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De repente, percebo como tudo está silencioso. A banda parou de tocar e a multidão se calou. O<br />
único ruído é o vento batendo na grama. De onde estamos, a quinze metros do cume, o celeiro e a festa<br />
são invisíveis. Imagino brevemente que somos as únicas pessoas na escuridão — que somos as únicas<br />
pessoas acordadas e vivas na cidade, no mundo.<br />
Então, suaves fiapos de música começam a se entrelaçar pelo ar, gentis, suspirando, tão sutis<br />
inicialmente que confundo os sons com o vento. A música é totalmente diferente das anteriores —<br />
suave e frágil, como se cada nota fosse de cristal ou um fio de seda girando no ar noturno. Mais uma<br />
vez, sou atingida por aquela beleza absoluta, diferente de tudo o que já ouvi, e do nada sou tomada pelo<br />
desejo ambíguo de rir e chorar.<br />
— Essa é minha música preferida. — Uma nuvem encobre rapidamente a lua, e sombras dançam<br />
pelo rosto de Alex. Ele ainda me olha, e eu queria saber o que ele está pensando. — Você já dançou?<br />
— Não — respondo, um pouco brusca demais.<br />
Ele ri suavemente.<br />
— Tudo bem. Não vou contar.<br />
Imagens de minha mãe: a suavidade de suas mãos enquanto ela me girava pelo piso de longas tábuas<br />
de madeira polida em nossa casa, como se fôssemos patinadoras no gelo; a característica melodiosa de<br />
sua voz enquanto ela acompanhava as músicas que saíam dos alto-falantes e ria.<br />
— Minha mãe costumava dançar — falo.<br />
As palavras escapam, e eu me arrependo quase instantaneamente.<br />
Mas Alex não me interroga nem ri. Continua me observando com firmeza. Por um instante parece<br />
prestes a dizer alguma coisa. Depois apenas estende a mão para mim através do espaço, da escuridão.<br />
— Gostaria? — pergunta ele, e mal consigo ouvir sua voz naquele vento, tão baixa que não passa de<br />
um sussurro.<br />
— Gostaria de quê?<br />
Meu coração está urrando, batendo em meus ouvidos, e ainda que haja muitos centímetros entre a<br />
minha mão e a dele há uma energia zumbindo e murmurando que nos conecta, e pelo calor inundando<br />
meu corpo parece até que estamos colados um no outro, mão com mão, rosto com rosto.<br />
— Dançar — diz ele ao mesmo tempo que se aproxima, eliminando com aqueles últimos<br />
centímetros. Então, ele encontra minha mão e me puxa para perto; naquele segundo, a música soa uma<br />
nota aguda, e eu confundo as duas impressões, a mão dele e a elevação da música.<br />
Dançamos.<br />
* * *<br />
Muitas coisas, mesmo os maiores movimentos na Terra, começam com algo pequeno. O terremoto que<br />
destrói uma cidade pode ter início com um tremor, uma trepidação, um suspiro. A música começa com<br />
uma vibração. A enchente que alagou Portland há vinte anos, após quase dois meses de chuva<br />
ininterrupta, que tomou os laboratórios e danificou mais de mil casas, arrastou pneus, sacos de lixo e<br />
sapatos velhos e fedidos, fazendo-os boiar pelas ruas como prêmios, e que deixou para trás uma fina<br />
camada de lodo verde e um fedor de podridão e decadência que durou meses, começou com uma gota<br />
de água mais fina que um dedo, lambendo as docas.<br />
E Deus criou todo o universo a partir de um átomo do tamanho de um pensamento.<br />
A vida de Grace desmoronou por causa de uma única palavra: simpatizante. Meu mundo explodiu<br />
por causa de outra: suicídio.<br />
Correção: aquela foi a primeira vez em que meu mundo explodiu.