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cotovelada, e Jenny se vira e a empurra no chão. A menina mais nova começa a chorar. Ninguém sai de<br />
casa, nem mesmo quando o choro da menina se transforma em um grito agudo como uma sirene. Uma<br />
cortina ou um pano de prato se movimenta em uma janela; fora isso, a rua está em silêncio, parada.<br />
Estou desesperada para manter a onda de bem-estar e fazer as pazes com Hana, ainda que seja<br />
apenas por um mês.<br />
— Ouça, Hana... — Sinto como se as palavras passassem por um enorme nó em minha garganta;<br />
estou quase tão nervosa quanto antes das avaliações. — Vão passar O detetive defectível no parque hoje à<br />
noite. Sessão dupla, Michael Wynn. Podemos ir, se você quiser.<br />
O detetive defectível é uma franquia de filmes que Hana e eu adorávamos quando éramos pequenas,<br />
sobre um famoso detetive que, na verdade, é um incompetente, e seu companheiro canino: o cachorro<br />
sempre acaba resolvendo os crimes. Muitos atores interpretaram o papel principal, mas nosso preferido<br />
era Michael Wynn. Quando éramos crianças, rezávamos para ser pareadas com ele.<br />
— Hoje? — O sorriso de Hana vacila, e meu estômago embrulha. Burra, burra, penso. Enfim, não faz<br />
diferença.<br />
— Tudo bem se você não puder. Não se preocupe. Foi só uma ideia — digo rapidamente, desviando<br />
o olhar para que ela não perceba quão decepcionada estou.<br />
— Não... Quer dizer, eu quero ir, mas... — Hana respira fundo. Detesto isso, detesto esse<br />
desconforto entre nós. — Eu meio que tenho uma festa... — Ela se corrige rapidamente: — Uma coisa à<br />
qual fiquei de ir com Angelica Marston.<br />
Tenho uma sensação oca no estômago. É incrível como palavras conseguem fazer isso, simplesmente<br />
rasgar suas entranhas. Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras não me atingem — tanta<br />
mentira.<br />
— Desde quando você anda com Angelica Marston?<br />
Mais uma vez não é minha intenção soar amarga, mas percebo que pareço uma irmãzinha caçula<br />
irritante reclamando de ter sido excluída de um jogo. Mordo meu lábio e me viro, furiosa comigo<br />
mesma.<br />
— Na verdade, ela não é tão ruim — diz Hana suavemente. Posso ouvir em sua voz que ela está<br />
com pena de mim. Isso é pior do que qualquer coisa. Quase desejo que estivéssemos gritando uma com<br />
a outra de novo, como fizemos naquele dia na casa dela… até aquilo seria melhor que seu tom de voz<br />
cuidadoso, a maneira como estamos pisando em ovos em relação a nossos sentimentos. — Ela não é<br />
metida de verdade. Apenas tímida, eu acho.<br />
Angelica Marston era caloura nossa no ano passado. Hana debochava da maneira como ela usava o<br />
uniforme. Ele estava sempre perfeitamente passado e impecável, a gola da blusa de botões era dobrada<br />
metodicamente e a saia batia bem no joelho. Hana dizia que Angelica Marston era metida porque o pai<br />
era um cientista importante no complexo de laboratórios. E ela realmente andava assim, toda contida e<br />
cuidadosa.<br />
— Você a odiava — chio. Minhas palavras parecem não pedir permissão para meu cérebro antes de<br />
saírem pela boca.<br />
— Eu não a odiava — diz Hana, como se estivesse tentando explicar álgebra a uma criança de dois<br />
anos. — Não a conhecia. Sempre achei que ela fosse uma metida, sabe? Por causa das roupas e tudo mais.<br />
Mas é tudo por causa dos pais dela. Eles são muito rígidos, superprotetores e tal. — Hana balança a<br />
cabeça. — Ela não é nada assim. Ela é... diferente.<br />
Esta palavra parece vibrar no ar por um segundo: diferente. Por um segundo vejo a imagem de Hana e<br />
Angelica de braços dados e tentando não rir, passeando disfarçadamente pelas ruas após o toque de<br />
recolher: Angelica é destemida, linda e divertida, exatamente como Hana. Afasto o pensamento de<br />
minha cabeça. Na rua, uma das crianças chuta a lata com força. Ela quica entre duas latas amassadas de<br />
lixo fazendo as vezes de gol improvisado na rua. Metade das crianças começa a pular e dar socos no ar;