01- Delírio

— Que seja!
Reviro os olhos e engancho um braço nas boias perto dele, aproveitando a sensação das correntes
movendo-se ao redor de meu peito, curtindo a estranheza de estar de roupa na baía, com a camiseta
encharcada. Logo a maré mudará e a água voltará ao lugar normal. Então, será uma nadada lenta e
exaustiva até a praia.
Mas não me importo. Não me importo com nada — não estou preocupada com o que direi a Carol
para explicar por que cheguei em casa ensopada, com algas presas nas costas e cheiro de sal no cabelo;
não estou preocupada com o tempo que falta até o toque de recolher ou com a razão pela qual Alex está
sendo legal comigo. Sinto-me apenas feliz, um sentimento puro e vibrante. Para além das boias, a baía
tem um tom escuro de roxo e as ondas são pinceladas com espuma branca. É ilegal ultrapassar as boias
— depois delas há ilhas e pontos de observação, e depois desses, o mar aberto, oceano que leva a lugares
não regulamentados, lugares de doença e de medo —, mas naquele instante fantasio sobre mergulhar
por baixo das cordas e nadar para longe.
À nossa esquerda, podemos ver a silhueta branca do complexo de laboratórios e, mais distante, Old
Port, com suas docas como centopeias gigantes de madeira. À direita, a ponte Tukey e a longa sequência
de guaritas que a percorre e continua pela fronteira. Alex me vê observando-a.
— Bonito, não é? — diz ele.
A ponte tem manchas cinzentas e verdes, marcada pelas algas e pelos respingos d’água, e parece
lamentar-se sutilmente ao vento. Franzo o nariz.
— É um pouco como se estivesse apodrecendo, não é? Minha irmã sempre disse que um dia ela
cairia no mar, assim sem mais.
Alex ri.
— Eu não estava falando da ponte. — Ele faz um gesto ligeiro com o queixo. — Quis dizer depois
da ponte. — Ele para por uma fração de segundo. — Quis dizer a Selva.
Depois da ponte Tukey fica a fronteira norte, na outra margem da enseada Back. Enquanto estamos
ali, as luzes das guaritas se acendem, uma após a outra, brilhando no céu cada vez mais escuro — um
sinal de que está ficando tarde e que devo voltar logo para casa. Ainda assim, não consigo me forçar a ir
embora, mesmo quando sinto a água a meu redor borbulhar e se agitar com a mudança da maré. Do
outro lado da ponte o verde exuberante da Selva se move com o vento, como uma parede que se
rearranja constantemente, uma larga fatia verde sobre a baía separando Portland de Yarmouth. Daqui
conseguimos ver apenas a parte mais deserta, um lugar vazio e sem luzes, barcos ou prédios:
impenetrável, estranho e negro. Mas eu sei que a Selva se estende para trás e continua por quilômetros,
quilômetros e quilômetros continente adentro, cruzando o país todo, como um monstro esticando seus
tentáculos em torno das partes civilizadas do mundo.
Talvez tenha sido a corrida, o fato de chegar antes dele às boias ou de ele não ter criticado a mim ou
à minha família quando falei de minha mãe, mas, nesse instante, a vertigem e a felicidade ainda fluem tão
intensamente que tenho a sensação de que poderia contar ou perguntar qualquer coisa a Alex. Então,
digo:
— Posso contar um segredo? — Não espero sua resposta; não preciso esperar, e essa constatação faz
com que eu me sinta tonta e despreocupada. — Eu pensava muito nisso. Na Selva, quero dizer, e em
como seria... E nos Inválidos, se eles realmente existiam. — Com o canto do olho tenho a impressão de
vê-lo vacilar sutilmente, então prossigo: — Às vezes, eu pensava... Eu fingia que talvez minha mãe não
tivesse morrido, sabe? Que talvez ela tivesse apenas fugido para a Selva. Não que isso fosse melhor.
Acho que eu só não queria que ela estivesse perdida para sempre. Era melhor imaginá-la em algum
lugar, cantando... — Interrompo-me e balanço a cabeça, impressionada por me sentir tão à vontade
falando com Alex. Impressionada e grata. — E você? — pergunto.
— E eu o quê? — Alex está me olhando com uma expressão que não consigo decifrar. Como se eu