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01- Delírio

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inúmeras pessoas não curadas sendo arrastadas para a intervenção, tão torturadas e devastadas pelo amor<br />

que prefeririam arrancar os próprios olhos ou se atirar no arame farpado que cerca o laboratório a ficar<br />

sem ele.<br />

Há muitos anos, no dia de sua intervenção, uma menina conseguiu se soltar das amarras e chegar ao<br />

telhado do laboratório. Atirou-se de lá rapidamente, sem gritar. Durante dias após o ocorrido a imagem<br />

de seu rosto foi exibida para nos lembrar dos perigos do deliria. Seus olhos estavam abertos, e o pescoço,<br />

retorcido em um ângulo anormal, mas, pelo jeito como a bochecha estava apoiada na calçada, dava para<br />

pensar que ela se deitara para tirar um cochilo. Surpreendentemente, havia bem pouco sangue — apenas<br />

um fio escuro escorrendo dos cantos da boca.<br />

Noventa e cinco dias, e então estarei segura. Estou nervosa, é claro. Fico imaginando se a<br />

intervenção vai doer. Quero acabar logo com isso. É difícil ter paciência. É difícil não sentir medo<br />

sabendo que ainda não fui curada, apesar de até agora eu não ter sido acometida pelo deliria.<br />

Mesmo assim me preocupo. Dizem que antigamente o amor levava as pessoas à loucura. Isso é ruim<br />

o bastante. A Shhh também conta histórias sobre aqueles que morreram por causa de amores perdidos<br />

ou nunca encontrados, e isso é o que mais me assusta.<br />

É o mais mortal entre todos os males: você pode morrer de amor ou da falta dele.

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