You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Não preciso perguntar. Já sei. O conhecimento se revelou, se derramou, me atropelou. Mesmo assim<br />
uma pequena parte de mim acredita que, enquanto ele não disser, não será verdade.<br />
Seus olhos estão firmes nos meus, mas ele inclina a cabeça para trás — na direção da fronteira, para<br />
além da ponte, para aquele arranjo em constante movimento de galhos, folhas, vinhas e coisas vivas<br />
emaranhadas.<br />
— Dali — diz ele, ou talvez eu apenas pense que ele disse. Seus lábios mal se movem. Mas o<br />
significado é claro.<br />
Ele veio da Selva.<br />
— Um Inválido — digo. A palavra parece arranhar minha garganta. — Você é um Inválido. — Dou<br />
a ele uma última chance para negar.<br />
Mas ele não o faz. Apenas franze o rosto levemente e diz:<br />
— Sempre odiei essa palavra.<br />
Ali, percebo algo mais: não era coincidência o fato de Carol sempre debochar por eu ainda acreditar<br />
em Inválidos, sempre balançar a cabeça sem se incomodar em tirar os olhos das agulhas de tricô — tic tic<br />
tic, faziam elas, brilhando — e dizer Suponho que você também acredita em vampiros e em lobisomens, não é?<br />
Vampiros, lobisomens e Inválidos: seres que destroçam as pessoas, deixam-nas em pedaços. Seres<br />
fatais.<br />
De repente fico tão assustada que uma pressão desesperada empurra o fundo de meu estômago e<br />
algum ponto entre minhas pernas, e por um segundo louco e ridículo, tenho certeza de que estou prestes<br />
a urinar. O farol na ilha Little Diamond acende e forma uma larga faixa sobre a água, um enorme dedo<br />
acusador: fico apavorada de ser pega pelo feixe, apavorada de que ele aponte em minha direção e, em<br />
seguida, eu ouça os helicópteros e as vozes dos reguladores gritando em megafones: Atividade ilegal!<br />
Atividade ilegal! A praia parece inteira e impossivelmente deserta. Não consigo imaginar como chegamos<br />
tão longe. Meus braços parecem pesados e inúteis, e penso em minha mãe e em seu casaco se enchendo<br />
lentamente de água.<br />
Respiro fundo, tentando impedir que minha mente gire, tentando me concentrar. Não há como<br />
alguém saber que Alex é um Inválido. Eu não sabia. Ele parece normal e tem a cicatriz no lugar certo.<br />
Não há qualquer possibilidade de que alguém tenha ouvido nossa conversa.<br />
Uma onda se forma e quebra em minhas costas. Eu caio para a frente. Alex estende a mão e segura<br />
meu braço para me ajudar, mas me livro dele imediatamente, ao mesmo tempo que uma segunda série de<br />
ondas vem para cima de nós. Minha boca se enche de água, e sinto o sal queimando meus olhos,<br />
deixando-me temporariamente cega.<br />
— Não — gaguejo. — Não ouse me tocar.<br />
— Lena, eu juro. Eu não quis magoá-la. Não quis mentir para você.<br />
— Por que você está fazendo isso? — Não consigo pensar racionalmente, mal consigo respirar. —<br />
O que você quer de mim?<br />
— Querer...?<br />
Alex balança a cabeça. Ele parece genuinamente confuso, e magoado, também, como se eu tivesse<br />
feito algo errado. Por um segundo sinto uma pontada de solidariedade em relação a ele. Talvez ele veja<br />
em meu rosto essa fração de segundo em que baixo a guarda, pois no mesmo instante sua expressão se<br />
suaviza e seus olhos brilham como fogo, e apesar de eu mal vê-lo se mover ele de repente se aproximou<br />
e está colocando as mãos quentes em meus ombros — dedos tão mornos e fortes que quase grito — e<br />
dizendo:<br />
— Lena. Eu gosto de você, tudo bem? É isso. É só isso. Eu gosto de você.<br />
A voz é tão baixa e hipnótica que parece uma canção. Penso em predadores caindo silenciosamente<br />
de árvores: penso em gatos enormes, com brilhantes olhos âmbar, exatamente como os dele.<br />
Então, cambaleio para trás, nadando para longe dele, com minha camiseta pesada, encharcada, com o