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Não. Não apenas pessoas. Meninos. E meninas. Não curados, todos eles, sem qualquer indício de<br />
cicatriz no pescoço — pelo menos os que estão perto o suficiente para que eu possa ver. Meninos e<br />
meninas conversando. Meninos e meninas rindo. Meninos e meninas bebendo do mesmo copo. De<br />
repente, acho que vou desmaiar.<br />
Hana está vindo em minha direção, usando os cotovelos para abrir caminho por entre as pessoas, e<br />
antes que eu possa sequer abrir a boca ela está pulando em cima de mim como fez na formatura,<br />
abraçando-me com força. Fico tão espantada que cambaleio para trás, quase caindo.<br />
— Você está aqui. — Ela recua e olha para mim, com as mãos em meus ombros. — Você realmente<br />
está aqui.<br />
Outra música termina, e a vocalista — uma menina minúscula com longos cabelos negros — grita<br />
algo sobre um intervalo. Enquanto meu cérebro volta a funcionar lentamente, penso algo muito idiota:<br />
Ela é ainda mais baixa que eu, e está cantando diante de quinhentas pessoas.<br />
Em seguida, penso: Quinhentas pessoas, quinhentas pessoas, o que estou fazendo aqui com quinhentas pessoas?<br />
— Não posso ficar — digo rapidamente.<br />
Assim que as palavras saem de minha boca, sinto-me aliviada. O que quer que eu quisesse provar ao<br />
vir aqui já foi provado; agora posso ir embora. Preciso sair desta multidão, da confusão de vozes, da<br />
parede inconstante de torsos e ombros me cercando. Eu estava envolvida demais pela música para olhar<br />
a meu redor, mas agora sinto cores, perfumes e mãos girando e se torcendo à nossa volta.<br />
Hana abre a boca — talvez para protestar —, mas naquele segundo somos interrompidas. Um<br />
menino com cabelos louros caindo nos olhos abre caminho até nós, trazendo dois grandes copos de<br />
plástico.<br />
O menino de cabelos louros entrega um copo para Hana. Ela pega, agradece e se vira novamente<br />
para mim.<br />
— Lena — diz ela —, este é meu amigo Drew.<br />
Acho que por um segundo ela parece culpada, mas logo o sorriso volta a seu rosto, largo como<br />
sempre, como se estivéssemos no meio da St. Anne falando de um teste de biologia.<br />
Abro a boca, mas as palavras não saem, o que provavelmente é algo bom, considerando que um<br />
alarme gigante de incêndio está gritando dentro de minha cabeça. Pode soar idiota e ingênuo, mas,<br />
enquanto me dirigia à fazenda, em nenhum momento sequer cogitei que a festa seria mista. Isso sequer<br />
me ocorreu.<br />
Violar o toque de recolher é uma coisa; ouvir música não aprovada é pior ainda. Mas desobedecer às<br />
leis de segregação é uma das maiores faltas possíveis. Por isso Willow Marks teve a intervenção<br />
antecipada e sua foi casa pichada; por isso Chelsea Bronson foi expulsa da escola após supostamente ter<br />
sido vista violando o toque de recolher com um menino do Colégio Spencer, os pais dela foram<br />
misteriosamente demitidos e a família inteira obrigada a abandonar a casa. E — pelo menos no caso de<br />
Chelsea Bronson — sequer havia provas. Apenas um boato.<br />
Drew acena ligeiramente para mim.<br />
— Oi, Lena.<br />
Minha boca se abre e se fecha. Ainda sem som. Por um segundo ficamos ali em um silêncio<br />
incômodo. Então, ele me oferece um copo, em um gesto repentino e desajeitado.<br />
— Uísque?<br />
— Uísque? — repito com um gritinho.<br />
Só bebi álcool poucas vezes. No Natal, quando tia Carol me serve um quarto de taça de vinho, e<br />
uma vez na casa de Hana, quando roubamos um licor de amora do armário de bebidas dos pais dela e<br />
bebemos até o teto começar a girar. Hana estava rindo e dando gargalhadas, mas eu não gostei, não<br />
gostei do sabor doce e enjoativo em minha boca ou do jeito como meus pensamentos pareceram<br />
dispersar-se como uma névoa ao sol. Estar fora de controle — foi o que senti, foi o que detestei.