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as outras, inclusive Jenny, gesticulam e gritam alguma coisa sobre um impedimento. Pela primeira vez<br />
me ocorre o quanto minha rua deve parecer feia para Hana, tantas casas espremidas, metade com as<br />
janelas quebradas e as varandas encurvadas, como colchões velhos. É tão diferente das ruas limpas e<br />
tranquilas em West End, dos carros silenciosos e brilhantes, dos portões e das cercas vivas.<br />
— Você poderia vir com a gente — diz Hana, em voz baixa.<br />
Uma onda de ódio me domina. Ódio à minha vida com seus espaços estreitos e apertados; ódio a<br />
Angelica Marston, com seu sorriso furtivo e pais ricos; ódio a Hana, antes de mais nada por ser tão<br />
burra, descuidada e teimosa, e também por me deixar para trás antes que eu estivesse pronta; e, sob<br />
todas essas camadas, há outra ainda, uma lâmina ardente de infelicidade cortando a parte mais profunda<br />
de mim. Não sei definir, nem mesmo formar uma imagem clara, mas, de alguma forma, entendo que isso<br />
— essa outra camada — é o que mais me enfurece.<br />
— Obrigada pelo convite — digo, sem me dar o trabalho de afastar o sarcasmo de minha voz. —<br />
Parece ótimo. Vai haver meninos lá também?<br />
Ou Hana não percebe o tom em minha voz — o que é bem difícil — ou decide ignorá-lo.<br />
— O objetivo é justamente esse — diz ela, sem expressão. — Bem, e a música.<br />
— Música? — pergunto. Não consigo esconder o interesse. — Como na outra vez?<br />
O rosto de Hana se ilumina.<br />
— É. Quer dizer, não. Uma banda diferente. Mas dizem que esses caras são incríveis, ainda melhores<br />
que os daquela vez. — Ela faz uma pausa e, em seguida, repete: — Você poderia vir com a gente.<br />
Apesar de tudo, isso me faz pensar. Nos dias após a festa na fazenda Roaring Brook trechos de<br />
músicas pareciam me seguir por todos os lados: eu os ouvia balançando no vento, vindo do mar e<br />
sussurrados pelas paredes da casa. Às vezes, eu acordava no meio da noite, ensopada de suor e com o<br />
coração acelerado, ouvindo as notas soarem em meus ouvidos. Mas sempre que estava acordada e<br />
tentava me lembrar das melodias, cantarolar algumas notas ou pensar em algum dos acordes, eu não<br />
conseguia.<br />
Hana está me encarando esperançosa, aguardando minha resposta. Por um segundo sinto-me mal<br />
por ela. Quero deixá-la feliz, como sempre fiz, quero vê-la comemorar e socar o ar e me mostrar um de<br />
seus famosos sorrisos. Mas então lembro que agora ela tem Angelica Marston, e algo se enrijece em<br />
minha garganta, e saber que vou desapontá-la me dá uma espécie de satisfação entorpecida.<br />
— Acho que não — digo. — Mas obrigada assim mesmo.<br />
Hana dá de ombros, e percebo que ela está lutando para mostrar que não se importa.<br />
— Se mudar de ideia... — Ela tenta sorrir, mas não consegue sustentar a expressão por mais de um<br />
segundo. — Estrada Tanglewild. Deering Highlands. Você sabe onde me encontrar.<br />
Deering Highlands. Claro. A área é uma subdivisão abandonada fora da península. Há uma década o<br />
governo descobriu simpatizantes — e se os rumores forem verdadeiros, até mesmo alguns Inválidos —<br />
vivendo em uma das grandes mansões de lá. Foi um escândalo enorme, e a invasão foi resultado de uma<br />
operação com agentes infiltrados durante um ano. No fim das contas, quarenta e duas pessoas foram<br />
executadas e outras cem jogadas nas Criptas. Desde então, Deering Highlands se tornou um bairrofantasma:<br />
evitado, esquecido, condenado.<br />
— É, bem... Você sabe onde me encontrar. — Gesticulo ridiculamente em direção à rua.<br />
— Sim.<br />
Hana olha para os pés e passa o peso do corpo de uma perna para a outra. Não há mais nada a dizer,<br />
mas eu não suportaria simplesmente me virar e me afastar. Estou com a terrível sensação de que esta é a<br />
última vez em que verei Hana antes da cura. De repente, o medo me domina, e desejo que pudesse<br />
voltar em nossa conversa e retirar todo o sarcasmo e as maldades, dizer que sinto saudades e que quero<br />
voltar a ser sua melhor amiga.<br />
Porém, quando estou prestes a falar, ela me dá um rápido aceno e diz: