01- Delírio

cegue alguém com isto.
Um sorriso passa pelo rosto de Hana.
— Eu vou com você — diz ela, o que me surpreende.
Por algum tempo caminhamos em silêncio. Não estamos tão longe de minha casa, e tenho medo de
percorrermos o caminho todo sem trocar uma palavra. Nunca vi Hana tão quieta, e isso está me
deixando nervosa.
— De onde você está vindo? — pergunto, apenas para falar alguma coisa.
Hana leva um susto a meu lado, como se eu tivesse acabado de acordá-la de um sonho.
— East End — diz ela. — Estou seguindo uma programação rígida de bronzeamento.
Ela estende o braço junto ao meu. Está pelo menos sete tons mais escuro que minha pele, o que
ainda é pálido, talvez um pouco mais sardento do que fica no inverno.
— Você não, né?
Dessa vez, ela sorri de verdade.
— Hum, não. Não tenho ido muito à praia.
Esforço-me para reprimir um rubor.
Por sorte, Hana não percebe ou, se percebe, não diz nada.
— Eu sei. Procurei por você.
— Procurou? — Olho para ela de esguelha.
Ela revira os olhos. Fico feliz em ver que sua atitude normal está voltando.
— Quer dizer, não ativamente. Mas fui à praia algumas vezes. E não vi você.
— Tenho trabalhado muito — digo. Não acrescento: para evitar East End, na verdade.
— Continua correndo?
— Não. Está quente demais.
— É, eu também. Achei melhor dar um tempo até o outono. — Damos mais alguns passos em
silêncio, e, então, Hana me encara, inclinando a cabeça. — E o que mais?
A pergunta dela me pega de surpresa.
— Como assim, o que mais?
— É isso o que quero dizer. Quer dizer, o que mais? Poxa, Lena... É o último verão, lembra? O
último verão sem responsabilidades e com tudo o que é bom. Então, o que você tem feito? Por onde
tem andado?
— Eu... Nada. Não tenho feito nada.
O objetivo era exatamente este — ficar longe de encrencas, fazer o mínimo possível —, mas dizer
essas palavras me deixa um pouco triste. O verão parece sumir rapidamente, encolhendo-se em uma
ponta fina antes que eu sequer tenha tido a chance de aproveitá-lo. Já estamos quase em agosto. Teremos
mais cinco semanas com esse clima antes que o vento comece a cortar a noite e as folhas das árvores
fiquem com as pontas douradas.
— E você? — digo. — Tem tido um bom verão?
— O normal. — Hana dá de ombros. — Tenho ido muito à praia, como disse. Tenho trabalhado
um pouco como babá para os Farrel.
— Sério?
Franzo a testa. Hana sempre teve algo contra crianças. Sempre diz que elas são grudentas e pegajosas
demais, como balas esquecidas dentro de um bolso quente por muito tempo.
Ela também franze.
— Sério, infelizmente. Meus pais decidiram que eu precisava “praticar o gerenciamento de uma
casa” ou alguma porcaria assim. Sabia que eles estão me fazendo montar um controle de orçamento?
Como se aprender a gastar sessenta dólares por semana fosse me ensinar a pagar contas, ter
responsabilidade etc.