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01- Delírio

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intervenção e tudo ficou bem; de que ela passou pela intervenção e seu cérebro fritou, e agora estão<br />

pensando em interná-la nas Criptas, o presídio-manicômio de Portland; de que ela fugiu para a Selva.<br />

Apenas uma coisa é certa: toda a família Marks agora está sob vigilância constante. Os reguladores<br />

culpam os pais de Willow — e toda a família — por não incutirem nela uma educação adequada, e,<br />

apenas alguns dias após ela ter sido encontrada no parque Deering Oaks, ouvi meus tios sussurrando<br />

que os pais de Willow haviam sido demitidos de seus empregos. Uma semana depois, escutamos que<br />

tiveram de ir morar com um parente distante. Aparentemente, as pessoas não paravam de jogar pedras<br />

nas janelas deles, e uma lateral da casa estava toda pichada com uma única palavra: SIMPATIZANTES. Isso<br />

não faz sentido, porque os pais de Willow insistiram abertamente para que a filha passasse pela<br />

intervenção antes da hora, apesar dos riscos, mas, como diz minha tia, as pessoas ficam assim quando<br />

estão assustadas. Todo mundo está morrendo de medo de que o deliria de alguma forma invada Portland<br />

em grande escala. Todos querem prevenir uma epidemia.<br />

Sinto muito pela família Marks, é claro, mas é assim que as coisas funcionam. É como os<br />

reguladores: você pode não gostar das patrulhas ou das verificações de identidade, mas, como sabe que é<br />

tudo para sua proteção, é impossível não cooperar. E pode parecer horrível, mas não penso na família de<br />

Willow por muito tempo. Tenho muitos papéis da escola para arquivar, muito nervosismo, muitos<br />

armários para esvaziar, muitas provas finais para fazer e muitas pessoas de quem me despedir.<br />

Hana e eu mal encontramos tempo para correr juntas. Quando conseguimos, por um acordo tácito,<br />

mantemos nossas antigas rotas. Ela não menciona mais a tarde nos laboratórios, o que me surpreende.<br />

Mas a mente de Hana tende a vagar, e sua nova obsessão é um colapso na parte norte da fronteira, que<br />

dizem ter sido causado pelos Inválidos. Nem considero a hipótese de voltar aos laboratórios, nem<br />

mesmo por um único segundo. Concentro-me em qualquer coisa que não sejam minhas dúvidas<br />

remanescentes em relação a Alex — o que não é tão difícil, tendo em vista que agora não consigo<br />

acreditar que passei uma noite pedalando pelas ruas de Portland, mentindo para Carol e para os<br />

reguladores, apenas para encontrá-lo. No dia seguinte, a coisa toda pareceu um sonho ou uma ilusão.<br />

Digo a mim mesma que devo ter ficado temporariamente louca: uma confusão cerebral por ter corrido<br />

no calor.<br />

Na cerimônia de formatura, Hana se senta três fileiras à minha frente. Ao passar por mim, ela<br />

estende a mão para segurar a minha — dois apertos longos, dois curtos — e, quando se senta, inclina a<br />

cabeça para trás para que eu veja que ela escreveu com um marcador no topo do capelo: GRAÇAS A DEUS!<br />

Reprimo uma risada, e ela se vira e simula uma expressão de austeridade. Todas nós estamos bobas, e eu<br />

nunca me senti tão próxima das meninas da St. Anne quanto hoje — todas suando sob o sol, que brilha<br />

acima de nós como um sorriso exagerado, enquanto nos abanamos com os folhetos da cerimônia,<br />

tentando não bocejar ou revirar os olhos enquanto a diretora McIntosh discursa sobre “a vida adulta” e<br />

“nossa entrada na ordem da comunidade”, cutucando-nos umas às outras e puxando as golas de nossas<br />

becas incômodas para permitir que um pouco de ar desça por nosso pescoço.<br />

Familiares estão sentados em cadeiras de plástico dobráveis brancas, sob uma lona creme com<br />

bandeiras tremulantes: a bandeira da escola, a da cidade, a do estado e a nacional. Eles aplaudem<br />

educadamente cada aluna que sobe ao palco para receber seu diploma. Em minha vez, olho pela plateia,<br />

à procura de minha tia e minha irmã, mas estou tão nervosa, com medo de tropeçar e de cair enquanto<br />

vou ao palco e recebo o diploma das mãos da diretora McIntosh, que não consigo ver nada além de<br />

cores — verde, azul, branco e uma bagunça de rostos cor-de-rosa e marrons —, nem identificar<br />

qualquer som além do ruído de palmas. Apenas a voz de Hana soa alta e clara como um sino: “Aleluia,<br />

Halena!” É nosso grito de guerra especial que costumávamos dar antes das corridas e dos testes, uma<br />

combinação de nossos nomes.<br />

Depois, fazemos uma fila para tirar fotos individuais com o diploma. Contrataram um fotógrafo<br />

oficial, e um fundo azul foi armado no meio do campo de futebol, onde todas nós posamos. Mas

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