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01- Delírio

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Não preciso perguntar. Já sei. O conhecimento se revelou, se derramou, me atropelou. Mesmo assim<br />

uma pequena parte de mim acredita que, enquanto ele não disser, não será verdade.<br />

Seus olhos estão firmes nos meus, mas ele inclina a cabeça para trás — na direção da fronteira, para<br />

além da ponte, para aquele arranjo em constante movimento de galhos, folhas, vinhas e coisas vivas<br />

emaranhadas.<br />

— Dali — diz ele, ou talvez eu apenas pense que ele disse. Seus lábios mal se movem. Mas o<br />

significado é claro.<br />

Ele veio da Selva.<br />

— Um Inválido — digo. A palavra parece arranhar minha garganta. — Você é um Inválido. — Dou<br />

a ele uma última chance para negar.<br />

Mas ele não o faz. Apenas franze o rosto levemente e diz:<br />

— Sempre odiei essa palavra.<br />

Ali, percebo algo mais: não era coincidência o fato de Carol sempre debochar por eu ainda acreditar<br />

em Inválidos, sempre balançar a cabeça sem se incomodar em tirar os olhos das agulhas de tricô — tic tic<br />

tic, faziam elas, brilhando — e dizer Suponho que você também acredita em vampiros e em lobisomens, não é?<br />

Vampiros, lobisomens e Inválidos: seres que destroçam as pessoas, deixam-nas em pedaços. Seres<br />

fatais.<br />

De repente fico tão assustada que uma pressão desesperada empurra o fundo de meu estômago e<br />

algum ponto entre minhas pernas, e por um segundo louco e ridículo, tenho certeza de que estou prestes<br />

a urinar. O farol na ilha Little Diamond acende e forma uma larga faixa sobre a água, um enorme dedo<br />

acusador: fico apavorada de ser pega pelo feixe, apavorada de que ele aponte em minha direção e, em<br />

seguida, eu ouça os helicópteros e as vozes dos reguladores gritando em megafones: Atividade ilegal!<br />

Atividade ilegal! A praia parece inteira e impossivelmente deserta. Não consigo imaginar como chegamos<br />

tão longe. Meus braços parecem pesados e inúteis, e penso em minha mãe e em seu casaco se enchendo<br />

lentamente de água.<br />

Respiro fundo, tentando impedir que minha mente gire, tentando me concentrar. Não há como<br />

alguém saber que Alex é um Inválido. Eu não sabia. Ele parece normal e tem a cicatriz no lugar certo.<br />

Não há qualquer possibilidade de que alguém tenha ouvido nossa conversa.<br />

Uma onda se forma e quebra em minhas costas. Eu caio para a frente. Alex estende a mão e segura<br />

meu braço para me ajudar, mas me livro dele imediatamente, ao mesmo tempo que uma segunda série de<br />

ondas vem para cima de nós. Minha boca se enche de água, e sinto o sal queimando meus olhos,<br />

deixando-me temporariamente cega.<br />

— Não — gaguejo. — Não ouse me tocar.<br />

— Lena, eu juro. Eu não quis magoá-la. Não quis mentir para você.<br />

— Por que você está fazendo isso? — Não consigo pensar racionalmente, mal consigo respirar. —<br />

O que você quer de mim?<br />

— Querer...?<br />

Alex balança a cabeça. Ele parece genuinamente confuso, e magoado, também, como se eu tivesse<br />

feito algo errado. Por um segundo sinto uma pontada de solidariedade em relação a ele. Talvez ele veja<br />

em meu rosto essa fração de segundo em que baixo a guarda, pois no mesmo instante sua expressão se<br />

suaviza e seus olhos brilham como fogo, e apesar de eu mal vê-lo se mover ele de repente se aproximou<br />

e está colocando as mãos quentes em meus ombros — dedos tão mornos e fortes que quase grito — e<br />

dizendo:<br />

— Lena. Eu gosto de você, tudo bem? É isso. É só isso. Eu gosto de você.<br />

A voz é tão baixa e hipnótica que parece uma canção. Penso em predadores caindo silenciosamente<br />

de árvores: penso em gatos enormes, com brilhantes olhos âmbar, exatamente como os dele.<br />

Então, cambaleio para trás, nadando para longe dele, com minha camiseta pesada, encharcada, com o

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