01- Delírio

Recebo uma nova data para as avaliações e passo as noites na frente do espelho, ensaiando minhas
respostas. Minha tia insiste em me acompanhar novamente aos laboratórios, mas, dessa vez, não vejo
Hana. Não vejo ninguém que eu reconheça. Mesmo os quatro avaliadores são diferentes: rostos ovais
flutuantes, em tons diferentes de marrom e cor-de-rosa, bidimensionais, como desenhos sombreados.
Não estou com medo dessa vez. Não sinto nada.
Respondo a todas as perguntas exatamente como deveria. Quando me perguntam minha cor
preferida, apenas por um breve e minúsculo segundo minha mente pensa em um céu da cor de prata
polida, e penso que ouço uma palavra — cinza — sussurrada baixinho em meu ouvido.
Digo:
— Azul.
E todos sorriem.
Digo:
— Gostaria de estudar psicologia e regulação social.
Digo:
— Gosto de ouvir música, mas não muito alto.
Digo:
— A definição de felicidade é segurança. — Sorrisos, sorrisos, sorrisos por todos os lados, uma sala
cheia de dentes.
Quando acabo, enquanto estou saindo, penso ver uma sombra em movimento, um lampejo em
minha visão periférica. Dou uma rápida olhada para a galeria de observação. Claro, está vazia.
Dois dias depois recebemos os resultados de meus testes — aprovada em todos — e a nota final:
oito. Minha tia me abraça; é a primeira vez em anos. Meu tio me dá um tapinha sem jeito no ombro, e
ganho o maior pedaço de frango no jantar. Até Jenny parece impressionada. Gracie esfrega o topo da
cabeça em minha perna uma, duas, três vezes, e me afasto dela, dizendo para ela parar de amolar. Sei que
ela está chateada porque vou deixá-la.
Mas a vida é assim — e quanto mais cedo ela se acostumar, melhor.
Recebo também minhas “Compatibilidades Aprovadas”, uma lista com quatro nomes e seus dados
— idades, pontuações, interesses, planos recomendados de carreira, prospectos salariais — impressa
caprichosamente em uma folha branca, com o selo da cidade de Portland no alto. Pelo menos Andrew
Marcus não aparece nela. Reconheço apenas um nome: Chris McDonnell. Ele tem cabelos ruivos e
dentes de coelho. Só o conheço porque uma vez, quando eu estava brincando com Gracie na rua no ano
passado, ele começou a entoar Lá vão a retardada e a órfã, e sem pensar realmente no que eu estava
fazendo, peguei uma pedra no chão, me virei e joguei-a em sua direção. Ela o atingiu na têmpora. O
menino ficou vesgo por um segundo. Ele levou os dedos à cabeça, e quando abaixou o braço eles
estavam escuros, com sangue. Durante dias tive pavor de sair, de ser presa e de ser jogada nas Criptas. O
Sr. McDonnell era dono de uma firma de serviços técnicos, e também um regulador voluntário. Eu
estava convencida de que ele viria atrás de mim pelo que fiz com seu filho.
Chris McDonnell. Phinneas Jonston. Edward Wung. Brian Scharff. Olho para os nomes por tanto
tempo que as letras se embaralham, formando palavras sem sentido, balbucios de bebê. Mandando Crista,
Justo e Fino, Onda Lerda, Fique Chris, Chá Branco.
No meio de julho, quando faltam apenas sete semanas para minha intervenção, preciso tomar minha
decisão. Numero minha lista de forma arbitrária: Phinneas Jonston (1), Chris McDonnell (2), Brian
Scharff (3), Edward Wung (4). Os meninos também enviarão suas preferências; os avaliadores farão o
possível para atendê-las.
Dois dias depois recebo a notificação oficial: passarei o resto da vida com Brian Scharff, cujos
hobbies são “assistir ao noticiário” e “beisebol imaginário”, e que planeja trabalhar na “associação de
eletricistas”, e que pode “um dia esperar ganhar um salário de 45 mil dólares ao ano”, o que “deve