01- Delírio

menos de dois meses para minha intervenção. Tudo o que preciso fazer é manter a cabeça abaixada e
sobreviver às próximas sete semanas, e, então, ficarei bem.
Volto para casa todas as noites duas horas antes do toque de recolher. Ofereço-me para trabalhar
mais dias na loja e nem peço meu soldo habitual de oito dólares por hora. Hana não me liga. Eu também
não ligo para ela. Ajudo minha tia a preparar o jantar, tiro a mesa e lavo a louça sem ninguém pedir.
Gracie está em recuperação — ela está ainda no primeiro ano e já falam em reprová-la —, e todas as
noites coloco-a em meu colo e ajudo-a com seus trabalhos, sussurrando em seu ouvido, implorando para
que fale, que se concentre, que ouça, persuadindo-a, finalmente, a escrever pelo menos metade das
respostas no caderno. Após uma semana, minha tia para de me olhar desconfiada cada vez que entro em
casa e não exige saber onde estive, o que tira mais um peso de meus ombros: ela confia em mim outra
vez. Não foi fácil explicar por que Sophia Hennerson e eu resolvemos, do nada, dar um mergulho no
mar — de roupa, ainda por cima — após um grande jantar em família, e foi ainda mais difícil explicar
por que cheguei em casa pálida e tremendo, e deu para perceber que minha tia não acreditou. Mas,
depois de um tempo, ela volta a relaxar, para de me olhar desconfiada, como se eu fosse um animal
enjaulado e ela tivesse medo de que eu desse um ataque.
Os dias passam, o tempo segue, os segundos avançam como peças de dominó caindo em uma fileira.
A cada dia o calor piora. Ele invade as ruas de Portland, cresce nos Lixões, faz a cidade cheirar como
uma axila gigante. As paredes suam e os bondes tossem e tremem, e todo dia pessoas se reúnem em
frente aos prédios municipais, rezando por um breve sopro de ar frio sempre que as portas automáticas
se abrem para que um regulador, um político ou um guarda entre ou saia.
Preciso abrir mão de minhas corridas. Na última vez que saio para uma volta completa percebo que
meus pés me levam à praça Monument, passando pelo Governador. O sol é uma mancha branca elevada,
e todos os prédios formam um rígido contraste com o céu, como uma série de dentes metálicos. Quando
chego à estátua, estou ofegante, exausta, e minha cabeça está girando. Quando pego o braço do
Governador e subo na base da estátua, o metal queima sob minha mão e o mundo sobe e desce
loucamente, balançando ligeiramente em todas as direções. Estou vagamente ciente de que deveria entrar
em algum lugar, sair do calor, mas meu cérebro está tão nebuloso que continuo ali, cutucando o buraco
na mão fechada do Governador. Não sei o que estou procurando. Alex já me disse que o bilhete que
deixou para mim há meses já deve ter se decomposto. Meus dedos saem grudentos, com pedaços de
chiclete derretido esticando-se entre o polegar e o indicador, mas continuo em minha busca. Então,
sinto algo deslizar entre os meus dedos, frio e rígido, dobrado em um quadrado: um bilhete.
Estou um pouco delirante quando o abro, mas mesmo assim não espero realmente que seja dele.
Minhas mãos começam a tremer enquanto leio:
Lena,
Sinto muito. Por favor, me perdoe.
Alex
Não me lembro da corrida de volta para casa, e minha tia me encontra, mais tarde, meio desmaiada no
corredor, murmurando algo para mim mesma. Ela precisa me colocar em uma banheira cheia de gelo
para fazer minha temperatura baixar. Quando finalmente volto a mim, não consigo encontrar o bilhete
em lugar nenhum. Percebo que devo tê-lo deixado cair, e me sinto ao mesmo tempo aliviada e
decepcionada. À noite, lemos que o Escritório de Horário e Temperatura registrou trinta e nove graus: o
dia mais quente do verão até agora.
Minha tia me proíbe de correr até o fim do verão. Não discuto. Não confio em mim, não posso ter
certeza de que meus pés não me levarão de volta até o Governador, até a praia em East End, até os
laboratórios.