.<br />

— Eu agradeço, Sabina. Não por seu amor que de nada me apetece, mas por isso. Agora sim<br />

eu vou poder ficar com sua filha. Por que é a ela que eu amo. Você não é digna de nada de mim.


— Você me odeia, Hill. Eu ainda vivo em sua mente.<br />

— Não se ache tanto. Você ocupa o mesmo espaço que qualquer inseto que um dia eu venha a<br />

pisar.


TRINTA E QUATRO<br />

VERDADES<br />

ERA BOM ESTAR EM CASA . Ainda mais agora que quem abriu a porta para mim foi a minha filha.<br />

Era um privilégio poder abraçá-la sem medo. Poder cuidar dela sem me preocupar se alguém<br />

ainda lhe faria qualquer mal. Eu não queria ter que pensar em todas as coisas que aconteceram,<br />

eu queria apenas entender tudo.<br />

— Filha... – Valentina me abraçou.<br />

— Meu Deus, eu estava tão preocupada. Achei que nunca mais o veria. Achei que... Deus do<br />

céu... Achei que tinha sido você. Eu tive tanto medo. Medo por mim, medo por você, por mamãe.<br />

— Sua mãe?<br />

— Sim. Ela esteve tão preocupada.<br />

— Onde ela está?<br />

— Precisou ir a Miami para depor. Pensei que se encontrariam lá. Eu não queria ter que ir com<br />

ela, mas querem colher meu depoimento também.<br />

Adam, que tinha ficado estacionando o carro que me trouxe do aeroporto até em casa, surgiu<br />

atrás de nós. E ouviu a parte final da conversa, ao que adicionou:<br />

— Se quiserem colher seu depoimento, terão que vir aqui. De maneira alguma vou permitir que<br />

a levem para Miami para fazer isso. Esses bundas gordas tem que trabalhar um pouco.<br />

— Valentina sorriu e Adam passou por nós implorando por algo decente para comer a Jenna.<br />

Rosie surgiu um pouco depois e até ela esboçou um sorriso acompanhado de um olhar de alívio<br />

que me fez sentir querido.<br />

— Chefe, eu te amo! – ela brincou – mas da próxima vez que quiser matar alguém, me avise.<br />

Eu vou dar um jeito de fazer isso sem que o senhor seja implicado.<br />

Eu não sei se deveria amar ou temer essa mulher.


Depois de falar um pouco sobre as minhas longas horas privadas de liberdade como se eu<br />

fosse algum rock star, Valentina me ordenou que fosse tomar um banho e ter algum repouso.<br />

Phoebe só estaria na cidade em cerca de três dias. Tempo suficiente para que eu conseguisse<br />

organizar todos os meus pensamentos e ideias. Pelo que Valentina me contou, ela ainda se<br />

recusava a vir morar conosco. Ela realmente não tinha obrigação de vir, mas no fundo, bem no<br />

fundo, eu queria que ela corresse para mim tão logo pusesse os pés na cidade.<br />

Valentina veio ver se eu estava com febre no meio da noite. Eu sei por que senti uma mão<br />

repousando sobre minha fronte e murmurando alguma coisa ao vento, coisa que não consegui<br />

entender, já que estava cansado demais para que meu cérebro funcionasse direito.<br />

Em poucos segundos, já estava sonhando, ou julgava estar. Até ouvir a voz de Sabina repetindo<br />

todas as verdades dela em alto e bom som. Abri os olhos e vi Valentina ouvindo a conversa no<br />

gravador que eu tinha colocado ao lado do porta-retratos com uma foto antiga minha em que eu<br />

estava abraçado a Alec e Adam. A foto seria desimportante para estar ali, se não fosse Phoebe<br />

quem a tivesse tirado.<br />

— Já contou isso para mamãe?<br />

Valentina ainda ouvia as atrocidades que sua avó me falava. Eu sentei na cama, apoiando-me<br />

à cabeceira de capitonê e peguei o aparelho da mão dela, pausando-o. Ele era discreto, quase<br />

tão fino quanto uma caneta, mas o seu conteúdo era como o mais puro ouro de Ofir.<br />

— Ainda não tive tempo. Phoebe não está na cidade.<br />

— Entendi. Ela vai ficar em choque quando ouvir isso.<br />

— Eu sei...- pausei um pouco, então continuei – Valentina. Eu não fui um santo com a sua mãe. Eu<br />

nunca fui o melhor e mais comportado rapaz da sala, nem mesmo fui o mais honesto, mas eu ainda<br />

sou apaixonado por ela. Eu me pergunto o porquê de ainda ser apaixonado, às vezes, se tudo o<br />

que sinto não é apenas saudosismo. Mas...<br />

Valentina apenas ouvia, ela sentia que eu precisava falar.<br />

— Mas... Eu refuto veementemente essa ideia a cada vez que ela aparece. Eu senti que todo o<br />

sentimento que eu tinha por sua mãe reapareceu quando ela surgiu novamente. Era quase como se<br />

não tivesse deixado de existir, e somente ficara guardado. Eu quero ficar com ela, e não me<br />

importo de lutar todos os dias para reconstruir a confiança dela, a confiança de vocês para que<br />

fiquem comigo aqui. O lugar que eu consegui e que pertence por direito a você. Eu quero ficar<br />

com sua mãe, Valentina. E preciso saber se aceita que eu faça isso.<br />

Valentina olhou para as próprias mãos. Ela ouviu o que tinha naquele gravador, ela sabia a<br />

verdade, ela sabia o que Sabina tinha feito, mas também sabia o que eu tinha feito. A meia-luz do<br />

abajur conferia ao rosto dela um aspecto de mistério, mas ela não guardaria por muito tempo os<br />

segredos que a iluminação fraca ocultava.<br />

— Quando eu vi você naquele restaurante, eu fiquei muito, mas muito brava com minha mãe.


Achei que você era apenas um cara com o qual ela estava querendo trair meu... Quer dizer Ewan.<br />

Achei que ela tinha se rebaixado.<br />

Respirei fundo, apenas a menção do nome dele me enchia de um sentimento ruim. Eu precisava<br />

pensar em coisas boas, apenas nas duas mulheres da minha vida.<br />

— Me deixa continuar, depois você se irrita. – Valentina pediu e continuou – Quando eu acordei<br />

aqui naquele dia, e quando pela primeira vez eu olhei seu rosto de perto, foi que eu notei todas as<br />

semelhanças que tínhamos. Eu senti que havia algum segredo obscuro entre você e mamãe. Eu<br />

achei que ela tinha sido infiel no começo do relacionamento. E eu te odiava um pouco. – ela olhou<br />

para o gravador em minhas mãos – mas agora que eu sei de tudo. Dói em mim que minha mãe<br />

tenha ficado tanto tempo querendo que eu achasse que a vida dela era perfeita. Eu nunca tive em<br />

quem confiar de verdade, a não ser nela. Eu nunca tive uma figura paterna, por isso quando você<br />

passou aqueles poucos dias comigo, eu senti como seria bom ter uma família perto.<br />

— Você me tem, eu sou sua família, sua casa. Você pode confiar em mim para tudo – falei<br />

enquanto apertei a mão dela e beijei os dedos finos e longos.<br />

— Eu sei. Eu não sei o que me fez confiar em você, mas eu sabia que era alguma coisa mais.<br />

Foi então que eu vi seus olhos. Naquele dia, à mesa. Todas as peças se encaixaram de vez e eu<br />

entendi tudo. E eu vi o quanto minha mãe sorri quando fala de você. Ela quer se fazer de dura,<br />

mas eu julgo que seja por causa de tantas feridas do passado. Eu sinto que as coisas vão dar<br />

certo se ela entender que foi não foi você quem causou estas feridas.<br />

— Isso é um sim?<br />

Parecia até uma criança pedindo permissão, mas eu precisava saber que Valentina não tinha<br />

reservas comigo. E que ela aceitaria a família que eu planejava dar a ela.<br />

— O sim não tem que vir de mim, mas de mamãe. Porém, sim. É um sim.<br />

Eu estava tão animado que não consegui dormir depois dessa conversa. Valentina, no entanto,<br />

foi deitar em seu quarto. Ainda teve tempo de me mostrar as coisas que tinha comprado. Não quis<br />

mudar nada, apenas comprou alguns enfeites e deu alguns toques de cor na decoração, mas ainda<br />

assim eu via que tudo tinha a cara dela.<br />

Fui ao escritório e ouvi novamente o áudio do gravador. Tantas, tantas mentiras nos afastaram. É<br />

quase como se esses longos vinte anos fossem um pesadelo em que estávamos presos e que não<br />

conseguíamos acordar. Não quero comparar nossas vidas, pois a vida de Phoebe parece ter sido<br />

muito mais infeliz que a minha, mas sei que eu também tenho feridas com o tamanho da saudade<br />

dos beijos dela.<br />

Repassei mentalmente cada uma das frases que lhe diria assim que ela chegasse, tudo,<br />

absolutamente tudo estava planejado. Seria um sim ou não definitivo. Phoebe só precisava aceitar<br />

vir morar comigo e nossa filha, não precisaríamos ser marido e mulher, precisaríamos apenas morar<br />

sob o mesmo teto e eu teria um tanto de paz.


Eu a teria, ela é minha paz que eu havia perdido.


TRINTA E CINCO<br />

FINAL FELIZ<br />

SEI QUE TUDO FICARIA PERFEITO se Phoebe seguisse o maldito script que eu tinha planejado em<br />

minha mente. O problema é que ela não seria a teimosa Phoebe, se ela não vivesse me<br />

surpreendendo de maneiras diferentes sempre que se tratava dela.<br />

Phoebe estava no apartamento de Valentina. Agora que Ewan estava morto e ela o tinha<br />

cremado e dado as cinzas para a mãe dele, ela estava livre dele. Porém, ainda havia muita coisa<br />

a ser resolvida. Os credores a buscavam em busca do capital para sanar as dívidas que Ewan<br />

tinha deixado, mas não tinham como exigir nada dela. Ewan tinha casado com separação total de<br />

bens. Assim como os bens não pertenciam a ela, as dívidas também não. Em breve os credores<br />

começariam a entrar com pedidos para vender tudo que ainda tivesse no nome dele para quitar<br />

os débitos.<br />

Quando me identifiquei na portaria, recebi um sonoro não dos vigilantes. Eu não tinha<br />

autorização para entrar. Nem mesmo o sujeito que eu subornara da última vez estava lá. Ele tinha<br />

sido demitido por causa desta pequena corrupção.<br />

Voltei para casa com minhas esperanças frustradas. Visitei alguns clientes, mas a notícia que eu<br />

tinha sido suspeito de um homicídio afastou potenciais bons clientes. Não tinha problema. Eu teria<br />

que trabalhar nos bastidores, mas conseguiria ainda manter meu padrão de vida atual. Meus<br />

gastos não eram tantos, apesar do dinheiro, sou simples, nunca deixei que isso subisse à minha<br />

cabeça.<br />

— Phoebe não quis me atender. – disse assim que Rosie e Valentina me lançaram um olhar cheio<br />

de esperança – Tentei de todas as formas, mas parece que eu realmente não posso nem colocar os<br />

pés para dentro do prédio.<br />

— Mamãe não quis nem te ouvir? – Valentina perguntou.<br />

Reclinei-me no sofá. Coloquei os pés sobre a mesa de centro de madeira laqueada, mesmo que<br />

soubesse que a pintura poderia apresentar estragos depois disso, mas considerei um castigo para<br />

mim mesmo.<br />

— Não. Nem mesmo quis me ouvir. Não consegui nem saber se ela está bem, os porteiros não<br />

me deixaram nem mesmo estacionar na vaga de visitantes sem chamar os seguranças.


— Você tem que entendê-la. Aconteceu muita coisa, ela não sabe ainda como lidar com isso. –<br />

Foi Rosie quem falou.<br />

— Estou tentando, juro que estou, mas essa mulher me dá nos nervos.<br />

— Me dá isso aqui. – Valentina disse irritada e pegou o gravador do meu bolso e as chaves do<br />

carro.<br />

— O que vai fazer?<br />

— Mamãe pode até ter impedido você de entrar, mas ela não ousaria impedir a própria filha.<br />

Eu a conheço. Eu não sei como vou fazer, mas vou colocá-la para ouvir isso. Nem que eu precise<br />

implorar para isso.<br />

Valentina saiu e Rosie veio repassar a agenda do dia. Alec tinha ligado para informar que viria<br />

mais tarde para o almoço. Rosie já tinha dado a sugestão de cardápio para Jenna com as coisas<br />

que Alec gosta. Eficiência em pessoa.<br />

Enquanto isso, fui ao escritório. Eu tinha que trabalhar, recrutar e treinar uma equipe de<br />

vendedores, das quais eu seria o responsável, para que começassem a vender para mim. A vida<br />

parecia estar se encaixando outra vez, e eu gostava dessa sensação.<br />

À hora do almoço, Alec chegou trazendo uma jovem mulher consigo. A qual apresentou como<br />

namorada. Eu duvidava muito dessa história, mas resolvi acreditar.<br />

— Onde se conheceram? Parecem tão apaixonados. – perguntei interessado, mais querendo<br />

saber como Alec reagiria do que a história em si.<br />

— No clube. – a moça apressou-se a explicar – eu fui interrogada pelo seu amigo quando ele<br />

soube que tinham sumido alguns trocados do caixa.<br />

— Ele tem essa péssima mania de se achar investigador. Acho que é muito CSI, não se<br />

preocupe. Uma hora isso passa.<br />

— Eu já sei disso, eu o coloquei em seu lugar – a moça disse. Ela parecia ser legal, mas não<br />

parecia ser o tipo que queria um relacionamento sério com ele.<br />

Durante o almoço, Valentina chegou. Convidei-a para sentar, mas ela não aceitou o convite.<br />

Disse que falaria comigo mais tarde. Assim que descansasse um pouco da dor de cabeça que<br />

sentia. Se eu conhecia Phoebe, ela devia muito bem ter colocado alguns medicamentos sob a língua<br />

de Valentina.<br />

O almoço terminou e segui para o quarto de Valentina. Ela estava sentada na cama, com o<br />

notebook no colo. Assim que entrei, ela fechou objeto e gesticulou para que eu sentasse ao lado da<br />

cama. Fiz o que ela pediu. Apesar da monotonia da cena, meu coração estava aos pulos. Eu não<br />

sabia o que esperar. Da última vez que consegui falar com ela, fui muito duro. E ela provavelmente<br />

queria que eu estivesse bem longe da nossa filha nesse momento. Ou que eu nunca tivesse voltado


a cruzar o caminho dela.<br />

— Como foi? – perguntei ansioso. Eu nem lembro da última vez em que não estivesse ansioso<br />

feito um adolescente por causa de Phoebe.<br />

— Péssimo, – Valentina falou e eu receei ouvir o que viria – conversamos sobre tudo. Minha mãe<br />

tinha uma grande ira dentro de si, eu tentei mostrar para ela que tudo já tinha acabado, que tudo<br />

agora tinha um fim, mas eu não sei se ela aceitou.<br />

— Ela não ouviu a gravação?<br />

— Não. Não ouviu. Mas eu deixei o gravador lá. Eu sei que ela nunca se perdoará por não ter<br />

ouvido e vai querer saber a verdade. Até hoje, minha mãe achou que foi forte, mas ela não foi.<br />

Minha mãe foi fraca. Ela pensou que tudo que fez foi por mim, e talvez fosse certo para ela, mas<br />

não foi. Eu não consigo imaginar viver com a culpa de algo que poderia nos ter matado.<br />

— Você não tem culpa, filha. Você não tem culpa. Eu...<br />

— Agora eu sei que você também não. – ela me interrompeu. – Mamãe já sabe que foi um dos<br />

agiotas para quem Ewan vendia que mandou matá-lo. E já estão no encalço dele. E mais.<br />

— O que?<br />

— Foi Adam quem contratou a peituda. Ela não tem nada a ver com nada.<br />

— Isso pede vingança.<br />

— E eu vou ajudar.<br />

Eu não sei o quanto eu ainda teria de vida, mas ao lado de Valentina as coisas pareciam ter<br />

sentido. Eu não acho que esse seja o final feliz que eu queria, mas com certeza era o meu final<br />

feliz. Um pai, uma filha, a impossibilidade de prever o futuro, uma mãe a ser conquistada.<br />

Phoebe voltaria para mim. Um dia ela voltaria. Eu apenas não sei quando, mas quando o ódio<br />

dela por mim apagasse e ela notasse que ainda existe amor, eu sei que ela voltaria. E eu estaria a<br />

esperá-la da mesma forma que a esperava quando o sinal da escola batia e aquela garota<br />

desengonçada vinha me abraçar e dizer o quanto era feliz ao meu lado com um beijo.


EPÍLOGO<br />

RECOMEÇO<br />

A MINHA ROTINA administrativa tinha se tornado a única que eu conhecia. O que me deixava<br />

bem. Já que agora eu era quase um santo. Minhas bolas estavam azuis e eu só tinha a mim mesmo<br />

para me aliviar. Eu não queria outra mulher, eu queria Phoebe.<br />

Phoebe sempre seria para mim aquela menina que eu me apaixonei, a primeira e única mulher<br />

que amei de verdade. Obviamente eu amava Valentina, mas como filha. Phoebe era algo mais. Eu<br />

a amei como a menina que foi um dia, eu a amo como a mulher que ela se tornou. Por debaixo de<br />

toda a casca fria se esconde apenas a menina machucada que eu deixei um dia, e é a ela que eu<br />

devo desculpas. É a ela que eu preciso tocar para ser amado por Phoebe.<br />

— Senhor Hill – Rosie apareceu à porta. Ela tentou parecer séria, mas tinha uma ansiedade em<br />

si que transpareceu no rosto – há visita para o senhor.<br />

— Estou ocupado no momento. Peça que esperem cinco minutos e já posso atender.<br />

— Senhor Hill, é ela.<br />

Finalmente olhei para Rosie com interesse. Eu senti quando meu coração errou o compasso<br />

dentro do peito e o nervosismo mandou um frio pelo meu corpo. Provavelmente adrenalina,<br />

embora não possa saber ao certo. Já que meu corpo se tornava uma verdadeira confusão quando<br />

o assunto era Phoebe e todos os efeitos que ela causa em mim.<br />

— Peça que entre – eu pedi. E como se eu não estivesse com a mesa perfeitamente organizada,<br />

alinhei os lápis sobre as folhas que eu estava lendo. Não satisfeito com a arrumação, guardei-os<br />

na gaveta da escrivaninha.<br />

Tudo isso durou apenas o espaço de trinta segundos. O tempo de Rosie sinalizar, sair, e Phoebe<br />

entrar na minha sala. Eu tentei ser o mais gentil possível, mas tinha medo que a qualquer momento<br />

minha polidez desse lugar a um desespero e eu implorasse para ela ficar.<br />

— Olá, Anthony – Phoebe disse assim que entrou na sala. Ela estava vestida brilhantemente. Um<br />

vestido preto e um blazer branco. Saltos altos que alongavam as suas pernas e a deixavam ainda<br />

mais estonteante. Eu era um tarado por imaginá-la usando somente aqueles saltos, mas eu não<br />

conseguia evitar.


— Phoebe, - acenei para a cadeira em frente à minha mesa – por favor, sente-se.<br />

Ela fez o que pedi, não relutou um único segundo. Colocou a bolsa que trazia na cadeira ao<br />

lado da dela e virou-se para mim. Finalmente retirando os óculos escuros enormes que ocultavam<br />

quase o rosto dela inteiro.<br />

— Esse foi o motivo de eu estar apenas de roupão naquele dia em que foi ao apartamento,<br />

antes de Ewan, bom... Antes de ele ser morto. Ewan tinha acabado de sair, ele tinha quebrado tudo,<br />

como você bem tinha visto. Ele tinha descoberto que lhe faltava dinheiro nas contas e que não teria<br />

nem como pagar a viagem para a Europa que ele estava precisando. Então ele descontou nas<br />

coisas, e em mim. Eu tinha tomado banho, tinha acabado de passar um corretivo e base. Enfim, eu<br />

me tornei uma exímia maquiadora com o tempo. Você achar que eu dormi com ele, me ofendeu<br />

profundamente. Mas não posso culpá-lo. Agiria da mesma forma se fosse você de toalha saindo<br />

do quarto de sua ex-mulher.<br />

Eu não tinha palavras para descrever a dor que me veio nesse momento. Agora, o arroxeado<br />

estava sumindo, dando lugar a uma tonalidade que ia do verde para o amarelo, mas o olho direito<br />

de Phoebe ainda estava machucado.<br />

— Eu tentaria explicar – Phoebe continuou – mas você assumiu o que tinha acontecido e eu não<br />

o quis corrigir. Deveria ter feito, mas não o fiz.<br />

— Por que não o fez? – Perguntei.<br />

— Por que eu também pretendia me vingar de você. Eu achava que você tinha sido culpado<br />

por me colocar nesse inferno que era minha vida. Eu realmente achava que todas as coisas que<br />

minha mãe me contava eram verdade, e eu me acomodei. Achei que estar com Ewan era castigo<br />

suficiente. Achei que um dia, quando você fosse me buscar, veria uma família feliz e esse seria seu<br />

pior castigo.<br />

— Estava apenas fazendo mal a si mesma.<br />

— Eu sei. Percebi isso faz pouco tempo. Valentina consegue ser muito incisiva quando machucam<br />

as pessoas que ela ama. E ela me culpou por ter ferido você. Eu não quis ouvi-la. Eu fui dura<br />

demais, mas então eu ouvi aquele áudio e. – ela não soube como continuar por um tempo, quando<br />

as palavras enfim ousaram sair, havia um quê de tristeza em sua voz – então eu entendi tudo. Eu<br />

fui tão burra... Eu fui inocente demais em acreditar nela. Eu fui... Eu fui dura demais com você e<br />

comigo mesma. Por que ao te castigar, eu também estava me castigando. E no final, foi Valentina<br />

quem pagou por minha cabeça dura...<br />

Agora sim a voz morreu na garganta dela. Levantei-me e me coloquei atrás dela. Pus as mãos<br />

em seus ombros e ela encontrou forças para falar mais.<br />

— Hill, eu não sabia. Eu estava tão cega de ódio... Me perguntei quando foi que eu deixei que<br />

as coisas passassem despercebidas por mim. E eu não consegui achar resposta. Por que eu só<br />

lembro de odiar demais Ewan, e de tentar afastá-lo de Valentina quando ela começou a parecer


com você. Por que eu sabia que um dia ele iria entender tudo. E ele odiava você. Odiava tanto,<br />

por que no fundo ele sabia que eu nunca o amaria como amei você.<br />

Eu precisava que ela não usasse o verbo no passado. Eu queria que ela o usasse no presente,<br />

eu precisava que ela entendesse que da minha parte, não havia nada no passado que me<br />

proibisse de amar ela agora e no amanhã.<br />

— Eu fui uma péssima mãe, Hill – ela disse e eu me abaixei ao lado da cadeira para olhar na<br />

altura dela. Eu acabei ficando um pouco mais baixo, mas ela olhou para meu rosto com carinho, e<br />

eu me enchi de esperanças.<br />

— Você não foi, Phoebe. Valentina é uma menina de ouro, e ela te ama. Ela nunca guardaria<br />

rancores de você. Foi ele o culpado, que o inferno o tenha, mas você não. Você é apenas uma<br />

mulher que lutou com unhas e dentes contra Ewan. Ele soube que você nunca seria dele plenamente,<br />

então te odiou por isso. Mas nunca deixe que a maldade dele defina quem é você.<br />

Phoebe deslizou a mão pelo meu rosto e me fez um carinho inocente. Ela tinha dor nos olhos,<br />

muita dor. E eu tinha que espantá-la para alcançar a verdadeira Phoebe.<br />

— O que o leva a crer que eu seria uma boa mulher, Hill? Meu marido me traia sempre que<br />

podia, o que eu só vim descobrir bem perto do final da vida dele, como te contei antes. Ele me<br />

diminuiu de todas as maneiras possíveis. Ele me fez as passar pelas maiores humilhações. Ele me<br />

dizia incansavelmente que eu era frigida e que não conseguia sentir prazer comigo...<br />

— Phoebe... – falei com carinho – você é louca, mulher? Eu preciso me controlar para durar<br />

mais que cinco minutos com você. Você se tornou a mulher mais sensual que eu já vi e não preciso<br />

falar que só de ver você com os mesmos saltos daquele dia que me deixou de castigo, eu fiquei a<br />

ponto de explodir o zíper da minha calça.<br />

— Hill, você consegue ser romântico e ridículo na mesma frase – ela desviou o olhar de mim,<br />

mas havia um sorriso em seu lábio que ela não conseguiu esconder.<br />

— Phoebe. Eu sou louco por você. Eu achei que te amava demais quando era apenas um rapaz<br />

inexperiente, mas eu consigo te amar muito mais agora que já tenho alguma idade. Eu já estive com<br />

outras mulheres, mas nenhuma se compara a você.<br />

— Você foi casado com Diana por muitos anos, algo deve ter sentido por ela.<br />

— Sim, eu senti. Não vou mentir para você. Mas o sentimento por ela nesses anos ao lado dela<br />

não se compararam com o sentimento que me comoveu quando a vi pela novamente naquele iate.<br />

Deus do céu, era você. Foi quase como se eu tivesse achado o pedaço de mim que eu tinha<br />

perdido há tempo.<br />

Silêncio. Silêncio. Dessa vez parecia um silêncio bom, pois Phoebe olhava para as próprias mãos<br />

com lágrimas nos olhos. O olhar machucado era a única coisa que borrava essa imagem de<br />

perfeição.


— Phoebe... Eu quero você. Eu preciso de você. Se não quiser casar comigo, more em minha<br />

casa. Seremos namorados, eu juro que vou te reconquistar a cada dia. Eu juro que serei fiel a você<br />

enquanto me quiser, e sinto que depois também. Eu juro que farei de sua vida um presente. Eu farei<br />

por você tudo o que eu puder fazer. Eu farei tudo, Phoebe. Desde que diga que me quer.<br />

— Hill... – ela falou e a voz estava embargada com lágrimas, mas ela engasgou mesmo foi com<br />

o sorriso que nascia tímido – eu o amo também. Você é um idiota por achar que eu não o amei por<br />

todos esses dias. Mas você tem que entender. Eu não quero depender de homem nunca mais na<br />

minha vida. Eu não quero viver às suas custas.<br />

— Pois trabalhe, eu nunca te impediria de fazer o que quiser. Estude. Conseguiremos matriculála<br />

onde e em qual curso quiser. Eu quero que você cresça, Phoebe. Eu quero que seja tudo o que<br />

um dia quis ser, eu quero que sonhe, meu amor – eu estava sussurrando ao final – eu quero que<br />

você seja apenas você. E eu quero que me queira, mas apenas se quiser.<br />

Phoebe sorriu e então falou para mim com um ar “zangado”:<br />

— Hill, eu vou te dar uma chance, mas se você me machucar, ou me trair, ou mentir para mim<br />

novamente, eu juro que vou arrancar suas bolas com os dentes e jogá-las embaixo de um trem.<br />

Foi minha vez de sorrir. Phoebe devia continuar lendo livros de terror demais.<br />

— Eu prometo que se eu ousar fazer qualquer coisa dessa com você, eu mesmo arranco as<br />

minhas bolas.<br />

Levantei-me do chão e Phoebe ergueu-se também. Estávamos de frente um para o outro.<br />

— É o nosso recomeço? – Phoebe perguntou.<br />

— Não, é o nosso fim. Por que depois de mim não haverá outro, e depois de você, outra jamais<br />

haverá. Eu a amo, e vou lembrá-la disso todos os dias.<br />

— Assim espero – ela quis bancar a durona.<br />

— Agora, posso pedir um favor?<br />

— Pode, claro. – ela me olhou com preocupação. Não sabia o que viria.<br />

Colei meus lábios aos dela e invadi sua boca com minha língua. Phoebe retribuiu o beijo e juro<br />

que fiquei sem fôlego ao terminar. Sussurrei contra sua boca, se falasse alto demais minha voz iria<br />

falhar:<br />

— Me deixa te comer encima dessa mesa. Só penso nisso desde que você entrou.<br />

— Achei que não ia pedir.<br />

Phoebe sorriu se afastou e retirou o blazer, depois deslizou o zíper lateral do vestido para mim.


BÔNUS I<br />

REENCONTRO<br />

— SENHORA, - O MOTORISTA avisou – chegamos à marina. Se a senhora quiser, posso<br />

acompanhá-la até o iate.<br />

— Não será necessário. – agradeci. O funcionário abriu a porta do outro lado para Ewan. Ele<br />

ainda não estava bêbado, mas sei que tinha feito uso de cocaína no banheiro do hotel antes de<br />

sairmos. Via-se em seu comportamento que não era mais o mesmo.<br />

Eu tinha planejado esse reencontro nos mínimos detalhes. Eu tinha me vestido da melhor maneira<br />

possível para uma festa de inauguração e compra. Eu não poderia vacilar em nada. Apenas Ewan<br />

com seus batimentos cardíacos acelerados e uma película de suor brilhando na testa destoava do<br />

meu porte.<br />

Anthony Hill iria me ver bem casada. Ele ia ver que eu tinha conseguido tudo que queria.<br />

Anthony iria pagar por cada segundo que me fez esperar por ele em vão.<br />

O iate era somente barulho. E, pelo amor de Deus, por que havia mais de uma dúzia de<br />

mulheres seminuas desfilando pelo convés? Eu lembro bem de ter pedido uma festa clássica, não<br />

uma profanação do iate com prostitutas baratas.<br />

— O que?! – exclamei baixinho, Ewan ouviu. Eu apenas não entendia como ele ainda conseguia<br />

se manter de pé andando trôpego desse jeito.<br />

— Essa, querida. Essa parte da festa, foi minha inspiração – ele disse quando viu que eu não<br />

entendia o que estava acontecendo – Acha que vai me trazer para ver o puto do seu ex e vai<br />

ficar tudo assim mesmo? Se ele ainda conseguir olhar para uma acabada feito você com tanta<br />

mulher gostosa de verdade no iate, eu mesmo deixo ele te foder por uma noite.<br />

— Ewan, o que é isso?<br />

— Você tem seus planos, eu tenho os meus. Eu sempre venço, Phoebe. Você está casada comigo,<br />

e vai continuar assim. Você não quis dar uma de puta vindo ver esse tal de Hill? Eu vou fazer de<br />

sua noite um inferno. Acha que eu não reconheceria mais o nome dele depois de tantos anos? – Ele<br />

se aproximou e esmagou meu rosto nas mãos – acha que não sei que é nele que você pensa<br />

quando fodemos?


— Contenha-se, Ewan. – pedi e saí de seu rosto. Comecei a andar sozinha em direção ao iate,<br />

já arrependida de tudo. De ter pensado que Ewan não entenderia o que estava acontecendo.<br />

— Nada disso. – ele segurou minha mão – Você vai entrar comigo. Não quer que ele veja a<br />

puta de luxo que você se tornou? Pois bem, sou eu quem te banco. Fique ao meu lado.<br />

Entramos no iate e mulheres muito gentis e desavergonhadas vieram cumprimentar meu marido.<br />

Puxei-o para perto do único casal de amigos que ele tinha. Se bem que não os poderia classificar<br />

verdadeiramente assim, já que só viviam para pedir dinheiro emprestado para Ewan.<br />

Senti então alguém me olhando. Eu tentava sorrir e ser a perfeita mulher acessório que sempre<br />

tinha sido, mas um magnetismo da força de um buraco negro parecia me atrair e eu tinha que<br />

olhar o que me chamava com tamanha intensidade.<br />

Era ele... Hill... Anthony.<br />

Minhas pernas quase falharam por um minuto, mas eu já tinha essa compostura social de anos.<br />

Eu já conseguia fingir que era calmaria, embora fosse tempestade. Os anos fizeram tão bem para<br />

ele. No entanto, ele ainda tinha os mesmos olhos sonhadores que um dia eu contemplei diante dos<br />

meus.<br />

Por alguns segundos, ele parecia tão intenso que eu tinha medo de ele saltar de onde estava e<br />

vir tomar-me em seus braços e me beijar. Eu não teria forças para resistir. Não quando ele parecia<br />

estar me devorando com os olhos como estava. Quando seu olhar repousava em mim, era puro.<br />

Não era doentio ou lisonjeiro, ele ainda tinha para mim os mesmos olhos de amor de sempre.<br />

Então senti a mão de Ewan me pegar pela cintura e me apertar de forma dolorida. Eu segurei a<br />

reclamação de dor em meus lábios, eu não ia fazer uma cena agora. Ewan deslizou à frente para<br />

cumprimentar Hill e eu só tentava me lembrar de como respirar.<br />

— Ewan Aceras – Anthony o cumprimentou e a voz dele desceu por mim e ecoou no meu corpo<br />

que parecia sem alma. Trazendo algum fôlego novo de vida. Se pelo menos ele não tivesse<br />

acabado comigo quando me deixou.<br />

— Anthony Hill, é um prazer finalmente conhecê-lo – Ewan falou no tom venenoso que eu<br />

odiava. Muito me espantou que Hill não o notasse – Esta é Phoebe, minha mulher.<br />

— Fala alguma coisa, Phoebe – Ewan pegou uma bebida. Ele apertou com tanta força o copo,<br />

que não sei como não quebrou. Eu sabia que as bebidas eram apenas uma forma dele me castigar<br />

também. Ewan parecia um sem educação quando bebia. Ele me constrangia ainda mais. Eu achei<br />

que me vingaria de Hill nesse dia, mas eu seria apenas mais humilhada.<br />

— Senhor Hill, eu devo elogiar a festa, está muito agradável.<br />

— Está uma putaria – ele falou e eu me retesei ao lado dele.<br />

— Você está louco? Contenha-se Ewan.


Eu não tinha como ficar perto dele. Ewan ainda sorriu quando eu sai de perto dele. E eu deixei<br />

meu passado e meu presente sozinhos. Aquilo estava sendo demais para mim. Se pelo menos Ewan<br />

conseguisse fingir me amar esta noite. Rodei pela festa, conversei com os convidados. Muito ciente<br />

dos olhares de Ewan e de Hill sobre mim em todo tempo.<br />

Eu me sentia sufocada, precisava sair dali. Sentei-me na escada de portaló. A noite estava tão<br />

bonita e eu estava sendo consumida de vergonha e de saudade. Por que eu não conseguia odiar<br />

estes dois? Por que eu tinha que pregar peças em mim mesma?<br />

— Está tudo bem?<br />

Era a voz de Hill ao meu lado. Era um pesadelo, isso tinha que ser um pesadelo. Quem sabe<br />

nada dessa noite aconteceu e eu possa ligar para cancelar essa compra. Quem sabe eu posso<br />

economizar esse dinheiro de Ewan e não fali-lo tão rápido. Quem sabe eu posso colocar algum<br />

veneno em sua cocaína e fazê-lo ficar impotente?<br />

Neguei com a cabeça quando percebi que não era. Hill era tão cheiroso, ele cheirava a<br />

madeira e a juventude. Eu quase conseguia sentir as notas de minhas memórias em meio ao seu<br />

perfume.<br />

— Pode falar se quiser.<br />

Ele queria que eu contasse sobre a desgraça que era minha vida? Ele queria que eu contasse<br />

sobre a filha que Ewan achava ser dele? Quando percebi, já tinha perguntado e o apelido saiu<br />

involuntariamente.<br />

— Tony, você não entenderia.<br />

— Eu não sei se posso entender, mas posso tentar.<br />

— Eu não sei.<br />

— Muito bem. Vocês são marido e mulher, eu vou respeitar isso, mas eu não posso entender a<br />

razão de você se sujeitar a tal coisa. Ele nem mesmo respeitou a sua presença no local.<br />

Ele se aproximou. Não faça isso, Tony. Eu estou uma confusão ao seu lado, e estou imaginando<br />

uma porção de coisas contigo. E eu nem posso, você também tem uma história, eu não sei se ainda<br />

tenho espaço nela.<br />

— Você também casou.<br />

— Foi diferente, você sabe.<br />

— Você estava apaixonado. Eu também estive.<br />

— Esteve?


— Estou – corrigi-me – eu quis dizer estou.<br />

— Por um homem que não te respeita?<br />

— Isso não é da sua conta, Anthony – eu já estava gritando. Eu já estava perdendo o controle.<br />

Ele me fazia perder o controle. – eu acho que você não está sendo suficientemente respeitoso à<br />

sua mulher também. Está aqui comigo.<br />

— Estamos conversando, não precisa gritar.<br />

— Você sempre fez isso.<br />

— Fiz o que? – ele se parecia se sentir culpado.<br />

— Ignora o que falo e fala outra coisa. Eu falei sobre você estar sendo desrespeitoso à sua<br />

mulher. Você desconversou e não falou nada sobre isso.<br />

— Quanto a isso, não precisa se preocupar. Eu sei bem com que intenção eu vim falar com você,<br />

e não foi esperando para que se jogue em meus braços, apesar de eu saber que é o que você<br />

quer.<br />

— Está louco? Não mede mais as suas palavras?<br />

Era melhor assim. Era melhor que ele tivesse raiva e que eu o odiasse. Isso seria mais fácil, por<br />

que eu poderia dizer adeus e ele iria me odiar. E eu conseguiria sufocar essa coisa que queria me<br />

confundir. Eu não podia amá-lo mais. Foram tantos anos. Tantos. Ele não merecia meu amor, e eu<br />

não merecia passar por outro inferno por culpa dele.<br />

— Eu não quero ouvir nada.<br />

— Você tem que me ouvir também, Phoebe.<br />

— Eu não já disse que não quero que fale nada? Olha só para nós? Já se passou tanto tempo<br />

e ainda estamos brigando como antes. Eu não preciso disso, sinceramente.<br />

— Se o que te preocupa é minha mulher, não se preocupe. Eu estou separado.<br />

— Você tem noção do que está falando? Você pode não estar casado, mas eu estou casada.<br />

Você está bêbado como Ewan e agindo igual a ele. Eu nem sei o que o fez vir aqui, nem mesmo sei<br />

como começamos a brigar, eu só sei que eu não quero mais ouvir nada.<br />

— Phoebe, espera...<br />

Eu saí dali. Não aguentei mais. Eu tinha que me afastar, a vontade de beijá-lo estava<br />

insuportável. Eu tinha que fugir de perto dele. Foi até bom que ao final da noite ele estivesse<br />

mamando os peitos de outra mulher. Isso colocou um bom limite entre nós.


“Então é isso que você é”, pensei, “vai ser muito mais fácil tentar te odiar assim”.


BÔNUS II<br />

PARAÍSO<br />

HILL JÁ SABIA O QUANTO meu marido me odiava, não adiantava mais fingir. O beijo que ele<br />

arrancou de mim parecia ser perfeito. Parecia ser tão desejado. Isso me confundia demais. Eu<br />

precisava saber se eu ainda sentiria isso com alguém que não fosse com Hill.<br />

Se não fosse minhas próprias capacidades, eu teria passado vinte anos sem ter prazer. Isso<br />

sempre castrou Ewan mentalmente, já que ele sabia que nunca – NUNCA – tinha sido capaz de me<br />

fazer ter prazer sem que eu mesma me tocasse.<br />

— Achei que não viesse – Hill reclamou assim que eu entrei na sala.<br />

— Eu prometi que viria. Aqui estou.<br />

Eu estava tentando ser simpática, mas odiava o fato de a simples voz de Anthony acender a<br />

carne no meio de minhas pernas. Ele sempre teve essa voz rouca maravilhosa capaz de fazer<br />

qualquer mulher abrir as pernas. E eu o odiava por isso também. Por que eu estava desejosa,<br />

apesar de não querer mostrar. Eu queria sentir o hálito dele contra mim e a voz dele num arfar de<br />

desejo enquanto ele entrava em mim.<br />

Eu soava como uma prostituta para mim mesma, e era outro motivo para odiar Anthony. Ele iria<br />

me fazer querer que ele me desejasse como um louco. E eu nem me importava em ser apenas mais<br />

uma das mulheres na lista dele, como a peituda que Adam contratou para roubá-lo no dia em que<br />

ele completava aniversário de divórcio. Eu só queria sentir prazer com um homem de verdade e<br />

não com meus dedos.<br />

— Sente-se, por favor. Eu pedi que fizessem um jantar para nós.<br />

Anthony retirou o casaco de mim e seus dedos tocaram minha pele me acendendo de forma<br />

estranhamente familiar. Andei para longe dele. Consegui disfarçar as pernas trôpegas. Virei-me<br />

para olhar Hill e gostei do fogo que vi em seus olhos.<br />

— Vou pedir que sirvam a mesa.<br />

— Isto não é um encontro, Tony.<br />

— Eu não achei que seria. Porém nos encontros, e fora deles, as pessoas tem fome.


— Não tenho fome.<br />

— Muito bem, Phoebe. Então vamos direto ao assunto.<br />

— Valentina é minha filha.<br />

— Sim, é. – confirmei. Parecia ser um daqueles momentos em que tudo que se precisa é saber a<br />

verdade – mas ela não sabe, obviamente. Quando... – Isso pode ser omitido. Ele não precisa saber<br />

de tudo ainda — Quando Ewan casou comigo, ele não sabia que eu estava grávida, mas assumiu<br />

que a filha era dele quando eu comecei a enjoar de verdade. Para ele, Valentina nasceu antes do<br />

tempo. Naquela época ele já era um jovem com uma carreira feita. Você sabe, eu precisava de<br />

apoio. Ele me cercou de cuidados... Nem parecia que aquele homem que me tratava tão bem é o<br />

mesmo de hoje.<br />

— Você está querendo dizer que ele realmente acha que Valentina é a filha dele?<br />

— Sim, ele pensa. Quer dizer, acho que ele pensa. – Do que Hill estava falando? Ele parecia<br />

estar consternado com algo. Seria muito melhor se ele contasse tudo assim como eu contava para<br />

ele. – Meu Deus...<br />

— O que houve?<br />

— O comportamento dele tem piorado muito depois que ele chegou na cidade. Valentina veio<br />

estudar aqui, ela conseguiu ser aprovada numa boa faculdade, mas eu não sei o que está<br />

acontecendo. Ele nunca foi um doce, pelo menos não em público, mas agora ele tem sido grosso até<br />

na frente da filha dele.<br />

— Valentina não é filha dele, Phoebe.<br />

— Me desculpe. Eu não queria...<br />

— Tudo bem.<br />

Eu devia contar-lhe sobre o motivo de eu estar com ele assim. De eu tolerar Ewan tanto tempo,<br />

eu precisava que ele soubesse que eu não era uma interesseira, por que era isso que eu estava<br />

soando para mim mesma. Eu não queria que Hill achasse que eu era parecida com a minha mãe.<br />

— Há dois anos... Eu pedi o divórcio a Ewan. Foi quando eu descobri sobre as traições. – pelo<br />

menos as mais descaradas, já que geralmente vinham em folhetins de jornal — Com Valentina no<br />

colégio interno, eu ia com eles nas viagens. Até então não havia muita coisa para ele fazer, não<br />

comigo por perto.<br />

— Você era muito inocente, isso sim.<br />

— Inocente, não, Hill. Eu estava apenas ciente de que se ele quisesse fazer alguma coisa, ele<br />

faria. Eu não sou idiota. Eu não sou mais a garota atraente de antes, e Ewan sempre mostrou<br />

interesse pelas mulheres mais novas. Então quando lhe dei oportunidade, ele se atirou à farra feito


um soldado que se lança ao despojo.<br />

— Oportunidade?<br />

— Sim, quando eu parei de ir com ele nas viagens. Quando Valentina estava no ensino médio e<br />

precisava estudar para passar numa boa faculdade, ela ficou comigo nesse tempo. Ela precisava<br />

estar preparada, e eu precisava ter certeza que ninguém mais atrapalharia os estudos dela como<br />

antes. Que ninguém mais a magoasse.<br />

— Quem fez isso? Machucaram minha filha?!<br />

— Longa história. Então eu comecei a ficar em casa. As vadias do esporte estavam atacando<br />

ele por aonde quer que ele fosse, e eu apenas lia as notícias em revistas baratas com informações<br />

sobre os novos casinhos que ele tinha a cada semana. Sempre meninas muito novas.<br />

Eu tinha a aliança no dedo. Joguei-a fora como se fosse uma víbora. Seria mais fácil dormir com<br />

Hill se eu não tivesse a lembrança de Ewan no meu dedo anelar.<br />

— Pode me dar um copo de água?<br />

Eu estava resoluta, contei tudo o que ele queria saber. E foi quando vi o quanto ele parecia se<br />

preocupar comigo, que soube que ele não se negaria para mim se eu pedisse, que eu me despi e<br />

fiquei diante dele. Eu precisava senti-lo. Seria apenas uma vez, eu enganava a mim mesma. Seria<br />

apenas essa vez e depois nunca mais.<br />

Hill estava duro, o que significava que de alguma forma ruim ele ainda sentia tesão comigo. O<br />

que significava que se eu fosse boa o suficiente, conseguiria dar prazer a este homem e roubar o<br />

meu do seu corpo.<br />

O volume generoso de Hill ocupou minha mão inteira e ainda sobrava bastante. Eu o massageei<br />

por alguns segundos. Eu queria ele dentro de mim, logo. Eu estava tão molhada que não precisava<br />

nem lubrificar-me mais. Encaixei-o dentro de mim e naquele momento eu soube que Hill era minha<br />

casa. Que todo o tempo que eu tinha procurado dar prazer a mim mesma nunca se compararia<br />

com a sensação de ter o meu corpo no dele outra vez. Ele foi meu primeiro homem e continuaria<br />

sendo. Por que ninguém conseguia me fazer sentir qualquer coisa que não fosse ele.<br />

De repente, eu não era mais a mulher ferida, a mulher machucada e ofendida. Eu era apenas<br />

eu, Phoebe, sentindo prazer com o homem que eu sempre odiei amar e amava odiar. Eu me sentia<br />

novamente a garota de dezesseis anos perdendo a virgindade novamente, embora agora fosse<br />

apenas a da alma. Já que eu tinha me revestido de uma proteção que só ele conseguia derrubar.<br />

— Phoebe...<br />

Ele sussurrou meu nome e aquilo era uma merda. Por que a voz dele, quando tocou em mim,<br />

macia e quente era uma forma de carinho que eu não conhecia. As mãos dele deslizando por<br />

minhas costas como se ele realmente estivesse apreciando cada segundo daquilo eram um<br />

complemento perfeito. A boca de Hill coroou meus seios e ele os engolia como se nossas vidas


dependessem disso.<br />

— Phoebe... Eu...<br />

Ele estava prestes a me dar um prazer tão intenso como eu não o tinha em o que pareciam<br />

séculos. Ele me preenchia de forma tão perfeita que eu odiei o fato de ele ser tão bem dotado.<br />

Meu ventre iria sentir o vazio quando ele não estivesse ali. Era tão perfeito o movimento que eu<br />

acabei sentindo meu prazer tão rápido quanto necessário.<br />

Estive exaurida por um bom tempo. Apoiei minha cabeça ao ombro dele. Fiquei nessa posição.<br />

Ele deslizava os dedos nas minhas costas tão gentilmente. Eu não recebia esse tipo de carinho<br />

quando Ewan terminava o que tinha que fazer quando ele ainda me buscava. Eu me maldisse<br />

suficientes vezes mentalmente até acreditar que eu conseguiria viver outra vez sem isso. Sem o<br />

corpo dele encaixado no meu.<br />

Ele saiu de baixo de mim achando que tinha feito alguma coisa errada, e eu não fui mulher<br />

suficiente para dizer que ele não era culpado. Eu ainda estava engolfada num turbilhão de<br />

sensações e de mentiras. Eu queria acreditar que isso fora normal, mas não foi. O amor de Hill não<br />

doía, não me violava. O amor de Hill era o amor juvenil de sempre. Ele era juventude, vida. O<br />

amor de Hill era poesia.


BÔNUS III<br />

CONFIANÇA<br />

VALENTINA ENTROU NO APARTAMENTO como se estivesse soltando fogo pelas narinas. Ela é minha<br />

filha, mas consegue ser tão determinada quanto o pai quando quer alguma coisa. Se antes eu não<br />

acreditava que comportamento podia ser adquirido pelos genes, agora eu conseguia acreditar.<br />

— Mãe, como a senhora está? – Valentina pergunta enquanto se senta no sofá. Eu não sabia<br />

que ela ainda tinha a chave do apartamento com ela. Não sei por que imaginei que ela a teria<br />

jogado fora.<br />

Eu tinha no corpo apenas um short e um suéter confortável. Eu tinha que limpar toda aquela<br />

cena. A perícia no apartamento durou apenas umas poucas horas, apenas para confirmar as<br />

agressões que eu disse que tinha sofrido.<br />

Continuei limpando o chão. Eu não queria ninguém limpando aquela bagunça, eu poderia ter<br />

pedido que alguém o fizesse, mesmo o pessoal do prédio, mas eu queria organizar aquele espaço.<br />

Era quase uma metáfora para o que parecia estar acontecendo dentro de mim. Eu estava me<br />

reorganizando depois de tanto ser sacudida e ver as prateleiras com meus sentimentos sendo<br />

danificadas e eles se espatifando no chão.<br />

— Estou bem. Eu deveria dizer que estou triste, chocada, algo do tipo. Eu acho que é isso que<br />

quer ouvir, mas eu não vou mentir.<br />

Valentina se levantou e veio até mim. Eu estava tentando não olhar demais para ela, deixando<br />

meu rosto parcialmente ocultado pelos cabelos soltos, para que ela não visse as marcas da última<br />

agressão de Ewan, e a mais descontrolada de todas, e sentisse pena por mim. Não queria que ela<br />

achasse a mãe dela uma fraca, talvez o maior motivo de meu silêncio. Não queria que ela me<br />

odiasse por não ter sido capaz de protegê-la.<br />

— Eu me sinto estranha também. Não exatamente triste, mas estranha. Querendo ou não, a vida<br />

que conheço sempre teve Ewan como pano de fundo. Eu não posso me regozijar com a morte de<br />

ninguém.<br />

Então Valentina estava perto demais, e eu tinha que olhar para ela. Eu estava sendo obrigada<br />

a olhar para ela. Eu teria que olhá-la ao rosto e mostrar minha vergonha. As palavras de Anthony<br />

tinham ecoado duramente em minha alma. Eu nunca tinha visto meu próprio reflexo daquele jeito.


Meu desejo de vingança tinha acabado simplesmente respigando em todos. Eu era um céu chuvoso<br />

atrapalhando a alegria das crianças. Eu era um dia cinza, e eu coloria de cores mortas todos à<br />

minha volta.<br />

— Mãe, meu Deus, o que foi isso?<br />

Valentina tocava meu rosto e eu apenas pude retirar as mãos dela com cuidado para que ela<br />

não machucasse ainda mais a carne magoada.<br />

— Foi Ewan, mas não se preocupe. Não há mais nada a fazer para melhorar, eu já tenho<br />

colocado pomada. E isso não vai mais acontecer outra vez.<br />

Valentina voltou e apoiou-se na parede. Num segundo ela olhava para meu rosto, no outro ela<br />

tinha as mãos em seus próprios olhos secando lágrimas das quais eu era a culpada.<br />

— Isso tudo foi por minha causa. Meu Deus, mãe. A senhora deveria ter me contado. Eu sempre<br />

achei que fossemos amigas. Era por isso que a senhora me deixava naquele internato? Era por<br />

isso? Para que eu não presenciasse essas coisas?<br />

— Talvez. Mas o principal era para mantê-la a salvo. Valentina – eu a tomei pelas mãos e a fiz<br />

se sentar à mesa de jantar numa cadeira, eu mesma sentei na outra – eu não sei se vai entender<br />

algum dia. Eu não sei se me perdoará pelo que aconteceu consigo, mas eu não sei o que mais eu<br />

poderia fazer. Eu não queria te deixar traumatizada. Eu queria ter deixado os sinais falarem por<br />

si antes mesmo de acontecer. Mas eu fui tão burra. Minha vida se resumia a agradar Ewan. Eu quis<br />

tanto ser melhor para ele que acabei me esquecendo da coisa mais importante da minha vida.<br />

— Mãe, eu não entendo. Eu não entendo. Eu tento, mas não entendo.<br />

— O que não entende?<br />

— Por que não foi embora? Mae, foram vinte anos. A senhora perdeu vinte anos preciosos da<br />

sua vida. A senhora nunca pode confiar em ninguém, não confiou nem mesmo em mim que sou sua<br />

filha. Eu queria poder dizer que sim, mas a senhora não confiou em mim para contar tudo o que<br />

acontecia.<br />

— Eu não queria que ele tivesse motivos para me afastar de você! – eu gritei, eu sabia que<br />

Valentina estava certa, mas a raiva que sentia era de mim mesma – Se ele quisesse, poderia a<br />

qualquer momento afastá-la de mim. Ele poderia fazer alguma coisa. Ele ameaçava, foi quando<br />

pedi divórcio, ele não me deu. Eu achava que a vida que você tinha seria suficiente. Eu estava<br />

esperando que você tivesse alguma independência, como agora, que vai estudar. E eu teria forças<br />

para ir embora. Eu fui como minha mãe, uma mulher de enfeite, mas agora não mais. Agora eu<br />

tenho liberdade. O que aconteceu com você, aconteceu comigo... E eu nunca o pude perdoar, talvez<br />

por isso eu o tenha castigado tanto tempo com o meu desamor.<br />

— Mas castigou a si mesmo também. E agora, continua castigando. Há um homem que te ama,<br />

ele está sofrendo tanto quanto você.


— Esse homem me roubou a felicidade, Valentina.<br />

— A senhora também roubou a felicidade dele.<br />

— Anthony não é mais o mesmo, filha. Eu o amei como nunca – a quem estava querendo<br />

enganar? Eu ainda o amo, mas não é suficiente. – e fui ferida na mesma intensidade.<br />

— Se a senhora pelo menos o escutasse, a verdade não é o que lhe contaram.<br />

— A verdade? Hill não conseguiria mudá-la. Eu sei o que aconteceu.<br />

— Mãe, a senhora não sabe de nada. Nem mesmo deixa ele entrar. A vovó... – ela não<br />

completou – Meu Deus do céu, ouça isso. Se a senhora ouvir, vai entender tudo. Se depois que ouvir<br />

não mudar sua opinião, eu volto para cá e moro com a senhora. Eu vou continuar amando Hill como<br />

pai, mas posso ficar ao seu lado.<br />

— O que está me pedindo...<br />

— Só ouça, por favor. Confie em mim. A senhora passou a vida inteira sendo rodeada de<br />

mentiras que não mais conhece reconhecer a verdade. A senhora vai ter que escolher o que quer,<br />

mas sua decisão seria mais sensata se ouvisse o que minha vó, sua mãe, tem a dizer.<br />

Minha filha mostrou o gravador. Não valia a pena insistir mais. Ela queria que eu andasse com<br />

minhas próprias pernas. Eu estava tomando conselho de minha filha, ela não era mais tão menina,<br />

mas ainda era estranho. Eu a amava tanto, eu daria a vida por ela, mas dessa vez eu é quem<br />

tinha que escolher. Não queria me sentir impelida de um lado para outro como na minha juventude.<br />

Eu tinha que entender tudo, tudo. E então eu poderia decidir por mim mesma, pela primeira vez.<br />

— Filha...<br />

— Sim?<br />

— Há algo que precisa saber.<br />

— O que?<br />

— Precisa manter segredo. Eu estou confiando em você, não conte isto a ninguém, nem mesmo a<br />

seu pai.<br />

— Sim... – ela tinha tanto medo quanto ansiedade impresso nos lábios apertados, mas ouviu até<br />

o final.<br />

— Quando um dos agiotas de Ewan ligou para cá, eu disse a ele onde poderia encontrá-lo. Eu<br />

disse que ele estava em Miami e que estava falido. Fui eu quem disse onde ele poderia achar seu<br />

pai, apesar de fazer parecer que estava apenas dando uma informação corriqueira como quem<br />

não sabe de nada.


Valentina deu um pequeno sorriso de canto e olhou-me com uma confusão de sentimentos. Por<br />

final, falou:<br />

— Tudo bem, mãe. Em seu lugar, eu acho que teria feito o mesmo.


SOBRE A AUTORA<br />

BIOGRAFIA<br />

DEISY MONTEIRO É Ludovicense, cristã, formada em Ciências Contábeis. Casada com João Garcia<br />

e mãe orgulhosa de Xansgudi e Xangudanga, um casal de gatinhos.<br />

Poetisa por natureza, romancista por sorte. Escreveu seu primeiro livro de poemas aos quinze<br />

anos, mas só veio a publicá-lo mais tarde.<br />

Seu primeiro romance foi Romance em East Valley, com o qual ganhou o prêmio internacional do<br />

“The Wattys” no ano de 2015 na categoria maior sorte de principiante. A série East Valley já conta<br />

com mais de meio milhão de leituras na internet.<br />

Além destes, <strong>Deisy</strong> ainda publicou a série Escarlate, Cartas para Daniel, Fogos Surdos, O livre<br />

Arbítrio, Apostasia, entre outros.<br />

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