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01- Delírio

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estamos animadas demais para ficar sérias para as fotos. Todo mundo está se curvando de tanto rir,<br />

então tudo o que se pode ver nas fotografias é o topo de nossas cabeças.<br />

Quando chega minha vez de tirar a foto, Hana, no último segundo, pula e coloca o braço em volta<br />

de meus ombros, e o fotógrafo fica tão espantado que aperta o botão assim mesmo. Click! Lá estamos<br />

nós: estou virada para Hana, com a boca aberta, surpresa, quase rindo. Ela está bem mais alta que eu,<br />

tem os olhos fechados e a boca aberta. Realmente acredito que havia algo especial naquele dia, algo<br />

dourado e talvez até mágico, porque, apesar de meu rosto estar completamente vermelho e meus cabelos<br />

parecerem grudados na testa, é como se eu tivesse ficado um pouco impregnada de Hana — porque,<br />

apesar de tudo, e só naquela foto, estou bonita. Mais que bonita. Linda, até.<br />

A banda da escola continua tocando, quase sempre afinada, e a música flutua pelo campo e é ecoada<br />

pelos pássaros que voam em bandos no céu. É como se algo se erguesse neste momento, alguma pressão<br />

ou divisória enorme, e antes que eu me dê conta todas as minhas colegas de turma estão se juntando em<br />

um abraço gigante, pulando e gritando: “Conseguimos! Conseguimos! Conseguimos!” E nenhum pai ou<br />

professor tenta nos separar. Quando nos afastamos, vejo-os à nossa volta, observando-nos com<br />

expressões pacientes e mãos unidas. Encontro o olhar de minha tia, e meu estômago se embrulha de um<br />

jeito estranho, e percebo que ela, assim como os outros, está nos dando este momento — nosso último<br />

momento juntas, antes que as coisas mudem para sempre.<br />

E as coisas vão mudar — elas estão mudando, mesmo neste segundo. Conforme o grupo vai se<br />

desfazendo em aglomerados de alunas, e os aglomerados se desfazem em indivíduos, noto Theresa Grass<br />

e Morgan Dell já atravessando o gramado em direção à rua. Cada uma anda com sua família, mantendo a<br />

cabeça baixa, sem olhar para trás nenhuma vez. Percebo que elas não estavam celebrando conosco, e me<br />

ocorre que também não vi Eleanor Rana, Annie Hahn nem as outras alunas curadas. Já devem ter ido<br />

para casa. Uma dor curiosa lateja no fundo de minha garganta, mas é claro que é assim que as coisas são:<br />

tudo termina, as pessoas seguem em frente e não olham para trás. É como as coisas devem ser.<br />

Vejo Rachel na multidão e corro até ela, subitamente ansiosa para estar perto dela, desejando que ela<br />

abaixe o braço e bagunce meu cabelo, como costumava fazer quando eu era muito pequena, e diga<br />

“muito bem, Maluquinha”, o antigo apelido que ela me deu.<br />

— Rachel! — Estou ofegante sem motivo algum e tenho dificuldade de fazer as palavras saírem.<br />

Estou tão feliz em vê-la que sinto que poderia começar a chorar. Mas não o faço, obviamente. — Você<br />

veio.<br />

— É claro que vim. — Ela sorri para mim. — Você é minha única irmã, lembra? — Ela me entrega<br />

um buquê de margaridas, frouxamente enrolado em papel marrom. — Parabéns, Lena.<br />

Enfio o rosto nas flores e inspiro, tentando resistir ao impulso de avançar e abraçá-la. Por um<br />

segundo ficamos paradas ali, piscando uma para a outra, e em seguida ela estende os braços em minha<br />

direção. Tenho certeza de que vai me envolver em um abraço, como nos velhos tempos, ou, ao menos,<br />

me apertar com um dos braços.<br />

Em vez disso, ela simplesmente tira uma mecha de cabelo de minha testa.<br />

— Eca — diz ela, ainda sorrindo. — Você está toda suada.<br />

É idiota e imaturo me sentir decepcionada, mas é o que sinto.<br />

— É a beca — respondo, e percebo que, sim, deve ser esse o problema: é a beca que está me<br />

sufocando, me apertando, dificultando minha respiração.<br />

— Vamos — diz ela. — Tia Carol vai querer parabenizá-la.<br />

Tia Carol está na borda do campo com meu tio, Grace e Jenny, conversando com a Sra. Springer,<br />

minha professora de história. Vou andando atrás de Rachel. Ela é apenas alguns centímetros mais alta<br />

do que eu, e caminhamos juntas, em sincronia, mas separadas por um espaço de quase um metro. Ela<br />

está quieta. Dá para perceber que já está se perguntando quando poderá voltar para casa e continuar<br />

com a própria vida.

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