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— Eu não disse que nos conhecemos. — Ele não tenta se aproximar de novo de mim e fico grata, pelo<br />
menos, por isso. Ele morde o canto de um dos lábios, um gesto que o faz parecer mais novo. — Deixeme<br />
fazer uma pergunta — continua ele. — Por que você não corre mais pelo Governador?<br />
Sem querer, engasgo um pouco.<br />
— Como você sabe do Governador?<br />
— Faço aulas na UP — diz ele. Universidade de Portland; agora me lembro de ter ouvido alguns<br />
fragmentos de conversa na tarde em que caminhamos até os fundos do complexo de laboratórios para<br />
ver o mar. Ele de fato disse que era estudante. — Trabalhei na Grind no semestre passado, na praça<br />
Monument. Eu via você o tempo todo.<br />
Minha boca abre e fecha. Nenhuma palavra sai; meu cérebro sempre trava quando mais preciso dele.<br />
É claro que conheço a Grind; Hana e eu corríamos por ali duas ou três vezes por semana, vendo os<br />
universitários entrarem e saírem da cafeteria como flocos de neve ao vento, soprando a fumaça de cima<br />
de seus copos. A Grind dá para uma pequena praça, toda calçada com pedrinhas, chamada Monument:<br />
ela marcava a metade de uma das rotas de dez quilômetros que eu costumava correr sempre.<br />
No centro dela há a estátua de um homem parcialmente erodida pela neve e pelo clima, e um pouco<br />
pichada. Ele está andando para a frente, segurando o chapéu na cabeça com uma das mãos, parecendo<br />
caminhar por uma tempestade terrível, ou contra uma ventania. Sua outra mão está estendida para a<br />
frente. É óbvio que no passado distante ele segurava alguma coisa — provavelmente uma tocha —, mas<br />
em algum momento esse pedaço da estátua foi quebrado ou roubado. Então, agora, o Governador<br />
avança com a mão vazia, onde há um buraco circular, um esconderijo perfeito para bilhetes e coisas<br />
secretas. Hana e eu verificávamos sua mão às vezes para ver se havia algo legal ali dentro. Mas nunca<br />
encontrávamos — apenas alguns pedaços de chiclete grudado e algumas moedas.<br />
Não sei exatamente quando Hana e eu começamos a chamá-lo de Governador ou por quê. O vento<br />
e a chuva deixaram a placa na base da estátua indecifrável. Mais ninguém o chama assim. As outras<br />
pessoas simplesmente dizem “a estátua na Monument Square”. Alex deve ter nos ouvido falando sobre<br />
o Governador algum dia.<br />
Ele continua olhando para mim, à espera, e eu percebo que não respondi à sua pergunta.<br />
— Preciso mudar minhas rotas — digo. Provavelmente, não passo pelo Governador desde março ou<br />
abril. — Enjoa. — E depois, porque não consigo evitar, pergunto com um tom estridente: — Você se<br />
lembra de mim?<br />
Ele ri.<br />
— Era bem difícil não reparar em você. Ficava correndo ao redor da estátua e dando uns pulinhos e<br />
gritinhos.<br />
Um calor sobe por meu pescoço e minhas bochechas. Devo estar completamente vermelha e<br />
agradeço a Deus por estarmos num ponto distante das luzes do palco. Esqueci completamente que eu<br />
pulava e tentava bater na mão do Governador quando Hana e eu corríamos por ali, uma maneira de me<br />
animar para a corrida de volta até a escola. Às vezes, até gritávamos “Halena!”. Devíamos parecer<br />
completamente loucas.<br />
— Eu não... — Lambo meus lábios, à procura de uma explicação que não soe ridícula. — Às vezes<br />
fazemos coisas estranhas quando corremos. Por causa das endorfinas e tudo mais. É como uma droga,<br />
sabe? Mexe com o cérebro.<br />
— Eu gostava — diz ele. — Você parecia... — Ele hesita por um instante. Seu rosto se contrai<br />
levemente, uma mudança singela que mal percebo na penumbra, mas naquele segundo ele parece tão<br />
imóvel e triste que quase perco o fôlego, como se ele fosse uma estátua ou uma pessoa diferente. Temo<br />
que ele não conclua a frase, mas, então, ele diz: — Você parecia feliz.<br />
Por um momento ficamos ali parados, em silêncio. E então, de repente, Alex está de volta, tranquilo<br />
e sorridente.